Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0169/11 |
Data do Acordão: | 05/25/2011 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | VALENTE TORRÃO |
Descritores: | IVA MÉTODO DA AFECTAÇÃO REAL DECLARAÇÃO DE CONTRIBUINTE MÉTODO PRO RATA ALTERAÇÃO |
Sumário: | I - Nos termos do disposto nos artº 23º do CIVA, nos casos de bens de utilização mista, existem dois métodos de dedução do IVA: a) O método pro-rata que permite ao sujeito passivo que exerça actividades isentas e não isentas, não conferindo estas o direito à dedução, deduzir o imposto suportado nas aquisições mas «apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução». b) O método da afectação real segundo o qual não é permitida qualquer dedução relativamente ao imposto dos inputs destinados à realização de operações isentas sem direito à dedução mas efectuando-se a dedução integral - salvo o disposto no artº. 21º - quanto ao imposto incidente sobre os inputs destinados à realização de operações tributadas ou isentas com direito à dedução. II - O primeiro método constitui a regra geral, podendo o segundo resultar de opção do contribuinte ou de imposição da Administração Tributária (nºs 2 e 3 do citado artº 23º). III - Se o contribuinte apresentou declaração de alterações optando pelo método de dedução da afectação real e a Administração Tributária nada disse, não pode depois, em fiscalização dos três exercícios seguintes, aplicar-lhe o método pro-rata com fundamento em que tem sido entendimento da AT que tal método não é adequado às SGPS - caso da recorrente -, podendo, quando muito e de acordo com o nº 2 do citado artº 23º fazer cessar para o futuro a aplicação daquele método. |
Nº Convencional: | JSTA00066987 |
Nº do Documento: | SA2201105250169 |
Data de Entrada: | 02/23/2011 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | SENT TAF PORTO PER SALTUM. |
Decisão: | PROVIDO. |
Área Temática 1: | DIR FISC - IVA |
Legislação Nacional: | CONST76 ART18 ART103. CIVA08 ART23. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I. “A ..., melhor identificada nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IVA entre 1993 a 1995 e juros compensatórios no montante global de € 120.386,15, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui: A) O poder conferido à Administração Tributária pelo nº 2 do artº. 23° do CIVA, não pode ser exercido de forma retroactiva, para retirar aos sujeitos passivos o direito a deduções anteriormente efectuadas. B) Ao invocar simples “pareceres” (que não são fonte de direito) como fundamento jurídico para estas liquidações adicionais, a administração fiscal cometeu outra ilegalidade, de falta ou insuficiência de fundamentação, de Direito, do acto impugnado, violando o artº. 77°/1 e 2 da Lei Geral Tributária. C) O facto da Recorrente não ter feito “uso do disposto no artº. 37º do CPPT” - que constitui uma mera faculdade que o contribuinte usa se quiser - não tem por efeito sanar ou convalidar actos inválidos por insuficiência de fundamentação. D) A interpretação e aplicação do no nº 2 do artº. 23° do CIVA como permitindo a imposição do método do pro-rata com efeitos retroactivos viola os princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade, constantes dos artºs. 103° e 18° da CRP. A douta sentença recorrida não fez assim adequada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23°/2 do CIVA, 77º da LGT e 103° e 18º da CRP. Revogando-a, pois e substituindo-a por douto acórdão que anule os actos impugnados, e condene a Fazenda Pública a indemnizar a Impugnante pelos custos suportados com a garantia bancária prestada para suspender a execução, far-se-á JUSTIÇA. II - Não foram apresentadas contra alegações. III - O MP emitiu o parecer constante de fls. 112/113 v, no qual se pronuncia pela improcedência do recurso devendo ser confirmado o julgado recorrido. IV - Colhidos os vistos legais, cabe decidir. V - Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos: a) A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva que incidiu sobre os exercícios de 1993 a 1995, na sequência do qual foi elaborado o relatório onde se concluiu que deduziu indevidamente IVA naqueles exercícios, dado ter considerado como dedutível a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços (cf. doc. de fls. 12 a 18 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, doravante apenas PA). b) Do relatório referido em a) consta que “a análise efectuada aos elementos da escrita, levada a cabo pela inspecção-geral das finanças, permitiu verificar que a empresa vem considerando como dedutível a totalidade do imposto suportado nas aquisições de outros bens e serviços, pese embora o facto das demonstrações de resultados de 1993, 1994 e 1995 evidenciarem a existência de proveitos isentos, pelo que a SGPS se encontra em situação irregular no que respeita ao exercício do direito à dedução. Assim, dever-se-á proceder à rectificação das importâncias indevidamente deduzidas...” (cf. doc. de fls. 13 do PA). e) Na sequência daquele relatório foram elaborados os mapas onde foi apurada a percentagem de dedução nos termos do art. 23° e feito o apuramento total da dedução indevida de IVA para os anos de 1993 a 1995 (cf. doc. de fls. 14 a 18 do PA). d) Foram elaborados os documentos de correcção e respectiva nota de fundamentação das correcções técnicas para os exercícios de 1993 a 1995, nos valores de 7.697.790$00, 3.201.364$00 e 3.629.837$00, respectivamente (cf. fls. 13 a 22 dos autos). e) A impugnante em 30/04/1992, e para efeitos do disposto no artº. 23°, nº 2 do CIVA, comunicou à DGCI através da