Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0162/23.9BALSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:Quando a questão fundamental de Direito identificada das decisões em confronto apenas é abordada ad latere numa delas, não é possível conhecer do mérito do recurso de uniformização de jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P31947
Nº do Documento:SAP202402210162/23
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
I. A DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, nos termos dos artigos 25º nºs 2, 3 e 4 e art. 26º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), art. 152º do CPTA e 27º, nº 1, al. b) do ETAF, da decisão arbitral proferida no processo nº 792/2022-T (decisão recorrida) que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela requerente, ora recorrida A..., S.A, a qual anulou o acto de indeferimento do pedido de reclamação graciosa e anulou parcialmente os actos de autoliquidação contestados, por considerar que o referida decisão arbitral colide com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 610/2014-T CAAD (decisão fundamento), datado de 19/02/2015.

II. A Recorrente veio apresentar alegações de recurso a fls. 6 a 21 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
1) Entre as doutas decisões em causa, a fundamento e a recorrida, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão de direito decorrente de saber se a derrama estadual a suportar pela Requerente, que tem sede em Portugal continental mas que também exerce parte da sua actividade na RAA e na RAM através de estabelecimentos estáveis que aí possui para o efeito, deve ou não considerar a proporção do lucro tributável imputável àquelas regiões autónomas, foi decidida diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento.
2) Verifica-se a identidade de situações de facto, e tendo presente que a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais, porquanto:
3) Ambas as requerentes têm sede no território português continental mas também exercem atividade através de estabelecimentos estáveis na RAM e na RAA.
4) Quer na decisão fundamento quer no Acórdão recorrido, apresentaram a declaração Mod. 22 sem que, no cálculo da derrama estadual tivessem dividido a matéria coletável pela derrama estadual e derramas regionais em proporção do volume de negócios em cada circunscrição, antes a alocaram na integra e exclusivamente à derrama estadual.
5) Contestam, contudo, a forma de assim proceder, pelo que apresentaram reclamação graciosa contra a autoliquidação requerendo que, no cálculo da derrama estadual se considere a proporção do lucro tributável imputável àquelas regiões autónomas.
6) Verifica-se a identidade da questão de direito, uma vez que, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento analisaram a questão de saber se a derrama estadual deve ser determinada por referência ao lucro tributável imputável a cada uma das circunscrições, de forma semelhante ao apuramento efectuado no Anexo C da Declaração Modelo 22 de IRC.
7) Contudo, Acórdão fundamento e Acórdão arbitral recorrido decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.
8) Assim, enquanto que o Ac. recorrido decidiu que: “ Quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região. (…) Significa isto que no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual pela Requerente não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.”
9) Já o Acórdão Arbitral fundamento decidiu que: “O artigo 87º-A do Código do IRC define quem são os sujeitos passivos, a matéria colectável, a taxa do imposto e o facto gerador que determina o nascimento da referida obrigação de imposto. Quanto à incidência objectiva, a norma estabelece que o imposto recai sobre “... a parte do lucro tributável superior a € 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas...”. Por conseguinte, no caso dos autos, se a REQUERENTE declarou, no exercício de 2011, um lucro tributável de € 16 760 948,54, o mesmo encontra-se, sujeito na parte que excede € 2 000 000 por aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, não podendo ser subtraída a parte dos lucros obtidos nas instalações situadas nas Regiões Autónomas como pretende a REQUERENTE.”
10) Acresce ainda que, entre a emissão do Acórdão recorrido e do fundamento, a alteração legislativa não se assume como susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida.
11) E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que a mesma foi entendida e decidida de forma diferente, sendo certo, igualmente, que a orientação perfilhada na decisão impugnada não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
12) Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 152º nº 1 do CPTA e 27º nº 1 al. b) do ETAF.
13) Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida, fez uma incorreta interpretação e aplicação do art. 87º-A do CIRC , aos factos.
14) A requerente tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e a sua atividade é sujeita a tributação em IRC, verificando-se que o requisito de incidência previsto no nº 1 do artº 87º-A, do CIRC, se encontra preenchido pela mesma estando esta, assim, obrigada a liquidar a derrama estadual nos termos e às taxas previstas no referido artigo.
15) Da leitura do art.º 87.º-A do CIRC extrai-se a definição, a incidência pessoal, bem como as taxas aplicáveis à derrama estadual. Assim, a derrama estadual, enquanto adicional ao IRC, tem a natureza de IRC.
16) Na situação em análise, muito embora a sociedade tenha atividade nas Regiões Autónomas, a sua sede é em Portugal Continental, é tributada pelo RETGS, pelo que é-lhe aplicável a regra geral, e consequentemente, a derrama estadual, prevista no artº 87º-A do CIRC.
17) Ou seja, apenas é devida derrama estadual, nos termos do art.º 87.º- A do CIRC. Por outro lado,
18) O apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas, em cumprimento do constitucional e legalmente determinado, não tem qualquer relação com o imposto da derrama estadual, nomeadamente com a definição da sua incidência objetiva. 19) Com efeito é no artigo 87.º-A do Código do IRC que se identificam, em abstrato, os sujeitos passivos da obrigação de imposto, a matéria coletável sobre a qual recai a tributação, a taxa do imposto e o facto gerador que determina o nascimento da referida obrigação de imposto.
20) Ou seja, a incidência do imposto da derrama estadual tem por base a globalidade do lucro tributável obtido pelos sujeitos passivos, não se fazendo qualquer segregação ou exclusão de incidência em função da circunscrição a que o mesmo é imputado.
21) No mesmo sentido se concluiu no âmbito do Processo Arbitral nº 38/2023- T, decisão esta prolatada em 1/09/23, tendo-se aí concluído que:
“A Requerente parece defender que a Derrama Estadual deveria ser determinada por referência ao lucro tributável imputável a cada uma das circunscrições, de forma semelhante ao apuramento efetuado no Anexo C da declaração Modelo 22 de IRC. E se assim fosse, o lucro tributável imputado às instalações situadas na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira não excederia o limite de 1.5000.000,00 € donde, ficaria, por essa razão, excluído da sujeição a Derrama Estadual.
123. Claro está que o Tribunal Arbitral Coletivo refuta tal inusitada hermenêutica.
124. A interpretação defendida pela Requerente não é compaginável com as regras de incidência objetiva e subjetiva da Derrama Estadual versus Derrama Regional que estão num plano diferente do modo de apuramento das receitas atribuídas às Regiões Autónomas em conformidade com o disposto no art.º 20.º da LFRA e onde se diz que constitui receita de cada Região Autónoma, o IRC devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição. Estas receitas são determinadas por proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício; entendendo-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do IVA.
125. Claro está que estamos em dois planos completamente diferentes: i) o da incidência subjectiva da derrama Estadual versus da derrama Regional, relevando, para o efeito, o elemento de conexão residência, ficando o respetivo sujeito passivo sujeito a uma ou a outra em função da localização da sua sede, ou seja, se localizada em território continental português fica sujeito a Derrama Estadual; se localizada em território de qualquer uma das regiões Autónomas, fica sujeito a Derrama Regional; ii) o do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas em conformidade com o disposto no art.º 20.º da LFRA”
126. O artigo 87º-A do Código do IRC define quem são os sujeitos passivos (a incidência subjetiva), incidência objetiva, a matéria coletável, a taxa do imposto e o facto gerador que determina o nascimento da referida obrigação de imposto.
127. Tendo a Requerente (e as restantes sociedades que integram o Grupo (…) declarado, no exercício de 2019, um lucro tributável que claramente excede os 1.500.000,00 € e sendo elas sujeitos passivos com sede no território continental de Portugal, o correspondente Lucro Tributável encontrava-se sujeito a Derrama Estadual na parte que excedesse os aludidos 1.500.000,00 € por aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, não podendo ser subtraída a parte dos lucros obtidos nos estabelecimentos da Requerente (e das restantes sociedades que integram o Grupo (…) situados nas Regiões Autónomas, simplesmente por inverificação dos pressupostos de incidência subjetiva que estão plasmados nos normativos acima explicitados e que regulamentam as Derramas Regionais, ou seja, tão-só, porquanto a Requerente e as restantes sociedades que integram o Grupo (…) não são sujeitos passivos com sede em nenhuma das aludidas Regiões Autónomas.
128. Nessa conformidade, entende o Tribunal Arbitral Coletivo que a ilegalidade fundada na errónea aplicação do art.º 87.º-A do CIRC e na violação da autonomia legislativa e financeira das regiões Autónomas não pode ser assacada à liquidação sindicada.”
22) Assim, o entendimento defendido pelo Acórdão recorrido confunde as operações de cálculo de apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas com a definição (a montante) da incidência subjetiva e objetiva da derrama estadual.
23) Bem ao contrário do decidido, inexiste fundamento legal que justifique ou permita a determinação da incidência objetiva da derrama estadual de acordo com as regras do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões autónomas
Aliás,
24) A interpretação do artigo 87.º-A do Código do IRC assumida pelo Acórdão recorrido, no sentido em que a norma implicaria a determinação da incidência objetiva da derrama estadual de acordo com as regras do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas é, pelo atrás exposto, inequivocamente inconstitucional por violação do artigo 103.º da Constituição na medida em que o legislador definiu expressa e concretamente a incidência objetiva da derrama estadual no artigo 87.º-A do Código do IRC, estando absolutamente vedado qualquer método alternativo de apuramento do imposto.

