Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0851/13
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPOSTO SUCESSÓRIO
VALOR DOS BENS TRANSMITIDOS
Sumário:I - O valor dos imóveis relevante para efeito do imposto sucessório, nos termos do art. 30º do CMSISSD, na redacção anterior do DL n. 252/89, de 9/8, é o valor matricial à data da transmissão.
II - Exceptuam-se os casos em que antes da liquidação houve correcções ex-lege.
III - Nesta última hipótese, atende-se ao valor matricial à data da liquidação, valor apurado apenas em função dessas correcções ex-lege.
Nº Convencional:JSTA000P20695
Nº do Documento:SA2201606150851
Data de Entrada:05/13/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Pública, recorrer para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Dezembro de 2012, que julgou procedente a impugnação deduzida por A…….., melhor identificada nos autos, contra a liquidação de imposto sobre sucessões e doações.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) O Acórdão, a fls..., que deliberou negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, nessa medida, manter, na ordem jurídica, a decisão recorrida, fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 20º e 30°, na redacção do DL 108/87, de 10/03 do CIMSISSD, bem como, do art. 4° do DL 252/89, de 9/08, aos factos, motivo pelo qual não se deve manter.
B) De facto, está provado nos autos que o óbito de B………. ocorreu em 05/04/1983.
C) E, à data, o art. 30° do CIMSISSD, referia que: “Para efeitos de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações entender-se-á que o valor matricial dos bens ao tempo da transmissão é o produto por 20 ou por 15 do rendimento colectável inscrito na matriz à data da liquidação, consoante se trate, respectivamente, de prédios rústicos ou urbanos”.
D) Só com a alteração introduzida a tal artigo pelo DL 252/89, de 9/08, se passou a considerar, no caso de transmissões a título gratuito, para cálculo do valor matricial dos bens transmitidos, o valor patrimonial inscrito na matriz à data da respectiva transmissão.
E) Por outro lado, a alteração ao art. 30° do CIMSISSD, produzida pelo DL 252/89, de 9/08, só se aplica às transmissões a título gratuito ou oneroso operadas a partir da data da entrada em vigor deste Diploma, como expressamente se refere no artº. 4° do mesmo.
F) Isto significa, contrariamente ao entendimento jurisprudencial seguido pelo Acórdão recorrido, que o legislador pretendeu que, até à alteração produzida pelo DL 252/89, de 9/08, se considerasse para efeitos de determinação do valor dos bens imóveis transmitidos a título gratuito, o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação e que, só com essa alteração legislativa se mudou tal sistema de determinação da matéria colectável.
G) Se assim não fosse e, se houvesse dúvidas sobre a interpretação do referido artº. 30° do CIMSISSD, o legislador teria conferido à alteração efeitos meramente interpretativos, o que não sucedeu, até tendo em conta a disposição transitória do artº. 4° do referido Diploma.
H) A valorização que o imóvel sofreu devida a aumento convencional de rendas ocorrido entre a transmissão e a liquidação traduz o valor de riqueza transmitida que o CIMISSD pretendeu atingir segundo a regra do artigo 30°, dado que os contratos de arrendamento são celebrados pelo autor da sucessão e os herdeiros só beneficiam de um aumento de rendas na sequência do bem imóvel ter sido transmitido com a pré-existência desses contratos e, por isso, com aptidão para a produção de uma riqueza, não estática mas dinâmica, isto é, susceptível de se modificar em virtude das vicissitudes do contrato de arrendamento.
I) Entende-se, pois, contrariamente ao que se entende no Ac. recorrido, que o que é transmitido não é só o bem imóvel — realidade física e estática, mas sobretudo o bem imóvel — realidade económica e que o princípio da tributação da riqueza transmitida só é respeitado se se tributar a realidade económica que se apresenta à data da liquidação e, por virtude do aumento matricial do bem se dever apenas a uma erosão monetária, ou a uma actualização de rendas derivada de contrato anterior celebrado pelo autor da sucessão.

