Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0885/16
Data do Acordão:05/10/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
FIXAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL
Sumário:Nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do C. P. P. T. os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias, após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, independentemente do vício alegado.
Nº Convencional:JSTA00070170
Nº do Documento:SA2201705100885
Data de Entrada:07/07/2016
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:LGT98 ART86 N2.
CPPTRIB99 ART20 N1 ART54 ART97-A N1 C ART102 N1 ART134 N1.
CPA91 ART161.
CPC13 ART139 N5 ART537 N7.
CCIV66 ART279.
CIMI03 ART34 N2 ART76 N1 ART77 N1.
RCP ART6 N7.
L 66-B/12 DE 2012/12/31.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0346/14 DE 2016/05/18.; AC STA PROC0716/12 DE 2012/11/21.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLII 6ED PAG74.
SALVADOR DA COSTA - RCP ANOTADO 5ED 2013.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A A………….., S.A. recorre para este Supremo Tribunal da sentença de 21/04/2016 (fls. 130/143) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que indeferiu liminarmente, por caducidade do direito de deduzir, a impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário do imóvel com o artigo de matriz 8.940, da freguesia de …………., …………, no valor de 24.823.500€.
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1.2. A recorrente apresentou as suas alegações com as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso tem por objecto a decisão proferida em 21.04.2016 …., que julgou procedente a excepção da caducidade do direito da acção de impugnação do acto de segunda avaliação.
B) Decidiu o Tribunal a quo que, nos termos do artigo 134.º do CPPT o prazo para intentar impugnação judicial é de 90 dias. Assim, esse prazo terminaria em 21 de Outubro de 2014, e a impugnação foi intentada no dia 23 de Outubro de 2014.
C) Sustenta, para o efeito, que o artigo 134.º e 102.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPPT, estão “numa relação de especialidade”, pois, o “artigo 134.º, n.º 1, contém elementos que também constam do artigo 102.º, n.º1, alínea e) - possibilidade de impugnação de actos destacáveis -, acrescentando-lhe particularidades: o único acto destacável ali previsto é o acto de fixação dos valores patrimoniais (aqui são os restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma): e o prazo para lançar mão da impugnação é ali de 90 dias (e aqui de 3 meses).”
D) Mais refere que este é o prazo aplicável à impugnação judicial do acto de segunda avaliação “com fundamento em qualquer ilegalidade, independentemente, pois, do vício alegado”.
E) Acrescentando que “a falta de fundamentação de um acto em matéria tributária apenas pode gerar o vicio da anulabilidade, que não da nulidade”.
F) A sentença ora posta em crise padece de vício de erro de julgamento, por errada aplicação do Direito, porquanto, a acção de impugnação judicial foi apresentada dentro do prazo legal estipulado para o efeito.
G) Apesar da sentença recorrida fazer uma breve exposição teórica pelos quatro elementos (literal, teleológico, sistemático e histórico) de interpretação das normas, não procede à sua correspondente aplicação ao caso concreto,
H) uma vez que, apesar de mencionar esses quatro elementos interpretativos, a sentença recorrida decide apenas com base num único elemento o elemento literal.
I) Atendendo às regras de interpretação das normas fiscais, o prazo para intentar impugnação judicial do acto de segunda avaliação previsto no artigo 134.º do CPPT pode, e deve, ser interpretado como sendo um prazo de 3 meses. Senão vejamos.
J) As regras relativas ao processo de impugnação judicial estão reguladas nos artigos 99.º e seguintes do CPPT.
K) O prazo geral de apresentação da impugnação judicial está previsto no artigo 102.º do CPPT.
L) Até 31.12.2012 prazo era de 90 dias.
M) A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2013, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013, veio alterar aquele prazo geral de 90 dias para 3 meses contados a partir dos factos elencados no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
N) Esta alteração teve como fito harmonizar o prazo geral de impugnação judicial previsto no CPPT, com o prazo da acção administrativa especial, agora acção administrativa, prevista no CPTA, que é de 3 meses.
O) Por seu turno, estabelece o artigo 134.º do CPPT, que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.
P) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o prazo previsto neste artigo não pode ter uma interpretação unicamente literal.
Q) Para encontrar o espírito da lei, concretamente o espírito do prazo fixado no artigo 134.º do CPPT, é imperioso recorrer-se ao critério histórico, ao critério teleológico e, ainda, ao critério da coerência do sistema fiscal.
