Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0278/06.6BEPNF-A
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso, salvo quanto à alegada nulidade por excesso de pronúncia, para reapreciação de decisão do TCA sobre a (i)legitimadade do exequente pagador dos juros liquidados, pois que embora a decisão sob recurso não seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, deve ser reapreciada pelo órgão de cúpula da jurisdição atendendo aos novos argumentos esgrimidos pela recorrente, atento a que se trata de questão de relevância jurídica e social fundamental, pois que contende com o próprio direito de acção e a decisão a proferir pode servir de paradigma para futuros casos.
Nº Convencional:JSTA000P30708
Nº do Documento:SA2202303080278/06
Data de Entrada:12/07/2022
Recorrente:ÁGUAS DE GAIA, EM, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 278/06.6BEPNF-A

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório –

1 – ÁGUAS DE GAIA, EM, S.A., com os sinais dos autos, vem ao abrigo do disposto no artigo 150.º.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30 de junho de 2022, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, por ilegitimidade da exequente, absolveu da instância a recorrida na execução de julgado instaurada pela ora recorrente, porquanto esta não foi parte no processo de impugnação das liquidações oficiosas.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, notificada à Recorrente em 04.07.2022, que negou provimento ao recurso e, em consequência, manteve a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que absolveu da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto à execução contra esta movida, com fundamento na falta de legitimidade da Recorrente.

II. Não pode a Recorrente conformar-se com a decisão recorrida, na medida em que aquela, para além de padecer de uma nulidade flagrante, mantém o manifesto erro de julgamento de Direito perfilhado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

III. Entende a Recorrente que a decisão a quo incorre em excesso de pronúncia, o que acarreta a nulidade do Acórdão, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º conjugado com a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, ambos do CPC aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA e alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

IV. Isto porque assumiu o Tribunal a quo que deveria considerar como “não escrita” o facto vertido na alínea “F” na parte em que refere a Recorrente como “sub-rogada”, por entender que tal configura uma qualificação jurídica, olvidando, contudo, que no Recurso interposto pela Recorrente não havia sido suscitada a existência de qualquer erro de julgamento na matéria de facto e, nessa medida, o Tribunal recorrido extrapolou na tarefa que se lhe impunha, incorrendo em excesso de pronúncia.

V. Face a tudo quanto se expôs, resulta por demais evidente que, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC o Acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia – nulidade que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

VI. Consciente de que o Recurso de Revista no contencioso administrativo não foi consagrado com a intenção de configurar um triplo grau de recurso jurisdicional e atenta a excecionalidade da modalidade de recurso em questão, entende a Recorrente que a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo se afigura fulcral e perentória para garantir, in casu, a melhor aplicação do direito, bem assim, que o mesmo reveste importância fundamental pela sua relevância jurídica e social – veja-se, para o efeito, o disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

VII. No caso sub judice, a necessidade de uma melhor aplicação do direito surge, desde logo, patente na manifesta contradição entre diversas decisões proferidas pelos Tribunais Administrativos e Centrais Administrativos e o Acórdão recorrido.

VIII. A Recorrente, enquanto empresa municipal, vê.se forçada a celebrar, recorrentemente, contratos de empreitada com vista a assegurar a manutenção da rede de abastecimento de água.

IX. Tendo por base aquele que havia sido o entendimento da Autoridade Tributária sobre a tributação daquelas empreitadas – o qual já se encontra amplamente demonstrado que padecia de diversas fragilidades que sustentavam as anulações das liquidações oficiosas –, os empreiteiros eram confrontados, reiteradamente, com atos de liquidações oficiosas, pelo que, não obstante entender que tais atos eram manifestamente ilegais, a Recorrente apresentava pedidos de sub-rogação junto da Autoridade Tributária, de modo a liquidar a alegada dívida e evitar o aumento desmedido de eventuais juros.

X. Desta feita, correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o processo n.º 953/06.5BEPRT-A, em que a Autoridade Tributária suscitou a exceção de ilegitimidade ativa da Recorrente para figurar como Exequente naqueles autos, tendo aquele Tribunal julgado pela improcedência da referida exceção dilatória.