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer nos seguintes termos:
1. Recorre a F. P. no processo em que é impugnante A……….., colocando em causa a aplicação que foi efectuada do previsto no art. 30.º do CIMSISSD na versão vigente à data do óbito.
2. Emitindo novo parecer, uma vez que o M.º P.º na 1.ª e 2.ª instâncias emitiram parecer desfavorável à procedência da impugnação, dir-se-á agora não se poder deixar de reconhecer que a aplicação efectuada quer na sentença proferida em 1.ª instância quer no acórdão proferido no T.C.A. Sul se afigura ser a correcta.
Com efeito, a mesma seguiu o entendimento que parece ter sido firmado em acórdãos do Pleno em que se decidiu que “I- o valor de imóveis relevante para o efeito de liquidação de imposto sobre sucessões e doações, em relação às transmissões operadas antes da entrada em vigor do DL n. 252/89, de 9 de Agosto, é o valor matricial à data da liquidação, desde que a diferença de valor em relação ao valor matricial à data das transmissões seja resultante de correcções ex lege.
II - Se o aumento de valor tiver resultado de qualquer outro facto, nomeadamente a celebração e novos contratos de arrendamento, o valor a atender é o valor matricial à data do transmissão dos bens.”
Tal a interpretação que se afigura a correcta por ser afinal a única conforme à Constituição que há que respeitar, nomeadamente, em face do princípio da igualdade previsto no art. 13.º.
3. Concluindo, parece que o recurso é de improceder, sendo ocioso agora acrescentar mais.

4 – Colhidos os vistos cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se no acórdão reclamado a seguinte matéria de facto:
A) Na Repartição de Finanças de Oeiras foi instaurado o processo de imposto sucessório n.º 10881 por óbito de B……….. ocorrido em 05.04.1983, no estado civil de casado regime da comunhão geral. (Cf. Doc. fls. 32 dos autos).
B) Concorreram à herança o cônjuge sobrevivo, C………. e os descendentes D…….. e A……….. (Doc. fls. 33 dos autos)
C) Em 28.10.1987, pelo ofício n.º 11328 foi o cabeça de casal notificado para apresentar a relação de bens de bens no prazo de trinta dias.
D) Em 18.05.1988, foi apresentada relação de bens composta por 55 verbas do Activo pelo herdeiro D………, que declarou exercer as funções de cabeça de casal, assumindo para o efeito todas as responsabilidades que lhe pudessem advir do exercício do cargo. (Doc. fls.34/48 dos autos)
E) Em 19.05.1988, D………… apresentou um aditamento à relação de bens (Doc. fls. 42/48 dos autos)
F) Em 23.07.1990, D……….. juntou ao processo imposto sucessório n.º 10881 certidão da escritura de “Repúdio da Herança” outorgada pelo cônjuge sobrevivo C………., em 27.11.1986, donde os únicos herdeiros do autor da sucessão passariam a ser seus filhos D…….. e A……. . (Doc. fls.50/51 dos autos)
G) Em 14.09.1992, no âmbito do processo n.º 10881 com base no mapa demonstrativo de fls. 78/79 foi elaborada a liquidação de imposto sobre as sucessões e doações da qual resultou a quantia de 2.540.111$00 a pagar pela Impugnante. (Doc. fls. 80 dos autos)
H) Em 29.10.1992, a Impugnante foi notificada nos seguintes termos: “De harmonia com o disposto no art. 114º do Código da Sisa e do Imposto Sucessório e Doações, fica V. Exª por este meio notificado, na sua qualidade de herdeira, da liquidação efectuada no processo de imposto sucessório em epigrafe, instaurado nesta Repartição de Finanças por óbito de B………, residente(s) (que foi) em, deste concelho, fazendo saber que, pode no prazo de 8 (oito) dias, a contar da data da notificação, pode contestar nos termos e com as limitações do art. 87° do referido Código, o valor de 11.234.315$00 sobre que foi liquidado o imposto 2.540.111$00, no caso de com ele não se conformar - ou declarar se prefere pagar o imposto de pronto ou em maior numero de prestações do que as indicadas na parte inicial § 1° 2° art.. 120° do aludido Código.
Respeitando o imposto na sua totalidade a bens móveis, o pagamento em prestações só se poderá efectuar nos termos do § 2° do art.. 120° do mesmo Código.
O pagamento do imposto, na sua totalidade (só bens imóveis) ou da 1ª prestação (bens móveis e imóveis) deverá efectuar-se durante o mês seguinte ao do termo do prazo para contestação, na 1’ Tesouraria da Fazenda Pública deste concelho.



