Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:021/10.5BEPRT
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
ISENÇÃO SUBJECTIVA
PESSOAS COLECTIVAS DE DIREITO PÚBLICO
ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - Constituindo a incidência uma regra, a isenção de tributação consubstancia uma excepção consagrada pelo legislador. Estamos perante uma isenção quando a lei subtrai à tributação, através da previsão normativa de um facto impeditivo, situações e sujeitos que, de outro modo, estariam abrangidos pelo âmbito da norma de incidência do imposto. No artº.9, do C.I.R.C., surgem previstas as isenções subjectivas ou pessoais, ou seja, que atendem à qualidade ou natureza dos sujeitos passivos (cfr.artº.2, do C.I.R.C.), que assim vêm em seu favor delimitada negativamente a incidência do imposto.
II - A entidade recorrida é uma pessoa colectiva de direito público e foi constituída como Associação de Municípios de fins específicos, integrando os municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde.
III - Da concatenação entre o artº.36, da Lei 11/2003, de 13/05, e o artº.9, nº.1, als.a) e b), do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2007, deve concluir-se que a equiparação entre as associações de municípios e as autarquias locais não tinha razão em sede de I.R.C., assim não sendo as primeiras enquadráveis na previsão da al.a), do citado artº.9, nº.1, do C.I.R.C.
IV - A isenção fiscal consagrada no artº.9, nº.1, al.b), do C.I.R.C., reveste a natureza de isenção subjectiva mista, face à qual de deve examinar os exactos termos e extensão em que a entidade a isentar de imposto exerceu, ou não, actividades comerciais, industriais ou agrícolas.
V - Nos presentes autos, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos dos artºs.682, nº.3, e 683, nº.1, ambos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa do processo, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites identificados neste acórdão.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28747
Nº do Documento:SA220220112021/10
Data de Entrada:07/02/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:LIPOR - SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESIDUOS DO GRANDE PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, constante a fls.468 a 474-verso do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação intentada pela entidade impugnante, "Lipor - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto", tendo por objecto a autoliquidação de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2007 e no valor total de € 1.035.061,15.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.492 a 496-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 9º alínea b) do código do IRC;
B-A Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, ora impugnante, é uma pessoa colectiva de direito público, constituída como Associação de Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde, através de escritura pública outorgada em 12.11.1982, cfr. estatutos da LIPOR publicados no DR nº 284 de 10.12.1982, III Série, fls. 17216 a 17221 e republicados no D.R. nº 130 de 05.06.2001, III Série, fls. 12158 – (24) a 12158 (29), que constam de fls.;
C-De acordo com o artigo 2º dos Estatutos da Impugnante republicados no D.R. nº 130 de 05.06.2001, III Série:
“1. A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.
2. A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato e vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles.
3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se.
a) Ao tratamento de resíduos sólidos;
b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares;
c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto. (…);
D-No que concerne ao enquadramento da impugnante em sede de sujeição e isenção ou não a IRC, a Fazenda Pública propugna, salvo o devido respeito, que a sentença recorrida não pondera devidamente os regimes legais aplicáveis nem as razões atendíveis para afastar a impugnante das normas de isenção al. a) e al. b) do artigo 9º do Código do IRC;
E-A Lei nº11/2003, de 13/05, invocada pela impugnante, designadamente o seu artigo 36º, dispunha assim: “As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”;
F-A Fazenda Publica rejeita a afirmação que admite que a remissão do artigo 36º da Lei nº 11/2003, de 13/05, é realizada para os termos previstos na al. a) do art. 9º, nº 1,do CIRC, “por mais discutível que possa ser a opção legislativa ou a redação da norma remissiva e da norma de remissão (…)”;
G-Esta conclusão não apresenta qualquer raciocínio que torne congruente a norma daquele artigo com o CIRC;
H-Valem aqui as razões adiantadas no parecer nº 85/2006 emitido pelo Centro de Estudos Fiscais, referido na informação nº 1399/2006 da Direcção de Serviços do IRC, segundo o qual a interpretação daquele artigo 36, como uma remissão para a alínea a) do nº 1 do artigo 9º do CIRC, subtrai todo o efeito útil à alínea b) desse mesmo artigo;
