Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0210/11.5BEBJA
Data do Acordão:06/09/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00071487
Nº do Documento:SA1202206090210/11
Data de Entrada:05/20/2021
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE MOURA E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. O Ministério Público, em defesa da legalidade, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (TAF de Beja), contra o Município de Moura, com os sinais dos autos, e indicando como contra-interessados A….. e B….., ambos também com os sinais dos autos, acção administrativa especial, na qual impugnou os despachos do Presidente da Câmara Municipal, de 02.06.2004, e do Vereador, de 07.09.2004, ambos proferidos no processo administrativo n.º 5/04, peticionando que aqueles despachos fossem declarados nulos, bem como todos os actos subsequentes que permitiram o licenciamento da construção, e que fosse ordenada a reposição dos terrenos no estado em que se encontravam previamente à emissão das licenças.

2. Por sentença de 17.03.2016, o TAF de Beja julgou a acção procedente, declarou nulos os actos impugnados, julgou procedente o pedido de condenação à reposição dos terrenos no estado em que se encontravam, relegando para execução de sentença a sua densificação e julgou procedente o pedido de condenação no reconhecimento do direito do contra-interessado a ser indemnizado pelos danos causados pela declaração da nulidade do licenciamento, relegando para liquidação de sentença a fixação e quantificação da indemnização.

3. Inconformado, o Município de Moura recorreu daquela decisão judicial para o TCA Sul, que, por acórdão de 17.12.2020, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgou a acção improcedente.

4. O Ministério Público interpôs recurso de revista do acórdão antes mencionado e este Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 22.04.2021, admitiu o recurso.

5. Nas alegações que apresentou, o Ministério Público rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

1. O douto Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento, de natureza processual, quando transfere para o MP, na sua qualidade de Autor, o ónus da prova de um facto que, constituindo um pressuposto do direito que o recorrente, enquanto requerente, pretendia fazer valer, só a este competia provar;

2. No Acórdão em crise faz-se uma inversão do ónus da prova de forma errada e sem apoio legal na norma do artigo 342.° n.° 1 do CC;

3. Na verdade os Exm.°s Desembargadores esquecem que o requerente e ora contra-interessado, é quem formula a pretensão construtiva, competindo-lhe provar os respectivos requisitos ou pressupostos legais;

4. Ora, como ficou assente na matéria de facto provada, nem o ali requerente invocou a matéria de facto atinente com o referido pressuposto - nem a CM de Moura exigiu tal elemento, sem o qual não podia aprovar a pretensão do ali requerente.

5. Só a este último incumbia o ónus da prova daquele facto e não ao MP, na qualidade de Autor desta acção, onde apenas tinha de alegar e provar que o Município, através do respectivo Órgão, a CM, aprovou a pretensão construtiva do requerente, sem que esta cumprisse os dispositivos legais.

6. Como resulta do … douto Acórdão o R não cumpriu nem fez cumprir as normas do RPDM, art.ºs 12.° e 19.°, pelo que não podia deixar de concluir, como se fez na 1.ª Instância, que o acto impugnado violava de forma manifesta o RPDM, mantendo a declaração de nulidade.

7. Porém, o Acórdão recorrido optou e por concluir: "que o procedimento não foi devidamente instruído, fosse por iniciativa do interessado, aqui contrainteressado, fosse por iniciativa do R., Município, enquanto autor dos atos impugnados. Razão pela qual, na ausência de tais elementos, é verdade que não se pode concluir que a obra em causa cumpre o destino que o RPDM de Moura exigia, mas também não se pode concluir que não cumpre - cfr. matéria de facto não provada, não impugnada -, a saber, se a obra de construção é destinada a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades agro-silvo-pastoril, incluindo as habitações para pessoal permanente” - cfr. art.º 9.º nº 1 in fine, art.º 11.º n.ºs 2 in fine, 4 e 6, artº 20º e art.º 24.º n.º 1 todos do Decreto-Lei nº 555/99, de 16.12 e respectivas Portarias, e art.ºs 12.º e 19.º do RPDM de Moura.";

8. Ora, nem esta conclusão está inteiramente em conformidade com a matéria de facto dada como não provada, constante da douta sentença de 1- instância e que o douto Acórdão em crise transcreve, onde se refere: "factos não provados: Em face da prova produzida não se provaram outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, nomeadamente, se a obra de construção é destinada a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades agro-silvo-pastoril, incluindo as habitações para pessoal permanente.» “

9. Daqui apenas se pode concluir que não se provou aquela conclusão e não a situação inversa, ou seja, que a obra de construção é destinada a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades agro-silvo-pastoril incluindo as habitações para pessoal permanente, pelo que não ficando provado se essa situação existia, não podia o Douto Acórdão recorrido aceitar como válido o acto de deferimento da pretensão do ali requerente.

10. Na falta daquele pressuposto encontrava-se o acto em crise em manifesta violação daquelas normas do PDM de Moura como se defendeu de forma clara e fundamentada na douta sentença de 1ª instância;

11. Pelo que, decidindo em sentido oposto, incorre o douto Acórdão recorrido em erro de julgamento;

12. Importa realçar, como também o Ministério Público, na 1ª Instância o fez, sua qualidade de Autor, na defesa da legalidade, a vinculatividade e positividade do conteúdo daquelas normas do PDM;

13. Elas não se bastam com a não demonstração de que aquela conexão se não verifica, como se defende no Acórdão recorrido, exigindo, antes, que essa conexão resulte evidenciada;

14. Nos termos do art.º 19.º, n.º 1 do PDM de Moura, na redação da RCM n.º 15/96, de 23 de fevereiro, a “realização de obras de construção" na categoria de espaço "agro–silvo-pastoril" apenas seria “licenciável" se “destinadas a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades relativas à respetiva classe de espaço, incluindo as habitações para pessoal permanente”;