I) Mediante oficio n.º 5112, datado de 1994, o Adjunto do Chefe de Repartição de Finanças informou estes autos nos seguintes termos: “o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ………. sob o art. 560 o seu rendimento colectável reportado a 8/8/83 era de 431.407$00 que correspondia a um valor matricial de - 8.628.140$00 e á data de 14/9/92 o valor patrimonial era de quinze milhões e sete mil trezentos e dez escudos.
Entre 1983 e 1989 houve alteração de valores por força de aumento de rendas.” (Doc. fls. 13 1/137 dos autos)
J) Em 19.07.1995, o Chefe de Repartição de Finanças de 5° Bairro Fiscal informou estes autos nos seguintes termos: “na data de 8 de Março de 1983, o valor matricial do predio urbano sito na Avª ………, n.º ……….. em Lisboa, freguesia de ………… e inscrito sob o art.º 838 era de 11.496.000- (574.800$00X20).
(…) na data de 14 de Setembro de 1992, o valor tributável prédio era de - 27.188.585$00 (1 .812.569$00x15)
Estas alterações patrimoniais tiveram origem em alterações de rendas e produziram efeitos até 31 de Dezembro de 1988 (...)“ (Doc. fls. 146/154 dos autos)
K) Em 20.12.1995, o Chefe da Repartição de Finanças do 8° Bairro Fiscal informou estes autos que: “os valores patrimoniais do prédio urbano sito em Lisboa e inscrito na matriz predial da freguesia de ……….., sob o art. 1485, constantes na respectiva matriz à data de 08.08.83 e à data de 14.09.92, era de 3 406 050$00 e 17.663 310$00, respectivamente.
Mais informo que as alterações verificadas foram originadas pelo aumento de rendas.” (Doc. fls. 155/161 dos autos)
L) Em 09.10.1996, o Adjunto do Chefe de Repartição de Finanças do 8° Bairro Fiscal informou os autos nos seguintes termos: “o valor patrimonial do art. 539 da freguesia de …………, à data de 08.08.1988, data do óbito e 14.09.1992, data da liquidação foi de 94.830.996.00.” (Doc. fls. 167 dos autos)
M) Em 06.11.1992 deu entrada na 1ª Repartição de Finanças de Oeiras a petição inicial que originou os presentes autos. (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)
N) Mediante oficio datado de 17.10.2008, o Serviço de Finanças de Oeiras -1 veio informar que: «(...) a liquidação do imposto sobre sucessões e doações em causa, foi efectivamente paga.” (Doc. fls. 208 dos autos)

6. Do objecto do recurso
Da análise do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul exarado a fls. 333/349 e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do presente recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento o Acórdão que negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra exarada a fls. 290/298, a qual julgou procedente a impugnação deduzida por A……… contra a liquidação de Imposto sobre as Sucessões e Doações,
O acórdão recorrido, sufragando a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente a expressa nos acórdãos do pleno de 06.03.2002, recurso 025435 e da Secção de 10.04.2002, recurso 026441, confirmou a decisão de primeira instância, que julgou procedente aquela impugnação, no entendimento de que o valor dos bens imóveis, para efeito do imposto sobre sucessões e doações, na redacção do artº 30º do CMISISSD anterior ao DL 252/89, de 9/8, é o valor matricial à data da transmissão só se considerando o valor matricial desses bens à data da liquidação, se tal valor, diferente e superior ao valor matricial à data da transmissão, tiver como fonte a correcção ex-lege desse referido valor.

