Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01975/09.0BELRS
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRC
REEMBOLSO
IMPOSTO
RETENÇÃO NA FONTE
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - A restituição do imposto que seja devida a coberto do pedido de reembolso formulado ao abrigo do disposto no artigo do artigo 89.º, n.º 2, do CIRC na redação do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3/7 deve ser efetuada até ao fim do 3.º mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e dos requisitos legalmente exigidos;
II - Em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios calculados desde a data a que alude o número anterior – n.º 3 do mesmo dispositivo legal.
Nº Convencional:JSTA000P28767
Nº do Documento:SA22022011201975/09
Data de Entrada:01/26/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………… AKTIENGESELLSCHAFT
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. O Representante da Fazenda Pública recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação da decisão de indeferimento do pedido de juros indemnizatórios apresentado em 23 de abril de 2008 por A………… AKTIENGESELLSCHAFT, sociedade de direito alemão com sede em ………, ……, 67056 Ludwigshafen, na Alemanha, sem estabelecimento estável em Portugal, com o número de identificação fiscal ……… e, em consequência, condenou a Administração Tributária a pagar-lhe, a este título, o montante de € 8.102,97.

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(...)

I - A douta sentença recorrida julgou a impugnação procedente, determinando pela anulação da decisão administrativa de indeferimento do pedido de pagamento de juros indemnizatórios e consequente condenação da AT ao respetivo pagamento, no montante de pelo período temporal ali melhor referidos.

II - Porém, ressalvada a devida vénia e o respeito por opinião contrária, dissente esta RFP da decisão assim tomada, posto que, desde logo, se entende que não se verificam in casu nenhuma das condições previstas na alínea a) do n.º 3 do art.º 43º da LGT para a aplicação desta norma.

III - Com efeito, na data em que foi efetuado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, não havia qualquer norma que estipulasse prazo para o respetivo reembolso, nem se estava perante uma situação e reembolso oficioso do imposto por parte da AT, mas antes de um reembolso de imposto a pedido do contribuinte.

IV - E também não tem aqui aplicação o disposto no art.º 100º da LGT, por a situação dos autos não se subsumir na respetiva previsão, posto que esta norma se refere às situações de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, factos que não se verificam no caso concreto.

V - Para além disso, entende-se que o disposto no nº 8 do art.º 90º-A do CIRC não tem aplicação no caso concreto, por força da aplicação das normas que regulam a sucessão das normas no tempo.

VI - Neste conspecto, decorre do disposto no art.º 12º da LGT e do art.º 12º do Código Civil, que a lei nova só rege para o futuro, não sendo assim aplicável a factos ou situações ocorridas no passado, pelo que o disposto no nº 8 do art.º 90-A do CIRC, apenas se deve aplicar aos pedidos de reembolso deduzidos após a data da sua entrada em vigor e não aos pedidos pendentes de decisão na mesma data, como é o caso, posto que a aceitar-se semelhante tese, tal consubstanciaria uma aplicação retroativa da norma em questão.

VII - Deste modo, ainda que se trate de norma que imponha um regime legal mais favorável ao contribuinte, este apenas será de aplicação retroativa nos casos em que a lei expressamente o estabelecer, posto que, caso assim não suceda, haverá que aplicar a regra geral em matéria de aplicação da lei no tempo, prevista no artigo 12º da LGT, a qual postula que a lei nova só rege para o futuro, mantendo-se, assim, o regime vigente até à referida data para os pedidos apresentados antes da entrada em vigor da lei nova.

VIII - Decidindo em sentido diverso, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, tendo sido violados, entre outros, o disposto nos art.ºs 12º e 43º da LGT e o art.º 90º-A do CIRC.

Pediu fosse concedido provimento ao recurso, fosse revogada a decisão recorrida e fosse a mesma substituída por acórdão que julgasse a impugnação totalmente improcedente, com as legais e devidas consequências.

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

1.ª- As conclusões do recurso definem o seu objecto, nos termos do disposto no n° 4 do art° 635° do CPC, sendo certo que nos termos conjugados do disposto nos artigos 16°, 280° do CPPT, art° 26° al. b) e art° 38° aI. a) do ETAF, a competência do TCA do Sul está restrita aos casos em que as questões controvertidas envolvem matéria de facto e de direito.