I-Até porque, se o legislador pretendesse que as associações de municípios beneficiassem da isenção prevista para as autarquias a que se refere a al. a), mesmo quando exercessem actividades comerciais, industriais ou agrícolas e delas obtivessem rendimentos;
J-Não só não restaria espaço para a aplicação da alínea b), como teria até que considerar-se a mesma implicitamente revogada, a partir da entrada em vigor da Lei nº 11/2003;
K-Tal como refere o supra citado parecer, não existem razões para pensar que o legislador tenha pretendido com a Lei nº 11/2003, proceder à revogação implícita de todas as normas que se referissem, de modo especial às associações de municípios;
L-Mas sim que tenha querido salvaguardar a aplicação das normas especiais que fixem tratamento especial para essas associações preservando o feito útil destas – assim a remissão genérica do artigo 36º da Lei nº 11/2003, não prejudica a aplicação de normas especiais como seja alínea b, do nº 1, do artigo 9º, do CIRC, tributando e não isentando os rendimentos empresariais destes entes;
M-O inciso decisório entende ainda que “ (…) mesmo que se entendesse ser aplicável a alínea b) – que refere expressamente as associações de municípios – a conclusão seria a mesma, uma vez que, ao contrário do que defende a A.T. e a Fazenda Pública, não se pode concluir que a impugnante exerceu uma actividade comercial, industrial ou agrícola. (…)”;
N-Com o devido respeito por diferente opinião não pode a Fazenda Pública, conformar-se com o doutamente decidido;
O-De acordo com o artigo 9, alínea b) do Código do IRC, ficam isentos de IRC “As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.”;
P-Esclarece o artigo 3, nº.4, que para efeito de Código de IRC, “são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.”;
Q-A isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao caracter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer actividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou acessório;
R-O artigo 9 alínea b) do Código de IRC, refere o exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, sem distinguir se se trata de uma actividade exercida a título principal ou a título acessório;
S-É a própria recorrida que admite que e passamos a citar “(…) que a actividade empresarial da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos hospitalares (…)”;
T-Sustentando que o desenvolvimento desta actividade empresarial, que qualifica como acessória, surge como meio de financiamento da actividade principal, sem distribuição de lucros;
U-Decorre, implicitamente, da alínea b) do artigo 9 do CIRC, que basta o exercício de uma qualquer daquelas actividades, seja a título principal, seja a título acessório para que a associação de municípios não se mantenha abrangida pela isenção aqui prevista;
V-Para efeitos de enquadramento na isenção de IRC prevista no artigo 9, do Código de IRC, releva o não exercício das actividades ali discriminadas e não o destino (distribuição de lucros/investimento na actividade principal) ao resultado obtido pelo exercício dessas actividades;
W-Nestes termos, contrariamente ao doutamente decidido, teremos que concluir e acompanhar o parecer do Digno Magistrado do Ministério Público datado de 23.01.2013, “(…) Assim, decidindo pela não isenção p. no art.3, nº.4 e 9, nº.1, b), do CIRC, emitimos parecer no sentido da improcedência da presente impugnação judicial.”;
X-Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço designadamente, enquadrando a recorrida nas isenções previstas nas alíneas a) e b) do artigo 9º do IRC.
X
A entidade impugnante e ora recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.499 a 520 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta;
B-Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123º do CPPT e pelos nº2 e 3 do artigo 659º do CPPT, ou, bem assim qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668º do CPC;
C-Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário – impugnado – face às questões jurídicas suscitadas;
D-A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tornado públicos no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e dos serviços públicos;
E-A respeito da questão central dos presentes autos, a saber se a LIPOR exerce ou não, a título principal, uma actividade comercial e industrial, o Tribunal a quo não hesita em responder negativamente. E falo com a consciência de que, como consta nos estatutos da Impugnante publicados em Diário da República e não colocado em causa pela AT, o objecto imediato da LIPOR é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelo municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra estruturas necessárias para o efeito, assim sendo, a actividade exercida pelo LIPOR tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade pode ser exercida por privados (o que não é o caso),não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública);