Não conformada com o assim decidido recorre a Fazenda Pública, contrapondo à fundamentação do Acórdão recorrido decidiu o caso subjudice a seguinte a argumentação:
- Só com a alteração introduzida a tal artigo pelo DL 252/89, de 9/08, se passou a considerar, no caso de transmissões a título gratuito, para cálculo do valor matricial dos bens transmitidos, o valor patrimonial inscrito na matriz à data da respectiva transmissão;
- A alteração ao art. 30° do CIMSISSD, produzida pelo DL 252/89, de 9/08, só se aplica às transmissões a título gratuito ou oneroso operadas a partir da data da entrada em vigor deste diploma, como expressamente se refere no artº. 4° do mesmo.
- Contrariamente ao entendimento jurisprudencial seguido pelo Acórdão recorrido, que o legislador pretendeu que, até à alteração produzida pelo DL 252/89, de 9/08, se considerasse para efeitos de determinação do valor dos bens imóveis transmitidos a título gratuito, o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação e que, só com essa alteração legislativa se mudou tal sistema de determinação da matéria colectável.
- Se assim não fosse e, se houvesse dúvidas sobre a interpretação do referido artº. 30° do CIMSISSD, o legislador teria conferido à alteração efeitos meramente interpretativos, o que não sucedeu, até tendo em conta a disposição transitória do artº. 4° do referido Diploma.

7. Apreciando e decidindo
A questão de direito a ser apreciada por este Supremo Tribunal consiste em saber se à luz da redacção original do artº 30º do CMISISSD, ou seja anterior à que lhe foi dada, primeiro pelo DL 108/87 de 10.03 e depois pelo DL 252/89, de 9/8, na liquidação do imposto sucessório se deve ter em conta o valor matricial dos prédios à data da liquidação ou se pelo contrário deverá atender ao valor matricial dos prédios à data da transmissão, considerando que, no caso sub vertente, os valores matriciais são diferentes à data da transmissão e à data da liquidação por ter havido alteração de valores para mais, em virtude do aumento das rendas.

Dispunha o artº 30º do CMISISSD, na redacção anterior à que lhe foi dada, primeiro pelo DL 108/87 de 10.03 e depois pelo DL 252/89, de 9/8, que "para efeitos de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações entender-se-á que o valor matricial dos bens ao tempo da transmissão é o produto por 20 ou por 15 do rendimento colectável inscrito na matriz à data da liquidação, consoante se trate, respectivamente, de prédios rústicos ou urbanos”.

Por sua vez a norma foi alterada pelo referido DL 252/89, passando a ter a seguinte redacção: «Para efeitos de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações, o valor dos bens imóveis será o valor patrimonial constante das matrizes.

§ 1.º Tratando-se de transmissões a título oneroso, considerar-se-á o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação.

§ 2.º No caso de transmissões a título gratuito, considerar-se-á o valor patrimonial inscrito na matriz à data da respectiva transmissão.


Esta última redacção do preceito não é a que tem de ser convocada para regular a situação de facto em causa nos presentes autos, mas sim a redacção original da norma tendo em conta que essa era a lei vigente no momento em que se produziram os factos que originaram a transmissão (arts. 12º, nº 1 do Código Civil e 10º do CMISISSD)
Improcede assim, desde logo, a argumentação da recorrente, sintetizada nas conclusões D a G, pois que, como já bem se assinalava no acórdão recorrido, a norma transitória do artº 4º do DL 252/89 não tem aqui aplicação, não tendo também sentido a sua invocação.