2.ª- No caso em apreço, e das conclusões apresentadas pela AT não se identifica uma única questão de facto controvertida, limitando-se a AT a esgrimir a inaplicabilidade de determinadas normas jurídicas, o que necessariamente levará a concluir que sendo o Tribunal ad quem chamado a uma actividade exclusiva de aplicação e interpretação de normas jurídicas, então o TCA do Sul não é competente em razão da hierarquia, logo o recurso deverá ser liminarmente indeferido por violação das disposições indicadas na 1a conclusão, o que expressamente se requer.

3.ª- A actuação do representante da AT traduz-se em atraso e delonga no andamento dos presentes autos, que tiveram o seu início em 2009 e se reportam a 2008, ou seja, há mais de 10 anos que a AT vem protelando de forma consciente o pagamento dos valores que são devidos à ora Recorrida.

4.ª- A actuação da AT é feita de forma consciente das consequências que decorrem de uma incorrecta interposição do recurso, visando claramente manter e protelar os efeitos de uma decisão que lhe é desfavorável. Tal conduta deverá ser objecto de uma apreciação em sede de litigância de má-fé, pelo tribunal de recurso.

5.ª- De facto, não é crível que um representante da Fazenda Pública (necessariamente especializado nestas matérias, e que nada mais tratará do que este ramo do direito) desconheça as normas acima indicadas, pelo que a interposição do recurso nos termos em que é apresentado é feita de forma consciente, que ultrapassa em muito a zona da negligência grosseira.

É de modo consciente, depois de reflexão, prévia, de uma escolha, de uma opção consciente que se endereça o recurso ao TCA do Sul e não ao STA.

Independentemente do desfecho final do presente Recurso, há um resultado que a AT - perspectivou e conscientemente já obteve -: no pior cenário em que o Estado venha a ser condenado a pagar juros, este pagamento ocorrerá o mais tarde possível. E esse resultado já está garantido, apesar de inadmissível.

6.ª- Quanto à questão de fundo: no caso em apreço verificam-se as condições e requisitos previstos no art° 43° da LGT. A Recorrida tem direito a receber juros indemnizatórios, não basta a AT negar, sem fundamentar o porquê, para que possa defender que não são devidos juros.

7.ª- A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios resulta dos art° 43° da LGT, e art° 61° do CPPT. Tais disposições não se aplicam nem se destinam apenas a situações de legalidade da liquidação de imposto, mas também a situações de excesso de imposto liquidado. Não distinguem as situações de impostos legal, ou ilegalmente liquidados.

8.ª- O legislador quis abranger todas as situações de pagamentos indevidos independentemente da origem e do que está na sua base.

9.ª- Tal obrigação resulta do art° 22° da Constituição da República Portuguesa que estabelece o princípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados às pessoas, por acções ou omissões, praticados no exercício das suas funções e por causa desse exercício. O direito à indemnização é prévio à sua concretização nas leis tributárias (como refere Jorge Lopes de Sousa).

10.ª- Assim, a única interpretação compatível com a CRP pressupõe que os casos previstos no art°43°, 100° da LGT e 61° do CPPT, são meramente exemplificativos, não constituindo sequer uma designação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados.

11.ª- No caso em apreço, a Recorrida apresentou em 18.04.2005 um pedido de reembolso de IRC retido. À data dos factos -18.04.2005 - o CIRC não previa norma expressa quanto ao prazo para a AT proceder ao reembolso, no entanto, nessa data, já o n° 1, do art° 57° da LGT fixava um prazo genérico de 6 meses para a conclusão dos procedimentos tributários em geral, nos quais, necessariamente se terá que incluir o procedimento do reembolso de imposto.

12.ª- À data em que o n° 6, do art° 90ª A do CIRC entrou em vigor já a AT se encontrava em incumprimento do prazo para proceder ao reembolso que estava legalmente obrigada.

13.ª- Apenas o atrevimento e a impunidade podem explicar as afirmações do representante da AT que vem pugnar pelo não pagamento de juros indemnizatórios.

14.ª- Aliás, estamos em presença de um mero imperativo de respeito do Estado para com os contribuintes, em que o próprio Estado num acto de auto-benefício já se concede a si próprio um prazo de 6 meses ou 1 ano para decidir e reembolsar (idêntica benesse não é atribuída ao contribuinte). Negar o direito a juros indemnizatórios é o mesmo que pugnar pelo confisco […], numa manifestação medieval do ius imperii.

15.ª- A Administração Tributária tem a obrigação de reembolsar em tempo razoável, no limite no prazo fixado. Não o fazendo, deve pagar juros indemnizatórios, pois tem na sua posse um montante pecuniário que não lhe é devido.