XI. No mesmo sentido, o próprio Tribunal a quo já analisou, no âmbito do processo n.º 230/06.1BEPNF-A, um caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, não tendo concluído pela ilegitimidade da Recorrente.

XII. Neste sentido, a intervenção da mais Alta Instância afere-se, precisamente, pela circunstância da mesma causa ter conduzido a duas interpretações manifestamente contraditórias, razão pela qual se impõe que este Douto Tribunal emita uma pronúncia definitiva sobre o caso sub judice.

XIII. Do mesmo modo, no caso em concreto, é clara a necessidade de uma melhor aplicação do direito, uma vez que o acórdão recorrido é manifestamente ilegal, na medida em que – conforme se demonstrará infra – o Tribunal a quo errou na interpretação que empreendeu ao n.º 2 do artigo 41.º da LGT ao considerar que o sub-rogado, nessa qualidade, não tem legitimidade para, em sede judicial, requerer a execução do julgado, fazendo tábua rasa do n.º 1 do artigo 175.º do CPTA e do princípio da tutela jurisdicional efetiva salvaguardado pelo artigo 20.º da CRP.

XIV. Concebe, deste modo, o n.º 2 do artigo 41.º da LGT que os pagamentos das dívidas tributárias possam ser realizados por terceiros que não o devedor originário, sendo que quando assim é, o terceiro fica sub-rogado, nos direitos e deveres junto na Administração Tributária, nos quais se inclui, naturalmente, o direito ao uso dos meios processuais.

XV. Pois bem, atendendo a que a quantia exequenda foi suportada pela Recorrente, enquanto sub-rogada, e, bem assim, que, por decisão transitada em julgado, foram anuladas as liquidações oficiosas, deverá ser reembolsado pela administração tributária da quantia paga20 , entendimento que, inclusive, é corroborado pelo artigo 100.º da LGT.

XVI. Encontrando-se estabelecida a titularidade pela Recorrente do direito à reposição da situação que existiria caso não tivesse sido praticado o ato ilegal – do pagamento da quantia devida pela Autoridade Tributária, bem como eventuais juros indemnizatórios e moratórios – direito este que, independentemente de considerações sobre esta estar abrangida pelo título executivo contido na sentença da ação principal, incorpora necessariamente, um legítimo interesse jurídico expressamente consagrado na lei, ou seja, um interesse legalmente protegido.

XVII. O exposto bem denota o manifesto erro no julgamento de Direito em que incorre o Tribunal a quo, ao afirmar que inexiste facto juridicamente relevante que justifique a sucessão do direito da Recorrente na posição da A..., olvidando que aquele facto corresponde, precisamente, à sub-rogação decorrente do pagamento da dívida tributária pela Recorrente, nos termos já expostos e, bem assim, ancorada no conceito geral de legitimidade, processual e procedimental, constante no artigo 9.º do CPPT.

XVIII. Como é bom de ver, a interpretação veiculada no acórdão recorrido reclama a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que o Tribunal recorrido interpretou e aplicou erradamente normas de direito substantivo, agindo assim contra o direito, carecendo de uma melhor aplicação do Direito.

XIX. Igual entendimento advém, naturalmente, da mera análise dos normativos processuais atualmente em vigor, mormente do artigo 30.º do CPC, aplicável ao processo judicial tributário por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, que “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar” (n.º 1), o qual se exprime “pela utilidade derivada da procedência da ação” (n.º 2).

XX. Atendendo a que, in casu, a Recorrente procedeu à liquidação de todas as quantias alegadamente devidas – as quais, como bem sabemos, foram reconhecidas judicialmente como sendo ilegais – bem se compreende que está tem interesse na presente demanda.

