Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01443/16.3BELRS
Data do Acordão:04/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPUGNAÇÃO
SEGUNDA AVALIAÇÃO
Sumário:Os aerogeradores, enquanto elementos constitutivos de um parque eólico, não se subsumem ao conceito fiscal de "prédio" tal como definido nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
Nº Convencional:JSTA000P25766
Nº do Documento:SA22020042001443/16
Data de Entrada:12/19/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:PE............. - PARQUE EÓLICO DA ......... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. a Representante da Fazenda Pública recorreu da sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial do resultado da segunda avaliação do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………. e ……….. sob o artigo P-2952, interposta por PE…… – Parque Eólico da …………, S.A., pessoa colectiva n.º ………., com sede no …………. 5100-……… Magueija.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

A. Aquando da apresentação da contestação requereu a Fazenda Pública a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º, nº 7 do RCP.

B. Sucede que, da análise da sentença recorrida não resulta apreciado tal pedido.

C. Considerando que as questões colocadas à apreciação do Tribunal não se revelaram de elevada especialização jurídica ou técnica.

D. Considerando a atitude positiva de cooperação e boa-fé processual das Partes.

E. E considerando a inexistência de inquirição de testemunhas.

F. É consabido que se encontram preenchidos os requisitos para que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

G. Em face do exposto, ponderados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade que devem presidir à aplicação do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, justifica-se o deferimento do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça.

H. A questão que se pretende ver analisada pelo tribunal ad quem no presente recurso é a de saber se um aerogerador integrado num parque eólico, destinado a injecção de energia na rede pública tem, ou não, valor económico próprio, ou seja, se o referido aerogerador se pode considerar prédio para efeitos de IMI.

I. Salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorrecta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.

J. É entendimento generalizado da doutrina sobre a matéria que, para que uma determinada realidade seja considerada prédio para efeitos fiscais, tem de reunir um elemento de natureza física (fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência), um elemento de natureza jurídica (exigência de que a coisa – móvel ou imóvel – faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva) e um elemento de natureza económica (exigência de que a coisa tenha valor económico em circunstâncias normais).

K. Entendeu a sentença recorrida não verificado o elemento de natureza económica, isto por considerar que um aerogerador, por si só, não tem valor económico, sendo um componente do parque eólico.

L. Tal argumento é, no nosso entendimento e salvo o devido respeito, claramente infundado, tendo, desde logo, em conta, a composição do parque eólico.

M. Tendo como objectivo a produção de energia eléctrica a partir do vento, isto é, o aproveitamento da energia eólica, os aerogeradores são constituídos por três componentes assentes sob sapata de betão e ferro: a torre (estrutura tubular), a “nacelle” ou cabine (compartimento onde ficam instalados o gerador e os sensores de velocidade e direcção do vento) e 3 pás que giram conforme a velocidade do vento.

N. Estamos, assim, perante a construção semelhante ao tradicional “moinho de vento” (que ninguém põe em causa que, para efeitos de IMI, se trata de um prédio), que foi construída para aproveitamento do vento e sua transformação em energia.

O. Cada aerogerador (“coisa simples” formada pela junção dos seus componentes: sapata de betão, torre, cabine e pás) constitui uma unidade funcional independente, dado que o aproveitamento do vento pode ser efectuado por uma só unidade.

P. Nestes termos, entende-se, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que os aerogeradores devem ser qualificados como prédios, de acordo com o disposto no art. 2º do CIMI, constituindo realidades físicas distintas ou autónomas dos terrenos em que se encontram implantados, os quais possuem, claramente, valor económico.

Q. Como é consabido, o elemento económico tem como premissa que determinado bem, em circunstâncias normais, tenha valor económico, independentemente da susceptibilidade de produzir ou não rendimento.

R. Desde logo, o aerogerador é uma unidade claramente independente em termos funcionais do parque eólico, com autonomia e valor económico, o qual se traduz na susceptibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.

S. Por outro lado, um aerogerador não precisa de estar integrado num parque eólico para produzir energia eléctrica, já que entre os aerogeradores de um mesmo parque eólico não existe qualquer ligação.

