Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0363/15.3BEPRT
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
Sumário:I - Pelo facto de, por exclusiva opção do legislador pré-2014, as Tributações Autónomas integrarem formalmente o IRC, justifica-se a não dedutibilidade das mesmas à base tributável daquele.
II - O artigo 23.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, não configura uma lei inovadora, com o legislador a limitar-se a encerrar, sem pretender inovar no que quer que seja e com efeitos apenas para o futuro, um dos capítulos de maior litigiosidade com que se deparavam os tribunais fiscais, relativamente ao IRC.
Nº Convencional:JSTA000P32088
Nº do Documento:SA2202404100363/15
Recorrente:A..., SGPS, SA
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
B..., SGPS, SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida 21 de fevereiro 2020, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida visando o indeferimento parcial da reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2011, a título de tributações autónomas no valor de € 192.167,25.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 519 a 537 do SITAF:
A) O Recorrente discorda do sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo uma vez que o seu entendimento é ilegal, na medida em que não confere à Recorrente a possibilidade de dedutibilidade dos gastos incorridos com tributações autónomas no exercício de 2011.
B) A questão em discussão centra-se na interpretação do artigo 45.º, n.º1, alínea a) do CIRC, na redação da lei à data dos factos, que dispunha: “1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre lucros”.
C) Será ainda de referir que a redação do artigo 23.º n.º 1 do CIRC era “1. Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…)”.
D) Com a reforma de 2014, foi introduzido o artigo 23.º-A, n.º1, alínea a) “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados com gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros
E) Considera a Recorrente que a norma do artigo 45.º, n.º1, alínea a), ao restringir a dedutibilidade do “IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre lucros” não abrange os encargos suportados pelas sociedades a título de tributação autónoma.
F) Entende a Recorrente que não há qualquer ligação umbilical entre o Código do IRC e as tributações autónomas, dado que a tributação autónoma não tem na sua génese, nem no objetivo que concretiza, qualquer intenção de tributar rendimento, mas sim a tributação de certas despesas.
G) E, por isso, nunca se poderá entender que, quando o artigo 45.º, n.º1, alínea a), restringe a dedutibilidade do “IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre lucros”, pretende abranger as tributações autónomas.
H) Assim, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC, que tributa rendimentos, e, não obstante a inserção sistemática e a ligação funcional ao IRC, a verdade é que são cobradas no âmbito do processo de liquidação deste imposto sem, no entanto, se descaracterizarem e perderem sua raiz dogmática próprias.
I) Tratando-se de um imposto indireto, a tributação autónoma não pode deixar de ser considerada dedutível para efeitos de IRC, dado que consubstancia um encargo efetivamente suportado pela Recorrente.