XXI. Nesta esteira e na medida em que assumiu todos os deveres da A..., bem se compreende que seja a Recorrente a titular do direito que surge com a anulação dos atos de liquidação, nomeadamente, na restituição da quantia e, por maioria de razão, na possibilidade de recorrer à via contenciosa para obter tal quantia, ao não reconhecer o presente interesse e, mormente, a decidir pela falta de legitimidade da Recorrente, incorreu o Tribunal a quo num flagrante erro de julgamento de Direito, o qual clama pela necessidade de melhor aplicação do Direito por este Supremo Tribunal Administrativo.

XXII. A isto acresce que o n.º 1 do artigo 176.º do CPTA estabelece que quando a administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 175.º, “pode o interessado” recorrer à via judicial para executar a decisão, sendo que na esteira dos preceitos legais mencionados o conceito de interessado naqueles autos de execução, para os efeitos expostos, não é, como pretende o Tribunal a quo, exclusivamente integrado pela A..., devendo abranger todos os que possam ser diretamente afetados, positiva ou negativamente, pelo que se possa decidir na execução de julgados.

XXIII. O mesmo é dizer que, enquanto sub-rogada, a Recorrente integra o conceito de interessado, na medida em que foi esta que procedeu ao pagamento dos valores exigidos à A... nos autos de impugnação judicial, razão pela qual tendo o processo declarativo findado com a anulação dos autos de liquidação oficiosa e, bem assim, tendo a Recorrente suportado o valor constante naqueles atos, assoma a evidência que esta integra o conceito de interessada para efeitos do disposto no artigo 176.º do CPTA.

XXIV. Significa isto que mal andou o Tribunal a quo na aplicação daqueles normativos, em completa desconsideração pelo direito à tutela jurisdicional efetiva da Recorrente, motivo pelo qual se impõe a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para uma melhor aplicação do direito.

XXV. Concomitantemente, a necessidade de melhor aplicação do Direito surge igualmente patente quando o Tribunal recorrido considera que a Recorrente se substituiu, por via de sub-rogação, em direitos da Autoridade Tributária e não em direitos da A..., o que determinaria, na ausência de direito, face às pretensões executivas deduzidas (exigir um crédito à própria AT), não logrou, contudo, Tribunal recorrido de alcançar que, num primeiro momento, efetivamente esteve em causa a sub-rogação prevista na LGT e no CPPT, conquanto a Recorrente procedeu ao pagamento da alegada divida perante a AT, assumindo, por isso a sua posição no que dizia respeito a esse concreto crédito, num segundo momento, a Recorrente, por via da sub-rogação de créditos entre esta e a A..., ficou investida na posição desta última perante a Autoridade Tributária, assumindo a posição que daquela perante a decisão que veio a ser tomada em sede declarativa.

XXVI. No fundo, a sub-rogação de que ora curamos ocorreu no âmbito do processo tributário ao abrigo da LGT e do CPPT, mas também ao abrigo do artigo 592.º do Código Civil (CC), pelo que, no caso em apreço, ao contrário do considerou o Tribunal recorrido, sempre ocorreriam os efeitos da sub-rogação legal ao abrigo do CC que investiu a Recorrente no poder de executar o direito que decorria do sentenciado.

XXVII. Neste desiderato, a sub-rogação operacionalizada abrange dois planos, na medida em que (i) a Recorrente foi habilitada a suportar a quantia devida e, posteriormente, (ii) assumiu a posição da A... perante a decisão favorável proferida em sede de ação declarativa, pelo que, assumir a tese do Tribunal mais não implicaria do que o manifesto reconhecimento de que o instituto da sub-rogação apenas poderia aproveitar a Autoridade Tributária, sendo que, no raciocínio daquele, não assiste ao sub-rogado qualquer direito processual, o qual, num caso como o dos presentes autos, ficaria sem qualquer margem processual para reaver a quantia que, nos termos da decisão transitada em julgado, lhe assiste.