R) Em termos históricos, o prazo fixado no artigo 134.º do CPPT foi, desde sempre, igual ao prazo fixado no artigo 102.º do CPPT, ou seja, desde sempre o prazo para impugnar actos de segunda avaliação foi o prazo geral de impugnação previsto no artigo 102.º do CPPT,
S) Pelo que, desde sempre, o prazo fixado no artigo 134.º do CPPT nunca revestiu a natureza de prazo especial relativamente ao prazo fixado no artigo 102.º do CPPT.
T) Assim sendo, como é, não faz qualquer sentido que, até 31 de Dezembro de 2012 o prazo para impugnar um acto autónomo de pedido de segunda avaliação seja, nos termos do artigo 134.º do CPPT, um prazo geral, como amplamente defendem todos os Autores citados;
U) E, em virtude da alteração ocorrida no prazo estipulado no artigo 102.º do CPPT, passe, automaticamente e sem mais, a partir de 1 de Janeiro de 2013, a ser um prazo especial.
V) Não foi essa a intenção do legislador com a alteração introduzida pela Lei do OE para 2013 no prazo geral de impugnação judicial que deixou de ser 90 dias e passou a ser 3 meses. Como vimos, a razão de ser desta alteração teve como único intuito harmonizar o prazo geral de impugnação judicial com o prazo da acção administrativa.
W) Também não é legal e sistematicamente coerente que no artigo 102.º, n.º 1 alínea e) do CPPT se preveja um prazo de três meses, e no artigo 134.º se preveja um prazo alegadamente diferente (90 dias) para a mesma realidade prevista no primeiro normativo, senão teríamos dois prazos distintos para a mesma realidade jurídica, o que não é admissível, ou, pelo menos, não poderá prejudicar o particular que seguiu a lei.
X) Por outro lado, a epígrafe do artigo 134.º do CPPT é “Objecto de impugnação” e não prazo de impugnação, tal como decorre do artigo 102.º do CPPT.
Y) Como refere a sentença recorrida, o artigo 134.º do CPPT tem, de facto, algumas especificidades, mas essas especificidades nunca estiveram, nem estão, relacionadas com o prazo para apresentar impugnação, como se demonstrou, mas antes, como indica, e bem, a epígrafe do artigo, com o objecto e o fundamento da impugnação.
Z) Nesta conformidade, atendendo aos elementos interpretativos (histórico, sistemático, teleológico e coerência do sistema fiscal), dúvidas não podem subsistir que o prazo fixado no artigo 134.º do CPPT é o prazo geral de impugnação previsto no artigo 102.º, que, a partir de 1 de Janeiro de 2013, passou a ser, e é, de 3 meses.
AA) Pelo que se verifica um erro de harmonização, isto é, o legislador com a alteração introduzida pela Lei OE para 2013 no prazo previsto no artigo 102.º do CPPT, passando-o de 90 dias para três meses, não harmonizou, como devia, o restante sistema jurídico fiscal, nomeadamente com o artigo 134.º do CPPT.
BB) Caso assim não se entenda, o que não se concede e equaciona como mera hipótese académica, sempre se dirá que a impugnação judicial do acto de segunda avaliação cabe no âmbito do artigo 102.º, n.º 1, alínea e), que estabelece um prazo de 3 meses.
CC) Sem prescindir, tendo sido invocada e demonstrada, como foi, matéria susceptível de conduzir à nulidade do acto de segunda avaliação, a impugnação poderia ser intentada a todo tempo, conforme preceituado no artigo 102.º, n.º 3 do CPPT.».
A recorrente veio, ainda, requerer, por requerimento a fls.197/199, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais.
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1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
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1.4. O recurso foi admitido por Despacho de 04/07/2016 (fls. 194).
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1.5. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu a seguinte pronúncia (fls. 202/204):
«FUNDAMENTAÇÃO
1.Questão decidenda: prazo de impugnação judicial do acto de segunda avaliação do valor patrimonial tributário (VPT) de prédio urbano, na vigência da Lei n° 66-B/2012, 31 dezembro.
Argumentário
1° A Lei n° 66-B/2012, 31 dezembro alterou o prazo geral de impugnação judicial dos actos destacáveis, susceptíveis de impugnação autónoma, que passaram de 90 dias para três meses, com a consequente alteração do modo de contagem (art.102° n°1 al. e) CPPT; art 279° CCivil).