15. Os actos declarados nulos pela sentença recorrida permitiram a construção de uma moradia em espaço daquela categoria sem que o requerente alegasse, demonstrasse ou sequer insinuasse a mais leve conexão entre a construção projectada e o “destino” fixado na norma do plano a cuja luz foi emitida a licença de construção, também não tendo os serviços e órgãos municipais desenvolvido qualquer diligência para comprovar que o projeto cumpria os pressupostos do preceito regulamentar;

16. A prova da legitimidade do requerente, nos termos do art.º 9.º, n.º 1, in fine RJUE, através da junção de certidão da descrição predial, apenas visa dar por preenchido o correspondente pressuposto procedimental (art.º 83.º CPA de 1991), nada esclarecendo quanto ao aspecto substantivo da conformidade da pretensão urbanística com os planos municipais, a levar a cabo nos termos do n.º 1 do art.º 20.º daquele regime;

17. Não tendo o procedimento de licenciamento logrado esclarecer o destino da moradia e a sua inserção no pressuposto da norma planificatória que, condicionadamente, a permitiria, os actos impugnados são nulos por violarem o art.º 19.º, n.º 1 do RPDM;

18. Ao revogar a Douta sentença e decidir pela validade daqueles actos, procedeu a uma errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 12.º e 19.º do RPDMM, bem como das insertas nos artigos 9.º, n.º 1, 20.º, 24.º e 68.º RJUE,

19. Pelo que, dando-se provimento ao presente recurso de revisa e revogando o Acórdão em crise, V. Exas. melhor decidirão fazendo Justiça.

[…]».


6 – Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
«[…]

A) Em 2004, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura sob o n° … e inscrito na matriz rústica sob o artigo …., secção H, sito na freguesia da Amareleja, em Moura, era propriedade de A…., ora Contra-interessado: cfr. doc. 1 e doc. 2 juntos com a Petição Inicial - PI e PA;

B) Em 2004, a requerimento do Contra-interessado - que em sede procedimental indicou como residência a R. …., nº …, ….., Odivelas -, foi iniciado no Município de Moura o processo camarário de licenciamento de operação urbanística de edificação (obras de construção nova de edifício de habitação unifamiliar), que foi autuado com o nº 5/04 - DGUH: cfr. doc. 1 a doc. 3 juntos com a PI e PA;

C) Acto impugnado: Em 2004-06-02 por despacho do PCMM, foi aprovado o projecto de arquitectura e das especialidades apresentadas no âmbito do processo camarário n° 5/04 - DGUH: cfr. doc. 4 junto com a PI e PA;

D) Acto impugnado: Em 2004-09-07, deferida a emissão da licença de construção, foi emitido o alvará n° 89/2004, que se transcreve: cfr. doc. 5 junto com a PI;

E) O prédio em causa, com uma área de 1,0800 ha, está inserido em área classificada pelo Plano Director Municipal de Moura, PDM de Moura, como agro-silvo-pastoril: cfr. PA, v.g. planta de implantação versus PDM de Moura, série I-B do D.R. de 1996-02-23 e alterado em 2006, conforme publicação inserta no D.R., II série de 2008-10-22;

F) Em 2011-06-06, deram os presentes autos entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: cfr. fls. 1;

G) Desde 2008-03-26, que o Contra-interessado utiliza a habitação como habitação própria permanente: cfr. Procuração, doc. 2 in fine e doc. 3 juntos com a Contestação de fls. 55 a 86.

Factos não provados:

Em face da prova produzida não se provaram outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, nomeadamente se a obra de construção é destinada a instalações de apoio e directamente adstritas às actividades agro-silvo-pastoril, incluindo as habitações para pessoal.

2. De Direito

2.1. A questão que vem suscitada no presente recurso é a de saber se existiu erro de julgamento do acórdão recorrido ao ter considerado que a questão de ilegalidade repousava sobre a prova de um facto cujo ónus cabia legalmente ao Ministério Público e que, por não ter sido cumprido, determinava a improcedência da acção.

Já no plano material, a questão reconduz-se à conformidade legal do acto de licenciamento de edificação para fins habitacionais em prédio rústico localizado em área classificada no Plano Director Municipal de Moura como agro-silvo-pastoril, praticado pelos órgãos do Município através dos despachos impugnados nos autos.

2.2. No que contende com o erro de julgamento da questão processual, discute-se o acerto da decisão recorrida na parte em que conclui que “o procedimento não foi devidamente instruído, fosse por iniciativa do interessado, aqui contra-interessado, fosse por iniciativa do R., MUNICÍPIO, enquanto autor dos actos impugnados”, e depois alcança a seguinte decisão “não tendo o vício material de violação do PDM, gerador da invocada nulidade dos actos impugnados, resultado provado, e tendo presente que a repartição do ónus da prova obedece à regra geral do art. 342.º, do Código Civil, segundo a qual quem invoca um direito tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, imperioso se torna conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a acção administrativa especial intentada pelo Ministério Público improcedente”.

É líquido que a decisão assim adoptada não pode manter-se, pois o que está em causa é apenas saber se o acto de licenciamento é ou não ilegal por violar os parâmetros normativos que determinam o seu conteúdo, in casu, saber se o Município aplicou correctamente o disposto no Regulamento do PDM em matéria de “condicionalidades” ao licenciamento de edificações em terrenos localizados em zonas destinadas a aproveitamentos agro-silvo-pastoris. Ficou provado nos autos que: i) o prédio estava inserido em área classificada pelo PDM de Moura como agro-silvo-pastoril (ponto E da matéria de facto assente) e ii) que relativamente a ele foi licenciada a construção de uma edificação destinada a habitação unifamiliar (pontos B, C e D da matéria de facto assente). Nada se provou a respeito de aquela construção ser destinada a instalações de apoio directamente afectas às actividades agro-silvo-pastoris e a prova deste vínculo funcional era, à luz do quadro normativo regulador daquele acto de licenciamento, pressuposto de facto da respectiva conformidade jurídica.