F-Ora, assim não pensa a recorrente, que coloca a noção de “actividade exercida a título principal “no centro das soluções que propõe: todo o Direito a que a recorrente recorre – uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à LIPOR da isenção de IRC – para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto;
G-A tese prosseguida pela recorrente merece, no entanto, alguns esclarecimentos: pela actividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objecto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do nº 4 do artigo 3º do Código de IRC, uma actividade que consista na realização de operações económicas. Depois, de acordo com a Doutrina unânime, por actividade económica entende-se uma actividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades – págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980º do Código Civil, o “(c)ontrato da sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.”;
H-Sublinhe-se, neste momento que, nem as associações do regime geral (cfr. o artigo 157.º do Código Civil), nem nas associações municipais, o lucro pode ser repartido pelos associados;
I-Ora, a noção de “actividade exercida a título principal” tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativo ou ainda, subsidiariamente, de objecto social, e atendendo, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objectos principais e acessórios;
J-Neste ponto, a sentença recorrida é exímia: subjacente ao sentido da decisão do Tribunal está, pois, a caracterização de um determinado fim de uma associação ou objecto de uma sociedade como “principal” dever-se-á fazer por apelo ao critério que melhor conjugue, por uma lado, a teleologia - isto é, o propósito, quanto a essa matéria, de quem constituiu a associação ou a sociedade - com, por outro lado, a formalidade - ou seja, a percepção que a comunidade jurídica pode ter de qual é esse objecto a partir dos documentos públicos que garantem a transparência e a segurança do tráfego jurídico. Assim sendo, melhor meio não há para averiguar qual o objecto principal de uma associação ou sociedade do que indagá-lo a nível estatutário;
K-E esta tese é, de resto, bem apoiada na Doutrina societária, que vem definindo o objecto da sociedade como a actividade económica de não mera fruição que o sócio ou os sócios se propõem exercer através da sociedade ou propõem que a sociedade exerça (cfr., de novo por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Ob Cit, págs. 8 e seguintes). Pelo que, então, o objecto principal dessa sociedade (ou o fim principal de uma associação) há-de sempre ser aquele que os sócios (ou os associados) fizeram, em primeira linha, constar expressamente do acto constituinte ou negócio jurídico por excelência expressivo da sua vontade - isto é, os estatutos;
L-Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2° da Lei 11/2003, as associações de municípios de fins específicos (como a LIPOR) são pessoas colectivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. Aliás, do artigo 5° do mesmo diploma extrai-se a confirmação de que as mesmas não podem exercer (pelo menos a título principal) uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que as integram). As atribuições aí elencadas, enquadradas até pela referência do corpo do n.º 1 a “fins públicos”, nada têm a ver com um qualquer carácter empresarial, constituindo simplesmente atribuições dos próprios municípios, agora levadas a cabo de forma delegada pelas associações;
M-É o que acontece no caso concreto, como bem preconiza a sentença de que se recorre: é ao Estado e, mais especificamente, aos municípios - como todos reconhecem - que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado - dos municípios - nos resultados da actividade, mas um verdadeiro «dever que visa, garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a actuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial;
N-Por outro lado, qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objecto social seria imprestável;
O-Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respectivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afectação a esse fim dos recursos da entidade em causa - segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma actividade não-lucrativa é a actividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afectação de recursos superassem as receitas e os níveis de afectação às restantes. Um tal critério seria imprestável, desde logo, em abstracto, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios;
P-E que, como também se defende na decisão recorrida, uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercido de outras actividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da actividade principal - é o que acontece no caso concreto!