2° A alteração da redacção visou a harmonização do prazo de impugnação judicial com o prazo para a impugnação de actos administrativos anuláveis, no domínio do contencioso administrativo (art. 58 n° 2 al. b) CPTA 2004).
3° As normas constantes dos arts.102° n°1 al. e) CPPT e do art.134° n°1 CPPT mantém uma relação de especialidade, na medida que a última contempla uma categoria específica de acto destacáveis susceptíveis de impugnação autónoma: actos de fixação do VPT de prédios urbanos, resultantes de segunda avaliação (art. 77° n°1 CIMI).
4° Em consequência da relação de especialidade, a alteração à norma geral (art.102° n°1 al. e) CPPT) introduzida pela Lei n° 66-B/2012,31 dezembro não se repercute na norma especial (art.134° n°1 CPPT), cuja redacção originária foi preservada pelo legislador no exercício de um poder de conformação legislativa que não incumbe ao intérprete questionar.
5° Esta relação de especialidade, com expressão na diferenciação de prazos, é reconhecida pelo legislador (art.102° n°4 CPPT).
6° A relevância dos critérios históricos, teleológico e da coerência do sistema jurídico (expressos nas conclusões R) / Z), não pode autorizar uma interpretação da norma controvertida (art.134° n°1 CPPT) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9° n° 2 CCivil)
7° Em consonância deve o intérprete, na determinação do sentido objectivo da lei, indagar «(...) não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objectivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris (Francesco Ferrara Interpretação e Aplicação das Leis Colecção Studium 3ª edição pp 134/135).
No caso concreto, da aplicação do prazo substantivo de 90 dias (e não de 3 meses) resulta a intempestividade da impugnação judicial deduzida em 23 outubro 2014, nos termos expressos na fundamentação da sentença (III. Questão Prévia fls. 140).
2. No domínio do direito administrativo, rege o princípio geral da anulabilidade, só sendo feridos de nulidade os actos administrativos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade (arts. 133° n°1 e 135° CPA revogado; acórdão STA Plenário 30.05.2001 processo n° 22 251; acórdãos STA-SCT 25.05.2004 processo n° 208/04, STA - Pleno SCT 22.06.2005 processo n° 1259/04, 16.11.2005 processo n° 736/05)
O acto de segunda avaliação impugnado, apesar da alegada falta de fundamentação, é meramente anulável, na medida em que não viola o conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada (ou qualquer outro direito fundamental), mas apenas o princípio da legalidade tributária (art. 62º CRP; art.133º nº 2 al. d) CPA revogado).
A ofensa ao conteúdo essencial do direito de propriedade só se verifica quando o direito fundamental afectado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado Volume 1 2006 p.882).
3. No caso concreto justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida (em sede de recurso) não tendo sido apreciado o mérito da causa, e revelou-se de complexidade inferior à comum e a conduta das partes não merece censura, por inexistência de utilização de expedientes dilatórios ou suscitação de incidentes anómalos, entorpecentes da actuação do tribunal (art. 6° n° 7 Regulamento das Custas Processuais; acórdãos STA Pleno SCT 15.10.2014 processo n° 654/13;18.05.2016 processo n° 346/14).».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. Em 8 de Novembro de 2013, A………….., SA, foi notificada da avaliação efectuada ao prédio inscrito na matriz sob o artigo P8940 da freguesia de …………. - cfr. fls. 49 dos autos.
2. No dia 4 de Dezembro de 2013, A……………., SA, apresentou Reclamação Graciosa contra o acto de fixação do valor patrimonial — cfr. fls. 51 dos autos.
3. Em 24 de Dezembro de 2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Lagos convolou aquela Reclamação Graciosa em pedido de segunda avaliação — cfr. fls. 53 dos autos.
4. No dia 17 de Julho de 2014, foi realizada a segunda avaliação do prédio identificado em 1., tendo sido efectuadas novas medições que mereceram o acordo do perito nomeado pela Impugnante — cfr. fls. 42-43 dos autos.
5. Em 23 de Julho de 2014, A…………….., SA, foi notificada do resultado do pedido de segunda avaliação que fixou o valor patrimonial tributário em € 24.823.500,00 — cfr. artigo 18.º da Petição Inicial e documento aí referido junto com esse articulado inicial.
