Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0926/10
Data do Acordão:04/13/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES
QUOTA SOCIAL
SOCIEDADE COMERCIAL
FIXAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL
AVALIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ESGOTAMENTO DOS MEIOS GRACIOSOS
SUPRIMENTOS
Sumário: I – Para efeitos de liquidação de imposto sucessório, os actos praticados pela Administração Tributária de fixação dos valores que serviram de base à liquidação são susceptíveis de avaliação, com excepção dos casos expressamente indicados no n.ºs 1.º a 3.º do art. 87.º do CIMSISD.
II – Os casos em que o imposto sucessório é liquidado com base no valor de quotas de sociedades fixado pela Administração Tributária, nos termos do art. 77.º do CIMSISD, estão abrangidos pelo regime do corpo daquele art. 87.º, desde que não tenha ainda havido avaliação no processo administrativo de liquidação.
III – Assim, os contribuintes que discordem do acto de fixação do valor das quotas, subjacente ao acto de liquidação de imposto sucessório que lhes for notificado, devem contestá-lo, no prazo de oito dias, sendo a consequência de não o fazerem a caducidade do direito de contestarem a referida fixação.
IV – Não tendo sido requerida a avaliação, não pode admitir-se a impugnação judicial para discussão da legalidade da fixação do valor das quotas, pois, à face do art. 155.º, n.º 6, do Código de Processo Tributário (a que corresponde o n.º 7 do art. 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), ela não é permitida sem prévio esgotamento dos meios graciosos admissíveis para apreciar a sua legalidade.
V – A presunção da existência de bens móveis na titularidade do autor da herança estabelecida no art. 26.º do CIMSISD tem subjacente o facto de, normalmente, quem falece com património ser proprietário de bens dos tipos aí indicados, entre os quais se inclui «dinheiro», em sentido próprio, por ser algo cuja disponibilidade é necessária para satisfazer as necessidades quotidianas.
VI – O juízo de normalidade subjacente a tal presunção não vale para a titularidade activa de suprimentos, que têm a natureza de empréstimos.
Nº Convencional:JSTA00066924
Nº do Documento:SA2201104130926
Data de Entrada:11/25/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Legislação Nacional:CIMSISD91 ART20 N3 ART26 ART77 N4 N7 ART87 N1 N2 N3 ART93.
CPTRIB91 ART155 N6.
CPPTRIB99 ART134 N7.
CSC86 ART243 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC3845 DE 1986/06/18 IN AP-DR DE 1987/12/31 PAG829.; AC STAPLENO PROC3845 DE 1989/02/22 IN AP-DR DE 1991/02/28 PAG40.; AC STA PROC2964 DE 1986/07/16 IN AP-DR DE 1997/12/31 PAG934 E RLJ ANO119 PAG365.; AC STA PROC14214 DE 1992/06/09 IN AP-DR DE 1995/02/22 PAG1818.; AC STA PROC16439 DE 1972/11/02.; AC STA PROC17063 DE 1974/10/09
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, B…, C…, D… e E…, na qualidade de herdeiros de F…, impugnaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a liquidação de imposto sucessório, no montante de 13.343.357$00, na parte relativa à valorização de quotas de sociedades comerciais.
Aquele Tribunal julgou procedente a excepção, suscitada pela Fazenda Pública, de não ser possível em impugnação judicial da liquidação de imposto sucessório contestar os valores que lhe serviram de base, sem ter sido utilizado o meio gracioso previsto no art. 87.º do CIMSISD e improcedente a impugnação quanto à questão de os suprimentos não terem sido considerados para efeitos de tributação daquele imposto.
Inconformados, os Impugnantes interpuseram o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A) — Diz-nos o artigo 20º, § 3.º, regra 3 do CIMSISSD que o valor das quotas sociais transmitidas por herança determina-se pelo último balanço, isto é, o valor decorrente do balanço da sociedade é o valor legalmente considerado como sendo o valor dos bens transmitidos.
B) — Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência da STA, que os poderes de correcção do balanço atribuídos aos serviços da inspecção da DGCI, previstos na regra 4 do artigo 20°, § 3.º, só são admissíveis quando a elaboração do balanço se mostra em desconformidade com as regras legais e contabilísticas vigentes.
C) — Pelo que, não se trata aqui de proceder a primeira avaliação nos termos gerais. E, também, por isso, não se pode falar na possibilidade de requerer uma segunda avaliação patrimonial, nos termos gerais previstos nos art.°s 87° e 96° do CIMSISSD.
D) — Na verdade, não se aplica ao caso o disposto no artigo 87° do CIMSISSD.
E) — Os ora recorrentes não poderiam pedir uma (re)avaliação de quotas cujo valor se encontra determinado conforme o balanço e que não são determináveis ou passíveis de correcção mediante outros procedimentos ou critérios.
F) — Pelo que, não seria possível pedir a (re)avaliação da quota como se de um outro bem mobiliário se tratasse e, portanto, não é exigível a dedutibilidade prévia de meio gracioso, nos termos do art.° 87° do CIMSISSD.
G) — Quanto à questão dos suprimentos, é entendimento da jurisprudência do STA que “(...) os lucros sociais e os suprimentos creditados ao autor da herança e postos à disposição deste, mas ainda em poder da sociedade à data do falecimento do sócio, constituindo dinheiro à vista, têm de ser considerados como dinheiro para efeitos do disposto no citado artigo 26.”— Ac. de 2/11/1972, processo n.° 016439.
H) — Para efeitos do art.° 26° do CIMSISSD, os suprimentos que o de cujus havia feito às sociedades em que tinha participações sociais, equivalem a dinheiro creditado numa conta em seu nome, e constituem uma disponibilidade financeira na verdadeira acepção da palavra “dinheiro”.
1) — A douta sentença recorrida violou o disposto na regra 3 do parágrafo 3° do art.° 20° e no art.° 77° do CIMSISSD, por entender que era exigível, como condição prévia da impugnação da liquidação do imposto, a reavaliação das quotas, assim como fez errada interpretação do conceito de “dinheiro” para efeitos do art.° 26° do CIMSISSD, ao não considerar nele incluídos os suprimentos em nome do de cujus.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
As questões objecto do presente recurso referem-se à interpretação dos arts. 200, parágrafo 3°, 3 e 77° do CIMSISSD, com vista a saber se ao acto de fixação do valor de quotas sociais para efeito de imposto sucessório é aplicável o disposto no art. 87.º do CIMSISSD, e ainda à interpretação do art. 26 do mesmo diploma legal.
Alegam os recorrentes que a sentença recorrida violou o disposto na regra 3 do parágrafo 3.º do art. 20° e no art 77° do CIMSISSD, por entender que era exigível, como condição prévia da impugnação da liquidação do imposto, a reavaliação das quotas, assim como fez errada interpretação do conceito de ‘dinheiro’ para efeitos do art. 26° do CIMSISSD, ao não considerar nele incluídos os suprimentos em nome do de cujus.
Fundamentação: afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
Decorre do art. 87 do CIMSISSD que no prazo de oito dias a contar da notificação, os contribuintes que não se conformarem com os valores sobre que foi liquidado o imposto poderão contestá-los, por si, seus representantes legais ou mandatários, requerendo avaliação dos bens ainda não avaliados no processo.
Sobre o preceito alegam os recorrentes não ser o mesmo aplicável ao caso subjudice porquanto não poderiam pedir uma reavaliação das quotas, cujo valor se encontra determinado conforme o balanço e que não são determináveis ou passíveis de correcção mediante outros procedimentos ou critérios.
Ora este argumento não pode colher. A correcção do balanço é admitida pela regra 4. do parágrafo 3° do art. 20° e pelo parágrafo artigo 77º do CIMSISSD.
