Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0891/08.7BESNT
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
MEDICO MILITAR
QUADRO PERMANENTE
ABATE
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:Não é de admitir o recurso de revista excepcional para apreciar questão respeitante aos requisitos do dever de indemnizar a Fazenda Pública por parte de oficial que pretenda ser abatido ao QP antes de decorrido o tempo de serviço legalmente estabelecido, por tal questão não revestir especial complexidade jurídica ou relevância social e a particular dimensão da questão colocada não parecer susceptível de expansão.
Nº Convencional:JSTA000P27628
Nº do Documento:SA1202104290891/08
Data de Entrada:03/23/2021
Recorrente:A.......................
Recorrido 1:FORÇA AÉREA PORTUGUESA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
A…………………….. vem interpor recurso de revista do acórdão proferido pelo TCA Sul, em 10.12.2020, no qual se decidiu conceder provimento ao recurso do Réu Ministério da Defesa Nacional [Força Aérea Portuguesa], revogando a sentença proferida em 1ª instância pelo TAC de Lisboa.
O Recorrente interpõe o presente recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, invocando a especial relevância jurídica e social da questão e ser necessária uma melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

2. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista o Recorrente alega que o acórdão recorrido violou os direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias – ao trabalho, à remuneração deste com observância do princípio “para trabalho igual salário igual” e à propriedade privada – arts. 58º, 59º, nº 1, al. a) e 62º, todos da CRP. Bem assim, a aplicação ao Recorrente dos Despachos nºs 18/06/A, de 17/2 e 40/2007, de 1/3, constitui, sob a forma de indemnização por equivalente, restrição com eficácia retroactiva dos mencionados direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, contendendo tal restrição directamente com conteúdo essencial daqueles direitos, do regime do art. 18º da CRP, resulta que não pode subsistir no ordenamento jurídico o acórdão recorrido, impondo-se a sua revogação (arts. 202º e 204º da CRP).



O TAC de Lisboa por sentença de 15.04.2016 julgou a acção procedente e, em consequência, anulou o despacho proferido pelo Chefe do Estado Maior da Força Aérea, que considerou o pedido de abate do quadro permanente do aqui Recorrente condicionado ao pagamento de compensação traduzida em indemnização ao Estado no valor de € 146.882,06.

O acórdão recorrido em apreciação do recurso interposto pelo Réu discordou do entendimento da sentença de 1ª instância, tendo considerado, após fazer referência ao quadro legal aplicável [o DL nº 203/2004, de 18/8 que definiu o regime jurídico da formação médica, após a licenciatura em Medicina, com vista à especialização; o DL nº 519/77, de 17/12 (com as alterações introduzidas pelo DL nº 332/86, de 2/10) que promulgou o Estatuto da Carreira Médico-Militar, enquanto oficial médico das Forças Armadas e o Estatuto dos Militares das Forças Armadas – EMFAR – aprovado pelo DL nº 236/99, de 25/6 (com as alterações entretanto introduzidas], o seguinte: “Para saber se há lugar a indemnização, cumpre aplicar conjuntamente os dois últimos normativos acabados de citar” [no caso o art. 11º do DL nº 519/77 e o art. 170º, nº 1, al. c) do EMFAR].
E continua: “No caso vertente, a resposta é evidentemente positiva.
Posto que o autor/recorrido requereu o abate ao Quadro Permanente cerca de mês e meio depois de completar o internato complementar, assim obtendo o grau de assistente na carreira médico-militar.
Bem longe dos 10 anos de serviço exigidos.
Irreleva, pois que não se tenha provado o cumprimento fixado no ponto n.º 5 do despacho n.º 18/06/A, posto que o eventual desconhecimento da apontada solução legal não podia aproveitar ao recorrido, cf. artigo 6.º do Código Civil”.
(…)
Assim, no acórdão do STA de 16/02/1995, proferido no proc. n.º 032694, decidiu-se que o oficial habilitado com internato complementar, cuja frequência foi obtida durante a sua integração nos QPs da Marinha, só poderá ser abatido a estes Quadros depois de ter cumprido o tempo de serviço mínimo efetivo de oito anos após o seu ingresso no QP e ainda o tempo correspondente à frequência do internato complementar, contado a partir do momento do termo deste (…)”.
Igualmente quanto às inconstitucionalidades assacadas ao despacho impugnado explicitou o acórdão recorrido os motivos por que as mesmas não se verificavam, citando-se jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a os princípios constitucionais invocados como tendo sido violados.

Na presente revista o Recorrente invoca a violação por parte do acórdão recorrido dos princípios e preceitos constitucionais acima indicados.
Mas sem qualquer fundamento aparente, já que o TCA parece ter decidido correctamente e de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal em diversos arestos que cita, bem como a jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Aliás, a temática que envolve as invocadas inconstitucionalidades diz respeito a questão sobre a qual a intervenção deste Supremo Tribunal nesta sede de revista não se justifica, por não poder constituir a palavra final sobre essa matéria, cuja competência cabe ao Tribunal Constitucional, como esta formação tem reiteradamente entendido [cfr. os mais recentes acórdãos de 04.02.2021,Procs. 0549/13.5BEAVR, 0822/09.7BECBR e 02605/14.3BESNT, de 18.02.2021, Procs. 01382/20.3BELSB, 0804/17.5BEPRT e de 11.03.2021, Proc. 1240/19.4BEPNF-S1, indicados, entre outros, no ac. de 22.04.2021, Proc. 1182/08.9BESNT-A].
Como se afirmou no referido acórdão desta Formação, de 22.04.2021, em matéria em tudo semelhante à presente, e, citando o acórdão da mesma Formação de apreciação preliminar de 12.09.2013, Proc. 0228/12: “no plano do direito ordinário, no seu atual estado de tratamento pela jurisprudência, a matéria não se reveste de especial complexidade jurídica. Quanto aos requisitos do dever de indemnizar a Fazenda Pública por parte do oficial que pretenda ser abatido ao QP antes de decorrido o tempo de serviço legalmente estabelecido, o STA tem reconhecido a especialidade do regime do Estatuto da Carreira Médico Militar, relativamente ao comum Estatuto dos Militares das Forças Armadas (p. ex. Acs. de 11/2/95 e de 6/12/2006, citados no acórdão recorrido). Por outro lado, a questão não pode considerar-se de relevante interesse social, quer na perspetiva da comunidade em geral, quer na perspetiva da instituição militar. É relativamente reduzido o número de casos com expressão nos tribunais. … Além disso, a particular dimensão da questão que … recorrente coloca, com possível reflexo na determinação do montante de indemnização, que consiste em já ser médico quando ingressou no QP, não parece que seja suscetível de repetição frequente, de modo a atribuir-lhe virtualidade de expansão… Finalmente, a questão de constitucionalidade não justifica, por si só, a admissibilidade da revista excecional, dispondo o interessado do recurso de constitucionalidade, se estiverem reunidos os necessários pressupostos”.
Assim, face à aparente exactidão do acórdão recorrido ao revogar a decisão de 1ª instância, e, porque a questão abordada não reveste especial relevância ou complexidade jurídica ou social, não é de admitir o recurso, por não se justificar postergar a regra da excepcionalidade da revista.

3. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, a relatora atesta que os Exmos Juízes Adjuntos - Conselheiros Jorge Madeira dos Santos e Carlos Carvalho -, têm voto de conformidade.


Lisboa, 29 de Abril de 2021

Teresa de Sousa