6. A presente Impugnação foi apresentada no dia 23 de Outubro de 2014 — cfr. SITAF fls. 2 dos autos.».
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3.1. A decisão recorrida julgou procedente a exceção da caducidade do direito de impugnar e absolveu a Fazenda da instância.
Nas conclusões das alegações sustenta, em síntese, a recorrente que se verifica um erro de harmonização, isto é, o legislador com a alteração introduzida pela Lei OE para 2013 no prazo previsto no artigo 102.º do CPPT, passando-o de 90 dias para três meses, não harmonizou, como devia, o restante sistema jurídico fiscal, nomeadamente com o artigo 134.º do CPPT.
Acrescentou que, caso assim não se entenda, sempre se dirá que a impugnação judicial do ato de segunda avaliação cabe no âmbito do artigo 102.º, n.º 1, alínea e), que estabelece um prazo de 3 meses.
Refere, ainda, que tendo sido invocada e demonstrada, como foi, matéria suscetível de conduzir à nulidade do ato de segunda avaliação, a impugnação poderia ser intentada a todo tempo, conforme preceituado no artigo 102.º, n.º 3 do CPPT.
A recorrente requereu, ainda, a fls.197/199, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais.
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3.2. São estas as questões que importa apreciar cabendo determinar, num primeiro momento, se, na situação concreta, o prazo aplicável deve ser de noventa dias (artigo 134º 1 do CPPT) ou de três meses (artigo 102º 1 e) do mesmo Código).
Estabelece o artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI, que “do resultado das segundas avaliações cabe Impugnação Judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Segundo a recorrente esta norma remete para o artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário que dispõe que a impugnação deve ser apresentada no prazo de 3 meses contados da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código.
Entendeu a sentença recorrida que a remissão é feita para o artigo 134.º, n.º 1, do mesmo diploma que estabelece que “os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade”.
A sentença recorrida merece ser confirmada e acompanhada no caminho que percorreu.
Com efeito estabelece o artigo 34.º, n.º 2, do CIMI que “a avaliação directa consiste na medição da área dos prédios e na determinação do seu valor patrimonial tributário”.
Acrescenta o artigo 76.º, n.º 1, que quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, podem, respetivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data da notificação.
O pedido de segunda avaliação é uma garantia graciosa do interessado em ver alterado o valor patrimonial tributário de um prédio que haja sido fixado em primeira avaliação.
Se o interessado continuar a discordar do valor patrimonial tributário do prédio apurado na segunda avaliação, pode então lançar mão da garantia contenciosa prevista no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI segundo o qual “do resultado das segundas avaliações cabe Impugnação Judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
A norma do CPPT que, sob a epígrafe “objecto da impugnação», trata da impugnação judicial dos actos que fixam os valores patrimoniais dos prédios é a prevista no artigo 134.º. n.º 1, que determina a possibilidade de lançar mão desta garantia contenciosa no prazo de 90 dias após a notificação do acto impugnando ao contribuinte.
Com esta norma do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, pretendeu o legislador permitir a impugnação imediata do ato que fixa o valor patrimonial tributário de um prédio, mas – n.º 7 – só “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.
Este requisito do esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação está, em sintonia com o artigo 77.º do IMI (que apenas admite a impugnação do resultado da segunda avaliação, que não da primeira), bem como com o artigo 86.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (“A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”).
Trata-se, pois, de uma exceção à regra da impugnação unitária prevista no artigo 54.º do CPPT (“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”) que tem como efeito destacar, para efeito de impugnação autónoma, o ato de fixação do valor patrimonial tributário.
Ora, quanto à matéria da impugnação de atos destacáveis dispõe igualmente o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, que a impugnação será apresentada no prazo de 3 meses contados a partir da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código.
Aqui, pretendeu o legislador que o interessado pudesse lançar mão do meio processual Impugnação Judicial contra os atos em matéria tributária que possam ser objeto de impugnação autónoma, no prazo de 3 meses contados a partir da respetiva notificação.
Sendo, pois, uma norma mais ampla que a do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, que, permite a utilização do mesmo meio processual para reagir contra um ato destacável concreto – o ato que fixa o VPT em segunda avaliação –, no prazo de 90 dias contados a partir da respetiva notificação.