III. Por despacho a fls. 873 do SITAF, foi admitido o recurso e ordenada a notificação da recorrida para contra alegar.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância pela entidade recorrida, A..., S.A. que formulou as seguintes conclusões:
a) A questão em litígio e os entendimentos de AT e recorrida
A) A ora recorrida entende que tendo estabelecimentos estáveis a partir das quais exerce a sua actividade nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, impõe-se não só para efeitos de aplicação das diferentes taxas de IRC de base aplicável nessas regiões, mas também com respeito às diferentes taxas de derrama (derramas regionais) adoptadas por essas regiões no exercício dos respectivos poderes tributários (e só a respeito da aplicação destas diz respeito o diferendo), que seja considerada segregadamente a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis em cada uma dessas regiões, para que assim se confira efeito útil à previsão de taxas regionais de derrama.
B) A AT, por seu turno, com respeito às taxas de derrama, sem explicação que verdadeiramente se entenda, impõe que se ignore a fixação que aí ocorre de taxas regionais, defendendo que a totalidade do lucro tributável há-de ficar sujeita às taxas de derrama nacionais (derrama estadual) sem qualquer consideração pelas taxas regionais de derrama (derrama regional).
C) A AT aponta a seguinte razão, alegadamente de base legal, para este seu entendimento: contra a jurisprudência dos Tribunais superiores (mais sobre isso infra), e contra a letra e a lógica da Lei Orgânica das Finanças Regionais (mais sobre isso infra), a AT apenas considera apropriável pelas taxas regionais o lucro de (i) entidades residentes na Madeira ou nos Açores, ou de (ii) estabelecimentos nessas regiões de entidades não residentes em Portugal.
D) Com exclusão, portanto, do lucro proporcionalmente imputável a estabelecimentos estáveis nessas regiões de entidades igualmente não residentes nas mesmas, embora residentes no restante território nacional (residentes na circunscrição continental).
b) A evidente aplicabilidade das taxas de derrama regional (tal e qual como com as taxas de IRC de base) à parcela do lucro tributável proporcionalmente imputável aos estabelecimentos estáveis nessas regiões de sociedades aí não residentes, onde quer que residam (seja no território continental, seja no estrangeiro)
E) Basta ler a lei: não tem a AT fundamento algum para concluir que a derrama regional na Madeira só se quereria aplicar a (i) residentes na Madeira ou a (ii) estabelecimentos estáveis na Madeira de não-residentes em Portugal.
F) É o próprio DLR (Decreto Legislativo Regional) 14/2010/M, que regula a derrama regional na Madeira, quem expressamente define o seu âmbito de aplicação subjectivo/pessoal por remissão para o artigo 20.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de Março (actualmente artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013 de 2 de Setembro) que, por sua vez, adjudica numa das suas alíneas (a alínea b)) às regiões autónomas o imposto referente a sucursais ou agências na Madeira de entidades residentes noutra circunscrição nacional, designadamente no continente (ver no artigo 17.º, al. b), a definição de circunscrição nessa Lei Orgânica n.º 1/2010, actualmente artigo 23.º da Lei Orgânica n.º 2/2013 de 2 de Setembro).
G) No mais. é de sublinhar que a “parte do lucro tributável superior a € 2 000 000 [actualmente € 1.500.000] sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas” (artigo 4.º, n.º 1, do DLR n.º 14/2010/M] a que se aplica a derrama regional e respectivas taxas, só pode ser a parte do lucro tributável cuja receita de imposto pertence à região autónoma, prevista no artigo 20.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de Março (actualmente artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013 de 2 de Setembro): “proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício”.
H) Pela razão simples que é, evidentemente, com respeito a esta proporção, sua pertença, que a região autónoma institui e pode instituir taxas próprias, isenções, etc.
I) E com a Região Autónoma dos Açores (RAA) chega-se à mesma conclusão, não obstante o diferente modo de se expressar do legislador regional dos Açores: quando este no artigo 2.º do DLR n.º 21/2016/A se refere a “sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável nos Açores”, está a falar do ponto de vista do território dos Açores, e por conseguinte, está a falar de não residentes aí, nos Açores (e não por referência a não residentes em Portugal como um todo).
J) Isto mesmo, a que a AT se opõe, concluiu já o STA por duas vezes, com respeito a normas regionais de redução do IRC nas regiões autónomas, que definiam o seu âmbito subjectivo de aplicação daquela mesma maneira: “sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma”.
K) No acórdão do STA proferido em 7 de Janeiro de 2009, no âmbito do processo n.º 0669/08, decidiu-se o seguinte: “A tese da Fazenda Pública é a de que a designação de «estabelecimento estável» apenas é aplicável a entidades não residentes em território português (...). [N]ão há o obstáculo textual invocado pela Fazenda Pública a que, no âmbito da tributação das Regiões Autónomas, se aplique o conceito de «estabelecimento estável» a entidades residentes no território português (isto é, com sede ou direcção efectiva em território português) fora da área da Região Autónoma a que essa tributação se reporta. (...) [N]ão se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva se situar no território nacional ou no estrangeiro”.
L) Posição jurisprudencial esta que foi reafirmada no acórdão do STA proferido em 18 de Novembro de 2020, no âmbito do processo n.º 0958/10.1BELRS, no acórdão do TCAS de 4 de Outubro de 2023, proferido no processo n.º 1468/09.5BELRS, e no acórdão do TCAS de 16 de Novembro de 2023, proferido no processo n.º 381/09.0BELRS.
O mais estreito sentido normativo que a AT tenta impor, seria inconstitucional, como bem aponta o STA no supra citado acórdão: [a]ssim, é de concluir que a interpretação do art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 no sentido da aplicação da taxa reduzida de IRC a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.
Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição, como se fez na sentença recorrida.”
M) E aqui se reitera essa inconstitucionalidade: o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro de 2016, no segmento “bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores”, quando interpretado com o sentido normativo de abarcar apenas “os estabelecimentos estáveis ou sucursais nos Açores de sujeitos passivos não residentes em Portugal”, é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da proibição de discriminações arbitrárias (artigos 2.º e 13.º da CRP) e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP).