Q-Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu (bem) que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto;
R-Tendo em conta que a atividade acessória da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respetivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a LIPOR aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria;
S-Ademais, como bem reconhece o Tribunal a quo, os proveitos resultantes daquela atividade acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a atividade principal, muitas vezes até por imposições de Diretivas comunitárias e regulamentos do sector. Aqueles proveitos eventuais, não servem, assim, os fins que servem os lucros nas sociedades que prosseguem atividades comerciais, industriais e agrícolas, antes são integralmente alocados à prossecução dos interesses públicos que definem o seu objeto e a sua vocação;
T-De resto, se fosse aquela - a atividade de recolha e tratamento de resíduos - a atividade pretendida, por definição e vocação, pela LIPOR, a forma jurídica que adotaria nunca seria, no seu próprio interesse, o de uma associação de municípios, mas aquela que lhe permitisse atuar como um agente económico livre - fixando livremente os preços dos serviços que presta e concorrendo a concursos públicos - e distribuir os lucros aos sócios;
U-É, pois, partindo do princípio de que a LIPOR não exerce uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola que devemos interpretar a sua situação tributária;
V-No fundo, temos que cabe à LIPOR a assunção direta de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) - é esta a destinação do essencial da sua atividade -, assumindo a Impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja atuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos;
W-Assim, de outra forma não se pode concluir senão que, caso se considere em vigor a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, a situação da LIPOR cabe, sem dúvida, no seu âmbito;
X-É verdade que a letra da aludida alínea se refere às associações de municípios “que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas”, isto é, sem distinguir expressamente, na previsão literal da isenção, as que as exercem a título principal;
Y-No entanto, este facto não coloca em causa a linha argumentativa que vimos traçando: o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, no qual a referência àquelas atividades se reporta sempre ao seu exercício a título principal;
Z-Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29.11.2000, no âmbito do processo n° 025580, dc acordo com o qual “I- Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do n°1 do art 9° do CIRC, as pessoas coletivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II- Podem beneficiar desta isenção pessoas coletivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais atividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção às que tenham atividades próprias de investigação científica”. Para concluir desta forma, esclarece aquele Tribunal, com interesse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas coletivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as atividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos fins científicos, designadamente que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos”;
AA-Nestes termos, a AT só pode tributar a LIPOR com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma atividade comercial a título principal (e não a qualquer outro título - acessório, marginal, residual, isolado), algo que, como vimos, não se verifica;
BB-As liquidações são, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da actividade da Impugnante e o Direito aplicado, ilegais.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.529 do processo físico).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.535 e 537 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.468-verso a 473 do processo físico):
A-A "Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas" emitiu a Informação n.º 1399/2006, de 18/10/2006, com o seguinte teor:

"ASSUNTO: Enquadramento fiscal – Associação de Municípios
DIPLOMA: CIRC ARTIGO: 9.º
ENTIDADE INTERESSADA: Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de resíduos do Grande Porto
…a Divisão de Inspecção I, da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finança do Porto, solicitou a apreciação jurídica do enquadramento tributário em sede de IRC do sujeito passivo Lipor - Serviços Intermunicipalizado de Gestão de resíduos do Grande Porto, nipc 501 394 192.
A questão que se apresentava tinha a ver com a incompatibilidade entre a Lei que contém o regime das Associações de Municípios e o Código do IRC, no que respeita ao regime fiscal das associações de municípios.
Por um lado, temos a Lei 11/2003, de 13.05, …, determinando no seu artigo 36.º que “as comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”, estando estas isentas de IRC, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.
Por outro lado, temos a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do mesmo Código do IRC que exclui da isenção deste imposto as associações de municípios que exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.
Lipor
1. A Lipor é uma associação de municípios de fins específicos, sendo pessoa colectiva de direito público, criada para a realização de fins específicos comuns aos municípios que a integram.
2. Dos estatutos da Lipor consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. Contudo, a Lipor pode ainda, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.
Resumo das informações anteriores
3. Na sua informação, a DF do porto propugna que a isenção estabelecida no art.º 36.º da Lei 11/2003 aplica-se às associações enquanto no exercício da actividade de interesses específicos comuns aos municípios (associados) e no que respeita às outras actividades, prestadas a título secundário, com carácter comercial e industrial, seriam tributadas de acordo com o disposto no art.º 15.º n.º 1 alínea b) e art.ºs 48.º e 49.º do Código de IRC, sendo afastada a isenção.
4. Entendem que a não ser retirada esta interpretação do art.º 36.º da Lei 11/2003. De 13.05, não faz qualquer sentido a existência, no Código do IRC, da alínea b), do n.º 1. Do art.º 9.º, pois o referido artº 36.º encaminharia automaticamente o enquadramento de qualquer associação de municípios para a alínea a) do n.º 1 do art.º 9.º do Código do IRC, porque as “equipara” a autarquias locais.
5. Na informação n.º 384/2006 desta Direcção de Serviços também se tentou uma via de compatibilização dos regimes.
6. Todavia, fomos de opinião que a actividade desenvolvida pela Lipor, não obstante consubstanciar um serviço público, assenta numa estrutura empresarial, pelo que a considerámos, para efeitos de IRC, como uma entidade que exerce, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
7. No entanto, trata-se de uma entidade em concreto que além de realizar interesses compreendidos nas atribuições dos municípios (tratamento dos lixos), pela própria natureza da actividade, também promove outros interesses de teor mais empresarial e que poderiam ser desenvolvidos, em concorrência por privados.