Estas duas normas estão, então, numa relação de especialidade, uma vez que a do artigo 134.º, n.º 1, contém elementos que também constam da do artigo 102.º, n.º 1, alínea e) - possibilidade de impugnação judicial de atos destacáveis -, acrescentando-lhe particularidades: o único ato destacável ali previsto é o ato de fixação dos valores patrimoniais (aqui são os restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma); e o prazo para lançar mão da Impugnação é ali de 90 dias (e aqui de 3 meses).
Sendo que por a previsão da norma especial ser mais concreta que a da norma geral, a norma aplicável à situação de facto terá de ser a especial - que, por este motivo, afasta a aplicação da norma geral.
Esta relação de especialidade entre a norma do artigo 134.º, n.º 1, e a do artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT existe desde a entrada em vigor deste diploma, apesar da diferente redação que esta última norma tinha inicialmente.
Até à entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT dispunha que a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir da notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código. Nesta redação, a relação de especialidade existia em relação ao «Objecto da impugnação», epígrafe do dito artigo 134.º do CPPT, que, como se disse, previa, como prevê e sempre previu, a impugnação dos actos de fixação dos valores patrimoniais no prazo de 90 dias.
Ou seja: apesar de, à data, na prática a questão ser quase irrelevante, uma vez que nas duas normas o prazo para deduzir a Impugnação Judicial era de 90 dias, a impugnação da segunda avaliação já era efetuada ao abrigo do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT e não do 102.º n.º 1, alínea e).
Neste sentido se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Novembro dê 2012, processo n.º 716/12, em cujo ponto 1 do sumário se afirma que “de acordo com o disposto nos artigos 77.º do CIMI e 134.º do CPPT, do resultado das segundas avaliações cabe Impugnação Judicial, a deduzir no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, podendo esta ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio.”
No mesmo sentido, em anotação ao preceito relativo à fixação do valor da causa, pode ver -se JORGE DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. II, Áreas Editora, 2011, nota 6 ao artigo 97.º-A: “A impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais está prevista no artigo 134.º do CPPT”.
Tendo o legislador, em 2012, optado por alterar o prazo de Impugnação previsto no artigo 102.º do CPPT de 90 dias para 3 meses, mantendo inalterado o prazo de Impugnação previsto no artigo 134.º, n.º 1, de 90 dias, nenhuma transformação sofreu o modo de efetivar a garantia contenciosa prevista no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI.
Daí que “do resultado das segundas avaliações cabe Impugnação Judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, isto é, ao abrigo da norma especial do artigo 134.º, n.º1, do CPPT, no prazo de 90 dias, antes e depois da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, uma vez que a alteração promovida por esta Lei foi efetuada à norma geral de impugnação de atos autónomos, que não à norma especial de impugnação do ato que, em segunda avaliação, fixa o valor patrimonial tributário de um prédio.
Resulta provado dos autos, ponto 5 do probatório, que em 23 de Julho de 2014, a lmpugnante foi notificada do resultado do pedido de segunda avaliação que fixou o valor patrimonial tributário do prédio inscrito na matriz sob o artigo P8940 da freguesia de ………..
A Impugnante deduziu a presente Impugnação Judicial em 23 de Outubro de 2014, último ponto do probatório, por entender que a decisão não se encontra fundamentada e que foi errónea a quantificação do valor patrimonial tributário atribuído.
Nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade”, independentemente do vício alegado.
Assim sendo o ato de fixação do valor patrimonial tributário pode ser impugnado no prazo de 90 dias contados da sua notificação, “nos termos do artigo 279.º do Código Civil”, por força do artigo 20.º, n.º1, do CPPT.
De acordo com a alínea b) deste artigo 279.º do CC, “na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, sendo que, alínea e), “o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.
O prazo para deduzir Impugnação Judicial é contínuo, corre aos fins-de-semana, feriados e férias judiciais, iniciando-se no dia seguinte à notificação do ato impugnado e corre durante 90 dias, artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte se terminar em domingo, dia feriado ou férias judiciais.
Assim sendo o prazo de 90 dias começou a correr no dia 24 de Julho de 2014 e completou -se em 21 de Outubro do mesmo ano, terça-feira.
Quando a Impugnação Judicial foi deduzida, no dia 23 de Outubro de 2014, já se mostrava caducado o direito à ação, uma vez que tendo o prazo para apresentação da Impugnação a natureza de prazo substantivo, um prazo relativo a um ato anterior à entrada em juízo de um processo, e não processual, um prazo para a prática de um ato praticado num processo judicial que se encontre a correr, não é aplicável o regime do artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil relativo à possibilidade da prática de um ato processual dentro dos três dias subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.