N) E com respeito ao normativo da derrama regional aplicável na Madeira, o n.º 1 do artigo 20.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de Março e da norma que lhe sucedeu, o n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, aplicáveis em sede de derrama regional por remissão do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M (na redacção inicial e que, no segmento remissivo que aqui importa, se mantém até à data), quando interpretado com o sentido normativo de excluir do âmbito de aplicação subjectiva da derrama regional da Madeira os “estabelecimentos estáveis ou sucursais na Madeira de sociedades residentes noutras circunscrições do território nacional”, são inconstitucionais por violação dos princípios da igualdade e da proibição de discriminações arbitrárias (artigos 2.º e 13.º da CRP) e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP).
O) Há na posição e entendimento da AT um atropelo à aplicação das normas regionais que definem o âmbito de aplicação pessoal ou subjectivo da derrama regional nos Açores e na Madeira, e do âmbito objectivo de aplicação dessa autonomia regional, obtida a partir da “proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício” (artigo 20.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de Março, e actualmente artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013 de 2 de Setembro).
P) E há uma violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proibição de discriminações arbitrárias e da capacidade contributiva, consequente ao afastamento pela AT de sujeitos passivos residentes noutras circunscrições nacionais de acederem quanto aos lucros imputáveis aos seus estabelecimentos na Madeira e nos Açores ao mesmo regime de derrama (o regional) aplicável aos seus concorrentes estrangeiros igualmente com estabelecimentos (actividade) nos Açores ou na Madeira.
Q) A finalizar, é de sublinhar que as decisões arbitrais invocadas pela AT para contrariar a decisão arbitral de que recorre, na parte em que lidam com existência de derramas regionais caem na desigualdade e consequente inconstitucionalidade de que falam os dois acórdãos do STA citados supra (a que se juntaram dois do TCAS prolatados em 2023).
R) Com efeito, a ser assim como pretendem AT e aquelas decisões arbitrais, o estabelecimento e respectivos lucros nos Açores ou Madeira pertença de entidade com sede no continente sofreria tributação agravada em relação a estabelecimento nessas regiões pertença de entidade com sede em ..., ..., ..., ..., etc.
S) Com efeito, no primeiro caso a operação de saber se é atingido o patamar de lucros na Madeira e Açores que desencadeia a aplicação da derrama aos lucros obtidos nessa região, e bem assim o nível de taxas progressivas a aplicar, contaria também com a concorrência de todos os restantes lucros dessa entidade não residente em Portugal obtidos fora dessas regiões. E não se aplicam, nesta tese, as taxas mais reduzidas dos Açores e Madeira aos lucros desses estabelecimentos na Madeira ou Açores.
T) Enquanto no caso da empresa concorrente estrangeira esta operação de saber se é atingido o patamar de lucros na Madeira e Açores que desencadeia a aplicação da derrama aos lucros obtidos nessa região (e bem assim o nível de taxas progressivas a aplicar), não contaria com os restantes lucros dessa entidade não residente em Portugal obtidos fora dessas regiões, e beneficiaria ainda da aplicação das taxas mais reduzidas dos Açores e Madeira aos lucros dos seus estabelecimentos na Madeira e Açores.
U) E isto sim, é que é inusitada hermenêutica, para usar as palavras da decisão arbitral citada e transcrita pela AT no final das suas alegações de recurso.
V) Acresce ainda que a jurisprudência invocada pela AT não esclarece como se conferiria efeito útil ao facto legal incontornável de as Regiões Autónomas terem estabelecido taxas próprias, no exercício de faculdade que a lei lhes confere, para a derrama incidente sobre os estabelecimentos localizados nas mesmas.
W) Efeito útil este que é exactamente o que a AT nega com o seu entendimento e indeferimento administrativo, confirmativo que é de que está tudo bem em sujeitar a totalidade dos lucros tributáveis à (taxa da) derrama nacional, sem querer saber de qualquer aplicação das (taxas de) derramas regionais.
X) Pelo contrário, o entendimento da recorrida e da decisão arbitral recorrida (que é o entendimento para que aponta a jurisprudência do STA), não é gerador de qualquer impasse eliminatório por portas travessas do exercício da autonomia regional em matéria de fixação das taxas aí aplicáveis.
Y) Acresce ainda que a própria AT já expressou adesão a entendimento semelhante ao sustentado pela ora recorrida (e decisão arbitral recorrida), no Ofício Circulado n.º ...84, de 14 de Março de 2016, da DSIRC (junto como Doc. n.º 17 do pedido de pronúncia arbitral).
Z) Do exposto resulta que, conforme concluiu a decisão arbitral recorrida, são ilegais as autoliquidações de IRC (derrama estadual) respeitantes aos exercícios de 2019 e de 2020 dos A..., por violação do disposto nos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), bem como por violação do regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A (RAA) e no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM), na redacção em vigor à data dos factos, na medida em que incorporam derrama estadual liquidada em excesso (porque liquidada sobre matéria tributável legalmente alocada às derramas regionais e respectivas taxas).
AA) Encontrando-se ainda os referidos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), em conjugação com o regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo regional nº 21/2016/A (RAA) e no Decreto-Legislativo Regional nº 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM), na redacção em vigor à data dos factos, feridos de inconstitucionalidade.
BB) quando interpretados no sentido normativo da sujeição a derrama estadual da totalidade do lucro tributável apurado por sujeito passivo de IRC em território continental e com estabelecimento estável nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, incluindo a parte do lucro tributável imputável, de acordo com o critério da proporção do volume de negócios, á actividade efectivamente exercida através das instalações que mantém em cada uma das referidas Regiões Autónomas,
CC) por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 13º da CRP) e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva (artigo 104º CRP), corolários do princípio do estado de Direito (artigo 2º da CRP).
DD) e bem assim feridos de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, a Lei (orgânica) das Finanças Regionais.