T. Donde resulta que um aerogerador, por si só e em circunstâncias normais, é um bem que tem valor económico susceptível de expressão monetária, seja qual for a perspectiva de análise – o mercado, a utilidade económica potencial ou os fluxos de rendimentos esperados -, por conseguinte, preenche todos os requisitos legais que habilitam à qualificação como prédio para efeitos da incidência do IMI.

U. Importa acrescentar que, se a utilidade da torre de um aerogerador é, nas circunstâncias normais actuais, a de servir de suporte aos equipamentos de produção de energia, isso não obsta a que finda essa funcionalidade, não possa, também em circunstâncias normais, no futuro, ter outro aproveitamento ou afectação, mantendo valor económico, tal como se verificou noutras realidades prediais do passado (p. ex. moinhos de vento, actualmente convertidos em museus ou afectos a habitação).

V. Considerar que, em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio é esvaziar a dimensão económica da actividade desenvolvida na fase nuclear – a produção – do circuito económico da energia.

W. Decorre, ainda, do DL nº 33-A/2005 de 16/02 (que alterou a DL nº 339-C/2001, de 29/12), que o que é remunerado ou objecto de venda é a electricidade produzida por cada centro produtor (aerogerador), cujo volume e valor depende do número de aerogeradores concentrados em cada local designado por “parque eólico”.

X. Resulta, assim, que a sentença recorrida procede a uma errada interpretação do disposto no art. 2º do CIMI, na medida em que, como demonstrado, um aerogerador preenche todos os pressupostos legais (elementos jurídico, físico e económico) para ser considerado como prédio para efeitos fiscais.

Y. Refira-se, ainda, que o entendimento propugnado na sentença recorrida enferma, ainda, de um erro nas suas premissas, ofendendo, claramente, os mais basilares princípios constitucionais da equidade, justiça e segurança fiscais, consignados no art. 5º da LGT e arts. 103º e 104º, ambos da CRP.

Z. Ora, o entendimento propalado na sentença recorrida é claramente violador do princípio da justiça, da equidade e da segurança fiscais, bastando, para o efeito pensar-se que a seguir tal entendimento e tributar-se o parque eólico ao invés dos seus componentes (aerogeradores), originaria que em parques eólicos cuja área de circunscrição abrange vários Concelhos, com taxas diferentes, fosse o parque eólico apenas inscrito num só Concelho, ou no Concelho que tivesse mais componentes, em detrimento de/ou Concelho limítrofe com menos componentes.

AA. Em função do supra exposto, é por demais evidente que os aerogeradores, individualmente considerados e em circunstâncias normais, têm valor económico próprio, já que não dependem de outros aerogeradores para cumprir a sua função de produção de energia.

BB. Assim sendo, conclui-se que o aerogerador reúne todos os requisitos legais para ser qualificado como prédio para efeitos das normas de incidência em sede de IMI, razão pela qual o acórdão recorrido procede a uma errada interpretação e apreciação do art. 2º do CIMI, colidindo, tal entendimento, com os princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscais.

Pediu que fosse dado provimento ao recurso, fosse revogada a sentença recorrida e fosse a mesma substituída por acórdão que julgasse a impugnação totalmente improcedente.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que condensou nas seguintes conclusões:

· DO OBJECTO DAS PRESENTES ALEGAÇÕES

A) Discorda a Recorrida em absoluto da posição perfilhada pela Recorrente, por entender que (i) a sentença recorrida decidiu bem quando considerou não se encontrar preenchido o elemento de cariz económico previsto no artigo 2.º do CIMI; ainda que o fosse (no que não se concede), (ii) sempre seria um prédio urbano do tipo «industrial» nos termos do artigo 6.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CIMI; (iii) avaliável de acordo com o método geral previsto no artigo 38.º do CIMI, e, por último, que (iv) o acto tributário impugnado padece do vício de falta de fundamentação na acepção dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, 77.º e 84.º, n.º 3, da LGT;

· DA PRETENSA SUBSUNÇÃO DO AEROGERADOR EM REFERÊNCIA NO CONCEITO DE PRÉDIO PREVISTO NO ARTIGO 2.º DO CIMI

B) A Recorrente entende ser o aerogerador sub judice um prédio na acepção do artigo 2.º do CIMI, sem que daí resulte qualquer violação das normas constitucionais oportunamente invocadas pela Recorrida – isto é, os artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º da CRP;