Ora, a questão que se coloca não é a de saber se o impugnante Ministério Público, que aqui actuou em defesa da legalidade, tinha ou não que fazer prova da não afectação do edificado às actividades agro-silvo-pastoris, o que importa saber é se a inexistência de controlo daquele pressuposto normativo no procedimento de instrução do acto de licenciamento determina a invalidade deste.

A este respeito, concluiu-se na sentença do TAF de Beja, que “(…) decorre dos autos e o probatório elege que o Contrainteressado apresentou o seu pedido de licenciamento de construção de edifício de habitação unifamiliar em terreno inserido em área classificada pelo PDM de Moura como agro-silvo-pastoril, e que não instruiu tal pretensão, nem, sublinhe-se, sequer, para tal foi convidado pela Demandada, com comprovativo de que exercia ou pretendia exercer a atividade agro-silvo-pastoril: cfr. alínea A) a G) supra e factos não provados”.

Lembre-se que o Ministério Público propõe a acção administrativa em defesa da legalidade e o Tribunal reúne, a partir da prova indicada, maxime da análise da documentação constante do procedimento administrativo licenciador, a informação necessária para verificar do cumprimento ou não in casu dos pressupostos normativos do acto de licenciamento, pressupostos que são exigidos pelo artigo 20.º, n.º 1 do RJUE.

E o facto de que não houve controlo deste requisito normativo do artigo 19.º do Regulamento do PDM de Moura é, de resto, corroborado pelo Município na contestação que apresentou na acção, ao defender a tese de que aquele requisito não exigia um tal controlo, bastando-se a validade do acto de licenciamento com o cumprimento dos parâmetros de edificabilidade definidos para a área.

Assim, decorre dos autos que o acto de licenciamento foi praticado sem o controlo daquele requisito normativo, bastando-se este facto para apurar da validade ou invalidade do mesmo, não procedendo, pois, a argumentação do acórdão recorrido a respeito do alegado ónus de prova que impedira sobre o Ministério Público, razão pela qual o aresto não se pode manter.

2.3. A segunda questão que vem suscitada no âmbito deste recurso prende-se com a ilegalidade material do acto de licenciamento por violação (não observância) dos pressupostos estipulados no artigo 19.º do Regulamento do PDM de Moura. Vejamos.

Resulta da prova produzida nos autos que a edificação está inserida em área classificada no PDM de Moura como agro-silvo-pastoril (ponto E do probatório), que foi licenciada para habitação e que está afecta a habitação própria e permanente do contra-interessado (pontos D e G da matéria de facto assente), sem que se tenha comprovado que este exerce, naquele terreno, qualquer actividade relativa com aquela classe de espaço. Ora, sendo pressuposto normativo deste licenciamento, ex vi do disposto no artigo 19.º do Regulamento do PDM de Moura, que aquela edificação só poderia ser licenciada se estivesse destinada a “instalações de apoio e directamente adstritas às actividades relativas à respectiva classe de espaço, incluindo as habitações para pessoal permanente”, resulta evidente que este pressuposto normativo não foi objecto de controlo no procedimento de licenciamento e que, como tal, o licenciamento enferma de ilegalidade por violação deste pressuposto normativo do acto.

O Município, aqui recorrido, alega, contudo, que o dito pressuposto normativo não teria que ser objecto de controlo, porque ele, em si, não era condição de validade do licenciamento. Para o Município, o preceito regulamentar em crise não proíbe o licenciamento de uma habitação permanente do proprietário do terreno, desde que esse licenciamento cumpra os restantes parâmetros urbanísticos legais e regulamentares, como, por exemplo, o índice de ocupação. Importa, por isso, verificar se esta argumentação pode proceder no sentido de dela se poder retirar que, não obstante se ter verificado a falta de controlo procedimental daquele requisito, o acto de licenciamento impugnado deve manter-se por não enfermar de uma ilegalidade material, tendo em conta que aquele pressuposto normativo era, afinal, juridicamente “irrelevante”.

Vejamos se lhe assiste razão nesta interpretação.

Importa começar por analisar o teor das normas do RPDM de Moura, na redacção que as mesmas tinham à data em que foram praticados os actos impugnados (2004), que era a seguinte:

Artigo 12.º Usos específicos e edificabilidade

1 - As áreas agro-silvo-pastoris delimitadas na planta de ordenamento à escala de 1:25 000 caracterizam-se por, não obstante possuírem vocação predominantemente florestal, poderem manter os usos agrícolas, pastoris, florestais e agro-florestais tradicionais ou ser objecto de medidas de reconversão agro-florestal equilibrada.

2 - A construção deve respeitar a legislação em vigor e nunca ultrapassar o prescrito no artigo 19.º do presente Regulamento.

Artigo 19.º Edificabilidade

1 - Nos espaços agrícolas, agro-silvo-pastoris, naturais e culturais é licenciável a realização de obras de construção destinadas a instalações de apoio e directamente adstritas às actividades relativas à respectiva classe de espaço, incluindo as habitações para pessoal permanente.