J) Acresce que a tributação autónoma não está incluída no elenco de encargos não dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável do IRC previsto na alínea a) do n.º 1 artigo 45.º do CIRC (redação à data), porquanto este apenas impede a dedução do IRC e quaisquer outros impostos que, direta ou indiretamente incidam sobre lucros.
K) Destarte, a “tributação autónoma não é IRC”, não se trata de imposto sobre o rendimento, mas sim sobre a despesa.
L) Ora, incidindo a tributação autónoma sobre a despesa (e não sobre os lucros) – tal como, aliás, tem vindo a ser qualificado pela generalidade da doutrina e da jurisprudência do TC, STA e CAAD – a mesma é dedutível. M) Não se pode, ainda, deixar de ter presente a ideia consagrada a nível jurisprudencial e anteriormente já expressa, segundo o qual o momento de verificação dos factos tributários sujeitos a IRC, “stricto sensu”, não coincide com o momento da verificação dos factos tributários sujeitos a tributação autónoma pois, se o lucro tributável das pessoas coletivas é de formação sucessiva no período a que respeita, já as despesas sujeitas a tributação autónoma não podem deixar de se considerar verificadas, por completo, no momento em que nelas se incorre, pela que a tributação que sobre as mesmas impende configura um imposto de formação instantânea e de obrigação única.
N) Ainda, e caso dúvidas permanecessem, em relação à aplicabilidade do normativo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC (redação à data) basta ter presente as alterações decorrentes da Reforma do IRC nesta matéria.
O) A nova redação daquela alínea a) o n.º1 do artigo 45.º do CIRC (hoje alínea a) do n.º 1 do artigo 23.ºA do CIRC), no que respeita à desconsideração dos encargos para efeitos fiscais, mesmo que contabilizados como gastos do período de tributação, prevê taxativamente que não são dedutíveis para efeitos fiscais os gastos suportados com a tributação autónoma.
P) Assim, com a nova redação desta matéria (à qual, se salienta, não foi atribuída natureza interpretativa), não restam dúvidas que, a partir da entrada em vigor, a tributação autónoma deixa, de forma inovadora, de ser um encargo fiscalmente relevante para efeitos fiscais.
Q) No entanto, à data dos factos, não era esta a redação em vigor!
R) Por tudo o exposto, parece claro que, não sendo as tributações autónomas consideradas IRC, deverá ser aceite a dedutibilidade deste gasto no exercício de 2011.
S) Sendo manifesta a ilegalidade do ato tributário impugnado, a Recorrente tem direito à perceção de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da Administração Tributária, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT;
T) Nestes termos, deverá esse Douto Tribunal ad quem julgar totalmente procedente o presente recurso e revogar a decisão recorrida por padecer de erro de julgamento quanto à dedutibilidade das tributações autónomas ao lucro tributável do exercício de 2011 e reconhecendo o direito da Recorrente deduzir esse encargo e consequentemente, ordenar o reembolso do montante de €21.066,85, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, em conformidade com o disposto nos artigos 43.º da LGT, tudo com as demais consequências legais.