C) Discorda a Recorrida da posição adoptada pela Recorrente, na medida em que claudicam os elementos atinentes à natureza física e económica ínsitos no conceito de prédio previsto no artigo 2.º do CIMI, sendo certo que uma interpretação conforme à Lei fundamental – in casu, aos princípios constitucionais plasmados nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º da CRP – pressupõe necessariamente a não aplicação deste preceito legal à realidade em presença;

D) No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza física, entende a Recorrida que o mesmo não se encontra preenchido uma vez que os aerogeradores de parques eólicos constituem conjuntos integrados de componentes – equipamentos – necessários à produção de energia eléctrica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional intrínseca;

E) No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza económica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional relativamente aos demais componentes integrantes do aerogerador, também não a possui, pelos mesmos motivos e maioria de razão, a nível económico, claudicando, em consequência, o preenchimento do requisito em apreço como tem sido aliás expressa e unanimemente decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores, inclusivamente por esse Douto Tribunal ad quem;

F) Em consequência, irrelevam neste contexto os conceitos civilísticos de coisa simples e composta, sendo ademais notório que os aerogeradores são partes componentes de um parque eólico assim como a estrutura tubular e a sapata – realidades tributadas na acepção do artigo 2.º do CIMI, de acordo com o entendimento da Administração Tributária – são partes componentes de um aerogerador, não estando quaisquer destes componentes por si só – isto é, se individualmente considerados – aptos à produção de energia eólica;

G) Deste modo, a subsunção da realidade em presença no conceito de prédio previsto no artigo 2.º do CIMI não pode deixar de ser vista como um meio inadmissível de determinação da incidência tributária em sede de IMI, bulindo directamente com a tipicidade inerente ao escopo garantístico do princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103.º, n.º 2, da CRP, e 8.º, n.º 1, da LGT;

H) Ademais, provindo do entendimento vertido pela Administração Tributária na Circular n.º 8/2013, de 4 de Outubro de 2013, do Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, equivale a admitir como possível a definição de obrigações tributárias por meras orientações administrativas, hipótese que resulta manifestamente incompatível com o disposto no artigo 112.º, n.º 1, da CRP, com o referido princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103.º da CRP e 8.º da LGT e, de igual modo, com o princípio da reserva de lei previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;

I) Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2.º do CIMI, como bem decidiu o Douto Tribunal a quo;

J) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que pugne pela manutenção do sentido decisório sufragado pelo Douto Tribunal a quo;

K) Subsidiariamente, no cenário desse Douto Tribunal ad quem discordar do entendimento supra, pugnando pela anulação do sentido decisório sufragado pelo Douto Tribunal a quo, requer-se que diligencie pela apreciação das questões cujo conhecimento ficou prejudicado pelo sentido decisório propalado na sentença recorrida, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, as quais infra se enunciam.

· DO ERRÓNEO ENQUADRAMENTO DO AEROGERADOR NO CONCEITO DE PRÉDIO URBANO DA ESPÉCIE «OUTROS» PREVISTO NO ARTIGO 6.º, N.ºS 1, ALÍNEA D), E 4, DO CIMI

L) A Administração Tributária entende subsumir-se o aerogerador visado no conceito de prédio urbano da espécie «outros» na acepção do artigo 6.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, do CIMI;

M) Discorda a Recorrida da posição adoptada pela Administração Tributária, na medida em que desenvolve a sua actividade no sector da indústria energética, possuindo, nesse contexto e para esse efeito, licença de exploração emitida pela Direcção-geral de Energia e Geologia, motivo pelo qual o aerogerador em presença não pode deixar de constituir um prédio urbano enquadrável na espécie «industrial» na acepção do artigo 6.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CIMI;

N) Por outras palavras, tendo a Recorrida licença para desenvolver uma actividade industrial – e, ainda que assim não se considerasse, tendo a exploração de um parque eólico como destino normal tal fim –, o aerogerador em presença sempre teria de ser enquadrada no conceito de prédio urbano da espécie «industrial» na acepção do artigo 6.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CIMI;

O) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que negue provimento ao presente recurso, considerando enfermar o acto tributário em crise de ilegalidade – geradora de anulabilidade nos termos do então 135.º do CPA – com fundamento na incorrecta aplicação do regime ínsito no artigo 6.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, do CIMI, tudo com as demais consequências legais.

