Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01061/16
Data do Acordão:06/21/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:ISENÇÃO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
Sumário:De acordo com o disposto no art. 12º do DL nº 53/2004, de 18/03 (que aprovou o CIRE), é o CPEREF que continua a aplicar-se aos processos de recuperação da empresa e de falência pendentes à data de entrada em vigor do CIRE.
Nº Convencional:JSTA00070248
Nº do Documento:SA22017062101061
Data de Entrada:09/26/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:DL 53/2004 DE 18/3 ART12.
DL 287/2003 DE 12/11 ART31 N6.
CIMT03 ART 7 ART11 N5.
CPEREF03 ART121 N2 ART120 N2 ART147.
CIRE04 ART270 N2.
CONST76 ART103 N2 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC03/2017 DE 05/29.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida em 31/5/2016 (fls. 125 e ss.) pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em que se julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………., Lda., contra a liquidação de IMT nº 4335776, no montante de 148.692,70 Euros, a que acrescem os respectivos juros compensatórios, efectuada relativamente à aquisição, em venda judicial, de 157 imóveis à massa falida da sociedade B…………., Lda.

1.2. Termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
a) Em 08 de Agosto de 2007, foi outorgada escritura de compra e venda entre a massa falida da Sociedade Imobiliária B…………, Lda., representada pelo Liquidatário judicial e a sociedade impugnante (facto 1 do probatório);
b) Na respectiva escritura ficou consignado que a aquisição ficou isenta de JMT, ao abrigo do art. 7° do CIMT, por a entidade compradora destinar os imóveis adquiridos a revenda, estar colectada pela actividade de comprador de prédios para revenda e ter exercido normal e habitualmente a referida actividade no ano transacto;
c) Por não ter sido revendido o prédio em questão, no prazo de três anos, foi emitida a impugnada Liquidação de IMI, nos termos do art. 11°, n° 5 do CIMT;
d) Face ao invocado na p.i., julgou o Mmo. Juiz “a quo” procedente a impugnação, com o fundamento de que foi vendido o activo da empresa falida, na fase da liquidação da massa, motivo pelo qual tais transmissões se encontram isentas de IMT, ao abrigo do art. 270° do CIRE.
e) O CIRE foi aprovado pelo DL n° 53/2004, de 18 de Março, sendo que o seu artigo 12° estabeleceu um regime transitório segundo o qual, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) continua a aplicar-se aos processos de recuperação da empresa e de falência pendentes à data da entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
f) Decorre dos autos, que os prédios em causa se encontravam apreendidos à ordem da massa no processo 38-L/2000, cuja sentença transitou em julgado em 26-03-2001.
g) Assim sendo, não poderiam convocar-se as normas contidas no CIRE para dirimir a contenda em Juízo; havia antes que aplicar o regime instituído no CPEREF;
h) Atenta a redação da norma contida no artigo 121° deste diploma legal, seria forçoso concluir que o benefício fiscal consubstanciado na isenção de IMT, só ocorreria se estivéssemos perante transmissões onerosas de imóveis no âmbito de uma das providências de recuperação da empresa, em consonância com a exigência aflorada no ponto 10 do preâmbulo do CPEREF;
i) Com efeito, nos termos deste comando legal, as providências de recuperação da empresa são a concordata, o acordo de credores, a reestruturação financeira e a gestão controlada;
j) Como já havia sido dito no RIT, a falência constitui uma outra solução alternativa a qualquer uma das outras providências destinadas à recuperação da empresa, como resulta da conjugação disjuntiva “ou” no n° 1 do art. 1° do CPEREF.
k) Pelo que, a transmissão em causa nunca poderia ter beneficiado da isenção pretendida, por falta de apoio legal para o efeito.
l) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que a transmissão em causa estava abrangida pela isenção, ao abrigo do artigo 270° do CIRE, violando, assim, o disposto no art. 12° do DL n° 53/2004, de 18 de Março, e ainda o artigo 120°, a contrario sensu, do mesmo diploma legal.
Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, mantendo-se a Liquidação impugnada.

