Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:022/15.7BECBR 01459/15
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:CONCLUSÕES
RECURSO
APERFEIÇOAMENTO
PRESCRIÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
Sumário:I - O convite ao aperfeiçoamento previsto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil restringe-se às conclusões do recurso e não às alegações de recurso;
II - De acordo com o disposto no artigo 48º, nº 3 da LGT a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste em processo de execução fiscal for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
III - A extensão ao responsável subsidiário dos efeitos dos actos praticados em relação ao devedor originário, que se estabelece no artigo 48.º, n.º 3 da LGT, apenas está prevista quanto aos actos interruptivos da prescrição e não também quanto às causas de suspensão da prescrição.
IV - Quanto aos factos com efeito suspensivo da prescrição, aplica-se a regra do artigo 48.º, n.º 2 da LGT de que as causas de suspensão em relação ao devedor principal produzem efeitos em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que ocorrer a citação deste.
V - A suspensão do processo de execução fiscal nas situações em que está pendente Impugnação e estão já penhorados bens suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido é um dever legal imposto à Administração Fiscal, pelo artigo 169.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P27581
Nº do Documento:SA220210428022/15
Data de Entrada:11/18/2015
Recorrente:A………….
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A………….., notificado da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a Oposição por si deduzida contra a execução fiscal n.º 3050200001015184 – originariamente instaurada contra a B………, Lda., por dívidas de IRC relativas aos anos de 1996 e 1997 – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, pedindo a sua revogação por, em conclusão:

«a) Mesmo que se aceite, sem conceder, a correcção da tese expendida, na sentença recorrida, sobre a aplicação da norma constante do art.° 12.°, n.° 2, primeira parte do Código Civil, relativamente às normas que alteraram causas de interrupção e de suspensão do prazo de prescrição, editadas depois da data de constituição das dívidas tributárias (Leis n.°s 100/99, de 26 de Julho e 53-A/2006, de 29 de Dezembro), sempre a sentença recorrida se abona numa errada interpretação e aplicação do disposto nos n.° 2 e 3 do art.° 48.° da LGT;

b) Na verdade, decorre destes preceitos que se o devedor subsidiário "for citado após o 5.° ano subsequente ao da liquidação, o prazo de prescrição corre ininterruptamente, não se suspendendo por qualquer causa relativa ao devedor principal (prevista no artigo 49.°). Pelo que, se o devedor subsidiário não for citado no prazo de oito anos, a dívida terá prescrito" (Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.a edição 2012, págs. 392/393);

c) Na expressão destes Autores, “esta excepção àquele princípio da identidade [princípio da unicidade da relação jurídica tributária em relação aos diferentes obrigados pelo seu cumprimento] deve-se a puras razões de justiça material, dado estar-se perante uma obrigação de garantia, de causa legal a dívidas de terceiro” (aditamento inserto entre parêntesis nosso);

d) Não se argumente que o efeito jurídico referido no n.° 3 do art.° 48.° da LGT - de o prazo de prescrição correr continuamente para o devedor subsidiário quando a citação no processo de execução fiscal seja efectuada após o 5.° ano posterior ao da liquidação - apenas acontece relativamente à(s causas de) interrupção e não também relativamente à(s causas de) suspensão do prazo de prescrição;

e) Tal entendimento contrariaria frontalmente o fundamento axiológico e teleológico do n.° 3 do art. ° 48.° da LGT;

f) Por outro lado no sentido que a recorrente defende concorrem os próprios termos verbais do n.° 2 do art. ° 48.° ao dizer que "as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários": na verdade, o preceito estabelece uma absoluta equiparação entre causas de suspensão e de interrupção;

g) A admitir-se uma destrinça entre as causas de interrupção e de suspensão, para o efeito consignado no n.° 3 do art.° 48.° da LGT, estar-se-ia a restringir o princípio afirmado no n.° 2 do art.° 48.° da LGT, no que importa ao aproveitamento aos responsáveis subsidiários das causas de suspensão, em contrário do que acontece com as causas de suspensão;

h) Existem, ainda, razões lógicas e de congruência interna dos preceitos que conduzem a que deva ser dado o mesmo tratamento para as causas de interrupção e de suspensão do prazo de prescrição: é que a suspensão do prazo de prescrição, nos casos de reclamação, impugnação ou recurso, é um efeito jurídico que está previsto no n.° 3 do art.° 49.° da LGT enquanto efeito autónomo apenas da própria reclamação, impugnação ou recurso quando o uso destes meios "determine a suspensão da cobrança da dívida", sendo que o conhecimento destes factos apenas pode ser imputado a quem lançou mão desses procedimentos ou processos;

i) A suspensão do processo de execução fiscal por virtude da realização de penhora de bens do devedor originário considerados suficientes para o pagamento das dívidas exequendas, decretada pela AT não é um efeito que decorra da dedução da impugnação judicial e da prestação de garantia, nos termos do art.° 103.°, n.° 4, da LGT, por parte do devedor subsidiário;

j) Não se compreenderia que o efeito interruptivo decorrente da instauração da impugnação judicial por banda do devedor originário não afectasse a contagem contínua do prazo de prescrição relativamente ao devedor subsidiário, quando a citação do responsável subsidiário seja efectuada após o 5.° ano posterior ao da liquidação das dívidas exequendas, mas já afectasse a contagem desse prazo, a suspensão da execução fiscal acontecida em momento posterior ao da dedução da impugnação judicial só porque nessa altura foi efectuada uma penhora ao devedor originário que garantia a totalidade da dívida exequenda;