I.2 – Contra-alegações
Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância.

I.3 – O Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
“B..., SGPS, SA vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 21 de Fevereiro de 2020, que julgou improcedente impugnação judicial por si deduzida do indeferimento parcial da reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2011, a título de tributações autónomas no valor de €192.167,25, (cf. fls. 476 a 508, do SITAF).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente, invocando, erro de julgamento da matéria de direito, pretende com o presente recurso jurisdicional a revogação por este tribunal ad quem da, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal a quo.
Uma vez que, no seu entendimento, tem o direito a relevar, como gastos do período de tributação, para efeitos do cálculo do seu lucro tributável em IRC, os encargos que suportou a título de tributações autónomas.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato
DO MÉRITO DO RECURSO
A questão a decidir resume-se a saber se a Impugnante, ora Recorrente tem o direito a relevar, como gastos do período de tributação, para efeitos do cálculo do seu lucro tributável em IRC, os encargos que suportou a título de tributações autónomas. Vejamos.
A norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC (com a redação em vigor em 2011) não menciona expressamente as tributações autónomas. Por outro lado, o princípio geral em sede de IRC era e é o da dedutibilidade de encargos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, face a um princípio geral de dedutibilidade de encargos e à ausência de referência expressa às tributações autónomas, a dúvida surge sobre se o legislador quis incluí-las ou não na exceção de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º
Ora, a Impugnante, ora Recorrente entende que, configurando a tributação autónoma um tributo que incide sobre despesa e não sobre o rendimento, esta tributação não poderá ser considerada “IRC” para efeitos da exclusão da dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.
No entanto, salvo o devido respeito por melhor opinião, da conjugação do teor dos artigos 12.º e 45.º, n.º 1, aliena a), ambos do CIRC resulta, no nosso entendimento, que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu,
Sempre integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.
Ou seja, considera-se que o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era, à data do facto tributário em questão nos autos,
No sentido de que as quantias pagas no quadro das tributações autónomas sobre gastos dedutíveis por um sujeito passivo de IRC não deviam ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável sujeito àquele imposto.
A correspondência de tal intenção no texto legislativo é bem patente no teor daquele artigo 12º do CIRC, vigente já à data do facto tributário, que vem prever: “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.”.
Ou seja, na perspectiva do sistema legal, reflectido no respectivo texto, as tributações autónomas integram o regime do, e são devidas a título de, IRC, razão pela qual na sobredita norma (artigo 12º, do CIRC), o legislador ressalvou expressamente a sua aplicação.
Daí que, paralelamente, se fosse intenção do legislador excluir as tributações autónomas do âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, o teria dito expressamente,
Já que não faria sentido (não seria razoável) que numa norma do Código (o artigo 12.º) o legislador entendesse que a tributação em IRC abrange as tributações autónomas e noutra (o artigo 45.º) entendesse o contrário.
Por outro lado, e reforçando estas considerações, o artigo 3.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, veio aditar o artigo 23.º-A do CIRC (que sucede ao anterior artigo 45.º), veio estatuir:
“1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indirectamente incidam sobre os lucros;”.
Não tendo, consequentemente, este preceito legal carácter inovatório mas sim interpretativo.
Assim sendo, considerando-se, então, que as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC integram o regime, e são devidas a título, deste imposto (e, como tal estão abrangidas pela disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC),
Não constituirão as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.
Consequentemente, entendemos que o recurso não merece provimento.
CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos expostos deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 476 a 508 do SITAF:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial que exerce atividade no âmbito da gestão de participações sociais não financeiras – CAE 64202, sendo considerada ―contribuinte de elevada relevância económica e fiscal ― – cfr PA apenso aos autos;
2. A Impugnante procedeu à apresentação periódica de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 2011, em 31-05-2012 na qual autoliquidou o valor respeitante a tributações autónomas de € 603.415,47 (campo 365 do quadro 10 da declaração mod. 22) – documento nº 4 junto com a p.i a fls. 67 dos autos;
3. A Impugnante procedeu à apresentação de uma declaração de substituição de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 2011, em 30-05-2013 na qual autoliquidou o valor respeitante a tributações autónomas de € 617.595,16 (campo 365 do quadro 10 da declaração mod. 22) – documento nº 4 junto com a p.i a fls.70 dos autos;
4. Para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2011 relativo ao Grupo B... a Impugnante acresceu o valor das tributações autónomas correspondente à soma aritmética das tributações autónomas de cada uma das sociedades dominadas, no total de € 617.595,16 – documento nº 4 junto com a p.i a fls.67 dos autos;
5. A declaração apresentada em 30-05-2013 reflete um lucro tributável do Grupo B... no período de tributação de 2011, quadro 09 da declaração mod. 22 o montante de € 34.634,949,88 – cfr Docº nº 4 junto com a p.i, fls 70 dos autos;
6. Em 03-06-2014 a agora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação aludida nos pontos anteriores, conforme se transcreve em parte:

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(…)

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(…)

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(…)


4. Por despacho de 11-12-2014 da Exm.ª Senhora Chefe de Divisão, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT), da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), no âmbito das competências delegadas, exarado na informação nº 357- AIR1/2014, daqueles serviços foi deferida parcialmente a Reclamação Graciosa nº ...48, que aqui se transcreve em parte:

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(…)

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(…)

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(…)



– cfr fls 603 e seguintes do PA apenso aos autos;
5. Por ofício nº 04507, de 17-12-2014 foi enviado ao Impugnante o despacho referido em 4), recebido em 22-12-2014 – cfr registo de fls 610 e seguintes do PA apenso aos autos;
6. Em 23-01-2015 foi enviada pelo correio a presente impugnação – cfr fls 2 dos autos;