16.ª- Todos os elementos constitutivos do direito a juros encontram-se verificados: houve um pagamento indevido de imposto e é imputável à administração tributária a privação desses meios financeiros, que atrasadamente devolveu ao contribuinte. A AT deve por isso pagar juros indemnizatórios.

17.ª- Afirmar o contrário é violar a Constituição da República, a LGT, o CPPT, mas acima de tudo é violar os princípios mais elementares de justiça e de equilíbrio no relacionamento entre o contribuinte e o Estado, constituindo uma negação frontal das alterações introduzidas pela Constituição da República Portuguesa que colocou o contribuinte numa posição em que passa a ser sujeito de direitos e deveres, em paridade com o credor tributário.

18.ª- A obrigação de pagamento constitui mera concretização do princípio da legalidade, da boa-fé e lealdade para com o contribuinte a que a AT está sujeita. Nada pode justificar a manutenção de valores na posse do Estado que não lhe são devidos. Estamos sempre numa utilização indevida e injustificada, com um inerente e correspectivo prejuízo para o contribuinte.

19.ª- À data dos factos o art° 57° da LGT previa um prazo geral de cumprimento dos procedimentos tributários de 6 meses. Falseia a verdade quem afirma o contrário, de que não havia prazo de reembolso, mera manifestação de prepotência.

20.ª- Mais estranho é aquele que afirma que não havia prazo, e por esse motivo, todo o contribuinte nesta situação, até à entrada em vigor da norma, não teria direito a receber juros indemnizatórios. Na prática, estaríamos perante a possibilidade do Estado manter-se na posse de tais valores para sempre, apenas porque não tinha prazo para devolver...

21.ª- A ora Recorrida entende assim que o Tribunal a quo fez uma aplicação judiciosa do direito ao reconhecer o direito a juros, todavia, já não concorda quanto ao momento a partir do qual se deverá proceder a tal contabilização.

22.ª- Assim a decisão do Tribunal a quo deverá ser corrigida de modo a incluir e calcular o valor de juros desde a data em que terminou o prazo de 1 ano, com início na data em que foi apresentado o pedido de reembolso (18.04.2005), e não apenas com a entrada em vigor do art° 90°A do CIRC no dia 01.01.2006, devendo por isso o objecto do Recurso ser ampliado nesta matéria.

23.ª- A doutrina e a jurisprudência reconhece a aplicação retroactiva de normas fiscais aos contribuintes, quando mais favoráveis aos mesmos, pelo que também por este motivo a contagem do prazo deverá iniciar-se na data de apresentação do pedido. Momento a partir do qual a AT poderia ter sido diligente em decidir, pois, que essa decisão é devida de forma diligente e célere, não porque está estabelecido um direito ao pagamento de juros, mas sim porque é dever da AT fazê-lo.

24.ª- Não se vislumbra o porquê da Administração Fiscal ter um tratamento mais favorável, que no caso seria não ter que pagar juros indemnizatórios ao contribuinte quando, efectivamente, teve na sua posse disponibilidades financeiras que eram indevidas, em especial quando poderia não pagar juros de todo, bastando para tal que fosse diligente na análise e reembolso dos valores.

A AT gozava de prazo claramente generoso, mas não o aproveitou.

25.ª- A decisão que ora é posta em crise declarou o direito a juros, todavia, estabeleceu que a contagem dos mesmos deveria ter o seu início em 01.01.2007, e não em 18.04.2006.

26.ª- Nesta parte, e nos termos do disposto no art° 633° do CPC, a Recorrida interpõe recurso, porquanto entende que, sendo-lhe desfavorável, a decisão não fez a aplicação correcta do direito, uma vez que a contagem deverá ser sempre a partir do dia 18.04.2005.

27.ª- Como já referido, à data dos factos, o art° 57° da LGT já previa um prazo genérico para o cumprimento dos procedimentos tributários de 6 meses. Em rigor a contagem de juros deveria ter o seu início no final desses 6 meses.

28.ª- Em 01.01.2006 iniciou-se a vigência da redacção do n.º 6, do artº 90ºA do CIRC, no que em si se traduziu numa consideração pelo legislador de que o prazo de 6 meses, legalmente estabelecido, não seria suficiente para estas situações, mas sim um prazo mais alargado de 1 ano.

29.ª- Ao fazê-lo, s.m.o., o aplicador do direito não poderá alhear-se do prazo já decorrido, no que seria uma aplicação do direito claramente em desfavor do contribuinte, sem que para tal houvesse algum tipo de justificação, penalizante do contribuinte sem se saber porquê.