XXVIII. Em suma: assistiríamos, no limite, a um flagrante enriquecimento sem causa da Administração, pois note-se que, por um lado, a A... já não possui direitos perante a Autoridade Tributária, na medida em que os mesmos foram sub-rogados à Recorrente, e, por outro lado, a Recorrente não se encontraria habilitada a recorrer à via judicial para reaver o seu crédito…

XXIX. Desta feita, e sendo certo que a decisão recorrida se sustentou na errada interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 41.º da LGT e no n.º 1 do artigo 175.º do CPTA, violando o direito à tutela jurisdicional efetiva da Recorrente, deve concluir-se que, à luz do artigo 150.º do CPTA, estão preenchidos os pressupostos para a admissão da presente revista, porquanto se constata a necessidade de uma melhor aplicação do direito pelo Tribunal ad quem.

XXX. Verifica-se ainda, para efeitos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, que a matéria controvertida em análise se reveste de relevância jurídica e social, assumindo, portanto, uma importância fundamental que justifica a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo.

XXXI. A importância jurídica do caso sub judice evidencia-se quando se constata que os nossos Tribunais manifestam dificuldades no que tange com a definição do alcance do instituto da sub-rogação, designadamente, com os direitos e deveres do sub-rogado.

XXXII. No entender da Recorrente, a importância jurídica e social fundamental do presente recurso evidencia-se, desde logo, pela circunstância de estarmos perante um caso que encerra em si uma interpretação que impede o sub-rogado de obter um crédito reconhecido judicialmente, ao arrepio do princípio da tutela jurisdicional efetiva, assim, a presente temática envolve não só o caso concreto, mas impõe-se, de igual modo, para acautelar futuros litígios.

XXXIII. Impõe-se, deste modo, que este Supremo Tribunal Administrativo escalpelize, em concreto, quais os direitos e deveres que surgem com a sub-rogação e, bem assim, sobre o recurso aos Tribunais para efeitos de execução de julgado, sendo necessária a densificação do conceito de “interessado” constante no artigo 176.º do CPTA.

XXXIV. Em concreto, exige-se o esclarecimento desta mais Alta Instância sobre a necessidade de o Exequente figurar como parte na respetiva ação declarativa para se socorrer do processo de execução de julgados e, bem assim, se a sub-rogação pode ser entendida, ao abrigo do disposto no artigo n.º 1 do artigo 54.º do CPC, como uma causa de sucessão no direito de executar a decisão.

XXXV. Em conclusão, e na mediada em que se constata a necessidade de uma melhor aplicação do Direito, por ser evidente a ilegalidade do douto acórdão recorrido, bem como a controvérsia quanto à aplicação da norma e demonstrada que está a sua importância jurídica e social fundamental, deverá o presente recurso de revista excecional ser admitido, nos termos do artigo 150.º do CPTA.

XXXVI. Para além de tudo quanto já se expôs, de frisar que, na análise que empreendeu, o Tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento, na medida em que desconsiderou que a Recorrente (AGEM) suportou a dívida exequenda e, nessa medida, ficou legalmente sub-rogada nos direitos da A....

XXXVII. Aliás, o Tribunal recorrido parece acolher na íntegra, quer a qualidade da Recorrente enquanto sub-rogada, quer a existência e o valor dos direitos de crédito que lhe cabem ressarcir, bem como a sua legitimidade para, através do recurso a meios contenciosos, poder vir a ser paga quanto aos créditos que lhe são devidos.

XXXVIII. Estranhamente, com base em fundamentos que de seguida iremos expor e refutar, o Tribunal considerou que a presente forma processual – i.e. a ação executiva/execução de julgados – não constitui uma via legítima para esta fazer valer os seus direitos de crédito, por entender que a Recorrente não possui, no caso em apreço, legitimidade processual.