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto pela A..., SGPS, S.A., (anteriormente designada por “B..., SGPS, S.A.), visando reagir contra a douta sentença proferida no dia 21 de fevereiro de 2020, a qual decidiu julgar a presente impugnação improcedente por ela deduzida do indeferimento parcial da reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2011, a título de tributações autónomas no valor de € 192.167,25.
O Tribunal a quo, ao decidir pela improcedência do presente recurso, ancorou a sua fundamentação em diversa jurisprudência por ele elencadas na decisão sob recurso, concluindo que “Os defensores da identidade da tributação autónoma com a tributação sobre o consumo, socorrem-se da doutrina e da jurisprudência nacional que qualifica a tributação autónoma como tributação sobre a despesa e tributação indireta. Todavia, nem a doutrina nem a jurisprudência confirmam que a tributação autónoma é uma tributação (geral ou especial) sobre o consumo. Pelo que, não se concorda com a posição que considera que as características da tributação autónoma a qualificam como imposto geral de consumo/despesa, baseada na diversidade e heterogenia da sua base de incidência.”
Assim sendo concluiu a sentença recorrida que “Tal imbricação genética entre a “tributação autónoma” e o lucro sujeito a IRC justifica a sua inclusão no CIRC e a impossibilidade de dedução pretendida pela impugnante.”

II. Inconformada com o assim decidido, recorre a A..., SGPS, S.A. para esta instância superior imputando à decisão recorrida “…erro de julgamento em que incorreu o Douto Tribunal a quo e que justificou a não aceitação da dedução ao lucro tributável do gasto fiscal com a tributação autónoma relativa ao período de 2011.”
Neste sentido, sustenta a Recorrente que “…não há qualquer ligação umbilical entre o Código do IRC e as tributações autónomas, dado que a tributação autónoma não tem na sua génese, nem no objetivo que concretiza, qualquer intenção de tributar rendimento, mas sim a tributação de certas despesas.”
Diversamente, no seu entender, as tributações autónomas configuram factos tributários autónomos e apesar de incluídas nos códigos sobre o rendimento são impostos sobre despesas, com natureza autónoma face à existência ou não de lucro tributável nos termos dos artigos 23.º e 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC (na redação à data dos factos) ou seja “Tratando-se de um imposto indireto, a tributação autónoma não pode deixar de ser considerada dedutível para efeitos de IRC, dado que consubstancia um encargo efetivamente suportado pela Recorrente”.
Por isso, termina a ora Recorrente peticionando a anulação do indeferimento da reclamação e a anulação da liquidação da parte impugnada com o direito a reembolso do montante de € 21.066,85, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, em conformidade com o disposto nos artigos 43.º da LGT.

III. De acordo com o teor das Conclusões apresentadas – as quais delimitam o objecto do recurso – cumpre, portanto, apreciar e decidir se o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de Direito, por errónea interpretação e aplicação do artigo 23.º, n.º 1, al. f), e do artigo 45.º, n.º 1, do CIRC.
Vejamos, então.

IV. A questão da dedutibilidade das tributações autónomas durante a vigência do regime anterior à Reforma do IRC de 2014 é, indiscutivelmente, uma das questões mais (justificadamente) debatidas na Doutrina e Jurisprudência nacionais.
Com efeito, antes da expressa denegação desta dedução em IRC promovida pelas alterações de 2014, e sendo indiscutível a aceitação geral da dedução das despesas de natureza fiscal e parafiscal – como é, manifestamente, o caso das tributações autónomas – por força da sub-cláusula geral da alínea f) do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, a dedutibilidade ou indedutibilidade da tributação autónoma ficaria, em última análise, dependente da interpretação a dar ao artigo 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC, que estatuía, à data dos factos, a indedutibilidade de “O IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros;”.
A respeito desta última norma, divisam-se duas opiniões, atendendo a primeira à natureza das tributações autónomas enquanto IRC material e atendendo a segunda à inserção das tributações autónomas no que se pode designar de IRC formal (abrangendo o IRC proprio sensu e, em simultâneo, as tributações autónomas inseridas no respectivo Código e complementares daquele imposto).