E a jurisprudência deste Supremo Tribunal, tem vindo a interpretar este normativo no sentido de que as correcções ao balanço serão admissíveis quando aquele se mostre em desconformidade com as regras legais e contabilísticas vigentes à data da sua elaboração (ver neste sentido Acórdãos de 11/03/98, 17/03/99 e 22/06/05, proferidos nos processos 20968, 20967 e 1369/04, respectivamente, e, por mais recentes, os Acórdãos de 23.09.2009, recurso 261/09, e de 22.04.2009, recurso 36/09).
No caso, tendo a Administração Fiscal procedido a uma correcção dos valores das quotas sociais, não concordando os recorrentes com ela deveriam, como já sublinhava o Ministério Público na 1 instância no bem elaborado parecer de fls. , ter contestado tais valores, requerendo uma avaliação das quotas sociais, nos termos do art. 87 do CIMSISSD (vide, também neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 09.06.1992, recurso 14214, e de 22.02.1989, recurso 3845, in www.dgsi.pt).
Do mesmo modo deverão improceder os argumentos dos recorrentes relativos à interpretação do conceito de ‘dinheiro’ para efeitos do art. 26° do CIMSISSD
Alegam os recorrentes que os suprimentos que o de cujus havia feito às sociedades em que tinha participações sociais equivalem a dinheiro creditado na sua conta em seu nome, constituindo uma disponibilidade financeira na verdadeira acepção da palavra dinheiro.
Em abono da sua tese invocam a jurisprudência dos acórdãos de 02.11.1972 e de 09.08.1974, proferidos nos processos 16439 e 17063, respectivamente.
Afigura-se-nos que também aqui não lhes assiste razão.
Como bem salienta na decisão recorrida os suprimentos não poderão ser considerados dinheiro na acepção do referido normativo, pois que lhes falta o requisito da liquidez imediata.
Na verdade os suprimentos são fornecimentos de dinheiro feitos pelos sócios às suas sociedades para reforço do que existe, constituindo verdadeiros empréstimos, não se podendo dizer que constituem dinheiro à vista.
E a expressão dinheiro constante do art 26 foi utilizada no sentido económico, sendo que a presunção legal se funda no facto de o dinheiro formar conjunto com outros bens (mobília e adereços) cuja existência se verifica em geral no património de quem falece provido de bens (cf. neste sentido Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos. Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, edição da Imprensa Nacional, volume 1, pag.503 e 506).
Daí que se entenda que a interpretação (extensiva) que os recorrentes fazem do preceito, em ordem a incluir naquele conceito os suprimentos que o de cujus havia feito às sociedades em que tinha participações sociais, não é consentânea com a intenção do legislador ao estabelecer a referida presunção da existência de dinheiro nas heranças.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
As partes foram notificadas deste douto parecer e nada vieram dizer.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A) Por óbito de F…, ocorrido em 06.09.1987, foi instaurado na Repartição de Finanças do concelho de Batalha o processo de Imposto Sucessório n.° 7.780 — fls. 75.
B) Da relação de bens apresentada pela cabeça de casal constavam, sob as verbas n.° 1, 2 e 3, as quotas no valor de 9.000.000$00, 7.000.000$00 e 700.000$00 que o falecido detinha, respectivamente, nas sociedades “G…”, H…” e I…” — fls. 40 a 49.
C) Em 16/06/98, a DDF de Lisboa prestou a informação prevista no Art. 77.° do CIMSISSD, de fls. 68 a 72, 53 a 57 e 62 a 66, que se dão por integralmente reproduzidas, tendo fixado o valor da verba n.° 1 em 27.777.343$00, o da verba n.° 2 em 11.018.712$00 e o da verba n.° 3 em 306.601$00.
D) Nas contas pessoais do falecido nas sociedade G… e I…, foram encontrados suprimentos no valor de, respectivamente, 32.892.109$00 e 10.901.711$00
—fls. 68 a 72 e 62 a 66.