· DA ERRÓNEA APLICAÇÃO DO MÉTODO DE AVALIAÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 46.º, N.º 2, DO CIMI

P) A Administração Tributária entende ser aplicável ao aerogerador em referência o método de avaliação previsto no artigo 46.º, n.º 2, do CIMI por tal alegado prédio urbano ser enquadrável na espécie «outros» na acepção do artigo 6.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, do CIMI;

Q) Discorda a Recorrida da posição adoptada pela Administração Tributária, por considerar que, sendo o alegado prédio urbano enquadrável na espécie «industrial», a sua avaliação deveria ter sido realizada nos termos do artigo 38.º do CIMI, não sendo aplicável o regime do artigo 46.º, n.º 2, do CIMI;

R) Não obstante, mesmo que o alegado prédio fosse enquadrável na espécie «outros», a sua avaliação deveria, de igual modo, ter tido lugar nos termos do artigo 38.º do CIMI;

S) Com efeito, entende a Recorrida retirar-se da letra da lei o carácter supletivo do método de avaliação previsto no artigo 46.º, n.º 2, do CIMI e, por conseguinte, a circunstância do mesmo só ser aplicável «no caso de não ser possível utilizar as regras do artigo 38.º [do CIMI]», o que efectivamente não sucede no caso em análise;

T) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que negue provimento ao presente recurso, considerando enfermar o acto tributário em crise de ilegalidade – geradora de anulabilidade nos termos do então artigo 135.º do CPA – com fundamento na incorrecta aplicação do regime ínsito no 46.º, n.º 2, do CIMI, tudo com as demais consequências legais;

· DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO IMPUGNADO

U) A Administração Tributária entende estar o acto de segunda avaliação devidamente fundamentado, revelando o iter cognoscitivo que levou ao apuramento do valor patrimonial tributário do aerogerador em referência;

V) Discorda a Recorrida da posição adoptada pela Administração Tributária, na medida em que a avaliação notificada omite os motivos na origem da aplicação do método de avaliação residual do artigo 46.º, n.º 2, do CIMI, não tendo também sido facultados os documentos que estiveram na base da determinação das diversas parcelas que concorreram para o apuramento do valor patrimonial tributário;

W) Resulta assim evidente não se encontrar a Recorrida em condições de aferir da fidedignidade dos valores apresentados nem da bondade da sua aplicação, impendendo o respectivo ónus probatório sobre a Administração Tributária nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT;

X) Conclui-se portanto padecer o acto tributário de segunda avaliação do vício de falta de fundamentação por omitir o itinerário cognoscitivo e valorativo na origem da sua prática – isto é, as razões conducentes à aplicação do método de avaliação previsto no artigo 46.º, n.º 2, do CIMI e, bem assim, os documentos que concorreram para o apuramento dos valores avançados ao abrigo desse regime;

Y) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que negue provimento ao presente recurso, considerando enfermar o acto tributário em crise de ilegalidade – geradora de anulabilidade nos termos do então artigo 135.º do CPA – por preterição do regime ínsito nos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, 77.º e 84.º, n.º 3, da LGT, tudo com as demais consequências legais.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer que, pelo seu interesse, a seguir se transcreve parcialmente: «(…)

3. A Recorrente suscita a apreciação de duas questões: (i) A primeira respeita à verificação ou não dos requisitos de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente; (ii) A segunda consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente, o que passa por responder à questão de saber se a realidade objeto de avaliação configura ou não um prédio à luz do disposto no artigo 2º do CIMI e para efeitos de tributação nesta sede.

3.1 No que respeita à primeira questão constata-se efetivamente que o tribunal “a quo” não apreciou a questão da dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, nem se pronunciou sobre essa falta aquando da subida do recurso, tendo apenas a Mma. Juíza referido que era seu entendimento «que não se verificam as irregularidades/nulidades invocadas pela Recorrente».

Ora, afigura-se-nos ser manifesta essa omissão de pronúncia e não descortinamos a razão pela qual não se reparou tal nulidade.