XXXIX. O Tribunal indica ainda que a pretensão da Recorrente poderia ser satisfeita pelo recurso ao “processo executivo fiscal (sendo que este até detém natureza jurisdicional”, indicando ainda, vagamente, sem identificar quais, que “existirão outras figuras jurídicas pelas quais a ora Recorrente, em sintonia com a sua coligada (A...), poderá lançar eventualmente mão para, em sede estritamente jurisdicional, poder vir a ser paga quanto aos citados créditos”, olvidando que afirma a Doutrina que sempre que “a administração tributária não executar espontaneamente a decisão anulatória, o meio adequado para o sub-rogado pedir o reconhecimento judicial do seu direito será o processo de execução julgado”, sendo que a legitimidade para tal demanda encontra o seu fundamento no artigo 100.º da LGT.

XL. Encontrando-se estabelecida a titularidade pela Recorrente do direito à reposição da situação que existiria caso não tivesse sido praticado o ato ilegal – do pagamento da quantia devida pela Autoridade Tributária, bem como eventuais juros indemnizatórios e moratórios – direito este que, independentemente de considerações sobre esta estar abrangida pelo título executivo contido na sentença da ação principal, incorpora necessariamente, um legítimo interesse jurídico expressamente consagrado na lei, ou seja, um interesse legalmente protegido, o qual sempre estaria salvaguardado pelo conceito geral de legitimidade ínsito no artigo 9.º do CPPT.

XLI. Incorre o Tribunal a quo em erro manifesto de julgamento quando considera que a Recorrente se substituiu, por via de sub-rogação em direitos da Autoridade Tributária e não em direitos da A..., o que determinaria, na ausência de direito, face às pretensões executivas deduzidas (exigir um crédito à própria AT).

XLII. Num primeiro momento, efetivamente, esteve em causa a sub-rogação prevista na LGT e no CPPT, na medida em que a Recorrente procedeu ao pagamento perante a AT, assumindo, por isso a sua posição no que dizia respeito a esse crédito da AT, contudo, num segundo momento, sempre estaria em causa a sub-rogação legal de créditos entre a Recorrente e a A..., ficando a primeira investida na posição desta última perante a AT, mormente no direito que adveio com a decisão proferida em sede declarativa (cfr. artigo 592.º do CC).

XLIII. Significa isto que, no caso em apreço, ao contrário do considerou o Tribunal recorrido, ocorreu uma sub-rogação legal que investiu a Recorrente no poder de executar o direito que decorria do sentenciado, tese que, inclusive, decorre do artigo 54.º do CPC e, bem assim, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 21.08.2021, proferido no âmbito do processo n.º 8854/07.3TBVNG.P1

XLIV. Na situação em apreço, e tal como supra se afirmou, dúvidas não restam de que com a petição executiva a Recorrente demonstrou ser titular do direito primitivamente titulado pela A... e que se encontra já sentenciado, como tal, mostra-se flagrante o erro em que incorre o Tribunal a quo na interpretação da factualidade relevante nos presentes autos e já assente, bem como na identificação da normatividade aqui convocada.

XLV. De salientar que a jurisprudência invocada no acórdão recorrido se refere à norma geral do artigo 53.º do CPC relativo à legitimidade em matéria de execuções, olvidando que existe um preceito seguinte – o já mencionado artigo 54.º do CPC – que abarca a situação dos autos.

XLVI. Atente-se que no próprio trecho final do n.º 1 da referida norma se permite que no próprio requerimento executivo se deduzam factos constitutivos da sucessão, pelo que a utilidade deste trecho se prende precisamente com situações em que a sucessão do direito ocorre em momento póstumo à sentença proferida na ação declarativa.

XLVII. Porém, cotejando o acórdão recorrido, mostra-se flagrante que o Tribunal a quo confundiu institutos, baralhou conceitos e culminou com a prolação de uma decisão clamorosamente contrária ao Direito e, nessa medida, o Tribunal a quo afrontou, sobremaneira, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, ao assumir que a Recorrente não teria legitimidade para figurar como Exequente e, por maioria de razão, a reaver o crédito judicialmente reconhecido, nessa medida, deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a presente ação executiva.

XLVIII. Aqui chegados, e em face de tudo quanto se expôs, resulta evidente que o acórdão recorrido, por preconizar uma solução contrária à Lei e aos princípios gerais de Direito, deverá ser revogado com todas as legais consequências.