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3.3. Sustenta a recorrente que sempre se dirá que a impugnação judicial do ato de segunda avaliação cabe no âmbito do artigo 102.º, n.º 1, alínea e), que estabelece um prazo de 3 meses.
Como se afirmou no ponto anterior o referido prazo é de 90 dias e encontra-se previsto no artigo 134º 1 do CPPT.
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3.4. Defende a recorrente que tendo sido invocada e demonstrada, como foi, matéria suscetível de conduzir à nulidade do ato de segunda avaliação, a impugnação poderia ser intentada a todo tempo, conforme preceituado no artigo 102.º, n.º 3 do CPPT.
O vício formal de falta de fundamentação e o vício substancial de errónea quantificação do valor patrimonial tributário apenas pode gerar vício da anulabilidade e não de nulidade.
Com efeito, como refere o MP, no domínio do direito administrativo, regia o princípio geral da anulabilidade, só sendo feridos de nulidade os atos administrativos a que faltasse qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei cominasse, expressamente, essa forma de invalidade.
É igualmente este o sentido do novo C. P. Administrativo ao estabelecer, artigo 161º, que são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
Assim sendo o ato de segunda avaliação impugnado, apesar dos alegados vícios seria eventualmente anulável pois que não violariam os mesmos, a existirem, o conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, ou qualquer outro direito fundamental.
Tais alegados vícios poderiam, eventualmente, violar o princípio da legalidade tributária.
Ainda, como refere o MP, a ofensa ao conteúdo essencial do direito de propriedade só se verifica quando o direito fundamental afetado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma eventual liquidação ilegal que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários.
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3.5. A recorrente requereu, ainda, a fls.197/199, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais.
Entende o MP que, no caso concreto, se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida, em sede de recurso, não tendo sido apreciado o mérito da causa, que se revelou de complexidade inferior à comum e que a conduta das partes não merece censura, por inexistência de utilização de expedientes dilatórios ou suscitação de incidentes anómalos, entorpecentes da atuação do tribunal.
Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea c), do CPPT o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, quando se impugne o ato de fixação de valores patrimoniais, é o valor contestado.
Como se escreveu na sentença recorrida o valor contestado nos presentes autos, em que vem pedida a anulação total da decisão de segunda avaliação por incorrer em vício formal de falta de fundamentação e vício substancial de errónea quantificação do valor patrimonial tributário atribuído, é o do VPT fixado: € 24.823.500,00, ponto 5 do probatório.
Estabelece o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais que “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Nas palavras de SALVADOR DA COSTA, RCP anotado, 5.ª ed., 2013, em anotação a este preceito “trata-se de uma dispensa excecional que, podendo ser oficiosamente concedida, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no n.º 7 do artigo 6º, referido, depende sempre de avaliação pelo juiz, pelo que haverá de ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão...”.
No que respeita à complexidade da causa haverá que ter em conta o estabelecido no n.º 7 do artigo 537.º do atual CPC (artigo 447°-A do CPC 1961).
Ainda segundo o autor citado neste normativo, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: (a) contenham articulados ou alegações prolixas; b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Acrescenta que as questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados.
Pode, por isso, dizer-se que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excecional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes (cfr. Acórdão PSTA 18-05-2012, P. 346).
Daí que se possa, na situação concreta dos presentes autos, dispensar o pagamento do remanescente.
Com efeito foi pouca a complexidade da matéria colocada à apreciação deste STA e que se prendeu com a caducidade do direito à Impugnação Judicial em que se questionava o resultado da segunda avaliação de um prédio.
Não exigiu o exame de questão de elevada especialização jurídica ou de grande especificidade técnica, nem importou a análise de questões jurídicas de âmbito muito diverso.
O valor a pagar a título de remanescente afigura-se elevado em face do serviço de Justiça aqui prestado.
Atendendo à menor complexidade da causa e que a conduta processual das partes, no recurso não merece censura, entende-se como justificada a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
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Nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do C. P. e P. T. os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias, após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, independentemente do vício alegado.
Por força do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, atendendo à menor complexidade da causa e que a conduta processual das partes, no recurso não merece censura, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
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4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em negar provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida e deferir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de maio de 2017. – António Pimpão (relator) – Ana Paula Lobo – Dulce Neto.