8. Pelo que, em nossa opinião, as actividades desenvolvidas pela Lipor poderiam ser decompostas em dois grupos.
9. Por um lado, a actividade que poderia ser directamente exercida por cada um dos municípios, não havendo dúvidas que a equiparação às autarquias, para efeitos de isenção fiscal, funcionaria. Como se disse, talvez seja essa a razão da existência da norma de natureza fiscal prevista nos diplomas autónomos.
10. E, assim, poder-se-ia entender que os rendimentos, obtidos pela Lipor, que respeita, à prestação de serviços efectuada directamente às Câmaras deviam ser considerados isentos, naqueles termos, já que são esses os rendimentos provenientes da realização de interesses compreendidos nas atribuições dos respectivos municípios
11. Por outro lado, fruto das próprias circunstâncias da evolução técnica do tratamento do lixo, a Lipor obtém rendimentos de outras actividades que exigem estrutura empresarial e que podem ser exercidas por quaisquer entidades privadas.
12. Quanto a estes, já não actuaria a equiparação a autarquias locais para efeitos fiscais e estariam sujeitos a imposto nos termos gerais.
13. Contudo, a Senhora Directora de Serviços, entendeu ser de ouvir o Centro de Estudos Fiscais (CEF) nesta matéria, visto que o tratamento, em sede de IRC, das associações de municípios não se lhe afigura isento de dúvidas, face às sucessivas publicações de leis que regulam o respectivo regime jurídico e atenta a incompatibilidade entre os regimes fiscais estabelecidos nestas leis e no artigo 9.º do Código do IRC, mostrando-se inadequada a resolução da questão através das regras de aplicação da lei no tempo e do estabelecimento de uma relação de especialidade entre as duas leis (Cfr informação n.º 384/2006 da DSIRC).
Parecer n.º 85/2006 do CEF
14. Quanto à actividade da Lipor, o Parecer do CEF conclui que esta exerce, a título principal, actividades de natureza comercial e industrial, tal como estas são definidas no artigo 3.º, n.º 4, do Código do IRC, apesar de, naturalmente, estas actividades se integrarem no âmbito das atribuições dos municípios, pois não poderiam os municípios constituir associação que visasse a realização de actividades que exorbitassem das suas atribuições.
15. No que concerne à remissão genérica operada pelo artigo 36.º da Lei 11/2003, de 13/05, para as normativas legais que estabelecem isenções para as autarquias ocais não deve ser entendida como prejudicando as normas especiais que expressamente se referem às associações de municípios, como a da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.
16. De acordo com o citado Parecer, neste sentido militam importantes razões de forma e de substância.
17. Caso a remissão fosse entendida como dirigida à alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, seria subtraído qualquer efeito útil à alínea b); havendo que considerá-la implicitamente revogada a partir da entrada em vigor da Lei 11/2003, de 13 de Maio.
18. Por outro lado, o artigo 36.º da citada lei possui um campo de aplicação muito mais vasto, estendendo-se a todos os impostos, não existindo razões para pensar que o legislador tenha querido proceder à revogação implícita de todas as normas que se refiram, de modo especial, às associações de municípios.
19. Assim, no que respeita à interpretação da lei, aquele Parecer conclui que o artigo 36º da Lei 11/2003, de 13.05, deve interpretar-se no sentido de remeter, em matéria de IRC, para a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código, querendo isto dizer que as associações de municípios apenas gozarão de isenção deste imposto quando as actividades que exerçam não possuam natureza comercial, industrial ou agrícola, condição que não se verifica quanto à actividade exercida pela Lipor.
20. No sentido de trazer maior clareza e segurança ao regime fiscal aplicável às associações de municípios, sugere-se, no parecer, uma alteração ao artigo 9.º do Código do IRC no sentido de fundir as alíneas a) e b) do n.º 1.
Conclusão
Face a todas as questões levantadas na informação n.º 384/2006 desta Direcção de Serviços, o CEF emitiu parecer no sentido de deixar à instância própria, neste caso, ao Código do IRC, a definição do regime fiscal destas entidades, no que àquele imposto se refere.
De facto, foi entendido que a remissão genérica do artigo 36º da Lei 11/2003, de 13.05, não prejudica a aplicação de normas especiais como a da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC.
Assim, as associações de municípios apenas beneficiam de isenção de IRC quando não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.