I.3 – Parecer do Ministério Público,
Foi junto parecer a fls. 921 a 925 do SITAF, com o seguinte teor:
“A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 25, nº 2, do RJAT (redacção da Lei nº119/2019, de 18 de Setembro), da decisão Arbitral proferido no processo nº 792/2023-T CAAD, datado de 21 de Agosto de 2023
Por alegada contradição com a interpretação perfilhada na decisão Arbitral, datado de 19.02.2015, proferido no processo nº 610/2014 CAAD, que indica como fundamento.
Alega ser evidente a contradição entre a Decisão recorrida e a Decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, a de saber se a derrama estadual a suportar por uma sociedade, que tem sede em Portugal continental mas que também exerce parte da sua actividade na RAA e na RAM através de estabelecimentos estáveis que aí possui para o efeito, deve ou não considerar a proporção do lucro tributável imputável àquelas regiões autónomas.
Ou seja, concretizando nós, que se prende com a correcta interpretação do art.º 87.º- A do CIRC, que importa dirimir.
ADMISSIBILIDADE/ PROSSEGUIMENTO DO RECURSO
Nos termos do referido art. 284.º do CPPT (tal como no art. 152.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos), os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para uniformização de jurisprudência são os seguintes (v. entre outros o Ac. do Pleno da Secção do CT do STA no processo 240/12.0BEFUN, de 30/6/2021, in www.dgsi.pt):
“i) que exista, relativamente à mesma questão fundamental de direito, contradição entre o acórdão recorrido e um outro acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito,
ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, de acordo com os critérios firmados por este Supremo Tribunal, exige-se para a sua verificação:
i) que haja identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii) que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii) que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.”
Acresce que quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o Acórdão em oposição, que tem como pressuposto que as situações fácticas em ambas as decisões sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais.
Estando em causa a questão de direito, tal pressupõe que em ambas as decisões se considere fixada e assente a base factual, não sendo admissíveis valorações probatórias.
Na decisão Arbitral nº 792/2023-T CAAD (decisão recorrida), que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, estava em causa a apreciação a legalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa dos actos tributários de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), respeitante aos exercícios de 2019 e 2020.
A questão que se colocava, como aí foi configurada, é a de saber se a derrama estadual a suportar pela Recorrida, e que exerce parte da sua actividade nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, através de estabelecimentos estáveis que aí possui para o efeito, deve ou não considerar a proporção do lucro tributável imputável àquelas regiões autónomas, aplicando-se lhe os regimes especiais das derramas regionais em face da sujeição única à derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC.
Concluindo, como sumariou:
I – A tributação de uma sociedade ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades não exclui a aplicabilidade das derramas regionais das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
II – Um sujeito passivo de IRC, que exerce parte da sua actividade nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira através de estabelecimentos estáveis aí existentes, que não é residente nessas regiões mas sim no território continental português, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parcela do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos.
Na decisão Arbitralº 610/2014-TCAAD (decisão fundamento), que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, estava em causa à apreciação da legalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa do acto tributários de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), respeitante ao exercício de 2011.
A questão que aí se colocava, tal foi configurada, é a de saber se a inexistência no ordenamento jurídico da Região Autónoma dos Açores de um diploma especial que visasse a adaptação da Derrama Estadual, ao exemplo do que sucede com a Região Autónoma da Madeira, pode ter como consequência a subtracção da incidência dessa mesma derrama estadual, tal como se encontra prevista no artigo 87º- A do CIRC, dos lucros tributáveis de estabelecimentos estáveis nos Açores que uma sociedade aí possui .
Concluindo que a inexistência de uma norma de incidência especial no ordenamento jurídico da Região dos Açores, não opera a exclusão da aplicação do artigo 87º-A do CIRC aos lucros obtidos nas instalações situadas nessa circunscrição.
Os pressupostos para a uniformização de jurisprudência, visam “confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.
Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.
Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.
Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.
De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.” Ac. do STA de 22/9/2021, no processo 0478/16.0BEAVR, in www.dgsi.pt.
As situações de facto e a matéria de direito na decisão recorrida e na decisão fundamento não são semelhantes, pelo que, não se verificam os requisitos para a admissibilidade do recurso para a uniformização de jurisprudência, sendo nosso parecer que se impõe o seu não conhecimento.”