E) Em 23/12/98, a Repartição de Finanças do Concelho de Batalha elaborou o Relatório de fls. 36 a 37, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
Na relação de bens entretanto junta ao processo, tis. 5/14, apenas foram descritas verbas activas, sendo o património comum constituído por quotas em sociedades comerciais (verbas 1 a 3), mobílias (verbas 4 a 9), um automóvel (verba 10) e imóveis (verbas 11 a 90).
APURAMENTO DE VALORES:
Quotas em sociedades:
Verba 1- Quota na sociedade” G…”
Valor fixado (fls. 115) 27.777.343$00
Suprimentos encontrados 132.892.109$00
Verba 2- Quota na sociedade” H….”
Valor fixado (fls. 99) 11.018.712$00
Verba 3- Quota na sociedade” I….
Valor fixado (fls. 108) 306.601$00
Suprimentos encontrados 10.901.711 $00 82.896.476$00
Mobílias (verbas nos 4 9) 39.000$00
Automóvel (verba 10): 65.000$00
Soma dos bens móveis 83.000.476$00
Imóveis (verbas 11 a 90) 11.865.369$00
Total do património comum 94.865.845$00
Valores da herança:
Bens móveis ... 83.000.476$00: 2 = 41.500.238$00
Art° 26.° (a) 7.092.513$38 48.592.751$38
Valor para a liquidação 54.525.435$88
(a) = 41.500.238$00- 19.500$00 + 5932684$50 = 47.413.422$50 47.413.422$50x 15% = 7.112.013$38
7.112.013$38— 19.500$00 = 7.092.513$38
LIQUIDAÇÃO
Dado que a herança se defere a favor do cônjuge sobrevivo e de 4 descendentes, ao cônjuge pertence ¼ sendo os restantes 3% divididos pelos 4 descendentes. Assim, temos:
54.525.435$88x Y = 13.631.358$97
54.525.435$88— 13.631.358$97 = 40.894.076.91
40.894.076$91 : 4 =10.223.519$23; 10.223.519$23; 10.223.519$23 e 10.223.519$22
Considerando que a herança já foi objecto de partilha, conforme fotocópia de fls. 31,76, através da qual se verifica que a totalidade dos imóveis foi adjudicado ao cônjuge sobrevivo, temos que a este será de liquidar imposto pelo valor de bens móveis no montante de Esc. 7.698.674$47 e pelo valor dos imóveis de 5.932.684$50, e a cada um dos descendentes será de liquidar imposto de bens móveis pelo montante de Esc. 10.223.519$23. DETERMINAÇÃO DE TAXAS:
Ao cônjuge: 13.631.358$97x 23% e 28%
A cada descendente: 10.223.519$23 x 26% e 31% Liquidação do imposto:
Ao cônjuge:
250.000$00 (isentos)
9.750, 000$00 x 23% = 2.242.500$00
3.631.358$97x 28% = 1.016.780$52 3.259.281$00
Se optar pelo pagamento de pronto tem direito ao desconto de Esc: 488.892$00
(3.259.281$00 : 6 x 5 x 18% = 488.892$00)
A cada descendente:
250.000$00 (isentos)
9.750.000$00 x 26% = 2.535.000$00
223.519$23 x 31% = 69.290$97 2.604.291$00
Valor liquido da transmissão: 10.223.519$23— 2.604.291$00 = 7.619.228$23. Aplicação da última parte do único do ad. o 40.0
250.000$00 (isentos)
4.750.000$00 x 21% = 997.500$00
5.000.000$00 x 26% = 1.300.000$00
Excesso 223.519$23 2.. 521.019$00
Valor liquido da transmissão: 10.223.519$23— 2.521.019$00 = 7.702.500$00
Valor do imposto a pagar: 2.521.019$00
Quem optar pelo pagamento de pronto têm direito ao desconto de Esc. 378.152$00
(2.521.019$00: 6 x 5 x 18% = 378.152$00)
(...)».
3 – Na liquidação de imposto sucessório, relativamente a quotas de sociedades comerciais, a Administração Tributária não utilizou os valores que constavam dos últimos balanços, tendo-lhes efectuado correcções.