Concluiu pugnando pela manutenção da decisão de reconhecer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, mas alterando na parte em que contabiliza os mesmos a partir do dia 01.01.2007 por entender que deveriam ser contabilizados a partir de dia 18.04.2006 e que, consequentemente, os juros indemnizatórios devidos ascendem ao montante total de € 14.042,20.

O Tribunal Central Administrativo Sul julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e julgou competente para tal o Supremo Tribunal Administrativo.


1.1. Remetidos os autos a este tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer, tendo concluído no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

O tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos: «(...)

A) A………… AKTIENGESELLSCHAFT (ou impugnante) é uma sociedade de direito alemão que, desde 8 de Julho de 1948, detém de modo ininterrupto, aproximadamente 70% do capital social da A………… Portuguesa e, nessa qualidade, no ano de 2004, auferiu um montante de lucros de €840.229,72, que foram objecto de retenção na fonte, em sede de IRC, em Portugal.

B) Em 18 de Abril de 2005 a impugnante apresentou, junto da Direcção de Serviços das Relações Internacionais pedido de reembolso do IRC, no montante de €210.055,76, referente ao ano de 2004, retido na fonte pela empresa portuguesa A………… Portuguesa, Lda, relativamente a lucros, no montante global de €1.192.516,20, com fundamento no regime previsto na Directiva nº 90/435/CEE e nº 2 do artº 89º do CIRC;

C) O pedido de reembolso referido no ponto anterior foi deferido;

D) Em 19-12-2007 a impugnante recebeu o cheque de reembolso, nº 2305003889, no montante de €210.055,76;

E) Em 23 de Abril de 2008 a impugnante apresentou um pedido de pagamento de juros indemnizatórios pelo tempo decorrido desde a apresentação de reembolso e a sua efectivação, tendo invocado o nº 6 do artº 90º-A do CIRC e al a) do nº 3 do artº 43º da LGT;

F) Em Janeiro de 2009 a A………… Portuguesa, na qualidade de representante, foi notificada do projecto de decisão de indeferimento, relativo ao pedido identificado em E) e respectiva fundamentação;

G) A impugnante não exerceu o direito de audição;

H) A 22 de Julho de 2009 a impugnante foi notificada do indeferimento do pedido de juros indemnizatórios, com os seguintes fundamentos:

(…)

II – DA ANÁLISE DO PEDIDO

4. O pedido de pagamento de juros indemnizatórios apresentado pelo impugnante fundamenta-se no disposto no nº 8 do artigo 90º-A do CIRC.

5. Esta disposição legal entrou em vigor a 1 de Janeiro último com a entrada em vigor da Lei do Orçamento para 2008 (Lei 67-A/2007, de 31 de Dezembro).

6. Dispõe o referido nº 8 do artigo 90º-A do CIRC que:

O reembolso do excesso do imposto retido na fonte deve ser efectuado de um ano contado da data da apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a reembolsar juros indemnizatórios calculados a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado

7. Esta disposição legal tem a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, correspondendo ao anterior nº 6 do mesmo preceito.

8. Acontece, porém, que esta disposição legal (artigo 90º-A do CIRC), apenas foi introduzida no Código do IRC pelo Decreto-Lei 211/2005, de 7/12, tendo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2006.

9. Anteriormente, os reembolsos eram regulados pelo disposto no artigo 90º do mesmo código, só que não havia a estipulação de qualquer prazo para que os mesmos se processassem.

10. Ora, tratando-se de um pedido de reembolso formulado antes da entrada em vigor do artigo 90º-A do CIRC, não pode ser-lhe aplicada esta norma, uma vez que à mesma não foi dada eficácia retroactiva.

11. Por outro lado, há ainda que levar em linha de conta com o disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 43º da LGT, que dispõe:

São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos”

12. Resulta claro que apenas se vencem juros indemnizatórios no caso de ser ultrapassado o prazo legal de restituição oficiosa de tributos.

13. Ora, no presente caso não se verifica nenhuma das condições de aplicação da presente norma.

14. Em primeiro lugar, conforme o referido supra, à data em que foi formulado o pedido do reembolso do imposto em causa não havia qualquer norma que estipulasse prazo para a sua conclusão.

15. Por outro lado, não estamos perante uma situação de reembolso de imposto oficiosa por parte da Administração Tributária, mas sim de um reembolso de imposto a pedido do contribuinte.