Atento que a questão objeto de apreciação pelo tribunal tem merecido uma apreciação uniforme e reiterada pelos tribunais superiores, designadamente pelo STA, e limitando-se o tribunal “a quo” a aderir a tal jurisprudência, afigura-se-nos que se mostram reunidos os requisitos de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, tal como vem peticionado pela Recorrente.

3.2 Quanto à questão da qualificação da realidade “torre eólica” como prédio da espécie “outros”.

Ainda que o ato impugnado seja o ato de avaliação, não deixa de constituir um seu pressuposto que a realidade subjacente se possa qualificar como prédio à luz do disposto no artigo 2º do CIMI, pois só neste caso há lugar ao procedimento de avaliação previsto no CIMI.

Ora, sobre a falta de autonomia económica da torre eólica, tal como se deixou exarado na sentença recorrida, já se pronunciou por inúmeras vezes o STA, designadamente nos acórdãos de 15/03/2017 [Que cita o acórdão do TCA Sul de 26/02/2017, proc. nº 516/15, cuja doutrina corrobora, na seguinte citação: «Em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio. Pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, que não o aerogerador, que é remunerado (…). Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade.». No mesmo sentido o ac. de 11/05/2017, proc. 440/14./8BELLE, do mesmo relator.] e de 07/06/2017, proc.s nºs 0140/15 e 01417/16, respetivamente, e nos quais foi adotado o entendimento de que «os elementos constitutivos de um parque eólico (os aerogeradores, os elementos de ligação, a estação de comando e a subestação) não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio».

Tal entendimento tem sido igualmente sufragado na jurisprudência dos TCAs (acórdãos do TCA Sul de 26/02/2017 e de 11/05/2017, proc.s 516/15 e 440/14, respetivamente, e do TCA Norte de 14/06/2017, 14/09/2017 e 28/09/2017, proc.s nº 649/15, 268/15 e 1939/12, respetivamente).

Ora a Recorrente não aduziu argumentos novos que infirmem a correção dessa jurisprudência, motivo pelo qual concluímos que o ato de avaliação impugnado padece do vício de ilegalidade que lhe é assacado pela impugnante e reconhecido na sentença recorrida, uma vez que tem por objeto uma realidade que não é subsumível no conceito de prédio previsto no artigo 2º do CIMI, o que é um pressuposto inultrapassável para a sua sujeição a avaliação e tributação em sede de IMI.

Entendemos, por outro lado, que embora tal realidade tenha sido inscrita na matriz predial pela administração tributária e não resulte dos autos que tal ato tenha sido impugnado (e é suscetível de impugnação –cfr. acórdão do STA de 27/11/2013, proc. nº 1725/13), o ato de avaliação pode ser impugnado com tal fundamento, como foi igualmente entendido no citado acórdão do STA3, ainda que por reporte ao ato de liquidação.

Por outro lado, embora a jurisprudência supra citada não se tenha pronunciado expressamente sobre se o parque eólico é ou não subsumível no conceito de prédio (ainda que no acórdão de 15/03/2017 se tenha enunciado a questão, certo é que o tribunal não emitiu qualquer pronuncia expressa), propendemos a considerar para a afirmativa. E parece-nos que a fundamentação aduzida nos arestos supra citados tem implícito esse mesmo entendimento, por se verificarem nessa realidade todos os elementos conceituais de prédio consignados no artigo 2º do CIMI, ou seja, de natureza física, por referência a uma "fração de território", de natureza jurídica, por referência à pertença/titularidade de pessoa singular ou coletiva, e de natureza patrimonial, por referência ao seu valor económico, assim como o caráter de permanência.

De todas as formas no ato de avaliação impugnado não foi considerado o conjunto das três torres eólicas, mas sim uma daquelas realidades. Por outro lado é discutível que os critérios de avaliação previstos no CIMI se possam aplicar à realidade em causa.