Na sentença recorrida, entendeu-se que o acto de fixação dos valores das quotas referidas era impugnável autonomamente, através de meio gracioso, nos termos do art. 87.º do CIMSISD, pelo que, não tendo sido utilizado aquele meio, não podia ser discutida a legalidade de tal fixação em impugnação do acto de liquidação que teve como base tal fixação.
O art. 20.º do CIMSISD estabelece, no seu n.º 3.º, que «o valor das quotas ou partes em sociedades que não sejam por acções determinar-se-á pelo último balanço, ou pelo valor atribuído em partilha ou liquidação dessa sociedades, ou na relação dos bens, nos termos da regra antecedente, salvo se, não continuando as sociedades com o herdeiro, legatário ou donatário do sócio falecido ou doador, o valor das quotas ou partes tiver sido fixado no pacto social».
No entanto, para os casos em que o valor de quotas é determinado pelo último balanço, o n.º 4.º do mesmo artigo, admite a possibilidade de serem efectuadas correcções, determinando que «se o último balanço precisar de ser corrigido, o valor do estabelecimento ou das quotas e partes sociais determinar-se-á, quando for caso disso, pelo balanço resultante das correcções feitas».
No caso em apreço, a Administração Tributária entendeu ser necessário efectuar a fixação dos valores das quotas referidas [alínea C da matéria de facto fixada].
Não está em causa, no presente recurso jurisdicional, apreciar se a Administração Tributária agiu ou não bem ao efectuar tal fixação, pois na sentença recorrida entendeu-se existir um obstáculo à apreciação daquela actuação, por não ter sido utilizado, no prazo de oito dias a contar da notificação da liquidação, o meio gracioso previsto no art. 87.º para contestação dos valores sobre que foi liquidado o imposto, sendo esta a questão que importa apreciar.
O art. 87.º do CIMSISD estabelece, além do mais o seguinte:
No prazo de oito dias a contar da notificação, os contribuintes que não se conformarem com os valores sobre que foi liquidado o imposto poderão contestá-los, por si, seu representantes legais ou mandatários, requerendo avaliação dos bens ainda não avaliados no processo, salvo tratando-se dos seguintes:
1.º Bens mobiliários ou imobiliários cujo valor tenha sido o atribuído em inventário, título de partilhas ou liquidação de estabelecimento comercial ou industrial;
2.º Quotas ou partes em sociedades que não sejam por acções e continuem com o contribuinte, quando o seu valor tenha sido o atribuído em partilha;
3.º Bens mencionados no n.º 7.º e última parte do n.º 4.º do artigo 79.º e no n.º 1.º deste artigo, quando não tenha sido aplicada a fórmula constante da alínea a) da regra 5.ª do § 3.º do artigo 20.º.
A regra que se estabelece neste art. 87.º é a da possibilidade de os contribuintes requerem a avaliação de bens não avaliados, fixando-se nos n.ºs 1 a 3 deste artigo os casos em que tal regra é afastada.
A avaliação processa-se nos termos do art. 93.º do CIMSISD, com possibilidade de intervenção de um louvado designado pelo contribuinte, outro pelo chefe do serviço de finanças e outro pelo director de finanças.
No caso em apreço, o valor das quotas não foi determinado através de avaliação, pelo que esta poderia ser requerida, nos termos do corpo do art. 87.º, uma vez que a situação não se enquadra em qualquer das excepções arroladas nos seus três números.
Na verdade, a situação não se integra no n.º 2 daquele art. 87.º, uma vez que o valor das quotas não foi atribuído em partilha; por outro lado, a situação também não é abrangida pelo n.º 3, pois nesta norma, para além dos bens que sejam objecto de expropriação por utilidade pública (n.º 7.º do art. 77.º do CIMSISD), apenas se incluem as quotas de sociedades cujo valor de liquidação seja fixado no pacto social (parte final do n.º 4.º do mesmo artigo).