2 - As construções a edificar estão sujeitas às normas legais aplicáveis e às seguintes prescrições:

Número máximo de pisos (NpM) - 1, com excepção de construções que para adaptação à morfologia do terreno poderão ter dois pisos;

Coeficiente bruto de ocupação do solo (COSb) - 0,04, para construções de apoio às actividades relativas à respectiva classe de espaço, incluindo um máximo de 0,02 para habitação;

Altura máxima dos edifícios (AeM) - 6,5 m, com excepção de casos tecnicamente justificados;

Abastecimento de água e drenagem de esgotos por sistema autónomo;

Boa integração na paisagem evitando aterros ou desaterros com cortes superiores 3 m;

Os materiais de construção a utilizar são os seguintes:

Alvenarias rebocadas e caiadas ou pintadas de branco;

Caixilharias em qualquer material tradicional, nas habitações;

Coberturas das habitações em telha de barro vermelho.

3 - São autorizadas instalações turísticas, cinegéticas ou rurais, desde que previstas em edifícios existentes a recuperar e reabilitar sem alterar as suas características morfológicas. As unidades turísticas de apoio às zonas de caça turística são autorizadas na base de uma cama por 50 ha de zona de caça.

4 - Nos espaços agro-silvo-pastoris não sujeitos a condicionantes legais em vigor que o impeçam pode ser autorizada a transformação do uso do solo para fins não agro-florestais relativos a empreendimentos industriais, de indústrias extractivas ou de turismo que comprovadamente concorram para a melhoria das condições sócio-económicas do concelho, desde que relacionados com as actividades próprias desta classe de espaço. Nestes casos aplica-se o que vem regulamentado no n.º 4 do presente artigo para as actividades turísticas, na secção VIII para os empreendimentos industriais e na secção IX para as indústrias extractivas.

5 - Os empreendimentos turísticos poderão ter a forma de unidades hoteleiras, conjuntos turísticos ou parques de campismo, desde que sujeitos às seguintes prescrições:

Número máximo de camas por hectare (NcM) - 20;

Coeficiente bruto de ocupação do solo (COSb) - 0,08;

Número mínimo de lugares de estacionamento por hectare (Lem) - 10;

Número máximo de pisos (NpM) - 2.

A redacção do artigo 19.º do Regulamento do PDM seria posteriormente actualizada por deliberação da Assembleia Municipal de Moura de 14 de Dezembro de 2010, passando a ter a seguinte formulação:

Artigo 19.º Edificabilidade para fins habitacionais

1 - No caso da edificação nos espaços agrícolas, agro-silvo-pastoris, naturais e culturais se destinar a residência própria do proprietário-agricultor de exploração agrícola devem ser observadas as seguintes condições:

a) Comprovação da qualidade de agricultor pelas entidades competentes, enquanto responsável pela exploração agrícola e proprietário do prédio onde se pretende localizar a habitação;

b) Área mínima do prédio de 4 ha;

c) Número máximo de pisos de um, com excepção das construções que para adaptação à morfologia do terreno poderão ter dois pisos;

d) Área de construção máxima de 500 m2;

e) Alvenarias rebocadas e caiadas ou pintadas de branco;

f) Coberturas das habitações em telha de barro vermelha ou outra solução desde que promova uma melhor integração na paisagem;

g) Inalienabilidade dos prédios que constituem a exploração agrícola em que se localiza a edificação pelo prazo de 10 anos subsequentes à construção, salvo por dívidas relacionadas com a aquisição de bens imóveis da exploração e de que esta seja garantia, ou por dívidas fiscais, devendo esse ónus constar do registo predial da habitação, não se aplicando, porém, quando a transmissão de quaisquer direitos reais sobre esses prédios ocorrer entre agricultores e desde que se mantenha a afectação da edificação ao uso exclusivo da habitação para residência própria do adquirente -agricultor.

2 - A intervenção em edificações legalmente existentes deve respeitar as condições dispostas nas alíneas c) a f) do número anterior.

O Município, como vimos, defende que do mencionado artigo 19.º do Regulamento do PDM de Moura não se pode extrair que o licenciamento fique condicionado pela actividade a desenvolver por aqueles que vão ocupar a edificação, devendo admitir-se que uma tal interpretação da norma é desrazoável e, como tal, inexigível no momento de controlar o acto de licenciamento da edificação, o qual se deve circunscrever, como já dissemos, à observância dos restantes parâmetros de edificação.

Mas o Município não tem razão.

Como bem se afirma na sentença do TAF de Beja, os requisitos normativos do PDM são claros – necessidade de vincular a edificação à funcionalidade a desenvolver pelos que a irão ocupar numa relação com o uso dominante do prédio – e têm de ser cumpridos, por força do princípio da legalidade que vincula as entidades administrativas no momento da prática dos actos, ao cumprimentos dos pressupostos normativos para a emissão dos mesmos.

A isso soma-se que o Município não poderia, no momento da prática do acto licenciador, desaplicar a norma do Regulamento com fundamento em qualquer invalidade, incluindo uma potencial ilegalidade da mesma. De resto, a ilegalidade da dita norma não vem questionado nos autos, seja de forma directa, seja de forma indirecta. E mesmo que quisesse trazer essa questão para juízo, teria de ter requerido a ampliação do objecto da acção, o que não fez.

Acrescente-se que também não se afigura correcta a interpretação do artigo 19.º do Regulamento do PDM que o Município aqui pretende fazer valer, não só porque a letra da norma é clara na formulação daquele autónomo requisito do licenciamento, como ainda porque a mesma encontra em instrumentos normativos de planeamento urbano de grau superior um fundamento jurídico expresso. Com efeito, a condicionalidade imposta consubstancia uma medida reguladora do uso racional do solo segundo o princípio-regra da função social da propriedade, em linha com a conformação jurídico-constitucional deste direito, no que contende com a admissibilidade de edificações habitacionais isoladas em áreas rurais tendo em vista os custos sociais que as mesmas representam, tornando assim efectivo (em linha com o princípio da hierarquia dos planos urbanísticos) o disposto no ponto 153 do PROT Alentejo (aprovado pela RCM n.º 53/2010, de 2 de Agosto), que aqui constitui um elemento da cadeia de legitimação/habilitação normativa da referida norma regulamentar.

