Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0172/19.0BELRS
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário:A dedução de reclamação graciosa e consequente impugnação judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados.
Nº Convencional:JSTA000P31954
Nº do Documento:SA2202402280172/19
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Área Temática 2:EXEC FISCAL
Legislação Nacional:ART. 204.º, N.º 1, AL. I), CPPT
Jurisprudência Nacional:AC STA 08/02/2017 PROC 0177/15; AC STA 17/05/2017 PROC 01015/16; AC STA 06/10/2021 PROC 0185/18.0BELRA; AC STA 27/10/2021 PROC 02906/18.1BEBRG
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1. A..., S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 30 de novembro de 2022 (juízo de execuções fiscais e recursos contraordenacionais), de que julgou improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.º ...43, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 2, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA do ano de 2018, cuja quantia exequenda ascende ao valor global de € 474.360,94.
A recorrente conclui a sua alegação formulando as seguintes conclusões:
I.
A decisão em mérito labora em manifesto erro de julgamento, na medida em que, apesar de considerar ilegal a instauração do processo de execução fiscal, tal ilegalidade uma vez invocada em sede de oposição, não conduzirá à extinção do processo de execução fiscal.
II.
O nó górdio da questão aqui submetida a escrutínio reside em saber se se o vício resultante da instauração do processo de execução fiscal após ter sido apresentada reclamação graciosa pela Recorrente acompanhada da manifestação do propósito de constituição de garantia tem como consequência a extinção do processo de execução fiscal.
III.
Na verdade, a oposição à execução fiscal visa precisamente a extinção total ou parcial do processo de execução fiscal.
IV.
Se a Oponente apresenta qualquer um dos fundamentos de oposição estabelecidos no artigo 204.º do CPPT e se o Tribunal considera assistir razão à Oponente relativamente a esse fundamento (instauração indevida/ilegal) do processo de execução fiscal, então a consequência jurídica a extrair de tal apreciação terá de ser a procedência da oposição deduzida.
V.
E, como a oposição visa a anulação do processo de execução fiscal, então a sua procedência terá impreterivelmente, de conduzir à extinção do processo de execução fiscal, com a subsequente anulação de todos os atos praticados pelo OEF após a sua instauração.

SEM PRESCINDIR,
VI.
E, caso se considere que a instauração do processo de execução fiscal é ilegal, por indevidamente instaurada, em caso de procedência da oposição apresentada, a mesma jamais poderá levar à extinção do processo de execução fiscal, o que apenas se concebe, sem nunca conceder.
VII.
Então, tal situação terá de levar, no mínimo, à anulação de todos os atos praticados pelo OEF, após a data da instauração do processo de execução fiscal.
VIII.
Pelo que fica exposto - impõe-se concluir que a decisão em mérito, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 266.º da CRP e 69.º, alínea f) do CPPT, porquanto, a instauração do processo de execução fiscal subjacente à oposição apresentada pela Recorrente, na data e nas circunstâncias em que ocorreu, revela-se absolutamente ilegal, impondo-se, a sua remoção da ordem jurídica.

2. Não foram apresentadas contra-alegações pela Autoridade Autoritária e Aduaneira.

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a consequente manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida.