V. Ora, a leitura que deste dispositivo tem sido feita por este Supremo Tribunal Administrativo vai no sentido da segunda hipótese.
É o que se pode extrair, em termos lapidares, do Acórdão de 27 de Setembro de 2017, lavrado no Processo n.º 146/16, e disponível online em www.dgsi.pt:
III - Estas tributações autónomas, que, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste, espoletadas por despesas, foram incluídas pelo legislador no CIRC através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
IV - Mesmo antes das alterações introduzidas no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, os encargos fiscais com as tributações autónomas não eram dedutíveis para efeitos de IRC, como resultava da conjugação dos arts. 23.º, n.º 1, alínea f) e 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, naquela que se nos afigura a melhor interpretação, pois, por um lado, o legislador (bem ou mal e, a nosso ver, mal) sempre as considerou como IRC, incluindo o seu regime legal no âmbito do respectivo código (pelo menos desde a referida Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e, por outro, não faria sentido que o efeito pretendido pelo legislador com essas tributações autónomas, de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução das despesas por elas tributadas, fosse, depois, contrariado pela dedução dos encargos com essas tributações.
É, portanto, com o fundamento de, por exclusiva opção do legislador pré-2014, as Tributações Autónomas integrarem formalmente o IRC que se justifica a não dedutibilidade das mesmas à base tributável daquele.
É nesta linha – de interpretação das tributações autónomas enquanto integrantes formais (e já não substanciais) do IRC – que se identificam, igualmente, outras disposições do Código do IRC, como seja o artigo 12.º do Código do IRC, como bem se pronunciou o Ministério Público no seu Parecer junto aos autos, ao estabelecer que: “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.”.

VI. E, mantendo a coerência com essa mesma jurisprudência, saliente-se que não afecta minimamente esta conclusão a alteração introduzida pela Reforma do IRC de 2014, ao prescrever, expressamente, a indedutibilidade de tais tributações autónomas. Na verdade, o legislador limitou-se a encerrar, sem pretender inovar no que quer que seja, e com efeitos apenas para o futuro, um dos capítulos de maior litigiosidade com que se deparavam os tribunais fiscais, relativamente ao IRC, não pretendendo com isso tomar qualquer espécie de partido quanto às interpretações em confronto até essa data – cfr. Comissão para a Reforma do IRC 2013, Relatório Final, 2013, p. 90, ponto 1, disponível em www.occ.pt.
Por isso, e como a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem esclarecido, no acórdão já acima citado: “V - O art. 23.º-A do CIRC – aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código –, pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (permanecendo o legislador no mesmo erro), não configura uma lei inovadora, porque de facto nada inovou, tendo-se limitado a consagrar uma interpretação possível da lei anterior.” – cfr. acórdão supra citado.

VII. Por fim, cabe apenas sublinhar que esta leitura não compromete aquela outra, igualmente realizada pelo Supremo Tribunal Administrativo, a respeito das acentuadas distinções materiais entre uma e outra modalidade de impostos, no que respeita a muitas outras matérias (como a da aplicação da lei no tempo ou a problemática da dedução de certos encargos à coleta de tributações autónomas), onde avulta a componente qualificativa material destes tributos e já não a formal – entre muitos outros, vd. o Acórdão de 21 de Setembro de 2022, lavrado no Processo n.º 1061/16 e disponível em www.dgsi.pt, por nós relatado, ou aquele outro de 20 de Dezembro de 2023, tirado no Processo n. 2868/15, igualmente disponível em www.dgsi.pt; sucede apenas que, para efeitos da questão precisa da dedutibilidade, é aquela a leitura que o legislador adotou até 2013 e que, por isso, este Supremo Tribunal entendeu dever considerar; e que, por isso, aqui ora se reitera.

VIII. É, assim, de concluir que, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, bem andou a sentença recorrida, não lhe sendo de apontar os vícios alegados e soçobrando os demais argumentos.


III. CONCLUSÕES
I - Pelo facto de, por exclusiva opção do legislador pré-2014, as Tributações Autónomas integrarem formalmente o IRC, justifica-se a não dedutibilidade das mesmas à base tributável daquele.
II - O artigo 23.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, não configura uma lei inovadora, com o legislador a limitar-se a encerrar, sem pretender inovar no que quer que seja e com efeitos apenas para o futuro, um dos capítulos de maior litigiosidade com que se deparavam os tribunais fiscais, relativamente ao IRC.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao presente recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 10 de Abril de 2024. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.