Por último, cumpre destacar que o órgão municipal com poder regulamentar haveria, como vimos, não só de manter, como ainda de “reforçar” aquele pressuposto normativo habilitador do acto de licenciamento na actualização que fez da redacção da norma, aprovada pela deliberação da Assembleia Municipal de Moura de 14 de Dezembro de 2010.

Todos estes argumentos permitem refutar a tese da interpretação do requisito do artigo 19.º do Regulamento do PDM de Moura aqui em crise como “inexistente” ou “juridicamente vinculativo a se”, como ainda arredar um potencial aproveitamento do acto.

Decisão

Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do STA em julgar procedente o recurso, revogar a decisão recorrida e manter na ordem jurídica a decisão do TAF de Beja.

Custas pelo Recorrido no Supremo e nas instâncias.


*****

Lisboa, 9 de junho de 2022. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Maria Cristina Gallego dos Santos (Vencida) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.

Voto de vencido:

Salvo o devido respeito pela posição que obteve vencimento, negaria provimento ao recurso pelos fundamentos do projecto de acórdão, como segue.

*

a. efeitos reais dos planos municipais de ordenamento do território - carácter real dos actos urbanísticos;

O Recorrente conclui nos itens 14 a 17 pela nulidade (cfr. artº 68º a) RJUE) dos actos de aprovação do projecto de arquitectura e de licenciamento da construção da moradia em espaço agro-silvo-pastoril em violação dos artºs. 12º e 19º do PDM/Moura, normas que dispõem sobre a vinculação situacional dos solos (19º/1) e estabelecem parâmetros urbanísticos (19º/2), com fundamento em que:

· “a realização de obras de construção na categoria de espaço agro-silvo-pastoril apenas seria licenciável se destinadas a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades relativas à respetiva classe de espaço, incluindo as habitações para pessoal permanente” – item 14;

· o procedimento de licenciamento tem que evidenciar a “conexão entre a construção projectada e o “destino” fixado na norma do plano a cuja luz foi emitida a licença de construção” – item 15;

· não tendo o procedimento de licenciamento logrado esclarecer o destino da moradia e a sua inserção no pressuposto da norma planificatória que, condicionadamente, a permitiria, os actos impugnados são nulos por violarem o artº 19º/1 do RPDM – item 17.

· a moradia não se destina a nenhum dos limitados usos admitidos no artº 19º nº 1 do Regulamento do PDM de Moura”, donde conclui que “os serviços e os órgãos do município não podiam deixar de instruir o procedimento de forma a esclarecer se tais pressupostos se mostravam ou não verificados” – alegações de recurso.

Todavia tal entendimento não é juridicamente sustentável dado o carácter real (e não pessoal) dos actos urbanísticos na razão directa dos efeitos reais dos planos municipais de ordenamento do território, concretamente, dos efeitos jurídicos produzidos pela definição dos usos do solo admitidos pelas normas de classificação e qualificação que substanciam o conteúdo material do plano director municipal (artºs. 71º a 74º RJIGT/99, actuais 70º a 74º RJIGT/2015), dando assim concretização regulamentar ao princípio da vinculação situacional dos solos.

Na medida em que introduzem regras de ocupação, uso e transformação do solo nas áreas especificadas na planta de ordenamento, os planos municipais desempenham uma função conformadora do território e, por consequência, também do direito de propriedade dos solos ao reflectir-se no conteúdo dos direitos que sobre ele incidem.

Conformação a que a doutrina se refere por “(..) efeitos reais dos planos: são estes que definem o estatuto das coisas (solos) sobre que incide a sua regulamentação. E por isso, também, os actos de gestão urbanística que os aplicam (como as informações prévias, os licenciamentos, as admissões das comunicações prévias e as autorizações) assumem igualmente um carácter real, por corresponderem a actos de autoridade que definem as condições de ocupação urbanística dos prédios sobre que incidem, independentemente da respectiva titularidade, sendo, pois, emanados em função das características objectivas dos terrenos, tendo em conta a regulamentação de urbanismo, e não em função da qualidade do requerente.

(..) ao plano cabe definir as condições objectivas (isto é, que atendam às condições às características dos solos) para a concretização dos vários tipos de uso admissíveis e para a realização, quando possam ocorrer, das operações urbanísticas … os planos municipais … apresentam-se como instrumentos de carácter real e não de carácter pessoal, o que significa que regulam a ocupação das áreas territoriais de abrangência, fixando as regras aplicáveis aos solos e não a regulamentação aplicável a pessoas ou grupos de pessoas determináveis, embora estas sejam afectadas indirectamente por normas daquele primeiro tipo.

(..) os instrumentos de planeamento devem evitar utilizar critérios de ordem pessoal para regular a ocupação dos solos … a determinação, em plano municipal de que nos solos agrícolas apenas poderá ser autorizada edificação para habitação do agricultor pode não se revelar uma exigência adequada para garantir uma ocupação urbanística residual nestes solos. É que embora este critério possa ser controlado no momento do licenciamento, não se apresenta adequado para evitar, por não poder impedir posteriores transacções do imóvel, que o objectivo venha a ser desviado.

