Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01368/20.8BELSB
Data do Acordão:03/09/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:Por se filiar na jurisprudência corrente do tribunal de revista, não é de admitir o recurso de revista de acórdão que, recusando a necessidade de se reabrir a instrução para se avaliar se há «falhas sistémicas» nos procedimentos de recepção de refugiados em França, julgou improcedente a acção onde a recorrente impugnara decisão do SEF que denegou o seu pedido de protecção internacional e determinou a sua transferência para esse país.
Nº Convencional:JSTA000P30727
Nº do Documento:SA12023030901368/20
Data de Entrada:02/27/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. AA - autor desta acção administrativa urgente - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 20.10.2022 - que decidiu negar provimento à sua «apelação» e confirmar a sentença - de 18.09.2020 - pela qual o TAC de Lisboa «julgou improcedente» o seu pedido de anulação da decisão do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF] de 14.04.2020 - que teve por inadmissível o seu pedido de protecção internacional e determinou a sua transferência para a França.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

O recorrido - MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [MAI/SEF] - não contra-alegou.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambos os tribunais de instância entenderam - de forma unânime - que contrariamente ao defendido pelo autor, e apelante, não resultavam violados, no caso concreto, o 2º parágrafo do nº2 do artigo 3º, nem o artigo 17º do Regulamento de Dublin - Regulamento (UE) nº604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013 - porque não se impunha ao SEF que averiguasse oficiosamente - recorrendo nomeadamente a fontes internacionais - se «existiam motivos válidos» para concluir que «o sistema francês padecia de falhas sistémicas» no procedimento de asilo e nas «condições de acolhimento» que implicassem um risco de «tratamento desumano» ou de «tratamento degradante» - na acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE] - ou um risco, real, de «refoulement» indirecto.

O autor pede revista do assim decidido, alegando que o acórdão recorrido «errou no seu julgamento de direito», insistindo em que caso não exista tal averiguação adicional estaremos perante clara violação - por parte do Estado Português - do artigo 4º da CDFUE, da aplicação da «cláusula de soberania» prevista no 2º parágrafo do nº2 do artigo 3º do Regulamento de Dublin, bem como dos seus artigos 16º e 17º - acrescentando, ainda, os artigos 33º da Convenção de Genebra de 1951 e a CEDH -, pois que jamais poderão ser preteridas, diz, normas de conteúdo material - como os princípios do «non refoulement» e da «soberania» - em favor de regras procedimentais.

Da apreciação preliminar sumária que é pedida a esta Formação - nº6 do artigo 150º do CPTA - constata-se que, aparentemente, as decisões «unânimes» dos tribunais de instância - mormente a vertida no acórdão recorrido - se coadunam com a jurisprudência que tem vindo a ser produzida a tal respeito por este Supremo Tribunal, no sentido de que - nos pedidos deste género - os serviços do SEF não estarão, normalmente, obrigados a «complementar» a instrução do respectivo procedimento com indagações oficiosas acerca das sobreditas «falhas sistémicas» - ver, entre outros, AC do STA de 16.01.2020, processo nº02240/18.7BELSB; AC do STA de 04.06.2020, processo nº01322/19.2BELSB; AC STA 02.07.2020, processo nº01786/19.4BELSB; AC STA de 02.07.2020, processo nº01088/4BELSB; AC do STA de 09.07.2020, processo nº01419/19.9BELSB; AC STA de 10.09.2020, processo nº01705/19.8BELSB; AC do STA de 10.09.2020, processo nº03421/19.1BEPRT; AC do STA 05.11.2020, processo 01108/19.4BELSB; AC do STA 05.11.2020, processo 01932/19.8BELSB; AC do STA de 05.11.2020, processo nº02364/18.0BELSB; AC do STA de 19.11.2020, processo nº01301/19.0BELSB; AC do STA 08.04.2021, processo 02253/19.1BELSB; AC do STA de 14.07.2022, processo nº572/21.6BELLE; AC do STA de 07.12.2022, processo nº879/22.5BELSB -, pelo que a admissão da presente revista não se impõe ao abrigo da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Esta sintonia do «acórdão recorrido» com o que tem vindo a ser decidido pelo tribunal de revista obviamente que retira à questão - rectius à apreciação do erro de julgamento de direito que é invocado pelo ora recorrente - a indispensável importância fundamental para que a revista possa ser admitida ao abrigo do primeiro pressuposto de admissão supra referido, ou seja, resta desvanecida a sua relevância jurídica e social.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, não sendo o presente caso susceptível de quebrar a «regra» da excepcionalidade da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Sem custas - artigo 84º da Lei nº27/2008, de 30.06.

Lisboa, 9 de Março de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.