16. Assim sendo, nunca poderia ter aplicabilidade a presente norma da Lei Geral Tributária ao caso em análise.

17. Nestes termos, dever-se-á concluir que não existe qualquer fundamento para o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Administração Tributária ao contribuinte pela demora no reembolso do imposto requerido antes da entrada em vigor do artigo 90º-A do CIRC.



3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a impugnação da decisão que indeferiu o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, condenou a Autoridade Tributária a pagar à ali Impugnante o montante de € 8.102,97.

Com o assim entendido não se conforma a Recorrente Fazenda Pública, por entender que a norma em que se fundamenta a decisão não tem aplicação ao caso e que não existia, à data em que foi apresentado o pedido de reembolso, outra norma que sustentasse a pretensão da Recorrida.

A Recorrente entende que a norma em que se fundamenta a decisão não se aplica ao caso porque esta norma só foi aditada em 1 de janeiro de 2006 (cfr. artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de dezembro) e o pedido de reembolso foi apresentado em 18 de abril de 2005. E porque a lei nova só rege para o futuro, não sendo aplicável a factos ou situações ocorridas no passado.

A Recorrente entende que não existia outra norma que sustentasse a pretensão da Recorrida porque não existia, ao tempo em que o pedido de reembolso foi apresentado, qualquer norma que estipulasse qualquer prazo para a decisão e, por conseguinte, o direito de juros indemnizatórios decorrente do atraso nessa decisão.

A Recorrente tem razão quando alega e conclui (conclusão “V”) que o artigo n.º 6 do artigo 90.º- A (na redação inicial do preceito, a que corresponde o seu n.º 8 na redação ao tempo da decisão administrativa) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante “CIRC”) não se aplica ao caso.

Em primeiro lugar, porque o pedido de reembolso não foi efetuado ao abrigo deste dispositivo legal (nem o podia ter sido, porque o dispositivo só foi aditado posteriormente).

Como resulta do processo administrativo em apenso ao processo físico, o pedido de reembolso foi efetuado a coberto do artigo 89.º, n.º 2, do mesmo Código. E foi ao abrigo deste dispositivo legal que o mesmo pedido foi deferido.

Em segundo lugar, porque o legislador optou por regular especialmente um e outro, quer quanto aos pressupostos, quer quanto ao regime.

Mas a Recorrente não tem razão quando alega e conclui (conclusão “III”) que na data em que foi efetuado o pedido de pagamento não havia norma que estipulasse prazo para o reembolso (e, por conseguinte, o direito a juros indemnizatórios decorrente do incumprimento desse prazo).

Porque o n.º 3 do referido artigo 89.º já previa então que a restituição do imposto fosse efetuada até ao fim do 3.º mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e requisitos legalmente exigidos. E que, em caso de incumprimento desse prazo, acresceriam à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.

Esta norma foi introduzida pelo artigo 6.º a Lei.º 30-G/2000, de 29 de dezembro (ao tempo sob o artigo 75.º-A) já com aquela redação, tendo passado a constar do artigo 89.º aquando da revisão efetuada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho.

Pelo que, relativamente à aplicação desta norma ao caso, não se coloca nenhum problema de retroatividade.

Nesta parte, a questão que fica é, então, a de saber se tendo o pedido de juros indemnizatórios sido efetuado a coberto de normas que não são aplicáveis ao caso, a Administração teria o dever de considerar o pedido à luz da norma aplicável.

A colocação oficiosa desta questão no recurso justifica-se porque, em boa verdade, o tribunal de recurso desconhece porque é que a aplicação desta norma não foi considerada por nenhum dos intervenientes procedimentais ou processuais. Não sendo de excluir que a Administração Tributária tivesse ignorado o seu teor apenas porque a norma não foi invocada no pedido que lhe foi dirigido.

Ora, a esta questão também respondemos afirmativamente.

A Administração Tributária exerce as suas atribuições nos procedimentos tributários tendo em vista a prossecução do interesse público (ver o artigo 55.º da Lei Geral Tributária), pelo que não pode limitar-se a analisar mecanicamente as normas invocadas nem ignorar que, em ultima análise, tais procedimentos são meios de determinação da solução jurídica adequada para cada caso.