Com efeito, a impossibilidade de o plano poder proibir futuras transacções decorre do facto de tal não se enquadrar nas finalidades precípuas dos instrumentos de planeamento. E, na nossa óptica, os planos municipais, na ausência de uma expressa autorização legal, não podem proceder a uma limitação ao direito de livre disposição, por tocar num dos aspectos essenciais do direito de propriedade ínsito no núcleo essencial daquele direito fundamental. (..)” (Fernanda Paula Oliveira, A discricionariedade de planeamento urbanístico municipal na dogmática geral da discricionariedade administrativa, Almedina/2011, págs. 430-431.)

Efectivamente, o artº 62º nº 1 da CRP estabelece em sede de direito de propriedade privada que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte”, assegurando deste modo a existência de um direito individual à propriedade privada v.g. na perspectiva subjectiva de defesa dos direitos e interesses do respectivo titular, nas vertentes de garantia institucional e de direito fundamental enquanto posição jurídica subjectiva reconhecida a todas as pessoas e beneficiária de especial regime de protecção.

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Temos assim que, atento o carácter real dos actos de gestão urbanística, do ponto de vista jurídico é irrelevante se o uso dado ao edificado - ou seja, à moradia licenciada - está em relação de conformidade com a categoria de uso do solo rural; diferentemente, importa saber se a operação urbanística licenciada respeitou as regras de edificabilidade definidas no plano director municipal para a respectiva categoria de uso do solo em função do uso dominante.

O mesmo é dizer que o enfoque jurídico se centra no regime do uso do solo, designadamente no regime da edificabilidade, quando admissível, nas categorias que integram a classe de solo rural - cfr. artº 73º nºs 1 e 2 RJIGT/99.

Pelo que vem de ser dito improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 14 a 17 das conclusões, considerando-se prejudicada a questão da legitimidade do requerente da operação urbanística (item 16) pela solução dada às demais.

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Vejamos de seguida em que consiste a vinculação situacional dos solos.

b. vinculação situacional dos solos - zonamento funcional – mistura de usos compatíveis;

No plano constitucional o artº 65º nº 4 CRP estabelece expressamente que a definição das “regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos” deve ser feita “designadamente através de instrumentos de planeamento no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo”, desígnio concretizado nos artºs 71º RJIGT/99 (actual 70º RJIGT/2015, DL 80/2015, 14.05) e 15º da LBPOTU – Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, Lei 48/98,11.08, actual artº 10º da Lei 31/2014, 30.03 que revogou a velha, datada e jurídico-constitucionalmente desajustada Lei dos Solos, DL 794/76, 05.11.

Tal significa que os instrumentos de ordenamento do território e do urbanismo, dentre os quais especialmente o plano director municipal (PDM), constituem o mecanismo essencial do regime jurídico dos solos, tendo por finalidade principal “(..) a estruturação espacial do território municipal, função que é alcançada pela referenciação espacial dos vários usos e actividades neles admitidos, ou seja, pela afectação de porções do território ao desempenho de determinadas finalidades … função doutrinalmente designada de conformação do território … obtida pelo recurso à técnica urbanística do zonamento – zonamento funcional que procede à definição dos destinos e vocações de cada uma das parcelas do território – sendo através dela que o município procede às escolhas fundamentais atinentes à localização de funções e das actividades humanas a prever – habitacionais, de actividades económicas … e que tem na sua base as tarefas essenciais para a definição do regime de uso do solo: a sua classificação e qualificação. (..)”, dando assim concretização ao zonamento funcional do território. (Fernanda Paula Oliveira, A discricionariedade de planeamento urbanístico municipal…, págs. 387-388.)

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Quanto à primeira tarefa de classificação, o artº 72º nº 1 RJIGT/99 (actual 70º nº 1 RJIGT/2015) define a existência de duas classes básicas de uso: solo urbano e solo rural (urbano e rústico na nomenclatura do RJIGT/2015).

Trata-se de uma tipologia legal binária cuja concretização a cargo da administração autárquica tem por referência os critérios gerais estabelecidos no Decreto Regulamentar nº 11/2009, 29/05 (solo rural artº 5 nº 2 e solo urbano artº 6º nº 4) - substituído no domínio do RJIGT/2015 pelo Dec. Reg. nº 15/2015, 19.08 - classificação e critérios a que o município se encontra vinculado, distintamente do que sucede no âmbito dos poderes de planeamento do território para, em concreto, delimitar e reconduzir as parcelas do respectivo território a uma das classes e categorias de usos, competências em que a Administração municipal goza de amplo espaço de discricionariedade.

Como já referido, aos autos importa a classe de solo rural (solo rústico - 71º/2 b) RJIGT/2015) que o artº 72º nº 2 a) RJIGT/99 define como “aquele para o qual é reconhecida [competência do município] vocação para as actividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como o que integra os espaços naturais de protecção ou de lazer, ou que seja ocupado por infra-estruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano”.

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Relativamente à segunda tarefa de, dentro de cada classe, processar a qualificação dos solos segundo categorias de uso especificadas no plano director municipal em função dos usos dominantes, dispõe o artº 73º nºs 1 e 2 a) RJIGT/99 (74º nºs 1 e 3 RJIGT/2015) que deste modo se “regula o aproveitamento do mesmo [do solo] em função da utilização dominante que nele pode ser instalada ou desenvolvida fixando o respectivo uso e, quando admissível, a edificabilidade.”, “A qualificação do solo rural processa-se através da integração nas seguintes categorias: a) Espaços agrícolas ou florestais afectos à produção ou à conservação. …”.