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso, considerou como provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial residente em Portugal; b) A Requerente tem sede e direcção efectiva no território continental português, mas também exerce a sua actividade nas Regiões Autónomas dos Açores (“RAA”) e da Madeira (“RAM”) através de instalações aí existentes;
c) A Requerente é a sociedade dominante de um grupo (“Grupo Fiscal A...), que é tributado ao abrigo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (“RETGS”);
d) Em 9 de Julho de 2020, a Requerente entregou a sua declaração individual de IRC Modelo 22, referente ao exercício de 2019, tendo ainda apresentado uma declaração de substituição – cfr. docs. n.º 11 e 12 juntos com o PPA;
e) Em 29 de Julho de 2020, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal A..., a Requerente apresentou a declaração agregada de IRC Modelo 22 (RETGS), referente ao exercício de 2019, tendo ainda apresentado três declaração de substituição – cfr. docs. n.º 2 a 5, 11 e 12 juntos com o PPA;
f) Em 15 de Julho de 2021, a Requerente entregou a sua declaração individual de IRC Modelo 22, referente ao exercício de 2020, tendo ainda apresentado duas declarações de substituição – cfr. docs. n.º 13 a 15 juntos com o PPA;
g) Em 15 de Julho de 2021, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal A..., a Requerente apresentou a declaração agregada de IRC Modelo 22 (RETGS), referente ao exercício de 2019, tendo ainda apresentado três declaração de substituição – cfr. docs. n.º 6 a 9, 13 e 14 juntos com o PPA;
h) Nos exercícios de 2019 e 2020, a Requerente apurou os seguintes montantes relativos ao volume de negócios e colecta individual de IRC imputáveis à RAA e à RAM:

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j) Nos exercícios de 2019 e 2020, a derrama estadual individual apurada pela Requerente com base no seu lucro tributável individual total foi de, respectivamente, € 2.565.571,37 e € 935.075,88 – cfr. docs. n.º 12 e 15 juntos com o PPA;
k) A Requerente, no cálculo da sua derrama estatual individual dos exercícios de 2019 e 2020, não dividiu a matéria colectável pela derrama estadual e derramas regionais em proporção do volume de negócios em cada circunscrição, antes a alocou na íntegra e exclusivamente à derrama estadual;
l) O modelo oficial da declaração Modelo 22 nos exercícios de 2019 e 2020 não continha quaisquer campos para apuramento de derramas regionais equivalentes aos campos 350 (“Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores”) e 370 (“Imposto imputável à Região Autónoma da Madeira”) existentes no que se refere à restante parte do IRC;
m) A derrama estadual individual da Requerente foi por esta incluída no valor global de derrama estadual apurado no âmbito do RETGS, que nos exercícios de 2019 e 2020 perfez, respectivamente, o montante de € 2.645.065,02 e de € 979.931,82 – cfr. docs. n.º 5 e 9 juntos com o PPA;
n) O valor global de derrama estadual apurado pelo Grupo Fiscal A... corresponde ao somatório das derramas estaduais individualmente apuradas por cada sociedade incluída no perímetro de aplicação do RETGS;
o) Em 8 de Julho de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as autoliquidações de IRC respeitantes aos exercícios de 2019 e de 2020;
p) Em 30 de Setembro de 2022, foi a Requerente legalmente notificada do indeferimento do pedido de reclamação graciosa que tramitou sob o n.º ...14;
q) Em 25 de Dezembro de 2022, a Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos.