Assim, é de concluir que os casos em que o imposto é liquidado com base no valor de quotas de sociedades fixado pela Administração Tributária nos termos do art. 77.º do CIMSISD, por não se enquadrarem em qualquer das excepções, estão abrangidos pelo regime do corpo deste art. 87.º, desde que não tenha ainda havido avaliação no processo administrativo de liquidação.
De resto, como bem refere o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a ser uniforme no sentido de que, para efeitos de liquidação de imposto sucessório, os actos praticados pela Administração Tributária de fixação dos valores que serviram de base à liquidação são susceptíveis de avaliação, com excepção dos casos expressamente indicados no n.ºs 1.º a 3.º do art. 87.º do CIMSISD. ( Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:
– de 18-6-1986, processo n.º 003845, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-12-1987, página 829, confirmado pelo acórdão do Pleno de 22-2-1989. publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-2-1991, página 40;
– de 16-7-1986, processo n.º 002964, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-12-1987, página 934 e Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119, página 365, com anotação favorável de Teixeira Ribeiro;
– de 9-6-1992, processo n.º 014214, publicado em Apêndice ao Diário da República de 22-2-1995, página 1818. )
Assim, os contribuintes que discordassem do acto de fixação do valor das quotas, subjacente ao acto de liquidação notificado, teriam de contestá-lo, no prazo de oito dias, o que foi expressamente indicado na notificação da liquidação, como se vê pelo documento de fls. 33, junto pelos Impugnantes com a petição inicial.
Não o fazendo, caducou o direito de contestarem a referida fixação.
Por isso, tem de se considerar assente o valor fixado, independentemente de se estar perante uma situação em que a correcção dos valores tenha cobertura legal e de ter sido efectuada em termos adequados.
Designadamente, não tendo sido requerida a avaliação, não pode admitir-se a impugnação judicial para discussão da legalidade da fixação de tais valores, pois a lei vigente no momento em que foi efectuada a notificação da liquidação, que era o Código de Processo Tributário, proibia, no n.º 6 do seu art. 155.º, a impugnação judicial de actos de fixação de valores patrimoniais sem prévio esgotamento dos meios graciosos admissíveis para apreciar a sua legalidade ( Actualmente é aplicável o mesmo regime por força do disposto no art.134.º, n.º 7, do CPPT ).
Improcede, assim, o recurso jurisdicional, nesta parte.
4 – Os Recorrentes defendem que os suprimentos referidos na matéria de facto fixada na sentença recorrida equivalem a «dinheiro», para efeitos do art. 26.º do CIMSISD, invocando em favor deste tese os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 2-11-1972, processo n.º 016439, e de 9-10 1974, processo n.º 17063.
Esta norma estabelece que «nas transmissões por morte, quando não houver arrolamento judicial dos mobiliários, presumir-se-á a existência de mobílias, dinheiro, jóias e mais objectos de uso pessoal ou doméstico, necessários para perfazer, com os bens da mesma espécie que foram relacionados, um valor mínimo equivalente às seguintes percentagens do activo restante da sucessão».
De harmonia com o disposto no art. 243.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, «considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência».
Como bem refere o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, o que está subjacente à presunção estabelecida no art. 26.º do CIMSISD é o facto de, normalmente, quem falece com património ser proprietário de alguns bens móveis, designadamente dos tipos aí indicados, entre os quais se inclui «dinheiro», em sentido próprio, por ser algo cuja disponibilidade é necessária para satisfazer as necessidades quotidianas.
Mas, tal presunção não vale para a titularidade activa de suprimentos, que têm a natureza de empréstimos, sendo manifesto que não se pode fazer em relação a estes idêntico juízo sobre a normalidade da sua titularidade.
Por isso, não valendo em relação aos suprimentos e à generalidade dos empréstimos a razão de ser de tal presunção, é inviável interpretar extensivamente a expressão «dinheiro» referida naquele art. 26.º como abrangendo aqueles.
Por isso, improcede o recurso jurisdicional também quanto a esta questão.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 13 de Abril de 2011. – Jorge de Sousa (relator) - Brandão de Pinho - Pimenta do Vale.