1.3. Contra-alegou a recorrida, terminando com as conclusões seguintes:
A. A Douta sentença recorrida não padece de erro de julgamento de direito, conquanto o ali decidido não viola o disposto no art. 12º do DL n° 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, pois entendemos que o Meritíssimo Juiz “a quo” fez uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso sub judice ao considerar que a transmissão dos prédios em questão a favor da Recorrida se encontrava isenta de IMT, ao abrigo do n° 2 do art. 270° do CIRE.
B. Ora, o regime dos benefícios fiscais previstos nos arts. 269° e 270° do CIRE entrou em vigor com a aprovação do referido diploma a 18.04.2004.
C. Na situação dos autos, a Recorrente adquiriu os prédios em questão por escritura de compra e venda a 08.08.2007, os quais se encontravam apreendidos à ordem da massa em processo de falência e (tendo) aquela venda judicial ocorrido na fase de liquidação da massa, face à lei à data em vigor estavam tais transmissões isentas de IMT ao abrigo do n° 2 do art. 270° do CIRE.
D. À transmissão daqueles bens imóveis eram aplicáveis as normas de incidência de IMT à data em vigor: à qual eram igualmente aplicáveis as normas de isenção em vigor no momento da transmissão, independentemente de tais normas se encontrarem no próprio Código do IMT ou em legislação extravagante, como é o caso do art. 270° consagrado no CIRE.
E. À presente transmissão não era aplicável o regime fiscal anteriormente consagrado no CPEREF, no seu art. 121º, o qual foi revogado com a entrada em vigor do regime que ficou previsto no art. 270° do CIRE e passou a vigorar no nosso ordenamento a 18 de abril de 2004.
F. O regime dos benefícios fiscais que está consagrado nos arts. 269° e 270° do CIRE (já anteriormente consagrados nos arts. 120° e 121° do CPEREF) é lei fiscal extravagante que consagra normas de isenção fiscal e, nessa medida, tratando-se de normas materialmente fiscais têm autonomia em relação ao próprio regime processual em que se inserem e, por essa razão, convocam a aplicação dos princípios e das regras próprios do direito fiscal, não estavam abrangidas pelo regime transitório do art. 12° do DL n° 53/2004 de 18.03 que aprovou o CIRE. Com efeito,
G. O EBF no que concerne ao direito aos benefícios fiscais vem estabelecer, de forma expressa, no art. 12° do EBF que o direito aos benefícios fiscais se deve reportar à data da verificação dos respetivos pressupostos, e não de qualquer outra circunstância.
H. Será ilegal uma decisão que, na situação dos autos afaste a aplicação da norma de isenção prevista no n° 2 do art. 270° do CIRE que estava em vigor à data da transmissão e que negue a isenção de IMT numa situação que reúne todos os seus requisitos legais, aplicando um regime fiscal do diploma anterior do CPEREF que estava revogado, por violar quer o fim visado pelo legislador do CIRE com a concessão de tal isenção, quer ainda o próprio art. 270°, n° 2 do CIRE, os arts. 5° e 6° do CIMT, e ainda, os arts. 5°, 11° n° 1, a contrario sensu, e 12º do EBF.
I. No caso dos autos, a aplicação do regime fiscal previsto no art. 121° do CPEREF é inconstitucional porquanto viola frontalmente o princípio da legalidade fiscal, constitucionalmente consagrado no art. 103°, n.°s 2 e 3 da CRP.
J. A decisão recorrida não merece qualquer reparo quanto à interpretação e à aplicação do direito que fez aos factos provados nos autos, a qual deve assim ser confirmada por este Venerando Tribunal.
Termina pedindo que seja negado provimento ao presente recurso, e que seja mantida a sentença recorrida.

1.4. O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal emitiu o seguinte Parecer:
«A srª. representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida que julgou procedente a impugnação deduzida contra liquidação de Imposto do Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de 148.692,70 €, a que acrescem juros compensatórios com as conclusões de fls. 140 a 142, do que tinha sido apresentada reclamação graciosa a qual foi indeferida.
E resultam as seguintes questões para apreciação:
- se é de aplicar o regime transitório constante do art. 12º do Código de Insolvência e de Recuperação da Empresa (C.I.R.E.);
- se não é de aplicar a isenção de I.M.T. prevista no art. 270º do C.I.R.E..
Defende a recorrente que por força daquele regime transitório apenas é de aplicar isenção de I.M.T. quanto a transmissões onerosas de imóveis no âmbito das providências de recuperação da empresa, conforme previsto no art. 121º do C.P.E.R.E.F., tendo na sentença recorrida se considerado a isenção por aplicação do dito art. 270º.
Crê-se que a razão está com a recorrente.
Sendo o processo de 2000, não subsistem grandes dúvidas de que ao caso não ser de aplicar o C.I.R.E..
Este foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3 para vigorar desde 15-9-2004 (art. 13º), mas é ainda de aplicar o código anterior quanto aos processos posteriores, segundo o previsto no seu art. 12º.
Tal norma tem sido entendida pela jurisprudência do S.T.J. como pretendendo resolver questões de ordem processual e substantiva — assim, nomeadamente, acórdão do S.T.J. de 4-12-08, proferido no proc. 08B3412.
Ora, a 2ª questão projeta-se em matéria de incidência tributária de I.M.T. que é de ordem substantiva.
Aliás, a doutrina logo assinalou ter-se visado com este novo código objetivos primordialmente diversos dos pretendidos anteriormente, os quais eram a recuperação de empresas.
E no C.I.R.E., pelo menos, na versão que vigorou até 2012, os mesmos passaram a ser a satisfação dos credores.
Nada se colhe ainda da letra do art. 270º do C.I.R.E. quanto à aplicação da nova previsão legal quanto às vendas ocorridas no âmbito do anterior processo de falência.
Assim, e apesar de ter sido apenas em 8-8-2007 que foi realizada a escritura de compra e venda, tendo a mesma ocorrido no âmbito de processo iniciado no domínio do C.P.E.R.E.F, é o previsto neste que é de aplicar quanto a isenção de I.M.T..
E no C.P.E.R.E.F., que então vigorava já com alterações relativamente ao inicialmente aprovado pelo Dec.-Lei 132/93, de 23 de abril, continuava a estabelecer-se na Secção VI, a partir do art. 118º, a isenção de emolumentos e outros benefícios fiscais, apenas quanto a providências integradas ou decorrentes de reestruturação financeira a que ficassem sujeitas as empresas submetidas ao respetivo processo de recuperação.
Ora, não ocorrendo essas providências, referindo-se a compra e venda a 157 prédios que se encontravam já apreendidos para a massa falida, sendo esse um dos efeitos da declaração de falência (art. 147º do C.P.E.R.E.F.).
Aliás, do dito probatório resulta que à data da liquidação tais prédios não tinham sido revendidos no prazo de 3 anos desde a escritura.
Tendo a isenção ficado a depender da verificação desse pressuposto que, assim não ocorreu, deixa de se aplicar a considerada isenção.
Assim sendo falece razão para a sua aplicação com fundamento no art. 270º do C.I.R.E., e mesmo com outro fundamento.
Concluindo:
O recurso merece provimento.
Tendo a compra e venda em causa ocorrido no âmbito de processo a que se aplica o C.P.E.R.E.F., não é de reconhecer isenção de I.M.T. quanto a imóveis apreendidos já para a massa falida.
É de revogar o decidido e confirmar a decisão de indeferimento proferida em sede da reclamação graciosa a que se refere a impugnação.»

1.5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
2. O TAF de Loulé julgou provados os factos seguintes:
1. Em 8 de Agosto de 2007, foi outorgada uma escritura de compra e venda entre a massa falida da Sociedade Imobiliária B…………., Lda., representada pelo liquidatário judicial, e A…………., LDA., relativa a 157 prédios – facto admitido por acordo.
2. Os prédios encontravam-se apreendidos à ordem da massa no processo 38-L/2000 – facto admitido por acordo.
3. Na escritura de compra e venda ficou consignado que o “acto está isento de imposto municipal nos termos do artigo 7º do CIMT, por a entidade compradora destinar os imóveis adquiridos a revenda, estar colectada pela «actividade de comprador de prédios para revenda» e ter exercido normal e habitualmente a referida actividade no ano transacto” — cfr. fls … dos autos.
4. A…………., LDA., não revendeu os prédios no prazo de 3 anos — facto admitido por acordo.
5. Consequentemente, em 16 de Maio de 2015, foi emitida a liquidação de IMT n° 160614093395039, relativa àquela aquisição, no valor de € 157.166,15 (acto impugnado) - cfr. fls. 12 do apenso.

3.1. Na presente impugnação está em causa a liquidação de IMT efectuada à impugnante, no âmbito da aquisição, em venda judicial, de 157 imóveis (adquiridos à massa falida da sociedade B…………, Lda.).
A impugnante alegou estar isenta de IMT, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 270° do CIRE e a Fazenda Pública sustentou a legalidade da liquidação, quer por considerar que tal aquisição ficara isenta de IMT, não por força daquele normativo mas, antes, por ter sido declarado que os prédios se destinavam a revenda, no prazo de 3 anos, o que não aconteceu, quer por considerar que CIRE também não é aplicável, por a declaração de falência ter transitado em julgado em 26/3/2001.

3.2. A sentença recorrida julgou procedente a impugnação, com fundamento, essencialmente, no seguinte:
- Dispõe-se no nº 2 do art. 270° do CIRE: “Estão igualmente isentos de IMT os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimento desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”. E daqui resulta, pois, logo literalmente, que o legislador pretendeu isentar de IMI determinados actos de venda relacionados com a liquidação judicial do património de sociedades insolventes, conceito central do CIRE que evoluiu a partir do CPEREF.
- Na lei de autorização legislativa concedida ao Governo para aprovar o CIRE, permitia a norma do nº 3 do art. 9° a isenção de imposto de sisa — a que sucedeu o IMT — das transmissões de bens imóveis aí identificadas “integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente”, designadamente “da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos”. Pretendeu, então, o legislador “fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando «um bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente (...) e que serão vendidos em fase de liquidação” - cfr. o acórdão do STA, de 17/12/2014, proc. nº 1085/13.
- Ora, atendendo ao elemento teleológico de interpretação, verifica-se que para atingir o fim visado com a norma de isenção, é indiferente que a venda seja de todo o activo da empresa ou de apenas parte. A subordinante é, pois, que no cumprimento de um plano de insolvência, de pagamento, de recuperação, ou da liquidação da massa insolvente, se pratiquem actos de venda, permuta ou cessão de bens da empresa ou de estabelecimento que façam parte de tais planos ou sejam praticados na liquidação da massa insolvente.
- Operando tal isenção automaticamente, por mera força da lei. Pelo que é espúria a circunstância de a isenção de IMT não ter sido logo reconhecida com o fundamento previsto no CIRE.
- No caso dos autos, os prédios adquiridos encontravam-se apreendidos à ordem da massa em processo de falência, tendo sido transaccionados em venda judicial em que participou, como representante do vendedor, o liquidatário judicial, pelo que, assim sendo, foi vendido o activo da empresa falida, na fase de liquidação da massa, motivo pelo qual tais transmissões se encontram isentas de IMT, ao abrigo do art. 270° do CIRE.

3.3. Discordando do assim decidido, a Fazenda Pública sustenta, como se viu, que a sentença enferma de erro de julgamento de direito, pois que:
- Apesar de na escritura de compra e venda (outorgada em 8/8/2007, entre a impugnante e a massa falida da Sociedade Imobiliária B……….., Lda., representada pelo respectivo liquidatário judicial) ter ficado consignado que a aquisição ficou isenta de IMT, ao abrigo do art. 7° do CIMT (compra para revenda), tendo a liquidação impugnada sido emitida por os prédios não terem sido revendidos no prazo de 3 anos (nº 5 do art. 11º do CIMT), a sentença veio a julgar procedente a impugnação, com o fundamento de que foi vendido o activo da empresa falida, na fase da liquidação da massa, motivo pelo qual tais transmissões se encontram isentas de IMT, ao abrigo do art. 270° do CIRE.
- De todo o modo, o art. 12º do DL nº 53/2004, de 18/3 (que aprovou o CIRE), estabeleceu um regime transitório segundo o qual o CPEREF continua a aplicar-se aos processos de recuperação da empresa e de falência pendentes à data da entrada em vigor do CIRE. Ora, os prédios em causa encontravam-se apreendidos à ordem da massa no processo 38-L/2000, cuja sentença transitou em julgado em 26/3/2001, pelo que, no caso, não poderiam convocar-se as normas contidas no CIRE, havendo, ao invés, que aplicar o regime instituído no CPEREF. E, assim, face à redacção do art. 121° deste diploma legal, seria forçoso concluir que o benefício fiscal consubstanciado na isenção de IMT, só ocorreria se estivéssemos perante transmissões onerosas de imóveis no âmbito de uma das providências de recuperação da empresa: concordata, acordo de credores, reestruturação financeira e gestão controlada.
- Daí que constituindo a falência uma outra solução alternativa a qualquer das outras providências destinadas à recuperação da empresa, então, a transmissão em causa nunca poderia ter beneficiado da isenção pretendida, por falta de apoio legal para o efeito.

3.4. A questão a decidir é, portanto, a de saber se, face ao regime transitório constante do art. 12º do DL nº 53/2004, de 18/3, é ou não aplicável a isenção de IMT prevista no art. 270º do CIRE.
Vejamos.
O nº 6 do art. 31º do DL nº 287/2003 (reforma do património), de 12/11 manteve em vigor, para efeitos de IMT, os benefícios fiscais respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código da Sisa, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, passando tais benefícios a ser reportados ao IMT.
E nos arts. 7º e 11º, nº 5, ambos do CIMT prevê-se:
Artigo 7º - Isenção de prédios para revenda:
«1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do nº 1 do artigo 109º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.
2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.
3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.
4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.»
Artigo 11º - Caducidade das isenções
«5 - A aquisição a que se refere o artigo 7º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.»
Por seu lado, no nº 2 do art. 121º do CPREF, sob a epígrafe «Benefício relativo ao imposto municipal da sisa» dispunha-se o seguinte:
«2 - Estão ainda isentas de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que decorram:
a) Da cedência a terceiros ou da alienação de participações representativas do capital da sociedade, previstas nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 88º e no artigo 91º, bem como nos n.ºs 1 e 2 do artigo 100º;
b) Da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, previstas nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 88º e no artigo 93º, bem como no nº 1 do artigo 100º;
c) Da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como dos arrendamentos a longo prazo, previstos, respectivamente, nas alíneas e), f) e g) do nº 1 do artigo 101º.»
O referido DL nº 53/2004, de 18/3 (em vigor desde 15/9/2004), revogou o CPEREF e aprovou o CIRE.
E neste CIRE prevê-se no nº 2 do respectivo art. 270º, sob a epígrafe «Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis», o seguinte:
«2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.»
Por sua vez, no art. 12º daquele mesmo DL nº 53/2004 estabeleceu-se um «regime transitório», dispondo-se, no que ora releva, no seu nº 1 o seguinte:
«1 - O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência continua a aplicar-se aos processos de recuperação da empresa e de falência pendentes à data de entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.»

3.5. Como resulta do Probatório, a aquisição, em 8/8/2007, dos imóveis aqui em causa, ocorreu no âmbito (e na pendência) do processo de falência da Sociedade Imobiliária B…………., Lda. - proc. nº 38-L/2000 (cuja sentença, na alegação da recorrente, transitou em julgado em 26/3/2001), sendo que os mesmos estavam apreendidos à ordem da respectiva massa falida.
Ora, não é pelo facto de a venda judicial ter ocorrido apenas em 2007 (portanto já na vigência do CIRE), que se torna aplicável a isenção constante do nº 2 do dito art. 270º do CIRE: com efeito, mesmo face ao disposto no art. 12º do EBF (o direito aos benefícios fiscais deve reportar à data da verificação dos respectivos pressupostos) tal aquisição não pode ser desenquadrada da realidade que a origina, condiciona e conforma, inclusivamente em termos da isenção de IMT estabelecida naquele nº 2 do art. 120º do CPEREF (vigente à data da falência), visto que de acordo com o disposto no transcrito art. 12º do DL nº 53/2004, que aprovou o CIRE, é o CPEREF que continua a aplicar-se aos processos de recuperação da empresa e de falência pendentes à data de entrada em vigor do CIRE. E assim, ao invés do alegado pela recorrida, fica cumprida a regra de os pressupostos da isenção corresponderem aos que realmente vigoram à data do facto tributário.

Sem esquecer, igualmente, que embora a isenção prevista no nº 2 do art. 270º do CIRE tenha passado a abranger os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente,(Sobre esta matéria, pode também conferir-se o ac. do STA, de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2017, de 29/5, que uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: «A isenção de IMT prevista pelo nº 2 do art. 270º do CIRE aplica-se, não apenas as vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também as vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do activo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».) tal não sucedia com a isenção constante do nº 2 do art. 121º do CPEREF, a qual previa apenas as transmissões de imóveis integrados em qualquer das providências de recuperação da empresa, o que não sucedeu no caso em apreço, pois que ocorreu a declaração de falência, que é precisamente a negação daquelas medidas.
É certo que, se fosse aplicável a apontada isenção prevista no nº 2 do art. 270º do CIRE, ela operaria automaticamente, por mera força da lei, sendo, nesse caso, espúria a circunstância de a isenção de IMT não ter sido logo reconhecida com o fundamento previsto no CIRE.
Todavia, como se referiu, face ao disposto no art. 12º do DL nº 53/2004, é o art. 121º do CPEREF que continua a ser aplicável no caso presente, sendo que, como salienta o MP, aquela norma (art. 12º) tem sido entendida pela jurisprudência do STJ como pretendendo resolver questões de natureza processual e substantiva (cfr., nomeadamente, acórdão do STJ, de 4/12/2008, no proc. 08B3412), carecendo de apoio legal a alegação da recorrida, no sentido de que as normas previstas nos arts. 121º do CPEREF e 270º do CIRE, por se reconduzirem a normas materialmente fiscais, têm autonomia em relação ao próprio regime processual em que se inserem e, por essa razão, convocam a aplicação dos princípios e das regras próprios do direito fiscal, afastando aquela regra de direito transitório.
Por outro lado, o CIRE visou objetivos ligados à satisfação de créditos por parte dos credores, diversos, portanto, dos pretendidos anteriormente no CPEREF (recuperação das empresas): daí que no CPEREF (que então vigorava já com alterações relativamente ao inicialmente aprovado pelo DL nº 132/93, de 23/4) se estabelecesse a isenção de emolumentos e outros benefícios fiscais apenas relativamente a providências integradas ou decorrentes de reestruturação financeira a que ficassem sujeitas as empresas submetidas ao respetivo processo de recuperação. Portanto, tendo a transmissão ocorrido no âmbito de processo a que se aplica o CPEREF (art. 12º do DL nº 53/2004, de 18/3), não tendo, por outro lado, havido decretamento de qualquer das providências enunciadas no nº 2 do art. 121º do mesmo CPEREF, e referindo-se a transmissão a prédios que se encontravam já apreendidos para a massa falida (sendo esse um dos efeitos da declaração de falência - art. 147º do CPEREF), não é aplicável a falada isenção de IMT prevista no nº 2 do art. 270º do CIRE, não se vislumbrando a invocada inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade fiscal (art. 103°, n.ºs 2 e 3 da CRP).
Neste contexto, tendo a aquisição ficado isenta à luz do disposto no art. 7º do CIMT, por a entidade compradora declarar que destinava a revenda os imóveis adquiridos, como à data da liquidação tais prédios não tinham sido revendidos no prazo de 3 anos desde a escritura, pressuposto de que a isenção ficara a depender, é de concluir que, não se verificando esta isenção, nem sendo também aplicável a isenção estabelecida no art. 270º do CIRE, a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que é imputado pela recorrente Fazenda Pública.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 21 de Junho de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Pedro Delgado – Aragão Seia.