O acórdão arbitral fundamento datado de 19/02/2015 no âmbito do processo nº 610/2014-T,deu como provado a seguinte factualidade:
a) A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território português, que tem por objecto o comércio a retalho de vestuário para adultos, bebés e crianças, sendo, como tal, sujeito passivo de IRC, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º, conjugado com disposto nos artigos 3.º a 5.º do Código do IRC.
b) Ao contrário da esmagadora maioria dos sujeitos passivos de IRC, a REQUERENTE não adopta o período normal de tributação coincidente com o ano civil, portanto de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, como, em regra, prevê o disposto no artigo 8.º n.º 1 do Código do IRC.
c) Com efeito, a REQUERENTE, por razões de reporte da sua informação financeira à ... em ..., adoptou, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 8.º n.º 2 do Código do IRC um período de tributação que vai desde ../../.... a 31 de Janeiro do ano subsequente, portanto distinto da regra atrás indicada. – Cfr. Doc. n.º 1 junto à Reclamação Graciosa.
d) Com referência ao exercício de 2011, e conforme previsto nos artigos 117.º n.º 1 alínea b) e 120.º n.º 2, ambos do Código do IRC, a REQUERENTE submeteu, por via electrónica em 29 de Junho de 2012, a respectiva Declaração Modelo 22 IRC. – Cfr. Doc. n.º 1 junto à Reclamação Graciosa.
e) Resulta do seu teor (cfr. Campo 368 do Quadro 10) que a REQUERENTE apurou um montante total a recuperar de IRC de EUR. 1.102.354,91 (um milhão, cento e dois mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e noventa e um cêntimos). – Cfr. cit. Doc. n.º 1 junto à Reclamação Graciosa.
f) Pese embora a AT tenha corrigido a quantia a reembolsar em 2 cêntimos de Euro, passando, portanto, o reembolso para EUR. 1.102.354,93 (um milhão, cento e dois mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e noventa e três cêntimos), a aludida quantia a reembolsar veio, de facto, a ser confirmada, conforme resulta da notificação da Demonstração de Liquidação de IRC, referente ao exercício de 2011, com o n.º ...12 …, de 12 de Julho de 2012. – Cfr. Doc. n.º 2 junto à Reclamação Graciosa junta como cit. Doc. n.º 3.
g) Pese embora a REQUERENTE tenha obtido o reembolso do montante de EUR. 1.102.354,93 (um milhão, cento e dois mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e noventa e três cêntimos), – Cfr. Doc. n.º 2 junto à Reclamação Graciosa, conforme resulta do referido acto tributário de liquidação, foi apurado o montante de EUR. 369.023,71 (trezentos e sessenta e nove mil e vinte e três euros e setenta e um cêntimos), a título de Derrama Estadual, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos. – Cfr. Doc. n.º 2 junto à Reclamação Graciosa junta como cit. Doc. n.º 3
h) Por não concordar com o acto tributário ora impugnado, em particular quanto ao valor da Derrama Estadual apurada, a REQUERENTE, em 05 de Março, deduziu, nos termos e para os efeitos nos artigos 68.º e 131.º ambos do CPPT, Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças de Lisboa 10 onde expôs os seus argumentos, de facto e de direito, que suportam as suas pretensões. – Cfr. cit. Doc. n.º 3
i) Na sequência da apresentação do aludido meio de reacção, a REQUERENTE, a coberto do ofício n.º …, de 09 de Abril de 2014, foi notificada do Projecto de Indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, bem como, para, no prazo de 15 dias, e querendo, exercer o Direito de Audição. – Cfr. Doc. n.º 4
j) Por não ter exercido tal direito, o Projecto de Indeferimento foi convolado em definitivo, e notificado à REQUERENTE, através do ofício n.º ...85, de 07 de Maio de 2014. – Cfr. cit. Doc. n.º 1.

II. 2 – De Direito
I. São três as questões que importa dirimir no âmbito do presente Processo:

a) Ocorre efetiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento quanto à mesma questão fundamental de Direito?

b) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, pode considerar-se, ainda assim, que o presente recurso deve ser admitido pelo facto de a orientação perfilhada na decisão recorrida não corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal ?

c) Sendo afirmativa a resposta às duas questões anteriores, deve este Supremo Tribunal conhecer do mérito e dar provimento ao recurso ?

II. Uma vez que tem precedência sobre as demais, importa começar por recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso:

- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito nos casos em que:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.


IV. Pelo acabado de expor, importa começar por indagar acerca da verificação ou não da substancial identidade factual entre as decisões arbitrais aqui em confronto, sendo que, por uma análise simples dos respetivos Probatórios, se pode considerar a mesma como razoavelmente semelhante – como, aliás, sublinha a Recorrente (expressamente) e parece dar por garantido a Recorrida (implicitamente):
- ambos os contribuintes são sujeitos passivos de IRC;
- ambos os contribuintes são sujeitos passivos de derrama estadual;
- ambos os contribuintes possuem a sede no território português continental, mas exercem atividade através de estabelecimentos estáveis na RAM e na RAA, respectivamente;
- ambos os contribuintes apresentaram a sua declaração de IRC sem que, no cálculo da derrama estadual, tivessem dividido a matéria coletável pela derrama estadual e derramas regionais em proporção do volume de negócios em cada circunscrição, antes a alocaram na integra e exclusivamente à derrama estadual;
- ambos os contribuintes contestaram o teor das respectivas auto-liquidações, pretendendo a distribuição das respetivas bases tributáveis de derrama estadual pelas circunscrições autonómicas regionais.