Nestes termos,

E nos melhores de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá a presente revista ser admitida e, cumulativamente, deverá ser reconhecida a legitimidade da Recorrente para figurar como Exequente nos presente autos.

Assim se fazendo justiça!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão sob escrutínio (cfr. fls. 5 a 7 e 10 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

4 – Apreciando.

4.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Importa, pois, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista.

Constitui jurisprudência pacífica deste STA que a necessidade de admissão do recurso de revista estribada na relevância jurídica fundamental verifica-se quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina, ou de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração/orientação de um padrão de apreciação de outros casos similares a serem julgados.

No que à relevância social fundamental da questão respeita, constitui igualmente jurisprudência pacífica deste STA que importa que a questão a decidir apresente contornos abstratos e que não se restrinja ao caso concreto e aos particulares interesses das partes, com repercussão na comunidade e no que constituam seus valores fundamentais e como tal suscetíveis de suscitar alarme social ou que possam por em causa a eficácia do direito ou a sua credibilidade.

Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações em que aquela necessidade seja clara, por se surpreenderem na decisão impugnada a rever erros lógicos em pontos cruciais do raciocínio, desvios manifestos aos e dos padrões estabelecidos de hermenêutica jurídica ou indícios de violação de princípios fundamentais, em matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, de tal modo que seja evidente a necessidade de intervenção do órgão de cúpula da jurisdição.

Constitui igualmente jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que atento o carácter extraordinário do recurso excepcional de revista não cabem no seu âmbito a apreciação de alegadas nulidades da decisão recorrida, devendo estas, ao invés, ser arguidas em reclamação para o Tribunal recorrido, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil.

Finalmente, também as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto específico do recurso de revista, porquanto para estas existe recurso para o Tribunal Constitucional.

Vejamos.

Começa a recorrente por invocar como fundamento do seu recurso de revista alegada nulidade por excesso de pronúncia do Acórdão recorrido, ao ter decidido “ex oficio” retirar a referência à sub-rogação à alínea F) do probatório fixado na sentença do TAF de Penafiel (cfr. acórdão, a fls. 10).

Ora, como acima se consignou, constitui igualmente jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que atento o carácter extraordinário do recurso excepcional de revista não cabem no seu âmbito a apreciação de alegadas nulidades da decisão recorrida, devendo estas, ao invés, ser arguidas em reclamação para o Tribunal recorrido, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil, razão pela qual a revista não pode ser admitida com este fundamento.

No que se refere ao teor do acórdão recorrido, o acórdão do TCA Norte do qual a recorrente pretende revista confirmou a sentença de 1.ª instância que julgou a recorrente parte ilegítima na execução de julgado tributário, porquanto não tendo a recorrente sido parte na impugnação judicial cuja decisão pretendia executar no processo judicial executivo, carecia de legitimidade para a respectiva execução.

Contrariamente ao alegado, a decisão do TCA não carece de revista “para melhor aplicação do Direito”, antes é plenamente plausível e encontra-se adequadamente fundamentada, não enfermando de erros ostensivos ou notórios que importe reparar.

Não obstante, admite-se que posição da recorrente não é destituída de sentido, encontrando apoio de relevo na doutrina tributária e bons argumentos esgrimidos a seu favor nas alegações de recurso, configurando-se ainda como de relevância jurídica e social fundamental, pois que contende com o próprio direito de acção e a decisão a proferir pode servir de paradigma para futuros casos.

Entende-se, pois, como justificada a admissão da revista para que o órgão de cúpula da jurisdição, reaprecie a questão da legitimidade no processo judicial executivo da recorrente, que não figurando como parte no processo que deu origem à decisão exequenda, suportou o pagamento dos juros.

Pelo exposto, têm-se como justificada a admissão do recurso, salvo quanto à alegada nulidade por excesso de pronúncia.


- Decisão -

5 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.


Custas a final.

Lisboa, 8 de Março de 2023. - Isabel Marques da Silva (Relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.