Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0189/23.0BALSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:ILEGITIMIDADE PASSIVA
ILEGITIMIDADE ACTIVA
ACÇÃO POPULAR
PARECER NÃO VINCULATIVO
INIMPUGNABILIDADE
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FALTA DE REQUISITOS
Sumário:I – Os titulares de órgãos não podem ser individualmente demandados (carecendo de legitimidade passiva) em ação que se reporte a atos ou omissões de tais órgãos, pois que parte demandada, nos termos do nº 2 do art. 10º do CPTA, deve ser a pessoa coletiva de direito público ou, como é aqui o caso, o Ministério em que o órgão em questão se encontre integrado.
II – Uma associação, atuando como “autor popular” em defesa do ambiente ou da qualidade de vida dos cidadãos de determinada área, não tem legitimidade ativa, nem interesse, para agir em mero controlo objetivo da legalidade de atos, omissões ou contratos, dos quais não decorre a violação daqueles interesses difusos que lhe compete estatutariamente defender.
III – O labor de uma estrutura criada com fins exclusivamente de avaliação, estudo e aconselhamento técnico, sem qualquer competência decisória, ou pré-decisória, é inimpugnável por dele não poder resultar qualquer lesão ou prejuízo para interesses públicos ou particulares, o que só poderia suceder em caso de vinculatividade, total ou parcial, dos seus pareceres ou relatórios.
IV – Tais circunstâncias afastam, por si, todos os requisitos exigidos no art. 120º do CPTA para poder ser deferido um pedido cautelar de suspensão dos trabalhos, meramente de avaliação e de estudo, de uma tal estrutura de apoio técnico.
Nº Convencional:JSTA000P31926
Nº do Documento:SA1202402210189/23
Recorrente:A... - ASSOCIAÇÃO
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1.1. “A... - ASSOCIAÇÃO”,

vem, em ação popular, ao abrigo do disposto no art. 52º nº 3 da CRP, da Lei 83/95, de 31/8, e dos arts. 112º nºs 1 e 2, alínea i), e 120º do CPTA,

intentar “providência cautelar de intimação para abstenção de condutas por violação de normas de direito administrativo”,

informando que se trata de providência cautelar “preliminar à ação administrativa de declaração de nulidades ou anulabilidades de atos, bem como da condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, a intentar”,

contra o “CONSELHO DE MINISTROS” e o “PRIMEIRO-MINISTRO”, e ainda contra as seguintes individualidades:

- Professora AA, Coordenadora-Geral da Comissão Técnica Independente (CTI);
- Professora BB, Coordenadora da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Planificação aeroportuária, incluindo análise de capacidade e planos de desenvolvimento aeroportuário compatíveis com a evolução de um hub intercontinental», da CTI;
- Professor CC, Coordenador da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Estudos de procura aeroportuários e de acessibilidades de infraestruturas e transportes», da CTI;
- Professor DD, Coordenador da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Acessibilidades rodoviárias e ferroviárias», da CTI;
- Professora EE, Coordenadora da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Ambiente e AAE», da CTI;
- Professor FF, Coordenador da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Análise e modelagem económico financeira», da CTI;
- Professora GG, Coordenadora da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Jurídica», da CTI.

E indicando como Contrainteressado (“uma vez que a procedência dos pedidos da requerente pode prejudicar diretamente a validade e execução dos contratos celebrados pelo”):
- “LNEC - LABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL”.

1.2. Requer, a final, que sejam decretadas as seguintes medidas cautelares:

i) Ser o Senhor Primeiro-Ministro intimado para instruir a CTI e os seus membros, para que se abstenham de decidir ou de elaborar relatórios até que o respetivo mandato seja confirmado/renovado pelo novo governo, ou até que a ação administrativa a intentar seja decidida; e / ou,

ii) Ser o Senhor Primeiro-Ministro intimado para, caso os membros da CTI apresentem o relatório previsto, se abstenha de o aceitar;

iii) A professora BB, deverá ser intimada para se abster de praticar qualquer decisão na CTI por estar impedida, nos termos dos artigos 8.º, n.º 1 e 9.º, n.º 2 da Lei 52/2019, de 31 de julho;

iv) Os demais membros da CTI deverão ser intimados para se absterem de decidir ou de elaborar relatórios até que o respetivo mandato seja confirmado/renovado pelo novo governo, ou até que a ação administrativa a intentar seja decidida;

v) Todos os membros da CTI se abstenham, sob qualquer forma, a divulgarem de modo privado ou público o relatório previsto;

tudo com as legais consequências”.

2. Citados os Requeridos,

2.1. As sete individualidades demandadas, acima indicadas, vieram apresentar oposição (além de por impugnação, contraditando todos os vícios invocados pela Requerente):

Por exceção:

i) Por “Ineptidão do requerimento cautelar” (arts. 89º nºs 2 e 4 b) do CPTA e 186º nºs 1 e 2 do CPC),
Alegando que a requerente se limita a referir que a ação principal consubstanciará uma “ação administrativa de declaração de nulidade ou anulabilidades de atos, bem como de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, a intentar”, mas sem que explicite que atos em concreto serão impugnados e de que vícios esses atos padecem, o que impede os Requeridos de se defender cabalmente, nomeadamente no que toca à discussão e apreciação do pressuposto, previsto no art. 120º do CPTA, relativo ao “fumus boni iuris”. E que a Requerente também não especifica que comportamentos, no âmbito do processo principal, pretende que sejam adotados ou se abstenham de ser adotados, o que impossibilita o exercício do contraditório relativamente ao pressuposto, também previsto no art. 120º do CPTA, referente ao “periculum in mora”.

ii) Por” Ilegitimidade ativa da Requerente” (arts. 1º nº 2 e 2º nº 1 da Lei nº 83/95 e 9º nº 2, 55º nº 1 f) e 89º nº 2 do CPTA),
Alegando, em suma, que a Requerente apenas tem legitimidade ativa nas ações que visem proteger os interesses públicos ambientais, e que, compulsada a causa de pedir ínsita no requerimento cautelar, conclui-se que a mesma não procura aqui, nem procurará na ação principal, a tutela de interesses públicos difusos ambientais, mas sim, uma mera tutela objetiva de legalidade da criação e da atuação da Comissão Técnica Independente (CTI), alegando vícios decorrentes de alegado impedimento de um membro da CTI, ou violação de normas de contratação pública, ou vícios decorrentes de alegada falta de atas, ou alegada existência de abuso de poder e outros ilícitos de natureza sancionatória por alegada falta de transparência e independência da CTI.

iii) Por “Ilegitimidade passiva dos 7 Requeridos demandados” (art. 10º nº 2 do CPTA),
Alegando que, uma vez que são membros de uma comissão técnica («a CTI é um órgão colegial, independente, sem personalidade jurídica» – cfr. art. 2º do Regulamento que aprovou o seu Regimento -, órgão ad-hoc independente, criado ao abrigo do disposto no art. 28º da Lei 4/2004, de 15/1, nos termos das RCMs 89/2022 e 86/2023), com uma missão de índole exclusivamente consultiva e técnica, insuscetível de praticar atos administrativos impugnáveis, na aceção do art. 51º nº 1 do CPTA, a legitimidade passiva na relação material controvertida “sub judice” pertence ao Ministério em que a CTI se insere (no caso, o “Ministério das Infraestruturas”), nos termos do nº 2 do art. 10º do CPTA.

iv) Por “Incompetência material dos tribunais administrativos” (art. 4º nº 3 a) do ETAF),
Alegando que, na medida em que os atos criadores da CTI, por parte das RCMs 89/2022 e 86/2023, são atos políticos, emitidos pelo Governo no exercício da função política e não da sua função administrativa, não podem os tribunais administrativos, por falta de competência material, declarar, nos termos do nº 1 doa rt. 51º do CPTA, como pretendido pela Requerente, a sua nulidade ou anulá-los.

2.2. O Primeiro-Ministro e o Conselho de Ministros vieram, também, apresentar oposição (além de por impugnação, contraditando todos os vícios invocados pela Requerente):

Por exceção:

i) Por “Ilegitimidade ativa da Requerente” (arts. 52º nº 3 da CRP e art. 1º da Lei 83/95),
Alegando que a Requerente não litiga nos presentes autos (cautelares e ação principal a ser proposta) na sua qualidade de defensora do interesse difuso do ambiente (na área metropolitana de Lisboa), para que teria legitimidade, mas sim promovendo a sindicância pura da legalidade da constituição da CTI, da sua composição e do seu funcionamento. Sendo certo que a Constituição e a lei reconhecem o direito de ação popular exclusivamente para a defesa de interesses difusos e não já para a mera defesa objetiva da legalidade.


ii) Por “Falta de interesse processual da Requerente/desnecessidade da ação” (art. 116º nº 2 e) do CPTA,
Alegando que as tarefas que estão adstritas à CTI, como claramente resulta da RCM nº 89/2022, são apenas preparatórias de uma decisão (sobre a localização de uma infraestrutura aeroportuária) que ainda não foi tomada e que não se sabe quando vai ser e com que conteúdo. Tem, assim, uma mera missão preparatória e avaliativa, culminando na elaboração e entrega ao Governo de um relatório final, sem qualquer efeito vinculativo sobre a decisão a tomar (tal como sucede relativamente ao relatório preliminar, já entregue ao Governo em 5/12/2023). Assim, a suspensão dos trabalhos avaliativos da CTI não se traduziria em qualquer benefício para os interesses representado pela Requerente, tal como o seu funcionamento, há já mais de um ano (em exercício avaliativo, instrutório e preparatório) não é suscetível de, por si, lhe causar qualquer prejuízo, por nada definir ou decidir.

iii) Por “Falta de instrumentalidade”
Alegando que, indicando a Requerente que pretende, na ação principal, sindicar atos e contratos celebrados, bem como a constitucionalidade das RCMs nºs 89/2022 e 86/2023, e impugnar atos praticados pela CTI, a utilidade do que aí venha eventualmente a ser decidido não ficará em nada prejudicado pelo prosseguimento do funcionamento da CTI, pelo que não se impõe, por falta de instrumentalidade, a proibição, que a Requerente aqui pretende, desse prosseguimento de funcionamento.

iv) Por “Impossibilidade originária e superveniente”,
Originária,
Alegando que são, originariamente, pedidos juridicamente impossíveis os efetuados pela Requerente quanto à intimação para que o PM se abstenha de aceitar o relatório da CTI, já que não está legalmente previsto qualquer ato, jurídico ou material, de aceitação, sendo o relatório meramente entregue; e quanto à intimação de um membro da CTI para não decidir, ou para os membros da CTI se absterem de decidir, pois que a CTI, ou os membros que a compõem, não dispõem legalmente de qualquer competência decisória.
Superveniente (art. 277º e) do CPC),
Alegando que, tendo sido já, em 5/12/2023, entregue ao Governo e feita a apresentação pública do relatório preliminar elaborado pela CTI, resultam ora impossíveis os pedidos efetuados pela Requerente sob i), iv) e v) do petitório.

v) Por “Ilegitimidade passiva dos 7 membros da CTI demandados” (artr. 10º nº 2 do CPTA),
Alegando que, sendo a CTI uma estrutura de missão, órgão ad hoc e temporário, constituído no âmbito da Administração direta do Estado por ato do Conselho de Ministros, integrada no Ministério das Infraestruturas (atualmente sob dependência do Primeiro-Ministro), os seus membros não detêm legitimidade passiva individual para figurar nos presentes autos, pois, nos termos do art. 10º nº 2 do CPTA, parte demandada é o Ministério ou Ministérios.

3. Notificada das oposições apresentadas pelos 7 membros da CTI e pelo Primeiro-Ministro e Conselho de Ministros, a Requerente veio responder às exceções invocadas (cfr. fls. 260 e segs. SITAF),

Na oposição dos 7 membros da CTI:

i) Quanto à alegada “Ineptidão do requerimento cautelar”,
Afirmando que os demandados compreenderam os vícios e pretensões da Requerente, que os próprios identificam a partir do artigo 37º da oposição – “alegados vícios do ato criador da CTI (e da respetiva Comissão de Acompanhamento)”, “alegados vícios decorrentes da existência de um alegado impedimento de um dos membros da CTI”, “violação de normas de contratação pública”, “alegados vícios decorrentes de falta de atas”, e por fim “abuso de poder e outros ilícitos de natureza sancionatória, decorrentes, nomeadamente da alegada falta de transparência e independência da CTI”.
E afirmando que a Requerente bem explicitou os pedidos a formular no processo principal, relativos aos vícios assacados (artigos 36º a 88º do seu requerimento cautelar): a) vícios do ato criador da CTI; b) vício na contratação, pela CTI, de sociedade detida por uma das suas vogais (BB); c) vícios na contratação pelo LNEC (atos que autorizaram a abertura de procedimento de despesa superior a 75.000€); d) nulidade de todos os atos da CTI por inexistência de atas; e)ilícitos de natureza sancionatória, abuso de poder e matéria criminal (que não sendo esta a sede para os dirimir, podem ter consequências na legalidade dos atos praticados pelos membros da CTI e pela própria CTI).

ii) Quanto à alegada “Ilegitimidade ativa da Requerente”,
Afirmando que justificou no seu requerimento inicial a sua legitimidade ativa (artigos 1º a 15º), a qual se funda na tutela dos valores ambientais e de qualidade de vida, pelo que sendo a CTI responsável por habilitar e auxiliar o poder político na decisão quanto à localização do novo aeroporto de Lisboa, nessa tarefa se incluindo a realização da avaliação ambiental estratégica, não pode a Requerente ficar indiferente aos incumprimentos legais praticados pela CTI nessa tarefa, privilegiando interesses privados (sociedades detidas por membros da própria CTI), em preterição dos fins ambientais e públicos relevantes.

iii) Quanto à alegada “Ilegitimidade passiva dos 7 membros da CTI demandados”,
Afirmando que à CTI foram, até 31/3/2024, atribuídos poderes (de avaliação e de realização de AAE) que desmentem uma sua alegada escassa autonomia; ainda que a CTI não disponha de personalidade jurídica, o nº 4 do art. 10º do CPTA prevê que se considera regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público ou ao Ministério que devam ser demandados, considerando-se citada a pessoa coletiva ou o Ministério quando a citação for feita no órgão indicado na petição; é manifesto que tanto a CTI como a CA estão na dependência do CM e do PM, limitando-se o Ministério das Infraestruturas a ser o Ministério setorial; e os membros individuais da CTI – os quais estão sujeitos aos deveres que impendem (DL 11/2012 e nº 18 da RCM nº 89/2022) - podem ser demandados, detendo individualmente legitimidade passiva, prevendo o nº 9 do art. 10º do CPTA a legitimidade passiva de particulares ou concessionários no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.

iv) Quanto à alegada “Impossibilidade de requerer qualquer providência cautelar quanto aos atos criadores da CTI e da CA por incompetência material dos tribunais administrativos”,
Afirmando que, não cabendo as RCMs no círculo da competência legislativa do Governo nem se inserindo no âmbito dos regulamentos necessários à boa execução das leis, então incluem-se nas competências estritamente administrativas do Governo, definidas por instrumento legislativo anterior, sendo, por isso, sindicáveis pelos tribunais administrativos, sendo que, no caso, as RCMs nºs 89/2022 (cfr. nºs 3 e 10 a 18) e 86/2023 (cfr. nºs 1 a 4) violam o art. 112º nº 1 da CRP “por irem muito mais além do que é suposto ser feitos por via de uma RCM”.

Na oposição do PM e do CM:

i) Quanto à alegada “Ilegitimidade ativa da Requerente”,
Afirmando, em reiteração, o que já dissera quanto à mesma exceção invocada na oposição dos 7 membros da CTI demandados.

ii) Quanto à alegada “Falta de interesse processual da Requerente”,
Afirmando que o seu interesse processual provém - como diz resultar explanado do requerimento cautelar - da necessidade de evitar que “a validação da construção do novo aeroporto de Lisboa não seja feita com o rigor e procedimentos exigidos, esquecendo os interesses públicos e ambientais, o que poderá causar danos graves e, assim, prejuízos de difícil, ou até, impossível reparação”.

iii) e iv) Quanto à alegada “Falta de instrumentalidade” e “Impossibilidade originária e superveniente”,
Afirmando, em reiteração, o que já dissera quanto à exceção da ineptidão do requerimento cautelar invocada na oposição dos 7 membros da CTI demandados.
Mais afirmando que, tendo apenas sido apresentado o relatório preliminar (em momento posterior à apresentação do requerimento cautelar), e não ainda o relatório final, não há inutilidade superveniente da lide, subsistindo o interesse na apreciação das demais providências requeridas.

v) Quanto à alegada “Ilegitimidade passiva dos 7 membros da CTI demandados”,
Afirmando, em reiteração, o que já dissera quanto à mesma exceção invocada na oposição dos 7 membros da CTI demandados.

4. Presentes os autos à Conferência, sem vistos atenta a natureza urgente do processo, mas com prévia divulgação do projeto do acórdão pelos Srs. Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir, não se mostrando necessária, para tanto, a audição das duas testemunhas oferecidas na oposição dos 7 membros da CTI demandados (expressamente indicadas “caso se conclua pela necessidade de prova testemunhal”), uma vez que se entende que os presentes autos cautelares contêm já a comprovação dos factos necessários à boa decisão da causa cautelar, que são os factos que, dando-se por assentes, a seguir se descriminarão.


III – FUNDAMENTAÇÃO

III – A – Fundamentação de facto

5. Atentas as características do presente processo cautelar, e considerando a sua inerente “summaria cognitio”, entende-se como suficiente, para tanto, ter como assentes os seguintes factos:

A) A Requerente, “A... – Associação” tem como objeto estatutário:
«i. Defender a qualidade de vida e o direito a um ambiente sadio, bem como a defesa dos interesses que nesta matéria, não só dos seus associados, mas também das populações residentes nas Área Metropolitana de Lisboa;
ii. Tutela judicial para valores ambientais e para o direito a um ambiente sadio, dos seus associados, mas também de todas as pessoas indeterminadas que constituem a população residente na Área Metropolitana de Lisboa;
iii. Exercer o direito ao ambiente e à qualidade de vida, nos termos constitucional e internacionalmente estabelecidos, podendo exercer o direito de defesa contra qualquer agressão ambiental e exigir das entidades públicas e privadas o cumprimento de deveres e das obrigações a que estão vinculadas nos termos da lei e do direito em matéria ambiental (artigo 5.º, da Lei n.º 19/2019, de 14.04);
iv. Defender danos pessoais, por via da poluição ambiental (do ar, do solo e da água e do ruído);
v. Danos que se traduzem, nomeadamente, na diminuição acentuada das condições de saúde, física e mental, com a exposição permanente a fatores que exponenciam o stress e o aparecimento de doenças graves e crónicas, potencialmente fatais, do seu sossego e tranquilidade, com repercussão na estabilidade da sua vida familiar, profissional e de lazer;
E, por último,
vi. Defender as condições mínimas para que, de um ponto de vista tecnológico, as emissões poluentes se situem abaixo do patamar a partir do qual constituem grave risco para as populações humana e animal e para o meio ambiente circundante àquelas instalações».
(Cfr. art.º 2.º da Certidão da Constituição de Associação, junta como Doc. 1 com o r.i.).

B) Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 89/2022, de 14/10 (que entrou em vigor no dia 15.10.2022), “o Governo determinou a promoção da análise estratégica e multidisciplinar do aumento da capacidade aeroportuária da região de Lisboa e procedeu à criação de uma Comissão Técnica Independente (Comissão Técnica) com o objetivo de avaliar as opções estratégicas para aumentar a capacidade aeroportuária da região de Lisboa e coordenar e realizar a avaliação ambiental estratégica, com o intuito de habilitar e auxiliar o poder político a tomar uma decisão final, tendo sido fixadas as bases técnicas e metodológicas do trabalho a desenvolver”
(cfr. RCM nº 86/2023, de 26/7 e nºs 1 e 2 da RCM nº 89/2022, de 14/10).

C) Aí se determina que:
1. “a Comissão Técnica é dirigida por um coordenador-geral, designado pelo Primeiro-Ministro, sob proposta conjunta do presidente do Conselho Superior de Obras Públicas (CSOP), do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) e do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), no prazo de 30 dias contados da data de publicação da presente resolução”;
2. “a Comissão Técnica integra ainda seis coordenadores de projeto que preencham as qualificações e competências técnicas adequadas nas seguintes áreas de trabalho das seis equipas de projeto:
a) Estudos de procura aeroportuários e de acessibilidades de infraestruturas e transportes;
b) Planificação aeroportuária, incluindo análise de capacidade e planos de desenvolvimento aeroportuário compatíveis com a evolução de um hub intercontinental;
c) Acessibilidades rodoviárias e ferroviárias;
d) Ambiente e AAE;
e) Análise e modelagem económico-financeira; e
f) Jurídica”;
3. “os coordenadores das equipas de projeto referidos no número anterior são especialistas das respetivas áreas de trabalho da Comissão Técnica, designados pelo coordenador-geral, sob proposta do CRUP”;
4. “a Comissão Técnica define o cronograma dos trabalhos referidos no n.º 2 e no anexo à presente resolução, ouvida a Comissão de Acompanhamento, no prazo de 60 dias contados da publicação da presente resolução”.
(cfr. nºs 4, 5, 6 e 7 da RCM nº 89/2022).

D) O Despacho nº 13968/2022, do Gabinete do Primeiro-Ministro, Presidência do Conselho de Ministros, de 5/12, publicado no Diário da República, 2ª Série, Parte C, páginas 25 e 26, “Designa a Prof.ª Doutora AA como coordenadora-geral da Comissão Técnica Independente”.

E) Pelo Aviso (extrato) nº 1157/2023, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 17/1/2023, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, I. P., foram designados para exercerem as funções de Coordenadores das Equipas de Projeto da Comissão Técnica:
a) O Professor HH (entretanto já substituído pelo Professor CC, cfr. Despacho n.º 2/2023, em Anexo ao Aviso, extrato, nº 8650/2023, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 28/4/2023), para exercer as funções de Coordenador/a da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Estudos de procura aeroportuários e de acessibilidades de infraestruturas e transportes»;
b) A Professora BB, para exercer as funções de Coordenador/a da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Planificação aeroportuária, incluindo análise de capacidade e planos de desenvolvimento aeroportuário compatíveis com a evolução de um hub intercontinental»;
c) O Professor DD, para exercer as funções de Coordenador/a da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Acessibilidades rodoviárias e ferroviárias»;
d) A Professora EE, para exercer as funções de Coordenador/a da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Ambiente e AAE»;
e) O Professor FF, para exercer as funções de Coordenador/a da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Análise e modelagem económico financeira»;
f) A Professora II (entretanto já substituída pela Professora GG, cfr. Despacho nº 3/2023, em Anexo ao Aviso, extrato, nº 14384/2023, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 31/7/2023), para exercer as funções de Coordenador/a da Equipa de Projeto relativa à área de trabalho «Jurídica».

F) No mesmo diploma legal foi criada a “Comissão de Acompanhamento dos trabalhos da Comissão Técnica, presidida pelo presidente do CSOP, que reúne periodicamente por iniciativa do seu presidente ou de qualquer dos seus membros” (n.º 8 da RCM 89/2022), estabelecendo-se ainda que, “compete à Comissão de Acompanhamento:
a) Pronunciar-se sobre o programa e o cronograma dos trabalhos, referido no nº 7;
b) Acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos da Comissão Técnica, emitindo recomendações por sua iniciativa ou a pedido desta;
c) Requerer a participação do coordenador-geral da Comissão Técnica, para prestação de esclarecimentos à Comissão de Acompanhamento;
d) Apreciar as conclusões dos trabalhos elaborados pela Comissão Técnica;
e) Aprovar o regimento interno de funcionamento e a eventual constituição de uma subcomissão permanente da Comissão de Acompanhamento”.
(cfr. nºs 8 e 10 da RCM 89/2022)

G) Dispõe o nº 17 da RCM nº 89/2022 que: “os encargos orçamentais decorrentes da criação e funcionamento da Comissão Técnica e da Comissão de Acompanhamento, bem como o apoio logístico e administrativo, e as eventuais aquisições de serviços a particulares ou empresas para a realização dos trabalhos previstos na presente resolução são assegurados pelo LNEC, I. P., sendo este instituto público, para o efeito, dotado dos respetivos recursos financeiros provenientes de verbas do Orçamento do Estado”.

H) Sendo que “os membros da Comissão Técnica estão sujeitos aos deveres que impendem sobre os membros dos gabinetes dos membros do Governo, nos termos do Decreto-Lei nº 11/2012, de 20 de janeiro, sem prejuízo da sua sujeição a outros deveres decorrentes do regime contratual aplicável”.
(cfr. nº 18 da RCM nº 89/2022).

I) Posteriormente foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2023, de 26/7, com produção de efeitos a 15/10/2022 (nº 5 da RCM nº 86/2023), que, além do mais, alterou os nºs 3, 8 e 19 da RCM nº 89/2022, passando estes a ter a seguinte redação:
3 — Determinar que a Comissão Técnica, no âmbito da sua autonomia e tendo em vista o cumprimento da respetiva missão, pode desenvolver e adaptar as bases técnicas e metodológicas constantes do anexo à presente resolução, incluindo a articulação das equipas de projeto e dos pacotes de trabalho.
8 — Criar a Comissão de Acompanhamento dos trabalhos da Comissão Técnica, presidida pelo presidente do CSOP, que reúne periodicamente por iniciativa do seu presidente ou de qualquer dos seus membros, os quais têm direito a ajudas de custo e de deslocação, nos termos do n.º 13, quando estas despesas não sejam passíveis de ser suportadas por outra entidade.
19 — Determinar que a Comissão Técnica conclui os trabalhos referidos no n.º 2 e no anexo à presente resolução até ao dia 31 de dezembro de 2023, mediante a entrega de um relatório final, que integra a avaliação técnica de todas as localizações estudadas nos termos da presente resolução, autonomizando os custos e prazos de execução de cada uma delas com as correspondentes infraestruturas complementares, ao membro do Governo responsável pela área das infraestruturas, ouvida a Comissão de Acompanhamento”.

J) Pelo Decreto do Presidente da República nº 102-A/2023, de 13/11, o Presidente da República exonerou, com efeitos imediatos, o Ministro das Infraestruturas.

K) Nos termos do nº 2 do art. 7º do DL 32/2022, de 9/5, com a exoneração do Ministro das Infraestruturas, as suas funções foram assumidas pelo Primeiro-Ministro.

L) Pelo Decreto do Presidente da República nº 112-A/23, de 7/12, o Presidente da República demitiu o Governo, com efeitos a 8/12/2023.

M) Pelo Decreto do Presidente da República nº 12-A/2024, de 15/1, o Presidente da República dissolveu a Assembleia da República e marcou a data de 10 de março de 2024 para a eleição dos Deputados à Assembleia da República (oficializando o anúncio feito ao país em 9/11/2023).


II – B – Fundamentação de direito

6. Estão em causa, nos presentes autos cautelares, os seguintes pedidos formulados pela Requerente:

“i) Ser o Senhor Primeiro-Ministro intimado para instruir a CTI e os seus membros, para que se abstenham de decidir ou de elaborar relatórios até que o respetivo mandato seja confirmado/renovado pelo novo governo, ou até que a ação administrativa a intentar seja decidida; e / ou,
ii) Ser o Senhor Primeiro-Ministro intimado para, caso os membros da CTI apresentem o relatório previsto, se abstenha de o aceitar;
iii) A professora BB, deverá ser intimada para se abster de praticar qualquer decisão na CTI por estar impedida, nos termos dos artigos 8.º, n.º 1 e 9.º, n.º 2 da Lei 52/2019, de 31 de julho;
iv) Os demais membros da CTI deverão ser intimados para se absterem de decidir ou de elaborar relatórios até que o respetivo mandato seja confirmado/renovado pelo novo governo, ou até que a ação administrativa a intentar seja decidida;
v) Todos os membros da CTI se abstenham, sob qualquer forma, a divulgarem de modo privado ou público o relatório previsto.

São, pois, peticionadas pela requerente providências cautelares cuja natureza se encontra especificamente prevista na alínea i) do nº 2 do art. 112º do CPA: “Intimação para adoção ou abstenção de condutas por alegada violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional (ou do direito da União Europeia)”.

E como também resulta dos autos – do requerimento inicial e demais articulados (oposições dos Requeridos e réplica da Requerente), as referidas providências cautelares peticionadas têm por fundamento, por um lado, a alegada ilegalidade na criação da Comissão Técnica de Acompanhamento (CTI) e, por outro lado, vícios e ilegalidades assacadas à atuação da própria CTI e/ou dos seus membros.

Efetivamente, a Requerente invoca vícios do ato criador da CTI, que acarretariam a sua inexistência ou a nulidade da sua criação (cfr. artigos 36º a 54º do r.i.) e vícios inerentes à atuação da própria CTI e/ou dos seus membros – alegado impedimento, por conflito de interesses, de um dos seus membros (cfr. artigos 55º a 63º do r.i.); alegada violação das normas de contratação pública (aqui por parte do LNEC, apenas indicado pela Requerente como Contrainteressado, cfr. artigos 64º a 71º do r.i.); alegado vício de falta de elaboração de atas (cfr. artigos 72º a 75º do r.i.); alegada “existência de ilícitos de natureza sancionatória, abuso de poder e matéria criminal, que não sendo esta a sede para os dirimir, podem ter consequências na legalidade dos atos praticados pelos membros da CTI e consequentemente da própria CTI” (cfr. artigos 76º a 88º).

7. Da invocada in(competência) dos tribunais administrativos em razão da matéria

Excecionam, os 7 membros da CTI, na sua oposição, a incompetência absoluta, em razão da matéria, deste STA, como tribunal administrativo, nos termos do art. 4º nº 3 a) do ETAF, para apreciar e decidir o presente processo cautelar, na parte em que a Requerente põe em causa os “atos criadores” da CTI, os quais, a seu ver, “não preenchem o conceito de atos impugnáveis previsto no art. 51º do CPTA”, por serem atos políticos, pois que “os atos de aprovação das RCMs nºs 89/2022 e 86/2023 são atos emitidos no exercício da função política e não da sua função administrativa”.

Nos termos do art. 13º do CPTA, «o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria».

Assim, deve ser esta a primeira questão a ser apreciada e decidida, pelo que há que ver se assiste razão nesta alegação dos 7 Requeridos, o que se passa a analisar.

Não se deixa, porém, de sublinhar, desde logo, que são questões diferentes a (in)competência dos tribunais administrativos, por um lado, e a inimpugnabilidade dos atos em causa, por outro – já que uma constatação da competência dos tribunais administrativos não impede, naturalmente, que se tenham por inimpugnáveis certos atos (administrativos), por não preencherem eles os requisitos de impugnabilidade exigidos no CPTA.

Quanto à distinção entre “atos políticos” e “atos administrativos”, partimos da explanação já efetuada por este STA no seu Acórdão de 29/7/2020 (proc. 055/20):

«(…) 14. Como é sabido, a qualificação de “atos políticos” por oposição a “atos administrativos” começou por servir o propósito de elencar os “atos de governo” que, por conveniência, se pretendiam subtrair ao controlo dos tribunais.
De um mero propósito prático ou estratégico, foi-se caminhando na teorização de que seriam de qualificar como políticos os atos primários, que pertenceriam a uma primeira e superior ordenação comunitária, diretamente dependentes da Constituição e não das leis ordinárias (atos políticos, de concretização constitucional, por oposição a atos administrativos, secundários, de concretização de prévias opções legais).
Esta teorização clássica corresponde ao entendimento, nos seus traços gerais, que ainda hoje são acolhidos na nossa doutrina e jurisprudência, nomeadamente deste STA.
Porém, tem-se tornado clara, quer na doutrina quer na jurisprudência, uma sedimentação no sentido de – mantendo-se a centralidade daquele entendimento – adotar-se um conceito restrito de “atos políticos”.
No que toca à jurisprudência, essa opção resulta manifesta do estudo do Conselheiro Jorge de Sousa “Poderes de cognição dos tribunais administrativos relativamente a actos praticados no exercício da função política” (in revista “Julgar” nº 3, 2007, págs. 119 e segs., disponível on-line), onde se procede a um levantamento e análise crítica da jurisprudência deste STA sobre a distinção entre atos políticos e atos administrativos, aí se referindo expressamente, desde logo no “resumo” do artigo, e na linha da evolução aludida, que «o Autor sugere um conceito restrito de actos políticos». E adverte, no texto, que «Em geral, a doutrina afirma, para este feito, um conceito restrito de função política, limitando-a à actividade dos órgãos superiores do Estado relativa à direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins essenciais da comunidade», citando como referência Freitas do Amaral: «este Autor defende também que se deve interpretar restritivamente o conceito de acto político, sob pena de se frustrarem os fins do Estado de Direito, que exige que tal categoria de actos seja reduzida ao mínimo e, nomeadamente, que não seja alargada para além dos específicos limites da função política» (“Direito Administrativo”, vol. IV, 1988, págs. 163.164). E conclui o aludido Conselheiro no citado artigo que «é de adoptar, assim, um conceito restrito de actos políticos, (…) uma ampliação (…) estaria ao arrepio do rumo geral da evolução do contencioso administrativo, que é manifestamente no sentido da ampliação do controle dos actos dos poderes públicos».
Atualmente, esta tendência permanece ou acentua-se, como se pode ver das lições de Autores como Vieira de Andrade, Aroso de Almeida ou Pedro Costa Gonçalves.
Veja-se, por todos: «(…) como tem entendido a jurisprudência, é de adoptar um conceito restrito de actos praticados no exercício da função política (…) a questão coloca-se no plano da delimitação das funções estaduais e, nessa perspectiva, deve adoptar-se uma concepção restrita do que possam ser actos políticos (no mesmo sentido, Vieira de Andrade, A justiça Administrativa, p. 52). Este é o ponto de chegada de um longo e penoso trajecto de luta contra a possibilidade de invocação de motivações políticas para limitar os poderes de fiscalização da legalidade da Administração pelos tribunais administrativos (…)» - Mário Aroso de Almeida, in “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 4ª edição, 2020, págs. 194/195».

Retornando ao caso concreto, não resulta, claro, ao menos numa “summario cognitio” própria destes autos cautelares, que esteja subtraída do conhecimento deste tribunal, como tribunal administrativo, a matéria da criação da CTI.

Retomando a explanação contida no citado Acórdão de 29/7/2020:
«(…) Efetivamente, seguindo a lição de Pedro Costa Gonçalves (“Manual de Direito Administrativo”, vol. I, Almedina, 2019, págs. 1012 e segs.), a CRP indica a “competência política” do Governo no art. 197º, para além da referência, no art. 182º, ao Governo como “órgão de condução da política geral do país”.
Assim, a “função política” – que não nasceu como uma quarta função do Estado, mas da necessidade de subtrair ao controlo dos tribunais determinados atos dos poderes públicos - caracteriza-se:
- em 1º lugar, por ser uma função confiada aos órgãos superiores do Estado (Presidente da República, Assembleia da República ou Governo);
- em 2º lugar, por consubstanciar o exercício de competências constitucionais, criadas e definidas pela CRP, sendo aplicação direta da Constituição sem intermediação legislativa (ficando excluídos, pois, os atos cujos pressupostos são estabelecidos e o respetivo conteúdo demarcado por normas legais);
- em 3º lugar, por se desenvolver através de atos concretos, de aplicação da Constituição a uma situação específica.
Relativamente ao Governo, os atos políticos típicos previstos na CRP são os constantes do art. 197º. Convém, pois, lembrar aqui o seu conteúdo:
“1. Compete ao Governo, no exercício de funções políticas:
a) Referendar os actos do Presidente da República, nos termos do artigo 140.º;
b) Negociar e ajustar convenções internacionais;
c) Aprovar os acordos internacionais cuja aprovação não seja da competência da Assembleia da República ou que a esta não tenham sido submetidos;
d) Apresentar propostas de lei e de resolução à Assembleia da República;
e) Propor ao Presidente da República a sujeição a referendo de questões de relevante interesse nacional, nos termos do artigo 115.º;
f) Pronunciar-se sobre a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência;
g) Propor ao Presidente da República a declaração da guerra ou a feitura da paz;
h) Apresentar à Assembleia da República, nos termos da alínea d) do artigo 162.º, as contas do Estado e das demais entidades públicas que a lei determinar;
i) Apresentar, em tempo útil, à Assembleia da República, para efeitos do disposto na alínea n) do artigo 161.º e na alínea f) do artigo 163.º, informação referente ao processo de construção da união europeia;
j) Praticar os demais actos que lhe sejam cometidos pela Constituição ou pela lei.
2. A aprovação pelo Governo de acordos internacionais reveste a forma de decreto”».

Como se vê, a criação de uma estrutura como a CTI, de estudo e avaliação de opções estratégicas em auxílio técnico a decisões do Governo, não se integra, direta ou indiretamente (sequer por interpretação extensiva das sucessivas alíneas) no elenco destes atos previstos pela CRP para serem exercidos pelo Governo no âmbito da “função política”.

Pode, porém, ainda ponderar-se se não caberá na previsão residual da alínea j) (“demais actos que lhe sejam cometidos pela Constituição ou pela Lei”); ou, acaso, na previsão genérica constante do art. 182º (“O Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública”).

Mas, como refere Pedro Costa Gonçalves (ob. cit, pág. 1020),
«não se descortina fundamento constitucional para qualificar como “de governo” ou como políticos, e, portanto, imunes ao controlo judicial, atos do Governo fora dos casos típicos previstos no art. 197º e em alguns outros preceitos constitucionais, por remissão do artigo 197º nº1 alínea j). De resto, contra uma qualificação nesses termos, recorde-se que a Constituição remete para a competência administrativa do Governo a prática de quaisquer atos e providências “necessárias à promoção do desenvolvimento económico e à satisfação das necessidades coletivas”. O preceito confere ao Governo uma competência para “governar” mas explicitamente pela “via administrativa”».

Efetivamente, a criação da CTI não se insere em nenhuma das competências “políticas” atribuídas ao Governo pela CRP – designadamente, nas previsões do art. 197º ou noutras previsões constitucionais ou legais por remissão da alínea j) do seu nº 1 -, inserindo-se, sim, na competência atribuída ao Governo pela alínea g) do art. 199º para, expressamente no exercício da “função administrativa”, «praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas».

É, pois, de, consequentemente, concluir pela natureza “administrativa”, e não “política”, do ato em questão.

No entanto – desde já se adverte -, a conclusão sobre a competência deste tribunal, enquanto tribunal administrativo, para apreciação da matéria em causa, não significa, por si, que se conclua, necessariamente, pelo interesse em demandar por parte da Requerente ou pela impugnabilidade dos atos impugnados (exceções também invocadas, e de que à frente trataremos).

Improcede, assim, a invocada exceção da incompetência deste STA em razão da matéria.

8. Da invocada ineptidão do requerimento inicial

Na sua oposição, os 7 membros da CTI alegam que a Requerente se limita a referir que a ação principal consubstanciará uma “ação administrativa de declaração de nulidade ou anulabilidades de atos, bem como de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, a intentar”, mas sem explicitar que atos em concreto serão impugnados e de que vícios esses atos padecem, o que impede os Requeridos de se defender cabalmente, nomeadamente no que toca à discussão e apreciação do pressuposto, previsto no art. 120º do CPTA, relativo ao “fumus boni iuris”. E que a Requerente também não especifica que comportamentos, no âmbito do processo principal, pretende que sejam adotados ou se abstenham de ser adotados, o que impossibilita o exercício do contraditório relativamente ao pressuposto, também previsto no art. 120º do CPTA, referente ao “periculum in mora”.

Mas, tal como se defende a Requerente na sua réplica, a prova de que os Requeridos bem compreenderam os vícios e pretensões da Requerente é que eles próprios os identificam a partir do artigo 37º da sua oposição – “alegados vícios do ato criador da CTI (e da respetiva Comissão de Acompanhamento)”, “alegados vícios decorrentes da existência de um alegado impedimento de um dos membros da CTI”, “violação de normas de contratação pública”, “alegados vícios decorrentes de falta de atas”, e por fim “abuso de poder e outros ilícitos de natureza sancionatória, decorrentes, nomeadamente da alegada falta de transparência e independência da CTI”.

E, na verdade, a Requerente explicitou os pedidos a formular no processo principal, relativos aos vícios assacados (artigos 36º a 88º do seu requerimento cautelar): a) vícios do ato criador da CTI; b) vício na contratação, pela CTI, de sociedade detida por uma das suas vogais (BB); c) vícios na contratação pelo LNEC (atos que autorizaram a abertura de procedimento de despesa superior a 75.000€); d) nulidade de todos os atos da CTI por inexistência de atas; e) ilícitos de natureza sancionatória, abuso de poder e matéria criminal (que não sendo esta a sede para os dirimir, podem ter consequências na legalidade dos atos praticados pelos membros da CTI e pela própria CTI).

Donde se possa concluir pela inteligibilidade do requerimento cautelar, soçobrando, pois, esta invocada exceção.

9. Da invocada (i)legitimidade passiva dos Requeridos 7 membros da CTI

Nas duas oposições apresentadas, os Requeridos (membros da CTI, por um lado, e CM e PM, por outro) invocam a ilegitimidade passiva dos 7 Membros da CTI, os quais foram individualmente demandados, enquanto tais, pela Requerente.

E parece óbvio que esta invocada exceção deve proceder.

Efetivamente, os 7 membros da CTI, individualmente demandados, são-no a propósito de atos ou omissões praticados.

Porém, como resulta claro do nº 2 do art. 10º, «parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios (…), em que parte demandada é o ministério ou ministérios (…) a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos».

Daqui se retira que parte demandada, no caso, deveria ter sido o “Ministério das Infraestruturas”, por ser o Ministério em que se insere a CTI, e a cujos órgãos, portanto, são imputáveis, pela Requerente, os atos praticados, e não os 7 Requeridos individualmente considerados.

A Requerente replica com o disposto no nº 9 do art. 10º do CPTA que, a seu ver, permitiria a demanda dos aqui 7 membros da CTI:
«Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares».

Como igualmente poderia replicar, na mesma linha, com o disposto na própria alínea i) do nº 2 do art. 112º do CPTA que também prevê a intimação de particulares para a adoção ou abstenção de condutas.

Porém, a circunstância - indiscutível - de poderem ser demandados particulares em ações administrativas não significa que o devam ou possam ser em todo o tipo de ações administrativas e em todo o tipo de circunstâncias jurídico-administrativas que se deparem. É que, para além desta regra contida no seu nº 9, o mesmo art. 10º contém outras regras específicas, impositivas, que condicionam e estabelecem a legitimidade passiva em determinadas ações e/ou circunstâncias.

Note-se que os 7 indivíduos em causa estão a ser aqui demandados pela Requerente, embora de forma individual, enquanto membros da CTI, isto é, enquanto membros de uma estrutura inserida na Administração, e por atos ou omissões praticados nessa qualidade, o que afasta também a possibilidade de serem demandados ao abrigo da previsão do nº 3 do art. 37º do CPTA, a qual pressupõe um litígio entre particulares.

Assim, nos termos do nº 2 do mesmo art. 10º, já acima citado, a regra, nos processos intentados contra entidades públicas, é a de que a parte demandada deve ser a pessoa coletiva de direito público (não os seus órgãos, titulares ou funcionários); e a regra específica para os processos contra o Estado que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios – como é aqui o caso – é a de que parte demandada deve ser o Ministério (não os seus órgãos internos, titulares ou funcionários), a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.

Ora, se estão em causa atos ou omissões praticados pela CTI e pelos seus 7 membros Coordenadores, os quais estão inseridos organicamente no Ministério das Infraestruturas, é este Ministério, necessariamente, a parte que deve ser demandada, pois é a órgãos seus que a Requerente imputa os atos praticados e sobre cujos órgãos recai o dever de observar os comportamentos pretendidos (ou o dever de observar a pretendida abstenção de comportamentos).

E mesmo que, tal como alega a Requerente, a CTI se inserisse, verdadeiramente, na dependência do Conselho de Ministros – limitando-se o Ministério das Infraestruturas, como diz, “a ser o Ministério setorial, a quem o Conselho de Ministros e o Primeiro-Ministro incumbiu a CTI de apresentar o relatório da Avaliação Ambiental Estratégica” (cfr. art. 37º da sua réplica) -, a solução seria sempre a mesma quanto à ilegitimidade passiva dos membros da CTI.

São, pois, absolvidos da instância os Requeridos 7 membros da CTI, individualmente demandados pela Requerente.

Tal não significa, porém, que não se deva ter por regularmente proposta a causa, contra o “Ministério das Infraestruturas”, ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 10º do CPTA, o qual refere que «não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional que devem ser demandados».

É que, estando o Ministério das Infraestruturas sob a alçada do Primeiro-Ministro - sendo este, para todos os efeitos, também “Ministro das Infraestruturas” -, a sua indicação como parte demandada permite, como previsto na indicada norma, que se considere regularmente proposta a ação (contra o “Ministério das Infraestruturas”).

Assim, procede esta invocada exceção de ilegitimidade passiva dos 7 membros da CTI, individualmente demandados, os quais são consequentemente absolvidos da instância, considerando-se, contudo, a ação cautelar regularmente proposta contra o “Ministério das Infraestruturas”.

10. Da invocadas (i)legitimidade ativa da Requerente, como “autor popular”

Nas duas oposições apresentadas, os Requeridos (membros da CTI, por um lado, e CM e PM, por outro) invocam a ilegitimidade ativa da Requerente, enquanto “autor popular”, uma vez que, fundamentando a sua atuação em defesa de interesses coletivos difusos ligados ao ambiente e à qualidade de vida na área de Lisboa, dedica-se, afinal, a efetivar um controlo de legalidade objetiva sobre a criação e sobre a atuação da CTI, para o qual não tem legitimidade, por não se inscrever em nenhum dos interesses difusos tuteláveis pelos arts. 52º nº 3 da CRP, pela Lei 83/95, de 31/8, e pelo art. 9º nº 2 do CPTA.

Entendemos que é de considerar procedente esta exceção.

Efetivamente, a Requerente pretende, através da presente ação cautelar, paralisar a ação de uma estrutura de estudo e avaliação, com fundamento em alegados vícios respeitantes à sua criação e à sua atuação.

E, ao abrigo da figura de “autor popular” e do disposto nos arts. 52º nº 3 da CRP, 9º nº 2 do CPTA e na Lei 83/95, fundamenta a sua legitimidade ativa na defesa dos interesses difusos ambientais e de qualidade de vida dos habitantes da Área Metropolitana de Lisboa que estatutariamente lhe cumpre defender.
Sucede, porém, que não resulta demonstrado, nem verdadeiramente alegado (cfr., designadamente, artigos 1º a 15º do r.i,), qualquer prejuízo, para esses interesses, consequente dos vícios ou invalidades que alega e se propõe comprovar.

Nem poderia - diga-se, na verdade -, resultar demonstrado, visto que a atuação da CTI, meramente avaliativa e não decisória, não é suscetível de, por si, prejudicar tais interesses.

Como este STA julgou em Acórdão de 24/6/2021 (proc. 059/20):
«(…) a defesa dos interesses difusos ao abrigo do nº 2 do artº 9º visa a defesa de direitos subjetivos (embora de titularidade difusa), sendo por isso exigível a alegação substanciada de uma lesão do concreto interesse fundamental que se visa proteger.
Só que esta individualização não foi cumprida na alegação pelo autor em sede de petição inicial (…), sendo que o autor não está legitimado para fazer respeitar a legalidade administrativa objetiva, mas apenas o interesse difuso lesado ou colocado em perigo [de lesão material].
Com efeito, lida a petição inicial, constata-se que o autor ao intentar a presente ação, mediante a qual visa efetuar a defesa dos interesses relacionados com a defesa do ambiente, não logrou descrever de forma factual, clara e inequívoca o modo como os cidadãos/população (…) serão (mesmo potencialmente, como alega) afetados pelas ilegalidades que invoca e de que modo é que a qualidade de vida dos mesmos será, em concreto, afetada, ou em que medida a mesma provoca concretas alterações ambientais que se possam repercutir de forma negativa no bem-estar e interesses de toda a comunidade.
Ou seja, o autor, limita-se a atacar juridicamente o ato impugnado, com base na alegada caducidade da DIA, pretendendo desta forma fazer valer um vício de natureza procedimental no procedimento pré-contratual em causa; só que deste vício, por si só, não decorre qualquer lesão do direito a um ambiente de vida humana sadia e equilibrada, máxime uma lesão dos direitos fundamentais dos cidadãos em questões ambientais.
(…) Atento o exposto e sem necessidade de outros considerandos [que nem sequer foram abordados no acórdão recorrido] importa concluir que bem andou a decisão de 1ª instância ao decidir com os fundamentos que supra deixámos expostos, na transcrição que fizemos, que o autor não tem, na presente ação, legitimidade ativa, nem interesse em agir, o que neste momento igualmente se determina (…)» (sublinhado nosso).

11. “Falta de interesse processual da Requerente/desnecessidade da ação” e “Falta de instrumentalidade”

O Primeiro-Ministro e o Conselho de Ministros, na sua oposição, vêm invocar, também, “Falta de interesse processual da Requerente/desnecessidade da ação” e “Falta de instrumentalidade” (da presente ação cautelar relativamente à ação principal a ser intentada).

a) Quanto à “Falta de interesse processual da Requerente/desnecessidade da ação” (art. 116º nº 2 e) do CPTA),
Alegando que as tarefas que estão adstritas à CTI, como claramente resulta da RCM nº 89/2022, são apenas preparatórias de uma decisão (sobre a localização de uma infraestrutura aeroportuária) que ainda não foi tomada e que não se sabe quando vai ser, e com que conteúdo. Tem, assim, uma mera missão preparatória e avaliativa, culminando na elaboração e entrega ao Governo de um relatório final, sem qualquer efeito vinculativo sobre a decisão a tomar (tal como sucede relativamente ao relatório preliminar, já entregue ao Governo em 5/12/2023). Assim, a suspensão dos trabalhos avaliativos da CTI não se traduziria em qualquer benefício para os interesses representado pela Requerente, tal como o seu funcionamento, há já mais de um ano (em exercício avaliativo, instrutório e preparatório) não é suscetível de, por si, lhe causar qualquer prejuízo, por nada definir ou decidir.

b) Quanto à “Falta de instrumentalidade”,
Alegando que, indicando a Requerente que pretende, na ação principal, sindicar atos e contratos celebrados, bem como a constitucionalidade das RCMs nºs 89/2022 e 86/2023, e impugnar atos praticados pela CTI, a utilidade do que aí venha eventualmente a ser decidido não ficará em nada prejudicado pelo prosseguimento do funcionamento da CTI, pelo que não se impõe, por falta de instrumentalidade, a proibição, que a Requerente aqui pretende, desse prosseguimento de funcionamento.

Vejamos.

a) Ao invocar “Falta de interesse processual da Requerente” na propositura da presente ação cautelar, refletindo-se numa “Desnecessidade da ação”, o que os Requeridos PM e CM alegam é que não faz sentido impedir o prosseguimento da atividade da CTI – como pretendido, através da presente ação cautelar, pela Requerente - uma vez que, não se destinando tal organismo a tomar qualquer decisão, mas apenas a estudar, avaliar e emitir parecer, em nada pode, por si, prejudicar quaisquer interesses públicos ou privados, nomeadamente os interesses defendidos estatutariamente pela Requerente, referentes, designadamente, ao ambiente e à qualidade de vida dos habitantes da Área Metropolitana de Lisboa.

Não obstante a ilegitimidade ativa da Requerente já acima constatada, o certo é que sempre procederia esta invocada “falta de interesse em agir”.

Efetivamente, resulta das RCMs 89/2022 e 86/2023 que a CTI se destina a preparar uma decisão, que lhe não compete, limitando-se a apoiar tecnicamente essa decisão, inserindo-se tal apoio na fase instrutória (e não decisória) do procedimento. E o seu parecer não é, nem será, vinculativo, podendo a decisão, a ser tomada, acatar, ou não, esse seu parecer, que lhe cabe elaborar em termos de relatórios (preliminar e final).

Assim, a sua atividade meramente preparatória, sem poder decisório ou vinculativo, não é, por si, suscetível de lesar quaisquer interesses, públicos ou privados.

E, ainda que esta realidade possa ser considerada, a nível dos pressupostos processuais, como excludente da legitimidade ativa e do interesse em demandar por parte da Requerente – por nenhum interesse por ela defendido ser lesado por tal atividade meramente preparatória -, a verdade é que essa mesma realidade não deixa, inerentemente, de se refletir em termos de não verificação do requisito do “fumus boni iuris”, enquanto pressuposto exigido no art. 120º do CPTA, para o decretamento das providências cautelares peticionadas.

É que a dita atividade meramente preparatória da CTI, não decisória e não vinculante, implica, inerentemente, a inimpugnabilidade dos atos sindicados pela Requerente – quer os atos criativos de tal estrutura meramente avaliativa, quer os atos relativos à sua própria atividade.

Diferente seria se a avaliação da CTI, a efetuar mediante a apresentação de parecer ou relatório técnico, contivesse qualquer traço de vinculatividade relativamente a qualquer decisão a tomar acerca da localização do novo aeroporto de Lisboa, pois que aí estaríamos perante a impugnabilidade de uma decisão ou de um parecer, total ou parcialmente, vinculativo. Não sendo assim, há que concluir que toda a sua atividade se traduz em atos inimpugnáveis, por insuscetíveis de, por si, lesar qualquer interesses.

É matéria, aliás, serenamente sedimentada na doutrina e na jurisprudência deste STA, a qual, reconhecendo a impugnabilidade dos pareceres vinculativos por, de uma forma ou de outra, total ou parcialmente, determinarem a decisão final (suscetíveis, portanto, e desde logo, de lesarem, por si, interesses atendíveis), exclui, porém, a impugnabilidade dos pareceres não vinculativos.

Como refere Luiz S. Cabral de Moncada, in “CPA Anotado”, “Quid Juris”, 3ª edição, 2109, pág. 314, em anotação ao art. 91º:
«O parecer vinculativo obriga a entidade com competência dispositiva mas não constitui ele próprio a decisão final. Esta é uma fase procedimental distinta do parecer vinculativo. Um parecer vinculativo não é, portanto e em bom rigor, a decisão final, mas tendo efeitos externos e lesivos pode ser imediatamente impugnado junto dos tribunais administrativos e levando em conta vícios próprios. Os pareceres não vinculativos não têm efeitos lesivos por si próprios nem determinam por si próprios o sentido da decisão final».

E Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, in “Comentário ao CPTA”, Almedina, 4ª edição, 2018, pág. 350, em anotação 5 ao art. 51º:
«(…) No plano da impugnabilidade, a questão está, hoje, resolvida pela previsão da alínea a) do nº 2 deste artigo 51º, da qual resulta que o conteúdo pré-decisório é suficiente para que se reconheça a impugnabilidade de todo e qualquer parecer vinculativo».

Pelo que só os atos decisórios ou, de alguma forma, pré-decisórios, ainda que não ponham termo a um procedimento, são suscetíveis de produzir efeitos externos, sendo, então, lesivos, por si, e consequentemente impugnáveis nos termos previstos no nº 1 do art. 51º do CPTA. O que não é o caso da atividade da CTI, tendente, como para tal foi criada, a elaborar pareceres/relatórios técnicos de apoio às decisões a tomar. Tanto mais que, além de a CTI não produzir “decisões”, as questões técnicas por si abordadas nos seus relatórios serão necessariamente retomadas subsequentemente no procedimento, através das decisões que vierem a ser tomadas pelo Governo, pelo que, também por isso, fica afasta a sua impugnabilidade como decorre do nº 2 do mesmo art. 51º do CPTA.

E é o que resulta igualmente da jurisprudência deste STA.
Veja-se, por todos, o Acórdão de 6/12/2005, do Pleno da Secção de C.A. (proc. 0239/04):
«(…) o parecer não é o ato final e, portanto, não é o ato administrativo decisor a que se refere o art. 120º do CPA.
Nem por isso, porém, a delicadeza da questão se dissipa. Na verdade, se o parecer é ato instrutório e, por conseguinte, elemento preparatório da decisão final, não pode deixar de se ter presente a dicotomia existente entre aquele que é e o que não é vinculativo.
Nessa perspetiva, o tempo encarregou-se de cristalizar algumas tendências sobre o tema. Foi-se dizendo que o parecer não vinculativo seria mero ato interno, atuando apenas ao nível das relações interorgânicas e, por isso, qualquer ilegalidade de que padecesse apenas se refletiria na invalidade do ato final que dele se tivesse apropriado. Um tal vazamento da enfermidade do parecer permitiria, segundo o princípio da impugnação unitária, a sindicância contenciosa do ato final com os fundamentos invalidantes que àquele pudessem imputar-se (…).
Mas, se o parecer fosse vinculativo, quando desfavorável ao interessado, ele projetar-se-ia desde logo com lesividade na esfera deste. E então, à semelhança de outra tipologia de atos aos quais se reconhecia impugnabilidade contenciosa direta (ex: atos destacáveis), foi-se admitindo que seriam “atos administrativos recorríveis”. Neste sentido se firmou alguma jurisprudência (é o caso, por mais recente, do Ac. do STA de 30/09/2003, Proc. nº 826/03; também os acs. do Pleno de 16/01/2001 e de 15/11/2001, nos Processos nºs 31317 e 37811, respetivamente; é essa, igualmente, a posição do acórdão recorrido).
Abreviando razões, pode dizer-se que o trilho desta posição está praticamente traçado. E se adaptado ao caso do parecer vinculativo, pela função que exerce no seio do procedimento, temos por resolvida a questão nos seguintes termos: o parecer vinculativo, apesar de ato intercalar e preparatório, pela eficácia externa de que se revista e pelos efeitos que produza, será autónoma e contenciosamente impugnável».

b) Quanto à “Falta de instrumentalidade”,
Ao alegar “falta de instrumentalidade” na propositura da presente ação cautelar, o que os Requeridos PM e CM sustêm é que, indicando a Requerente pretender sindicar, na ação principal a instaurar, atos e contratos celebrados, bem como a constitucionalidade das RCMs nºs 89/2022 e 86/2023, e impugnar atos praticados pela CTI, a utilidade do que aí venha eventualmente a ser decidido não ficará em nada prejudicado pelo prosseguimento do funcionamento da CTI, pelo que não se impõe, consequentemente, a proibição, que a Requerente aqui pretende, desse prosseguimento de funcionamento.

Por isso, concluem os Requeridos que nada do que venha a ser eventualmente decidido na ação principal é prejudicado pelo prosseguimento dos trabalhos da CTI, que a Requerente pretende suspender através da presente ação cautelar. Assim sendo, as providências cautelares peticionadas não são idóneas a acautelar a utilidade dos pedidos indicados como a efetuar na ação principal.

Vejamos.

Na verdade, decorrente do que já acima fica dito quanto à falta de lesividade da atuação da CTI, por não ser suscetível de vincular, total ou parcialmente, a decisão final da competência do Governo, resulta logicamente imposta a conclusão de que nenhum prejuízo ou lesão advém, para os interesses que a Requerente estatutariamente defende (nomeadamente, ambientais ou de qualidade de vida), da atividade preparatória, avaliativa e consultora da CTI.

Mas esta circunstância, que pode ser perspetivada como “falta de instrumentalidade”, por não ser adequada, a presente ação cautelar, para assegurar qualquer utilidade do que se vier a decidir na ação principal, considerados os pedidos indicados como ali a serem efetuados (cfr. arts. 112º nº 1 e 113º nº1 do CPTA), não deixa de refletir-se, simultaneamente, na exclusão do necessário pressuposto do “periculum in mora”, exigido no art. 120º do CPTA para o deferimento das providências cautelares peticionadas.

Efetivamente, sendo a atividade do CTI meramente preparatória, avaliativa e consultora (destituída de natureza decisória ou pré-decisória), insuscetível – como acima já se concluiu – de lesar os interesses que a Requerente estatutariamente defende, resulta, por imperativo lógico, que o prosseguimento dessa atividade – de “avaliação das opções estratégicas para aumentar a capacidade aeroportuária da região de Lisboa” - não é suscetível de lesar os interesses que a mesma venha a defender na ação principal, através dos indicados pedidos a efetuar.

12. Do mérito dos pedidos cautelares

Como se disse atrás, a constatada procedência das exceções invocadas referentes, por um lado, à ilegitimidade ativa e falta de concreto interesse em agir por parte da Requerente, e, por outro lado, à falta de instrumentalidade, implica inerentemente, por imperativo lógico, a não verificação dos requisitos exigidos no art. 120º do CPTA para que pudessem ser deferidas as providências cautelares peticionadas.

Como se referiu, tal como a atividade meramente preparatória da CTI, sem poder decisório ou vinculativo, insuscetível de lesar quaisquer interesses, difusos, públicos ou privados, se mostra, a nível dos pressupostos processuais, como excludente do interesse em demandar por parte da Requerente, essa mesma realidade, por implicar a inimpugnabilidade dos atos sindicados pela Requerente, reflete-se, inerentemente, na não verificação do requisito do “fumus boni iuris”, relativamente aos pressupostos exigidos no art. 120º do CPTA, para o decretamento das providências cautelares solicitadas.

E, por sua vez, como também se referiu, a circunstância, decorrente da falta de lesividade da atuação da CTI, de nenhum prejuízo ou lesão advir dessa atividade preparatória para os interesses que a Requerente estatutariamente defende, não deixa de refletir-se, simultânea e inerentemente, na exclusão do necessário pressuposto do “periculum in mora”, exigido no art. 120º do CPTA para o deferimento das providências cautelares peticionadas.

Na verdade, pressupondo o deferimento de providências cautelares o reconhecimento da verificação de um «fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal» (necessariamente, no caso, interesses difusos ambientais e de qualidade de vida na Área da Grande Lisboa), estes interesses são insuscetíveis de ser afetados, em termos de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação, pelo prosseguimento de uma atividade meramente avaliativa de opções estratégicas, sem envolver qualquer competência decisória ou pré-decisória.

Finalmente, sempre haveria de reconhecer como manifesto que, em face da referida não afetação dos interesses defendidos pela Requerente, sempre sobressairia o interesse público no prosseguimento e finalização dos estudos e avaliação a cargo da CTI, tendente à produção de um relatório final que apoie o Governo na sua posterior decisão, sobretudo se for tida em conta a circunstância – facto notório, de conhecimento público geral – dos cerca de 50 anos de preparação e espera por um novo aeroporto de Lisboa e a consequente necessidade urgente de uma decisão, a que a atividade da CTI visa dar apoio técnico.

Donde resulta, em conclusão, que não só procedem as referidas exceções de ilegitimidade ativa e de falta de concreto interesse em agir por parte da Requerente e, também, de falta de instrumentalidade da presente ação cautelar relativamente à ação principal a ser proposta, como, simultânea e inerentemente, se excluem os requisitos exigíveis no art. 120º do CPTA para o deferimento das providências cautelares peticionadas.

Consequentemente a decisão só pode ser a do indeferimento das providências cautelares requeridas nos presentes autos.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:
a) Julgar procedentes as exceções de ilegitimidade passiva quanto aos 7 membros da CTI individualmente demandados; de ilegitimidade ativa e de falta de interesse em agir da Requerente; e de falta de instrumentalidade da presente ação cautelar relativamente à ação principal anunciada; e
b) Indeferir as providências cautelares requeridas.

Sem custas, nos termos do art. 4º nº 1 b) do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do disposto nos seus nºs 6 e 7.

D.N.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada – Cláudio Ramos Monteiro.