A questão prende-se sim com a interpretação do artº 30º do CIMSISSD na sua redacção originária, cujos termos literais, aparentemente, mas só aparentemente, parecem favorecer a tese da recorrente.
Com efeito a interpretação desta norma deu origem a longa controvérsia jurisprudencial de que se dá devida nota nos Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 06.03.2002, recurso 025435, de 10.04.2002, recurso 026441, e de 20.09.2000, recurso 020502.
Para uma corrente jurisprudencial atendia-se ao valor dos bens à data da liquidação, para outra atendia-se ao seu valor à data da abertura da herança, tendo em atenção as correcções “ex lege”.
O Acórdão do Pleno de 20.09.2002, proferido no recurso 020502, pese embora a sua vetustez, revela-se de grande actualidade na sua doutrina, não só pela clareza com que se expõem as duas teses em confronto como pela grande profusão de argumentos quanto à, também por nós considerada, correcta interpretação do preceito.
Concordarmos com a respectiva fundamentação, que, aliás, iremos seguir de perto.
Como já referimos os termos literais da norma, na redacção em causa, e numa apreciação perfunctória, poderiam, aparentemente, favorecer a tese da recorrente no sentido de que o valor matricial dos bens ao tempo da transmissão é o produto por 20 ou por 15 do rendimento colectável inscrito na matriz à data da liquidação, consoante se trate, respectivamente, de prédios rústicos ou urbanos.

Porém na interpretação da lei não pode o intérprete limitar-se ao sentido aparente e imediato, ao seu sentido literal, antes tendo que perscrutar a sua finalidade, em suma, o seu sentido e força normativa ( Cfr. Francisco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 4ª edição, tradução de Manuel Andrade, p. 128.).
Pelo que, para se fixar o sentido e alcance da norma jurídica, intervêm, para além, desde logo, do elemento gramatical (o texto ou letra da lei), elementos vários que a doutrina vem considerando: de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
Assim há que ponderar a razão de ser da lei (ratio legis), ou seja o fim visado pelo legislador ao editar a norma.
E, por outro lado, há que considerar o elemento sistemático que se funda "na circunstância de que um preceito jurídico não existe por si só, isoladamente, antes se encontrando ligado a vários outros de modo a constituírem todos eles um sistema", podendo a sua confrontação "vir a revelar um nexo de subordinação, uma relação de analogia ou paralelismo (lugares paralelos) ou ainda um certo grau de conexão"( Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 27 de Fevereiro de 2003, in Diário da República, IIª série, de 5 de Agosto de 2004.
).
Ora, como se sublinhou no citado Acórdão do Pleno de 20.09.2000, recurso 020502, para resolver a questão «é de importância primordial atender aos específicos termos em que o facto tributário foi legalmente conformado (natureza), à unidade do sistema jurídico, à nossa tradição juridíco-fiscal e aos princípios constitucionais que informam o sistema fiscal, mormente o da igualdade, o da segurança e o da tributação do valor real.

O tipo de imposto em análise visa tributar a riqueza transmitida gratuitamente.
A capacidade contributiva para os encargos da comunidade que o tipo tributário elegeu foi a do valor económico transmitido gratuitamente mortis causa.
Esta opção normativa levou o legislador a identificar essa capacidade contributiva com toda a efectiva transmissão económica gratuita de bens mortis causa e a conformar como momento da perfeição do facto tributário o momento da sua efectiva transmissão.
Esta é a concepção normativa que os elementos objectivos do facto tributário tipificados no art.º 30 manifestam sem margem para dúvidas.
Sendo assim, e desde logo, não faria sentido que se fosse atender a elementos temporalmente supervenientes para definir a expressão quantitativa do facto tributário, possibilitando o seu entorse em função dos diferentes sujeitos passivos quando, à partida, o facto tributário se apresenta modelado pelos mesmos factores quânticos.
A mesma concepção do facto tributário explica também os termos absolutamente concordantes com que se estabeleceu a medida de mensuração da capacidade contributiva no art.° 20º do mesmo compêndio, referenciando-a ao valor dos bens transmitidos, ao falar-se que este imposto "será liquidado pelo valor dos bens transmitidos" e que "o valor dos imóveis será o resultante da matriz...» (§ 2° do mesmo artigo).
É ainda esta ideia estruturante de que o tipo de imposto pretende apenas atingir a capacidade contributiva expressa pelo valor dos bens à data da transmissão que justifica que o código mande atender, nos casos em que tal valor é determinado por avaliação, às condições em que eles se encontravam à data da transmissão (§ 2° do art.° 94º do código).»