entrega de declaração de alterações, a intenção de proceder à dedução do imposto suportado segundo a afectação real (cf. doc. de fls. 13 do PA). f) Não se conformando com as correcções a impugnante intentou em 26/11/1998, reclamação graciosa que, após audição prévia, veio a ser indeferida por despacho de 21/06/2004 (cf. processo de reclamação graciosa apenso aos autos). g) Em consequência foram emitidas as liquidações de IVA nº 98105406, nº 98105431 e nº 98105444, relativas aos anos de 1993, 1994 e 1995, nos montantes de €38.306,63, €15.968,34 e €18.105,55 respectivamente, acrescidas de juros compensatórios perfazendo um total de €120.386,15. h) A presente impugnação foi intentada em 15/07/2004 (cf. doc. de fls. 2 dos autos). VI. De acordo com as conclusões das alegações, são duas as questões a conhecer no presente recurso: a) A de saber se a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no artº 23º, nº 2 do CIVA pode retirar aos sujeitos passivos de IVA o direito a deduções efectuadas ao abrigo do método da afectação real, devidamente comunicado, aplicando em sua substituição o método pro-rata. b) A de saber se o acto de liquidação impugnado se encontra legalmente fundamentado. Entendeu a sentença recorrida que, apesar de comunicada pela recorrente a opção pelo método de dedução da afectação real, nada impedia a Administração Tributária de aplicar em sede de fiscalização o método pro-rata. Quanto à falta de fundamentação do acto impugnado, a sentença entendeu que este se encontrava devidamente fundamentado, pois se apoiou na lei e não nos pareceres que a recorrente refere. A recorrente, por sua vez, entende que, tendo comunicado oportunamente à Administração Tributária a sua opção pelo método de afectação real e não tendo esta comunicado à recorrente a sua não aceitação, não podia nos exercícios fiscalizados aplicar o método pro-rata pois a imposição desse método com efeitos retroactivos violaria os princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade, constantes dos artºs 103º e 18º da CRP. O artº 23º do CIVA determina o seguinte: “1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo: a) Tratando -se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2; b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução. 2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação. 3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação”. Temos então que o artº. 23°, n.° 1 do CIVA permite ao sujeito passivo que exerça actividades isentas e não isentas, não conferindo estas o direito à dedução, deduzir o imposto suportado nas aquisições mas «apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução» - é o chamado método pro rata ou da percentagem. Entendeu o legislador que, em geral, o volume de negócios (transmissões de bens e prestações de serviços) de cada grupo de operações (as que conferem e as que não conferem o direito à dedução) é um bom critério para o cálculo do imposto a deduzir. E este é o regime regra em matéria de dedução do imposto nestes casos. No entanto, o n.° 2 consagra outro método - o método da afectação real - que pode ter lugar a solicitação do contribuinte à Administração Tributária ou pode ser por esta imposto, conforme resulta do nº 3 acima transcrito. Aquele caracteriza-se pelo direito à dedução ser proporcional ao valor das operações tributáveis e isentas, com direito à dedução relativamente a todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as isentas ou fora do campo do imposto. Neste último não é permitida qualquer dedução relativamente ao imposto dos inputs destinados à realização de operações isentas sem direito à dedução mas efectuando-se a dedução integral - salvo o disposto no artº. 21º - quanto ao imposto incidente sobre os inputs destinados à realização de operações tributadas ou isentas com direito à dedução. No caso dos autos está provado que “A impugnante em 30/04/1992, e para efeitos do disposto no artº. 23°, nº 2 do CIVA, comunicou à DGCI através da entrega de declaração de alterações, a intenção de proceder à dedução do imposto suportado segundo a afectação real” - alínea e) do probatório supra. Então, por força do disposto no artº 23º, nºs 2 e 3 do CIVA poderia a Administração Tributária impor à recorrente condições especiais ou fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocava ou que podia vir a provocar distorções significativas na tributação. Sucede que os autos se limitam, em sede de fundamentação das liquidações, a dar nota de pareceres ou decisões da Administração Tributária no sentido de que o método de afectação real não é adequado às SGPS - caso da recorrente - visto que com a aplicação deste método ficariam sujeitas a uma taxa zero, mas não está provado que após a recepção da entrega da declaração acima referida a Administração Tributária tenha imposto qualquer condição especial à recorrente ou que tenha feito cessar a aplicação daquele método. Então, com o respeito devido pela opinião contrária, entende-se que a Administração Tributária não podia impor com efeitos retroactivos aos exercícios de 1993 a 1995 o método pro-rata, mas, eventualmente, fazer cessar a aplicação do método da afectação real para o futuro com o fundamento previsto no artº 23º citado. Assim sendo, o recurso procede, com a consequente anulação das liquidações impugnadas, ficando prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada no recurso. VII. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e anulam-se as liquidações impugnadas. Sem custas. Lisboa, 25 de Maio de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves. |