Observado o disposto no artigo 92.º, n.º 2 do CPTA, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4. Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
1. Em 07-06-2018 a Oponente submeteu a declaração periódica de IVA referente ao período de 2018/04, no qual apurou um montante de imposto a pagar no valor de € 472.717,64, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 25-06-2018 (cfr. fls. 12 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Em 08-06-2018 a Oponente apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa – 2, reclamação graciosa contra a autoliquidação de IVA identificada no número antecedente (cfr. fls. 7 a 14 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Juntamente com a reclamação graciosa apresentada, a Oponente requereu a notificação do montante da garantia a prestar (cfr. fls. 7 a 14 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Em 26-06-2018 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa -2, contra a Oponente o processo de execução fiscal n.º ...43, para cobrança de dívida proveniente de IVA do ano de 2018, no valor € 472.717,64 (cfr. fls. 1 a 3 do processo de execução fiscal – PEF – apenso ao suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. A presente Oposição foi apresentada no Serviço de Finanças de Lisboa – 2 em 30-07-2018, tendo dado entrada neste Tribunal em 24-01-2019 (cfr. fls. 1 e 23 dos autos);
6. Segundo informação prestada pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 2, a dívida exequenda não se encontra garantida e o processo de execução fiscal não se encontra suspenso (cfr. fls. 17 e 18 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Do recurso
Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 30 de novembro de 2022, que julgou a oposição improcedente, mantendo o processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 2, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA do ano de 2018, no montante de € 474.360,94.
A recorrente não se conforma com o assim decidido, invocando erro de julgamento da matéria de direito, nomeadamente que a sentença do Tribunal a quo, apesar de considerar ilegal a instauração do processo de execução fiscal, decide que tal ilegalidade uma vez invocada em sede de oposição, não conduzirá à extinção do processo de execução fiscal. Mais alega a Recorrente que apresentou reclamação graciosa e requereu a prestação de garantia antes do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto, pelo que não podia ter sido instaurado o processo de execução fiscal. Finalmente, defende que se o tribunal considera assistir razão à oponente, relativamente à instauração indevida do processo de execução fiscal, a consequência jurídica a extrair de tal apreciação teria de ser a procedência da oposição deduzida; pelo que, visando a oposição a anulação do processo de execução fiscal, então a sua procedência terá impreterivelmente, de conduzir à sua extinção, com a consequente anulação de todos os atos praticados após a sua instauração.
Vejamos.
A questão que a recorrente coloca a este Supremo Tribunal tem sido decidida em sentido similar ao adoptado na sentença recorrida, com a qual a recorrente não se conforma.
A sentença recorrida considerou, e bem, aderindo à mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a questão, com raiz no voto de vencido aposto no Acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 177/15, que a dedução de reclamação graciosa e consequente impugnação judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados – cf. os Acórdãos do STA de 17 de maio de 2017, rec. n.º 1015/16, de 6 de outubro de 2021, processo n.º 185/18.0BELRA e de 27 de outubro de 2021, processo n.º 2906/18.1BEBRG).
É este julgado que também aqui se acolhe, porquanto, além do mais, nele nos revemos e o que melhor compatibiliza os interesses do credor com a tutela do devedor a que não sejam praticados actos executivos ofensivos da sua esfera patrimonial enquanto a reclamação graciosa acompanhada de garantia para suspender a execução não for decidida.
É que, como lembrava Dulce Neto em voto de vencida aposto em Acórdão deste STA de 2017, a apresentação dessa reclamação não impede a emissão de título executivo logo que decorrido o prazo para pagamento voluntário (ainda que esteja no início ou em pleno curso o prazo para impugnar administrativamente ou contenciosamente esse ato tributário), nem impede a remessa do título executivo para o serviço de finanças e instauração da execução fiscal.// Todavia, no caso, tendo o devedor apresentado reclamação graciosa contra o acto de liquidação e pedido para prestar garantia, estando a aguardar que os serviços da AT lhe fixem o montante a garantir, o processo de execução, ainda que possa ser instaurado, não pode prosseguir até que seja apreciado esse pedido. (…) Todavia, considerando que a oposição à execução pode ter por finalidade não só a extinção como a suspensão da execução fiscal, entendo que, neste caso, a decisão de procedência da oposição determina apenas a suspensão da execução fiscal a partir do momento da sua instauração, com a anulação de todas as diligências e atos processuais que indevidamente foram praticados.


Em conclusão:
A dedução de reclamação graciosa e consequente impugnação judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados.

Pelo exposto, o recurso não merece provimento.

- Decisão -

6. Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6 do RCP, atento ao carácter remissivo do presente Acórdão, o que o torna de complexidade inferior.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2024 – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.