Para a prossecução dessas atribuições, a lei comete à Administração Tributária um dever de colaboração com os contribuintes muito extenso e que inclui o dever de esclarecer os contribuintes sobre a prática dos atos necessários ao exercício os seus direitos, sugerindo a correção de erros ou omissões manifestas que se observem – artigo 48.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Assim, a admitir-se que a Administração Tributária não tenha analisado a pretensão da Recorrida apenas por haver um erro manifesto na indicação da norma legal invocada e por entender que a pretensão só poderia ser deferida se fosse apresentada a coberto de outra norma, caberia à Administração promover a correção do requerimento esclarecendo o contribuinte sobre o quadro legal aplicável.

Assim, resultando da informação para que remete a decisão a que alude a alínea c) dos factos provados que o sujeito passivo apresentou em 6 de abril de 2006 todos os documentos solicitados e que a decisão de deferimento teve por base esses documentos, deve concluir-se que o órgão decisor teria até ao fim do terceiro mês subsequente para proferir a decisão e proceder à devolução do imposto (ou seja até 31 de julho subsequente).

Pelo que, subsumindo a factualidade dada como assente à lei aplicável deve concluir-se que a decisão recorrida, na parte em que deu razão à Impugnante, não merece censura e deve ser confirmada, ainda que com diferente fundamentação de direito.

3.2. Dos pontos IV das contra-alegações do recurso e 26.º das respectivas conclusões resulta que a Recorrida interpôs recurso subordinado.

Na verdade, embora a sentença recorrida tenha julgado a impugnação procedente, resulta da segunda parte do decidido que a pretensão da ali Impugnante só procedeu em parte, visto que tinha peticionado a condenação no pagamento de juros indemnizatórios desde 18/04/2006, no montante de € 14.042,20, e a Administração Tributária só foi condenada no pagamento de juros indemnizatórios desde 1/01/2007, no montante de € 8.102,97.

Assim sendo, o recurso subordinado tem cabimento e nada obsta à sua apreciação.

Ora, deve adiantar-se desde já que este recurso merece proceder, em parte.

Na verdade e nos termos da lei aqui considerada aplicável, o sujeito passivo teria direito a juros indemnizatórios desde o fim do 3.º mês do mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições da devolução do imposto.

E, como já acima foi referido, deve considerar-se assente, face ao teor da informação para que remete a decisão a que alude a alínea c) dos factos provados, que esses elementos foram apresentados em 6 de abril de 2006.

Pelo que a restituição deveria ter sido efetuada até 31 de julho subsequente.

Sendo devidos juros indemnizatórios desde então.

3.3. No ponto V das contra-alegações do recurso e nas cinco primeiras conclusões a Recorrida pede a condenação da Fazenda Pública como litigante de má-fé, sugerindo o uso anormal do processo para protelar o pagamento dos valores que lhe são devidos.

Ora, não há nenhuns elementos nos autos que permitam ao tribunal de recurso concluir que a Fazenda Pública utilizou esta fase do processo para conseguir um fim proibido por lei.

Por outro lado, a Recorrida faz assentar o seu juízo sobre o comportamento processual da parte contrária na evidência da sua razão, chegando a opinar que não é crível que a Recorrente desconheça certas normas.

Ora, o tribunal pode fazer derivar a condenação da litigância de má-fé apenas no facto de a parte ter tomado posições jurídicas temerárias no processo. E nem foi esse o caso, até porque o tribunal de recurso deu razão à Fazenda Pública na parte em que defendia que as normas invocadas pela parte contrária não eram aplicáveis.

De resto, o problema nunca esteve em saber se a Fazenda Pública atuou no quadro do seu dever de boa-fé processual, mas se o comportamento da Administração Tributária no procedimento ficou aquém do que lhe era exigido pelas regras da boa-fé ali aplicáveis. Questão de que não importa aqui conhecer (nem haveria elemento suficientes para tal), porque o comportamento da Administração Tributária no procedimento administrativo não releva para efeitos de determinação da boa fé no processo judicial.

Pelo que não existe fundamento para condenar a Recorrente como litigante de má fé.



4. Conclusões


4.1. A restituição do imposto que seja devida a coberto do pedido de reembolso formulado ao abrigo do disposto no artigo do artigo 89.º, n.º 2, do CIRC na redação do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3/7 deve ser efetuada até ao fim do 3.º mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e dos requisitos legalmente exigidos;


4.2. Em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios calculados desde a data a que alude o número anterior – n.º 3 do mesmo dispositivo legal.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em:
a) negar provimento ao recurso da Fazenda Pública;
b) conhecer do recurso subordinado, dando-lhe parcial provimento e condenando a Administração Tributária a pagar à Impugnante juros indemnizatórios calculados desde 1 de agosto de 2006.

Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 12 de janeiro de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.