4. CONCLUSÃO:

Em face do exposto, entendemos que o ato de avaliação tem por objeto uma realidade que não configura um prédio para efeitos de IMI, o que constitui fundamento para a sua anulação, por vício de ilegalidade, e nessa medida impõe-se a confirmação da sentença recorrida que assim entendeu, devendo o recurso ser julgado improcedente.».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

Na douta sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:

a) Em 16/12/2003, a sociedade impugnante PE……. - Parque Eólico ……….. tomou de arrendamento o prédio rústico, sito na freguesia de ………….., concelho de Torres Vedras, designado por ……….., com a área de 28,500 hectares, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 8.º da Secção G - contrato de arrendamento, junto aos autos e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

b) A finalidade do arrendamento, identificado na alínea antecedente, era a instalação de um parque eólico, com torres de produção de energia eólica destinado à transformação de energia eólica em energia eléctrica para posterior venda, com todos os seus dispositivos, subestação e acessos, cuja localização seria definida após licenciamento municipal - cláusulas terceiras e quartas do citado contrato de arrendamento.
c) No prédio rústico, identificado na alínea a), a Impugnante instalou 3 aerogeradores da marca Nordex, modelo N90-R80 - doc. n.º1, junto com a douta petição inicial, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e facto admitido por acordo das partes.

d) O equipamento Nordex, modelo N90-R80, é um equipamento de conversão da energia cinética em energia eléctrica e é composto por sapata de betão (fundação com 235,10 m2), uma torre, constituída por seis pisos, com 12,8 m2 (estrutura tubular metálica que sustenta o rotor e a nacelle), um rotor (elemento de fixação das três pás que captam o vento) e uma nacelle (compartimento dentro do qual se encontram os equipamentos que transformam a energia eólica em eléctrica) - docs. n.ºs 5 a 7 juntos com a Petição inicial, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

e) Os três geradores foram instalados no prédio rústico arrendado, supra identificados em conjunto com os seus 4 elementos constituintes, a saber, uma torre com 6 pisos, as pás, o rotor e a nacelle, com a finalidade de produção de energia eléctrica no Parque Eólico da ………… - facto admitido por acordo das partes.

f) O parque eólico em apreço iniciou a sua exploração no ano de 2005 - licença junta como doc. n.º 8, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

g) A Administração Tributária, após ter verificado que, a Impugnante não havia entregue a declaração Modelo 1 de IMI para inscrever como prédio cada um dos três aerogeradores do Parque Eólico da ………, em 20/03/2015 expediu o ofício n.º 1389 notificando a Impugnante para “(…) proceder à apresentação das declarações Mod.1 de IMI (uma para cada aerogerador e uma para a subestação), acompanhadas dos elementos a que se refere o artigo 37.º do mesmo diploma para efeitos de inscrição dos três aerogeradores e subestação “Parque Eólico da …………..”, sito na freguesia de ………., advertindo ainda a Impugnante que, caso não procedesse à apresentação das referidas Declarações, seria efectuada a inscrição oficiosamente, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º do CIMI - ofício de fls. 5 e aviso de recepção de fls. 6 do PAT, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

h) Não tendo a Impugnante procedido à entrega das referidas Declarações Mod.1 de IMI, para inscrição matricial dos prédios, em 02/07/2015 foi recolhida a referida Declaração oficiosamente, para efeitos de inscrição oficiosa e respectiva avaliação - doc. de fls. 40 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

i) A 20/07/2015, foi a Impugnante regularmente notificada do ofício n.º 16.162.917, subscrito pelo chefe do serviço de finanças de Torres Vedras, informando que a AT havia procedido à inscrição oficiosa de um dos aerogeradores sob o artigo urbano P- 2952.º, do tipo “outros”, atribuindo-lhe o valor patrimonial tributário de € 672.080,00, de acordo com os cálculos que constam do doc. n.º 9, junto com a p.i. - cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.

j) A Impugnante, não concordando com o resultado da 1.ª avaliação, requereu 2.ª avaliação, na sequência da qual foi mantido, o VPT de € 672.080,00, de acordo com os cálculos que constam do doc. n.º 11 - requerimento junto como doc. n.º 10 e doc. n.º 11, junto com a douta petição inicial, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos.



3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial do ato da segunda avaliação de prédio inscrito oficiosamente na matriz predial urbana nas freguesias de …….. e ……….., concelho de Torres Vedras, sob o artigo P-2952 e, em consequência, anulou o ato respectivo.