Neste caso, uma vez que a Lipor exerce, a título principal, actividades de natureza comercial e industrial, tal como estas são definidas no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, consistindo a sua fonte de rendimentos na realização de operações económicas de carácter empresarial, não obstante serem desenvolvidas no âmbito das atribuições dos municípios, não está isenta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC.
Quanto à proposta de alteração legislativa, somos de opinião que não introduz nenhuma modificação de substância, nem acrescenta mais-valia no que concerne à interpretação do regime.(…)";
B-Em 24/04/2009, a Impugnante apresentou declaração periódica de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2007, de que resultou uma autoliquidação no montante de € 1.035.061,15.
Fls 89 a 94 dos autos e fls 208 do P.R.G.;
C-Em 24/04/2008, a Impugnante apresentou Reclamação graciosa do acto de autoliquidação.
Fls 190 a 198;
D-Em 24/11/2009, foi proferido o seguinte “Parecer” pela “Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças de Porto”:

[Imagem]

Fls 200 a 206

E-Em 26/11/2009, foi proferido “Projecto de Despacho”, com o seguinte teor:

[Imagem]



F-Em 18/12/2009, foi proferido o seguinte “Parecer” pela “Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças de Porto”:

[Imagem]

G-Em 18/12/2009, foi proferido “Despacho”, com o seguinte teor:

[Imagem]


H-Em 24/04/2009, a Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Gondomar 2, a garantia bancária n.º GAR/09302387 do BPI, de 21/04/2009, no valor de € 1.345.981,16, para suspensão do processo de execução “…que eventualmente venha a ser instaurado…”.
Fls 201 e 202 do P.R.G.
I-Em 14/07/2009, foi instaurado o P.E.F. n.º 3468200901058509 - Certidão de dívida nº 2009 612129 - ascendendo a quantia exequenda a € 1.035.061,15.
Fls 52 do P.A. e fls 209 do P.R.G.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
Os depoimentos prestados pelas testemunhas não foram relevados pelo Tribunal, uma vez que a decisão da presente causa reconduz-se a questão de direito…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar procedente a presente impugnação, em consequência do que decretou a anulação da autoliquidação de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2007 e objecto do processo (cfr.al.B) do probatório).
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que rejeita a afirmação da sentença recorrida ao admitir que a remissão do artº.36, da Lei 11/2003, de 13/05, é realizada para os termos previstos na al.a), do artº.9, nº.1, do C.I.R.C. Que a interpretação do citado artº.36, como consagrando uma remissão para a al.a), do artº.9, nº.1, do C.I.R.C., subtrai todo o efeito útil à alínea b) deste mesmo artigo. Que decorre, implicitamente, da mencionada al.b), do artº.9, nº.1, do C.I.R.C., que basta o exercício de uma qualquer daquelas actividades, seja a título principal, seja a título acessório, para que a associação de municípios não se mantenha abrangida pela isenção na norma prevista. Que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, ao enquadrar a entidade recorrida nas isenções previstas nas alíneas a) e b), do nº.1, do artº.9, do C.I.R.C. (cfr.conclusões A) a X) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da "diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código".
Constituindo a incidência uma regra, a isenção de tributação consubstancia uma excepção consagrada pelo legislador. Estamos perante uma isenção quando a lei subtrai à tributação, através da previsão normativa de um facto impeditivo, situações e sujeitos que, de outro modo, estariam abrangidos pelo âmbito da norma de incidência do imposto. No artº.9, do C.I.R.C., surgem previstas as isenções subjectivas ou pessoais, ou seja, que atendem à qualidade ou natureza dos sujeitos passivos (cfr.artº.2, do C.I.R.C.), que assim vêm em seu favor delimitada negativamente a incidência do imposto (cfr.Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.53 e seg.; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.105 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, começamos por referir que a entidade recorrida "LIPOR" é uma pessoa colectiva de direito público e foi constituída como Associação de Municípios de fins específicos, integrando os Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde (cfr.alíneas A) e D) do probatório).
A Lei 11/2003, de 13/05, diploma que estabeleceu o regime de criação das comunidades intermunicipais e se aplica ao caso dos autos, previa no seu artº.1, nº.2, a existência de dois tipos de comunidades: comunidades intermunicipais de fins gerais e associações de municípios de fins específicos. Mais se consagrava no artº.2, da mesma lei que a associação de municípios de fins específicos é uma pessoa colectiva de direito público criada para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que a integram. Por sua vez, nos termos do artº.5, do citado diploma, as associações eram criadas para a prossecução de determinados fins públicos no âmbito das atribuições concedidas às autarquias locais, designadamente, na área do ambiente. E, nos termos do seu artº.6, os recursos financeiros das associações assim criadas compreendiam, entre outros, o produto da venda de bens e serviços (cfr.alínea g), do nº.3).