V. Todavia, e sem prejuízo desta inegável proximidade factual, existem, em paralelo, um conjunto de aspetos que apartam, em termos decisivos, as decisões aqui em confronto – e que apenas foram sublinhados, pelo menos parcialmente, pelo Ministério Público no seu douto Parecer junto aos autos.
São os seguintes os factores de divergência de natureza fáctico-jurídica, desde logo ao nível da questão fundamental de Direito sobre a qual versam as decisões em confronto:
- a decisão arbitral fundamento não versa sobre a mesma questão fundamental de Direito que a decisão aqui recorrida - quanto muito, a questão em discussão na decisão fundamento é um mero corolário de uma leitura que, a jusante, pressupõe a irrelevância da existência de Estabelecimentos Estáveis na Regiões Autónomas ou, mais rigorosamente, o tema sobre que incide a decisão recorrida deverá considerar-se marginal na questão (rectius, questões) versada na decisão fundamento;
- a decisão arbitral fundamento tem por objeto o impacto da derrama estadual na Região Autónoma dos Açores e já não na Região Autónoma da Madeira, sendo que, à data dos factos, vigoravam apenas nesta última região autónoma (e já não naquela) regras especiais de âmbito regional a respeito da determinação e exigência de uma derrama regional.

VI. Em rigor, a decisão arbitral fundamento funda-se e restringe-se a duas específicas questões - aliás, devidamente autonomizadas na respetiva fundamentação:
- a discussão acerca da inclusão (ou não inclusão), entre os poderes tributários das Regiões Autónomas previstos na LFR (e tutelados constitucionalmente), do direito a adaptar a derrama estadual às especificidades regionais (uma questão competencial, portanto), equacionando-se se, nos casos em que tal adaptação não seja exercida, as normas nacionais respeitantes à derrama estadual ficam ou não restringidas no seu âmbito de aplicação – e respondendo a Árbitra designada no litígio arbitral em termos negativos quer àquela questão quer à sub-questão;
- a distinção entre “receitas atribuídas às regiões autónomas” (com as regras previstas na LFR) e as “regras de incidência objectiva”, previstas no “artigo 87º-A do Código do IRC [que] define quem são os sujeitos passivos, a matéria colectável, a taxa do imposto e o facto gerador que determina o nascimento da referida obrigação de imposto” (sic) – em que, conclui a Árbitra designada no litígio arbitral, as referências feitas naquele primeiro diploma às “sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria” não têm qualquer relevância para a determinação da derrama estadual (efeitos fiscais, portanto), mas apenas para efeitos de distribuição de receitas (efeitos financeiros, portanto).

VII. Por seu lado, a decisão arbitral recorrida diverge, no enquadramento fáctico-normativo, da decisão fundamento, além de não versar sobre a mesma questão fundamental de Direito, como se vê:
- a decisão arbitral recorrida incide sobre a componente regional da derrama estadual em ambas as regiões e não exclusivamente na Região Autónoma dos Açores;
- à data dos factos em causa na decisão arbitral recorrida, a Região Autónoma dos Açores já havia implementado a sua regulamentação da derrama estadual – o que contrasta decisivamente com a decisão arbitral fundamento, onde se havia concluído, em termos prejudiciais para a decisão final, que: “O facto de o legislador regional não ter legislado no sentido de adaptar a Derrama Estadual à Região Autónoma dos Açores não implica uma exclusão da sua aplicação aos lucros aí obtidos”;
- ademais, são decisivas na decisão arbitral recorrida as normas regionais que adaptam a derrama nacional às regiões - constantes dos artigo 2.º, n.º 3 do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro e do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto – ao passo que essas mesmas normas são perfeitamente irrelevantes na decisão arbitral fundamento (no caso dos Açores, porque tal norma ainda nem sequer existia, e no caso da Madeira, porque não era, pura a simplesmente, objeto de discussão in casu).

VIII. Por último, há que sublinhar a nítida distinção quanto ás normas objeto de tratamento nas decisões em confronto - quer quanto às Lei das Finanças Regionais em causa, quer quanto às próprias normas sindicadas em concreto:
- no caso da decisão arbitral fundamento, está em causa a interpretação dos artigo 20.º, n.º 2, artigo 54.º, n.ºs 1 e 2 e, por fim, o artigo 56.º da Lei de Finanças Regionais de 2007 – a qual foi aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2'007, de 19 de Fevereiro e alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2010 de 29 de Março;
- no caso da decisão arbitral recorrida, está em causa a interpretação do artigo 26.º, n.º 2 da Lei de Finanças Regionais de 2013, a qual foi aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, e que revogou expressamente a LFR de 2007 e suas alterações (cfr. o respetivo artigo 73.º).

IX. Expostas estas divergências entre as decisões ora em confronto, logo se depreende que elas afectam irremediavelmente a comparabilidade das mesmas, impedindo o exercício da função uniformizadora deste Supremo Tribunal. Dito noutros termos, a distinção entre as decisões não se limita a uma mera interpretação divergente das normas em causa; o que prejudica, como não pode deixar de ser, o conhecimento do mérito do presente Recurso.


III. CONCLUSÃO
Quando a questão fundamental de Direito identificada das decisões em confronto apenas é abordada ad latere numa delas, não é possível conhecer do mérito do recurso de uniformização de jurisprudência.


IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em não tomar conhecimento do mérito do presente Recurso.

Custas pela Recorrente.


Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves.