Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0448/14
Data do Acordão:11/03/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:IRC
FALÊNCIA
ACTIVO IMOBILIZADO
VENDA JUDICIAL
MASSA FALIDA
MAIS VALIAS
MENOS VALIAS
CESSAÇÃO DE ACTIVIDADE
Sumário:I - A Administração Tributária não pode proceder à determinação da matéria tributável, por métodos indirectos, em sede de IRC, para o exercício de 2004 de uma empresa declarada falida em 1991, que cessou imediatamente a sua actividade, facto comunicado à 3ª Repartição de Finanças do Concelho de Sintra - Cacém em 6-1-91, com base exclusivamente nos proveitos auferidos pela venda de imóveis levada a cabo pelo gestor e liquidatário da falência.
II - A venda que tem lugar nos autos de liquidação do activo da empresa, que foi declarada falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens da referida massa falida com vista à satisfação dos credores, em concurso universal.
III - Com base na falta de apresentação de declaração de rendimentos e impossibilidade de comprovação e quantificação directa do lucro tributável, poderia a Administração Tributária proceder à determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, se, tendo em conta a sua declaração de falência e a sua declaração de que cessou a sua actividade comercial em 1991, apenas relativamente às condições que subsistam de sujeição ao IRC, para além das que derivam do exercício de uma actividade económica, como sejam os negócios jurídicos que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência, ou por terem resultado da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência, ou, até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.
Nº Convencional:JSTA00069887
Nº do Documento:SA2201611030448
Data de Entrada:04/11/2014
Recorrente:A.........
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CONST05 ART103 ART104.
CIRC01 ART20 ART23 ART43.
CPEREF93 ART1.
CCI63 ART1 ART25.
CIRE04 ART65.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01079 DE 2003/10/29.; AC STA DE 1994/10/12 IN BMJ N440 PAG203.
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Tributário de Lisboa
. 18 de Setembro de 2015

Indeferiu a reclamação para a conferência


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


MASSA FALIDA B…………., Ld.ª, no processo de impugnação n.º 1297/09.6BELRS veio interpôr o presente recurso da sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial interposta pela ora Recorrente e, em consequência, manteve a liquidação adicional de IRC nº 2009 8310013112, emitida em 06/05/2009, referente ao exercício de 2004, no valor de € 95.546,34 (noventa e cinco mil, quinhentos e quarenta e seis euros e trinta e quatro cêntimos), tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Encontra-se provado nos autos que ora Recorrida foi declarada falida em 18/01/1991, mas o Meritíssimo Juiz a quo não retira qualquer inferência deste facto na douta sentença recorrida;

2. Primeiro, não são devidos os juros compensatórios calculados mensalmente de 01/01/2004 a 31/12/2004 liquidados à Recorrente, porque, de acordo com o disposto no nº 2, do artigo 151º do CPEREF, a contagem de todo o tipo de juros cessa na data da sentença da declaração de falência, para salvaguardar o princípio da igualdade dos credores que preside à formulação da citada norma jurídica;

3. Depois, a Recorrente não incumpriu com as suas obrigações fiscais declarativas, quando não entregou o Modelo 22 do IRC referente ao ano de 2004, nem deve à Autoridade Tributária o IRC que lhe foi liquidado por referência aquele ano;

4. A sociedade comercial B…………., Ld.ª foi dissolvida e perdeu a sua personalidade jurídica à data da declaração da sua falência, em 18/01/1991. Esta falência acarretou necessariamente o encerramento da sua escrita, os seus bens foram apreendidos para a Massa Falida e os actos da liquidação da Massa Falida não foram levados à escrita da sociedade comercial B………….., Ld.ª, mas sim aos autos de liquidação, os quais estão apensos ao processo de falência;

5. As contas da liquidação são elaboradas em forma de conta corrente (de acordo com o disposto no nº 2, do art. 223º do CPEREF) e decididas a final pelo Juiz (de acordo com o disposto no nº 2, do art. 222º do CPEREF) e, por esse motivo, a sociedade falida não tem obrigação de manter um sistema contabilístico organizado nos termos do disposto no Código do IRC, por tal ser inútil, para além de ilegal;

6. E, paralelamente, não pode a Autoridade Tributária efectuar qualquer fiscalização às ditas contas, designadamente por elas serem sindicadas e decididas por um Juiz. Assim, a Autoridade Tributária só podia ter fiscalizado as contas anteriores a 18/01/1991, pelo que a acção inspectiva levada a cabo, em 2008, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa é ilegítima e ilegal;

7. Acresce que essa acção inspectiva foi justificada pela alegada falta da entrega do Modelo 22 do IRC referente a 2004. Todavia, a Recorrente não tem obrigação legal de apresentar declarações de rendimento em relação aos anos fiscais posteriores ao da sua declaração de falência. Assim o impõe a ratio legis do CPEREF, que regula todo o processo de falência e que, como norma especial que é, impera sobre as demais regras gerais expressas no CIRC, mormente sobre a dos artigos 65º e seguintes, que não lhe são aplicáveis;

8. O processo falimentar não está vocacionado para a observância do prazo de três anos aludido no nº 4 do artigo 65º. Esse prazo está, óbvia e naturalmente, conexionado com o nº 1 do artigo 150º do CSC;

9. Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 180º do CPEREF, embora se determine que a liquidação deve estar concluída no prazo de seis meses, também se admite que esse prazo possa ser prorrogado pelo tempo necessário;

10. Atente-se, neste conspecto, que no CPEREF impera a regra do rateio final, o que significa que o processo de falência tende a apresentar na fase de liquidação, sobretudo, acréscimos patrimoniais, que não são temperados por pagamentos por conta, gerando resultados provisórios verdadeiramente distorcidos no que tange à regra da anualidade do imposto. Para além do mais, não se pode ignorar, por ser consabido, que a maior parte das falências acolhem diversos litígios com tempos processuais autónomos que se furtam à gestão temporal do liquidatário e podem mesmo retardar a liquidação;

11. Este entendimento de que as Massas Falidas não têm obrigação legal de entregar as declarações de rendimentos modelo 22 do IRC fez eco na nossa jurisprudência e foi objecto de uma lei interpretativa, aquando da aprovação do CIRE, pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março;

12. O nº 3 do artigo 65º do CIRE veio decidir uma questão de direito cuja solução era incerta no domínio da lei antiga e consagra uma solução que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da lei anterior e que efectivamente chegou nalgumas das suas decisões, sendo que a norma nova não tem sequer de consagrar uma corrente jurisprudencial ou doutrinariamente prevalecente para ser considerada como lei interpretativa;

13. Atento o referido, o nº 3 do artigo 65º do CIRE cumpre todos os requisitos exigíveis para que possa ser considerada uma lei interpretativa, que verdadeiramente é. E, assim sendo, para efeitos da sua aplicação integra-se na lei interpretada do artigo 65º do CIRC, nos termos do disposto no artigo 13º do Código Civil;

14. Não há, portanto, qualquer justificação legal para a acção inspectiva e consequentes correcções realizadas pelos Serviços de Inspecção em causa nos presentes autos, as quais são inválidas e, como tal, insusceptíveis de produzir quaisquer efeitos na esfera jurídica da Massa Falida

15. Mas quando assim se não entenda, o que só por mera hipótese se concebe e concede, sempre se dirá que no exercício de 2004, objecto da acção de inspecção, já não estaria, nem poderia estar, em causa a determinação da matéria colectável da sociedade comercial B……………, Ld.ª;

16. E a entender-se que as Massas Falidas são susceptíveis de gerar rendimentos enquadráveis em sede de IRC, o que só por mera hipótese se admite, a sua matéria colectável sempre se fixaria nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 15º do CIRC;

17. A demonstração de liquidação de IRC de 2004 da Recorrente provém única e exclusivamente da venda de artigos matriciais da Massa Falida que pertenceram à sociedade comercial B……………., Ld.ª, mas foram posteriormente apreendidos, nos autos de falência, para a Massa Falida (alínea c) do nº 1 do artigo 128º do CPEREF) e vendidos por mandado do Meritíssimo Juiz dos autos de liquidação do activo, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos no processo de falência.

18. Não é, portanto, verdade que a venda de imóveis realizada pela Massa Falida em 2004 corresponde à venda do activo imobilizado da sociedade B………….., Ld.ª, designadamente porque a partir da data da declaração de falência não há mais activo imobilizado como tal, uma vez que o mesmo, por definição, compreende o conjunto de bens e direitos que a sociedade comercial afecta à sua actividade e, assim, à prossecução do seu objecto social.

19. Ora, a declaração de falência de uma sociedade comercial determina, para além da sua dissolução e consentânea perda de personalidade jurídica, a cessação da prossecução do seu objecto social e, por consequência, a obtenção de rendimentos, que, de acordo com o disposto nos artigos 1º e 3º do CIRC, são a base de tributação do IRC;

20. Ficou provado nos autos de impugnação que a sociedade B…………, Ld.ª não prosseguiu a sua actividade após a declaração da sua falência e comunicou essa cessão da sua actividade na 3ª Repartição de Finanças do Concelho de Sintra – Cacém em 06/01/1991;

21. Assim, o rendimento líquido obtido com a venda dos bens da Massa Falida não é susceptível de integrar o conceito de rendimento global subjacente à tributação das mais-valias, previsto no artigo 43º do CIRC;

22. Os Serviços de Inspecção ficcionaram um rendimento global que verdadeiramente nunca existiu para fixarem a matéria colectável e não deduziram, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 48º do CIRC, os prejuízos fiscais anteriores à data da falência e com referência a todo o período de liquidação, nem os prejuízos inerentes à situação claramente deficitária da sociedade B…………., Ld.ª, o que é claramente inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 103º nº 3 e 104º nº 4º da CRP;

23. Assim, a Autoridade Tributária quando fixou a matéria colectável à ora Recorrente referente ao ano de 2004 violou, entre outras, as normas constantes dos artigos 15º, nº 1 alínea b), 20º, 23º, 43º, 48º e 65º do CIRC, nos artigos 9º, nº 1 alínea a) e 10º, nº 1 alínea a) do CIRS, no artigo 1º do CPEREF e nos artigos 103º, nº 3 e 104º, nº 4 da CRP, que a impediram de determinar com exactidão e rigor a matéria colectável da Recorrente e a subsequente liquidação de IRC, que, nos termos das normas invocadas, deveria ter sido fixada em zero euros, por não incidir IRC sobre o rendimento líquido obtido pela Recorrente no exercício de 2004 com a venda dos imóveis identificados no Relatório de Inspecção Tributária e não se ter verificado a existência de qualquer outro rendimento susceptível de integrar o rendimento global subjacente à determinação da matéria tributável, nos termos do disposto no artigo 48º do CIRC.


Nestes termos, nos mais de direito aplicáveis e nos do sempre mui douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a douta sentença recorrida por outra que anule as liquidações de IRC e de juros compensatórios impugnadas.


O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença.

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A. Os serviços de Inspeção Tributária E.A.P. III, da Direção de Finanças de Lisboa, notificaram a entidade B……………, Lda.,” pelos ofícios nº 02438 de 11.01.2007 e nº 016429 de 26.02.2007 na pessoa do Liquidatário Judicial Sr. C…………, para procederem à entrega da declaração periódica de rendimentos e da declaração anual de informação contabilística referente ao ano de 2004;(cf fls., 29 a 33 e 94 a 100 aos autos)

B. Pela ordem de serviço nº OI200805095 de 13.10.2008, a sociedade “B…………., Lda.”, NIPC …………, foi sujeita a uma ação de inspeção, levada a efeito, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, donde resultou a matéria tributável, fixada por utilização de métodos indiretos, no montante de €377.320,97; (cf doc. 1 junto aos autos)

C. Da ação externa de inspeção tributária foi elaborado um relatório de cujas conclusões resulta provado que:
« (...)
B. Motivo. Âmbito e Incidência Temporal
Da análise efectuada aos dados disponíveis neste serviço constatou-se que a sociedade não entregou a Declaração de Rendimentos Modelo 22, referente ao exercício de 2004, apesar de ter procedido à alienação de vários imóveis no ano de 2004, da qual resultaram proveitos tributáveis em IRC do sujeito passivo identificado em epigrafe e incide sobre o exercício de 2004.
(…)
C4 — Regime de Tributação
Conforme já exposto o sujeito passivo, não entregou a declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2004, verificando-se também que não entregou a declaração referente ao exercício de 2003.
Assim sendo, e não tendo o sujeito passivo exercido a opção pela determinação do lucro tributável de acordo com o regime geral, encontra-se enquadrado do regime simplificado de determinação do lucro tributável, conforme determina o artigo 53° do Código do IRC. (cf. fls 19 dos autos)

D. Resulta ainda provado, das conclusões do relatório inspetivo, que a inspeção tributária utilizou, nas correções efetuadas, a aplicação de métodos indiretos pelos seguintes factos:
«(…)
1 — Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
Venda de Imóveis
A análise efectuada aos elementos e valores conhecidos neste serviço, nomeadamente as inscrições constantes na Modelo 11, verificou-se que o sujeito passivo procedeu a venda de diversos imóveis no exercício de 2004, não tendo contudo relevado os proveitos obtidos, dado que conforme exposto no ponto anterior, não entregou a respectiva Declaração de Rendimentos Modelo 22.
Conforme se verifica pelas escrituras constantes do anexo 3, o sujeito passivo no exercício de 2004 procedeu a venda dos seguintes imóveis:

A escritura não apresenta valores individuais, mas somente o valor total. Para apuramento da mais-valia obtida com a venda dos imóveis acima identificados, e de forma a identificação do valor de aquisição dos imóveis foi solicitado ao liquidatário judicial os elementos contabilísticos, tendo este informado através de declaração constante do anexo 4, de que não dispõe de quaisquer elementos contabilísticos dado que os mesmos não foram localizados.
Assim sendo, encontram-se reunidas as condições para o apuramento da matéria tributável através de avaliação indirecta, nos termos da alínea b) do art° 87° da Lei Geral Tributária conjugado com a alínea a) do art° 88° do mesmo normativo, uma vez que não é possível à Administração Fiscal, a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, face à não exibição dos elementos contabilísticos. (cf. fls 22 dos autos)

E. Do relatório em causa, constam os critérios e cálculos das correções efetuadas;
1 - Apuramento da Mais-valia
Através de diligências feitas no Serviço de Finanças de Sintra - 3 (Cacém), nomeadamente nos averbamentos efectuados nas matrizes prediais, e elementos em arquivo no processo do artigo 124° do Código da Contribuição Predial, verificou-se que os imóveis inscritos sob os actuais artigos urbanos da freguesia de ……….. n°s ……., ………, ……… e ………… foram construídos pelo sujeito passivo, não existindo elementos sobre os artigos urbano inscrito na freguesia de ……… sob o n° 8 e artigo rústico da freguesia de ………….. inscrito sob o artigo 1 secção K.
Não sendo possível determinar o valor de aquisição dos imóveis, através dos elementos contabilísticos, serão considerados como valor de aquisição dos mesmos o valer matricial inicial dos imóveis.
O recurso a este valor justifica-se com base no art.º 46, n° 3 do Código do IMT que relativamente a este Imposto determina que o cálculo incidirá sobre o valor constante do acto ou contrato ou sobre o valor patrimonial. Norma esta vigente também no Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações no seu art 19 n°2.
Desconhecendo-se no caso em apreço o valor de aquisição dos imóveis considera-se o valor patrimonial inicial constante da matriz (vide anexo 5)
Conforme se verifica pela escritura constante do anexo 3, a venda foi efectuada pelo valor total não identificando Imóvel a imóvel o seu valor, pelo que o apuramento da mais valia será também efectuado em termos globais.

Tributação dos Rendimentos Auferidos
Conforme ia referido na alínea C4 do Ponto II o sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime simplificado pelo que não sendo do conhecimento da Administração Fiscal quaisquer outros rendimentos a determinação do rendimento tributável será efectuado com base nos proveitos auferidos pela venda de imóveis e nos termos do artº 53 do Código do IRC - Regime Simplificado de Tributação. Aplicando o coeficiente de 0,45 prevista no n° 4 do referido artigo ao valor da mais-valia obtida apurou-se o valor do lucro tributável do exercício de 2004. (cf. doc. 2 junto com a pi)

F. A sociedade, através do Administrador da Falência, A……………, exerceu o direito de audição prévia no âmbito da resposta às correções efetuadas pela inspeção tributária, não tendo no entendimento desta, resultado factos suscetíveis de alterar as correções efetuadas; (cf. fls. 56 a 63 dos autos)

G. Em 09.03.2007 o Liquidatário Judicial deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa de um documento com o seguinte teor:
C…………., notificado na qualidade de Liquidatário Judicial da B……………, Ld.ª, para proceder à entrega de declaração periódica de rendimentos e da declaração anual de informação contabilística e fiscal da Falida relativamente ao exercício de 2004, vem informar o seguinte:
A B………….., Ld.ª foi declarada falida por sentença de 18-1-91 proferida no proc.º N°.926/90 do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Sintra
(ex. 2ª Secção do 3° Juízo);
b) A Falida cessou imediatamente qualquer actividade conforme comunicado à 3ª Repartição de Finanças do Concelho de Sintra - Cacém em 6-1-91 (docs. n°s. 1 e 2);
c) Essa declaração de cessação de actividade não mereceu até hoje qualquer reserva por parte da Administração Fiscal e correspondia à prática então seguida em matéria de falências;
d) Assim, os documentos cuja entrega é pedida não existem por a sociedade não ter actividade;
e) O signatário por Douto Despacho de 21 Novembro 2005 e em atenção à sua avançada idade e situação de saúde deixou de exercer funções de Liquidatário Judicial da referida sociedade.
Com os melhores cumprimentos,
De V. Exas.
Respeitosamente». (cf. fls. 42 dos autos)

H. Por escritura pública, lavrada em 18.08.2004, C………….. na qualidade de Administrador da “Massa Falida B……………… Lda.”, como primeiro outorgante, vende a D…………… na qualidade de sócio gerente da sociedade “E…………., Lda.”, como segundo outorgante, por UM MILHÃO QUINHENTOS E SETENTA E QUATRO MIL SEISCENTOS E TRÊS EUROS E QUARENTA E NOVE CÊNTIMOS, o prédio misto, composto por um edifício destinado a indústria de curtumes e anexo com uma divisão e logradouro; edifício destinado a armazém com uma divisão, designado por “pavilhão um”; edifício destinado a armazém com uma divisão, designado por “pavilhão dois”; edifício destinado a armazém com uma divisão, designado por “pavilhão três” e edifício de cave, rés do chão direito e esquerdo e sótão e três anexos e terreno de mato, sito na Estrada ……….., N° ….., ………, ……., freguesia de …….., concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia de ……. respetivamente nos artigos 8, 166, 167, 168 e 322 que correspondem aos anteriores artigos 1368/4045, 4046. 4047, e 5958 da freguesia …………… no artigo 1 Secção K, com o valor patrimonial de 1.934,496.47 Euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o número duzentos e vinte e seis/…………. com inscrição F-Cinco da apreensão em processo de falência; (cf. fls.43 a 46 e 101 a 103 dos autos)

I. A………….., na qualidade de Administrador da Falência de B………….. Lda., deu entrada da Direção de Finanças de Lisboa de uma declaração com o seguinte teor:
«(…)

O signatário na qualidade, de Administrador da Falência de B………….., Ld.ª, NIF ……….., tendo-lhe sido solicitado pela Administração Fiscal, a indicação dos valores de aquisição/construção do imóvel constituído pelos artºs. Matriciais Urbanos da actual Freguesia de ……….. — 8, 166, 167, 168 e 322 — e Rústico da Freguesia de ………… -1 K -, vem declarar não lhe ser possível
(…)». (cf. fls. 47 dos autos)

J. O Gestor e Liquidatário, não concordando com as correções efetuadas, deu entrada no Serviço de Inspeção tributária de pedido de Revisão da Matéria Tributaria, que depois de apreciado pelo Diretor de Finanças de Lisboa, mereceu a decisão de manutenção do valor fixado da matéria tributável em € 377.320,97, notificado através do ofício nº 033312 de 27.04.2009; (cf. fls. 77 a 91 dos autos)

K. Da fixação da matéria tributável resultou a liquidação de IRC nº 2009 8310013112 de 29.04.2009 para o ano 2004, no montante de €95.546,34; (cf. fls. 92 dos autos)


Em causa nos presentes autos está a questão de saber se pode a Administração Tributária proceder à determinação da matéria tributável, por métodos indirectos, em sede de IRC, para o exercício de 2004 de uma empresa declarada falida em 1991, que cessou imediatamente a sua actividade, facto comunicado à 3ª Repartição de Finanças do Concelho de Sintra - Cacém em 6-1-91, com base nos proveitos auferidos pela venda de imóveis levada a cabo pelo gestor e liquidatário da falência.
Deixando de parte a amplitude da obrigatoriedade por parte do liquidatário de apresentar declarações periódicas de IRC que o Supremo Tribunal Administrativo vem afirmando manter-se, com as necessárias adaptações, ou sequer se o art.º 65.º do CIRE, tem a natureza de norma interpretativa e se dela decorre a não obrigatoriedade de apresentação de tais declarações periódicas, podemos cingir o objecto do recurso a definir se, a venda dos bens imóveis que integram a massa insolvente para pagar os credores do insolvente são passíveis de gerar mais-valias tributáveis em sede de IRC, por a matéria tributável apurada se cingir a tal tipo de rendimentos.
A matéria não é nova e foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo num sentido que não encontramos razão para divergir, pese embora o terreno movediço das obrigações tributárias da massa falida/insolvente, no acórdão proferido no proc. n.º 01079/03, em 29-10-2003, acessível em www.dgsi.pt que, passamos a transcrever na parte mais significativa para a resolução do presente litígio: «Ora, como acima se referiu, a venda em causa teve lugar nos autos de liquidação do activo da empresa, uma vez decretada a respectiva falência. Pelo que, em rigor, se não trata da venda de bens do seu activo imobilizado. Trata-se, antes, da venda de bens da referida massa em ordem, nomeadamente e sobretudo, à satisfação dos credores, em concurso universal.
Assim, a venda de bens da ..., não se integra no disposto no artº 43º do CIRC.
Aliás, ainda por um outro caminho - afinal o seguido na sentença - se chega à mesma solução.
É que - a haver lugar a tributação - não podiam deixar de deduzir-se os prejuízos fiscais anteriores à data da dissolução e com referência a todo o período de liquidação - cfr, aliás, o artº 65º do CIRC - da ....
Como ali se refere, "a declaração de falência pressupõe uma situação claramente deficitária e que esta seja economicamente inviável" - artº 1º do CPEREF – “só através de uma ficção jurídica se poderia considerar lucro tributável o produto da alienação de património afectado ao pagamento de dívidas que já não consegue cobrir.”
Por outro lado, admitir a tributação sem lucros, reais ou presumidos, seria claramente inconstitucional - artº 103º nº 3 e 104º nº 4º da Constituição da República.
Ora, "a liquidação impugnada não levou em conta os prejuízos existentes à data da declaração de falência ... nem lhes faz qualquer referência".
E, ainda que tal tivesse acontecido, como pretende a recorrente, "por inacessibilidade dos elementos de escrita" - cfr. conclusão V - ou por serem os prejuízos desconhecidos - cfr. conclusão VII - , isso não invalida o exposto.
Não pode haver tributação de rendimentos ficcionados, sem consideração dos respectivos prejuízos, sob pena de inconstitucionalidade, nos referidos termos.
Aliás e fundamentalmente, a Administração Fiscal efectuou a liquidação em termos muito próximos do revogado CIMV.
Ou seja, considerou as mais-valias e os custos da venda (menos-valias!) de modo totalmente desintegrado do rendimento global.
Como é sabido, aquele diploma legal consagrava uma tributação autónoma em relação à Cont. Industrial - cfr. seu artº 1º e artº 25º do CCI.
Mas não assim no CIRC e no CIRS.
Aí, adoptou-se, para efeitos fiscais, uma noção mais ampla de rendimento - o chamado rendimento acréscimo, - que não o rendimento produto - que "abrange "não só os ganhos resultantes da actividade produtora, como outros ganhos alheios a ela" e, por conseguinte, também as mais-valias realizadas". Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª edição, citada na sentença.
Ora, o ac. do STA, de 12-10-94, in BMJ 440 pag 203, ao decidir que, apesar de declarada a falência de uma sociedade comercial, os ganhos resultantes nas alienações do respectivo activo imobilizado, obtidos no domínio do CIMV, são imputáveis à sociedade, ficando, por isso, sujeitos ao respectivo imposto, insere-se naquele conceito de rendimento vigente naqueles diplomas mas agora abandonado nos novos impostos sobre o rendimento.
Como se disse, a tributação das mais-valias assim obtidas deixou de ser autónoma para se integrar no rendimento global da empresa, onde terão de ser considerados tanto os proveitos como os custos ou perdas - artºs 20º e 23º do CIRC.».
Com base na falta de apresentação de declaração de rendimentos e impossibilidade de comprovação e quantificação directa do lucro tributável, poderia a Administração Tributária proceder à determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, se, tendo em conta a sua declaração de falência e a sua declaração de que cessou a sua actividade comercial em 1991, e apenas relativamente às condições que subsistam de sujeição ao IRC, para além das que derivam do exercício de uma actividade económica, como sejam os negócios jurídicos que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência, ou por terem resultado da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência, ou, até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.
O acto de liquidação impugnado enferma, pois de ilegalidade a impor a sua anulação.
A sentença recorrida procedeu a um enquadramento jurídico errado da relação material controvertida, impondo-se a sua revogação com fundamento no analisado erro de direito.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto de liquidação impugnado.

Sem custas.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 3 de Novembro de 2016. – Ana Paula Lobo (relatora) - Casimiro Gonçalves - Ascensão Lopes.