Donde, no que respeita à classe de solo rural, o artº 72º nº 2 a) RJIGT atribui ao município competência para desenhar e definir o zonamento do território através da determinação de espaços cuja vocação dominante atribuída (uso dominante) respeita, entre outras, as funções agrícola, pecuária e florestal e, por consequência, ao abrigo do artº 73º nºs 1 e 2 a) RJIGT, competência para definir o conteúdo material do plano director municipal através da identificação no seu território de categorias funcionais de solo rural como é o caso dos “a) Espaços agrícolas ou florestais afectos à produção ou à conservação” e também, quando admissível, definir a respectiva edificabilidade (73º nº 1).

Como nos diz a doutrina que vimos seguindo, “(..) a caracterização pela lei da tarefa de qualificação dos solos como a que corresponde à indicação dos usos dominantes neles admitidos tem como objectivo principal a substituição do tradicional zonamento monofuncionalista por um zonamento plurifuncional das diferentes áreas do município, de modo a garantir “uma coexistência harmoniosa de funções” .. apenas dessa forma sendo possível concretizar um dos mais relevantes princípios jurídicos do planeamento urbanístico actual: o princípio da mistura de usos compatíveis ou da proximidade simbiótica, que se apresenta como complementar de um outro, de sinal contrário – o da separação de usos incompatíveis.

Enquanto este último se refere aos usos territoriais que se prejudicam mutuamente … o primeiro, fundamental em matéria de planeamento territorial, compele à promoção de uma mistura de distintos usos de forma a optimizar a localização de actividades de diferente natureza. (..)”. ( Fernanda Paula Oliveira, Regime dos Instrumentos de Gestão Territorial – comentado, (RJIGT/99), Almedina/2012, pág. 225.)

Determinando a lei expressamente (artº 73º nº 1 RJIGT/99, 74º nºs 1 e 3 RJIGT/2015) que na qualificação dos solos as categorias funcionais devem ter por referência o uso dominante a que fica afecta a área territorial e, consequentemente, a modalidade de utilização “(..) correspondente ao tipo prevalecente de uso do solo atribuído pelo plano, fundamentado na análise dos recursos, valores, funções e actividades existentes …[tal significa] que se admitem, dentro de cada categoria, ao lado do referido uso dominante, utilizações ou usos complementares ou acessórios e utilizações e usos compatíveis, o que tem como consequência a admissão de usos mistos, desde que fique perfeitamente identificado a garantido um uso dominante de cada categoria, impedindo, assim o desvirtuamento do regime jurídico inicialmente estabelecido nos instrumentos de planeamento urbanístico. (..)”

Em sede de conceitos, “(..) Os usos dominantes correspondem a usos que constituem a vocação preferencial de utilização do solo em cada categoria ou subcategoria de espaço considerada; os usos complementares são os usos não integrados nos dominantes, mas cuja presença concorre para a valorização ou reforço destes (exemplo típico: turismo de habitação e turismo no espaço rural, relativamente às categorias que integram o solo rural). Dada a complementaridade que apresentam em relação aos usos dominantes, apenas excepcionalmente devem ser recusados.

Por fim, os usos compatíveis são aqueles que, não se articulando necessariamente com os dominantes, podem conviver com estes mediante o cumprimento dos requisitos que garantam essa compatibilização. Correspondem a usos que não tendo uma ligação directa ao uso dominante, não são de ocorrência normal, admitindo-se, contudo, a sua concretização desde que não ponham em causa o uso dominante e cumpram requisitos mais exigentes de compatibilidade de uso. (..)” (Fernanda Paula Oliveira, A discricionariedade de planeamento urbanístico…, págs. 397-398.)

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É precisamente a esta hipótese de mistura de usos compatíveis que se reconduz o caso trazido a recurso e que se mostra estatuída nos artºs 12º nºs. 1 e 2 e 19º nºs. 1 e 2 do PDM de Moura.

As citadas normas do PDM/Moura dispõem como segue:

Artigo 12º - Usos específicos e edificabilidade

1. As áreas agro-silvo-pastoris delimitadas na planta de ordenamento à escala de 1:25000 caracterizam-se por, não obstante possuírem vocação predominantemente florestal, poderem manter os usos agrícolas, pastoris, florestais e agro-florestais tradicionais ou ser objecto de medidas de reconversão agro-florestal equilibrada.

2. A construção deve respeitar a legislação em vigor e nunca ultrapassar o prescrito no artigo 19.º do presente Regulamento.

Artigo 19º - Edificabilidade

1. Nos espaços agrícolas, agro-silvo-pastoris, naturais e culturais é licenciável a realização de obras de construção destinadas a instalações de apoio e directamente adstritas às actividades relativas à respectiva classe de espaço, incluindo as habitações para pessoal permanente.

2. As construções a edificar estão sujeitas às normas legais aplicáveis e às seguintes prescrições:

o Número máximo de pisos (NpM) - 1, com excepção de construções que para adaptação à morfologia do terreno poderão ter dois pisos;

o Coeficiente bruto de ocupação do solo (COSb) - 0,04, para construções de apoio às actividades relativas à respectiva classe de espaço, incluindo um máximo de 0,02 para habitação;

o Altura máxima dos edifícios (AeM) - 6,5 m, com excepção de casos tecnicamente justificados;

o Abastecimento de água e drenagem de esgotos por sistema autónomo;

o Boa integração na paisagem evitando aterros ou desaterros com cortes superiores a 3 m;

o Os materiais de construção a utilizar são os seguintes:

o Alvenarias rebocadas e caiadas ou pintadas de branco;

o Caixilharias em qualquer material tradicional, nas habitações;

o Coberturas das habitações em telha de barro vermelho.

3. São autorizadas instalações turísticas, cinegéticas ou rurais, desde que previstas em edifícios existentes a recuperar e reabilitar sem alterar as suas características morfológicas. As unidades turísticas de apoio às zonas de caça turística são autorizadas na base de uma cama por 50 ha de zona de caça.