Com o assim entendido não se conforma a Recorrente por entender, basicamente, que «o aerogerador reúne todos os requisitos legais para ser qualificado como prédio para efeitos das normas de incidência em sede de IMI, razão pela qual [a sentença recorrida] procede a uma errada interpretação e apreciação do artigo 2.º do CIMI, colidindo tal entendimento com os princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscais» (cit. extraída do ponto 45 das doutas alegações do recurso).

A questão que a Recorrente coloca ao Supremo Tribunal é, por isso, a de saber se o aerogerador é ou não um "prédio" na acepção do artigo 2º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

Mas esta questão já foi por diversas vezes colocada a este Supremo Tribunal, tendo sido sufragado, de modo reiterado e uniforme, o entendimento de que os elementos constitutivos de um parque eólico, mais precisamente os aerogeradores, não se subsumem ao conceito fiscal de "prédio" tal como definido nos artigos 2º, 3º, 4º e 6º do CIMI - cfr. acórdãos de 15.03.2017, recurso 140/15, de 07.06.2017, recurso 1417/16, de 11.10.2017, recurso 360/17, de 15.11.2017, recurso 1105/17, de 15.11.2017, recurso 1074/17 e de 22.11.2017, recurso 661/17.

Razão por que nos limitaremos a remeter para a fundamentação contida no acórdão proferido no recurso nº 140/15. Que nos dispensamos de transcrever por a sua transcrição já integrar a fundamentação da própria sentença recorrida.

Improcede assim, neste ponto e de acordo com a jurisprudência do convocado aresto, que aqui expressamente se acolhe, a argumentação da Recorrente, o que determina a confirmação da sentença no mesmo segmento, com o que fica prejudicado o conhecimento das demais questões que vinham suscitadas em ampliação do âmbito do recurso pela banda da Recorrida.

3.2. No capítulo “II.” das doutas alegações de recurso e nas alíneas “A” a “G” das respectivas conclusões, a Recorrente observa que tinha requerido na contestação a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais e que o tribunal a quo não se pronunciou quanto a esta questão. E conclui dizendo que se justifica o deferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Não é claro se a Recorrente enquadra a situação como um caso de omissão e pronúncia (de violação do dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal – artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) ou como um caso de pronúncia tácita no sentido do indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça. E se, portanto, pretende que o tribunal de recurso julgue procedente a nulidade e conheça em substituição na mesma questão ou revogue a decisão quanto a custas, no segmento respectivo.

Certo é que a nulidade por omissão de pronúncia não se inclui entre as nulidades que o tribunal de revista pode suprir - ver o artigo 684.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. A função do tribunal de revista é a de «rever decisões» e não a de suprir a omissão do dever respectivo. Por outro lado, a apreciação das condições para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a € 275.000 é um poder/dever oficioso do juiz, o que significa que teria o dever de verificar os seus pressupostos mesmo que a sua apreciação não lhe tivesse sido suscitada pela parte. Finalmente, a verificação destes pressupostos depende apenas da análise de factos processuais, que podem ser sindicados na revista. Nada obstando, decidimo-nos desde já pela apreciação da questão de fundo: a de saber se o juiz teria o dever de dispensar o pagamento do remanescente do pagamento da taxa de justiça.

A esta questão respondemos afirmativamente. Fundamentalmente, porque a Mm.ª Juiz resolveu o mérito por remissão para um acórdão que transcreve abundantemente. Quer dizer: a causa não se lhe apresentava complexa porque as questões que lhe eram colocadas já tinham sido resolvidas pelos tribunais superiores em sentido a que se limitou a aderir.

Pelo que o recurso merece provimento nesta parte.

Pelas mesmas razões, justifica-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso.



4. Conclusão

Os aerogeradores, enquanto elementos constitutivos de um parque eólico, não se subsumem ao conceito fiscal de "prédio" tal como definido nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.


5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

a) Em negar provimento ao recurso da decisão que apreciou o mérito da pretensão da Recorrente;

b) Em conceder provimento ao recurso da decisão quanto a custas e, em consequência, dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Custas na presente instância pela Fazenda Pública, na proporção de metade das devidas e também com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

D.n.

Lisboa, 20 de Abril de 2020. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – José Gomes Correia.