A nosso ver esta é a interpretação do preceito que melhor se adapta ao respectivo texto legal e que é também mais conforme ao sistema jurídico em que ele se integra e ao princípio da tributação do valor real ali consagrado.

E é também a que se retira da leitura conjugada de diversos preceitos do CSISSD, nomeadamente o seu art.° 3° ( “o imposto incide sobre as transmissões a título gratuito"), o art. 20° (o imposto “será liquidado pelo valor dos bens transmitidos”) e o § 2° do art° 94° ("os bens serão avaliados tendo apenas em conta as condições em que se encontravam à data da transmissão”)
Da conjugação de tais normas resulta evidente que o valor matricial dos bens transmitidos a considerar para efeitos de liquidação, nos termos do referido art. 30° não poderá ser o que resulta da matriz na data daquela, sob pena de se estar a permitir a tributação de riqueza não transmitida, o que violaria a lei.
Seria esse o caso se a liquidação incidisse sobre o valor correspondente às benfeitorias, à celebração de novos contratos de arrendamentos ou à renegociação dos anteriores ou a quaisquer melhoramentos introduzidos no imóvel no período compreendido entre a morte do autor da herança e a data da liquidação, casos em que o aumento da valor do bem transmitido resultaria de uma actividade pessoal do sucessor, desenvolvida em momentos posteriores à transmissão e que com esta directamente nada tem a ver.

Mas, por outro lado, também não parece razoável que se pretenda que o valor matricial a considerar seja, sempre e em qualquer caso, pura e simplesmente, o valor constante da matriz à data da transmissão.
A boa interpretação do texto legal conduz a que sejam consideradas as correcções ex-lege do valor matricial. Tais correcções permitem manter actualizado o valor matricial dos bens, impedindo que, aquando da liquidação, os mesmos tenham um valor inferir à data da transmissão.( Cf., neste sentido, Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 28.10.2998, recurso 20502, e de 10.04.2002, recurso 026441, in www.dgsi.pt. )
Por tudo isso propendemos a considerar que a interpretação que melhor se adapta ao texto daquele dispositivo e que é mais conforme ao sistema jurídico em que ele se integra é a que entende que o valor tributável dos imóveis para efeitos do artº 30º do CIMSISSD, na redacção inicial, é o valor inscrito na matriz à data da transmissão actualizado com as correcções ex lege que ocorram entre tal data e a da liquidação, não relevando para tal cálculo valor o resultante de benfeitorias, melhoramentos ou quaisquer actos do proprietário realizados após a transmissão, cf., neste sentido, e para além dos acórdãos supracitados, os Acórdãos desta Secção de 27/12/85, in BMJ 344/312, de 5/2/86, in AD 293/598, de 5/4/89, Rec, 5849 e 10383, in Ap. DR de 15/1/91, pg. 380 e 397, de 7/3/90 (P), in AD 362/250, de 9/2/94, in AD 396i’1415, de 14/2/96 in AD 418/1163 e de 14/2/96 (P), Recs 13.456, 15.073 e 17.374, o primeiro destes publicado in AD 422/228.

O Acórdão recorrido, que se moveu nestes parâmetros, ao considerar que o imposto em causa visa tributar a riqueza que se transmite, devendo atender-se ao valor dos bens à data da abertura da herança, tendo em atenção, na liquidação, às correcções ex lege, não merece censura, pelo que improcedem as alegações de recurso.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso.

Sem custas, por delas estar isenta a Fazenda Pública (processo instaurado antes da entrada em vigor do decreto-lei 324/2003).

Lisboa, 15 de Junho de 2016. - Pedro Delgado (relator) - Dulce Neto - Ascensão Lopes.