4. Nos espaços agro-silvo-pastoris não sujeitos a condicionantes legais em vigor que o impeçam pode ser autorizada a transformação do uso do solo para fins não agro-florestais relativos a empreendimentos industriais, de indústrias extractivas ou de turismo que comprovadamente concorram para a melhoria das condições sócio-económicas do concelho, desde que relacionados com as actividades próprias desta classe de espaço. Nestes casos aplica-se o que vem regulamentado no n.º 4 do presente artigo para as actividades turísticas, na secção VIII para os empreendimentos industriais e na secção IX para as indústrias extractivas.

5. Os empreendimentos turísticos poderão ter a forma de unidades hoteleiras, conjuntos turísticos ou parques de campismo, desde que sujeitos às seguintes prescrições:

o Número máximo de camas por hectare (NcM) - 20;

o Coeficiente bruto de ocupação do solo (COSb) - 0,08;

o Número mínimo de lugares de estacionamento por hectare (Lem) - 10;

o Número máximo de pisos (NpM) - 2.


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No que respeita ao regime de uso do solo – alínea A do probatório - e de acordo com a planta de ordenamento do PDM/Moura, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artº ….-Secção H da freguesia da Amareleja descrito sob o nº … da CRP de Moura, integra a classe de solo rural na categoria de “espaço agrícola florestal” tendo por referência quanto ao uso dominante, ou seja, por vocação preferencial de utilização do solo, a actividade agro-silvo-pastoril (artº 73º nº 2 a) RJIGT/99; artº 12º nº 1 PDM).

Na citada categoria é admitida a edificabilidade mediante a fixação de parâmetros urbanísticos (artº 73º nº 1 RJIGT/99; artºs, 12º nº 2 e 19º nºs. 1 e 2 PDM).

Quanto ao regime de edificabilidade admitida, o texto do artº 19º nºs. 1 e 2 é o seguinte:

o obras de construção destinadas a instalações de apoio e directamente adstritas às actividades relativas à respectiva classe de espaço, incluindo as habitações para pessoal permanente”

No artº 19º nº 2, a definição dos parâmetros urbanísticos a observar no projecto de arquitectura, é a seguinte:

o Número máximo de pisos (NpM) - 1, com excepção de construções que para adaptação à morfologia do terreno poderão ter dois pisos;

o Coeficiente bruto de ocupação do solo (COSb) - 0,04, para construções de apoio às actividades relativas à respectiva classe de espaço, incluindo um máximo de 0,02 para habitação;

o Altura máxima dos edifícios (AeM) - 6,5 m, com excepção de casos tecnicamente justificados;

Estes parâmetros urbanísticos inscritos no PDM/Moura são de natureza supletiva pois embora “(..) não resulte directamente do artº 85º RJIGT que a fixação dos parâmetros de uso do solo integra o conteúdo material normal dos planos directores municipais, tal função é uma decorrência implícita da tarefa de qualificação que lhes cabe proceder, a qual, para além da determinação dos usos dominantes previstos para cada categoria, integra também a definição do seu regime, designadamente o regime da edificabilidade, quando admissível (cfr. nº 1 do artigo 73 do RJIGT), que é caracterizado, precisamente, pela definição de parâmetros, índices e indicadores urbanísticos (como a superfície de construção, o volume de construção, a área de implantação, a cércea das edificações, as distâncias em relação às extremas, etc.) (..)”. (Fernanda Paula Oliveira, A discricionariedade de planeamento urbanístico…, págs. 426-427.)

Edificabilidade que, no caso dos presentes autos, é admitida nos termos definidos pelos artºs, 12º nº 2 e 19º nºs. 1 e 2 PDM/Moura.

Decorre do carácter real dos actos de gestão urbanística, como já foi assinalado, que a este regime de edificabilidade no quadro da mistura de usos compatíveis é indiferente se o proprietário ao residir no edificado licenciado (i) se dedica à “actividade relativa à respectiva classe de espaço”, isto é, explora a actividade económica referida na categoria funcional de “espaços agrícolas, agro-silvo-pastoris” em solo de classe rural ou (ii) contrata terceiros para exploração das actividades em causa ou, ainda, (iii) reside no edificado licenciado mas não desenvolve quaisquer actividades agro-silvo-pastoris.

Nos termos da fundamentação supra, o regime vinculado do uso dos solos no que respeita à classificação binária legalmente admitida e a cuja qualificação o município procede no quadro da discricionariedade de planeamento mediante a determinação seja das categorias dos terrenos em função do uso dominante que neles pode ser desenvolvido seja, também e quando admissível, do regime da edificabilidade em categorias na classe de solo rural (artº 73º nº 1 RJIGT/99), significa que no processo normativo de definição das condições de ocupação dos solos não há lugar a critérios de ordem pessoal.

Na medida em que dos autos não resulta a violação dos parâmetros urbanísticos fixados no artº 19º nºs. 1 e 2 PDM/Moura também nada se provou em matéria de incompatibilidade de usos do solo evidenciada pela construção da moradia e a qualificação do solo na categoria funcional de “espaços agrícolas, agro-silvo-pastoris” aquando da aprovação do projecto de arquitectura em 02.06.2004 - acto pelo qual o órgão autárquico competente conforma a situação jurídica do caso concreto em função dos parâmetros normativos do artº 20º nºs. 1 e 2 do RJUE - e o consequente licenciamento de 07.09 2004, vd. alíneas C e D do probatório.

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Tudo visto, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 6 a 13 e 18 das conclusões, mostrando-se os actos impugnados válidos e eficazes.

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Pela fundamentação exposta negaria provimento ao recurso confirmando o acórdão recorrido.

Cristina Santos