Dispunha ainda o artº.36, da aludida Lei 11/2003, que "As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais".
Por sua vez, o artº.9, nº.1, als.a) e b), do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2007, tinha a seguinte redacção:
1 - Estão isentos de IRC:
a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial;
b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas;
(…)
Ora, no que diz respeito à matéria nuclear em apreciação nos presentes autos, somos forçados a acompanhar o discurso jurídico constante do Ac. deste S.T.A.-2ª.Secção, de 10/03/2021, rec.03161/16.3BEPRT, o qual o signatário subscreveu enquanto adjunto, quando aponta que "…apenas a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC pode aqui ser equacionada - aliás, em bom rigor, só ela o era, mesmo nos termos da legislação anterior, uma vez que a equiparação que o artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, fazia entre associações de municípios e autarquias locais apenas tinha razão de ser nos casos de impostos em que não existisse qualquer referência expressa àquelas; o que não era, notoriamente, o caso do IRC, que distinguia umas e outras entidades. Assim, e como vimos, a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não é uma isenção subjectiva simples, mas antes mista (com elemento objectivos, portanto): nem todas as associações de municípios se encontram isentas, mas tão só aquelas "que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas."…" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/10/2021, rec.04/16.1BEPRT).
Com esta visão hermenêutica da concatenação entre o artº.36, da Lei 11/2003, de 13/05, e o artº.9, nº.1, als.a) e b), do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2007, deve concluir-se que padece a sentença recorrida de erro de julgamento de direito ao enquadrar a possível isenção de I.R.C. da entidade recorrida no citado artº.9, nº.1, al.a), do C.I.R.C., norma que consagra uma isenção subjectiva simples que atende unicamente à qualidade do sujeito isento.
Haverá, agora, que examinar o possível enquadramento da entidade recorrida na previsão do artº.9, nº.1, al.b), do C.I.R.C., assim beneficiando da isenção prevista neste normativo, conforme também decidiu a sentença do Tribunal "a quo".
Nesta sede, basta confrontar a natureza da isenção sob exame (isenção subjectiva mista) com os exíguos elementos de facto levados ao probatório para vincar que existe uma absoluta insusceptibilidade de se poder discutir os exactos termos e extensão em que a entidade impugnante e ora recorrida exerceu actividades comerciais, industriais ou agrícolas. É que, se bem interpretamos a sentença recorrida, como tomou a isenção referida como exclusivamente subjectiva (e não mista), apenas se preocupou em escrutinar os estatutos da associação de municípios impugnante, secundarizando quase por completo o condicionalismo objectivo da norma de isenção, traduzido na actividade real da mesma, assim não aplicando devidamente a norma, por não ter base instrutória para o efeito (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/03/2021, rec.03161/16.3BEPRT).
Pelo que, se verifica a insuficiência da matéria de facto que habilite ao conhecimento da questão de direito, impondo-se a remessa dos autos à 1ª. instância, a fim de ser ampliada a matéria de facto, tendo em consideração a interpretação que ora se faz da isenção fiscal consagrada no artº.9, nº.1, al.b), do C.I.R.C.
Releve-se que a falta de apuramento de tais factos resulta da omissão de diligências que se impunha realizar por parte do Tribunal "a quo", pelo que a sentença sindicada padece de défice instrutório, sendo que o S.T.A. é um Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), com exclusiva competência em matéria de direito, em regra (cfr.artº.26, al.b), do E.T.A.F.).
Por outro lado, mencione-se que, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/12/2019, rec. 1555/08.5BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.2145/12.5BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/03/2021, rec.570/15.9BEMDL; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. Edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos dos artºs.682, nº.3, e 683, nº.1, ambos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.670/15.5BEAVR; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.7/18.1BEPDL; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Novo Regime, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.430 e seg.), devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites identificados supra, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA e ordenar que os autos regressem à 1.ª Instância (TAF do Porto), a fim de aí, após fixação da pertinente matéria de facto, se proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
X
Condena-se a entidade recorrida em custas, mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 12 de Janeiro de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (em substituição).