l) A quando da citação do oponente para o processo de execução fiscal, ocorrida em 17-12-2014, já estavam decorridos muito mais de cinco anos contados das datas das liquidações dos tributos [seguramente ocorridas antes de 1 de Março de 2000 em face do constante da alínea b) do probatório], bem como 15 anos, 11 meses e 16 dias contados desde o início do prazo de prescrição (1 de Janeiro de 1999), pelo que as dívidas tributárias revertidas se encontram prescritas relativamente ao responsável subsidiário, aqui recorrente.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e julgada procedente a oposição, com fundamento na prescrição das dívidas exequendas relativamente ao responsável subsidiário, aqui recorrente, assim se fazendo Justiça.

1.2. Nem a Fazenda Pública nem o Ministério Público, notificados que foram da admissão do recurso, apresentaram contra-alegações.

1.3. Para o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto a sentença deve ser confirmada, uma vez que (passamos a transcrever a parte mais directamente pertinente do seu douto discurso argumentativo), tendo considerado «aplicável no caso concreto o prazo de prescrição de 8 anos previsto no artigo 48°, n°1, da LGT, ao abrigo do disposto no artigo 297° do Código Civil, e o facto de ter sido apresentada impugnação da dívida exequenda em 01/03/2000 e associada à mesma ter sido constituída garantia com a penhora de bens móveis oferecidos pela executada em 19/03/2001, para efeitos de suspensão da execução fiscal entretanto instaurada», conclui, bem, «que a partir desse momento o prazo de prescrição se suspendeu até ao trânsito em julgado da impugnação judicial, ou seja, até 30/01/2014. E nessa medida (…) que ainda não se verificou o decurso do prazo de prescrição de 8 anos previsto no artigo 48° da LGT.».

1.4. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Adjuntos, submetemos agora o recurso a julgamento da conferência da Secção de Contencioso do supremo Tribunal Administrativo.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, face ao teor das conclusões de recurso apresentado importa salientar o seguinte: com excepção do que consta na primeira parte da alínea a) das conclusões de recurso - «Mesmo que se aceite, sem conceder, a correcção da tese expendida, na sentença recorrida, sobre a aplicação da norma constante do art.° 12.°, n.° 2, primeira parte do Código Civil, relativamente às normas que alteraram causas de interrupção e de suspensão do prazo de prescrição, editadas depois da data de constituição das dívidas tributárias (Leis n.°s 100/99, de 26 de Julho e 53-A/2006, de 29 de Dezembro)» - nada mais é referido nas conclusões que nos permita compreender quais as razões de facto ou de direito que, no entender do Recorrente, deviam ter determinado que a questão nesta parte por si identificada devia ter merecido julgamento distinto do que conta da sentença recorrida.

Ora, devendo as conclusões do recurso, por imposição do preceituado no artigo 639.º, n.º 1 do CPC, constituir uma síntese dos fundamentos aduzidos nas alegações e concluindo–se da leitura da conclusão que deixámos transcrita que nada aí é dito sobre quais os fundamentos de direito (que são apenas os que aqui importa relevar já que o recurso apenas versa por opção expressa do Recorrente, sore matéria de direito) que poderiam sustentar a revogação do julgado, há que concluir que as conclusões, na parte referida em apreço, violam a disciplina jurídica constante das als. a), b) e c) do n.º 2 do já citado artigo 639.º CPC.

É verdade, este Supremo Tribunal Administrativo não o olvida, que por força do n.º 3 do mesmo artigo e diploma referidos, “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completa-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso na parte afetada.».

Acontece, porém, que, no caso, não julgamos ser de aplicar o que estipula o referido n.º 3 do artigo 639.º do CPC.

Na realidade, do confronto do preceituado no n.º 2 e n.º 3 do artigo 639.º do CPC com o n.º 1 do mesmo artigo e diploma legal, conclui-se que são distintos os objectos das regulamentações aí estabelecidas. Os primeiros disciplinam-se as conclusões. O último abrange igualmente as alegações.

Ora, as conclusões apresentadas, na parte em análise não são deficientes, obscuras ou complexas. São vazias de conteúdo por nelas não terem ficaram especificadas as menções a que supra fizemos referência e que constam do n.º 2 do artigo 639.º do CPC e traduzirem tudo quanto sobre a mesma questão ficou escrito no corpo das alegações.

Efectivamente, nas alegações de recurso, o Recorrente começa por manifestar o seu integral acordo quanto ao probatório [«O Recorrente não controverte o quadro fáctico que a sentença recorrida deu como assente, pois entende que o mesmo decorre de um correcto juízo probatório efectuado sobre os elementos probatórios constantes dos autos«- § 1 da folha 1 (verso) das suas alegações). Prossegue afirmando expressamente que «O erro de julgamento de que a sentença recorrida padece diz antes respeito à determinação do direito aplicável e à sua aplicação» (§ 2, da mesma folha das alegações). E finaliza esta sua introdução identificando o objecto do recurso da seguinte forma: “Do erro do julgamento relativo à interpretação e aplicação do disposto no art.º 48.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT)» (§4 de fls. 2 verso das alegações).

É sobre esse erro de julgamento [após introduzir de novo a mesma formula que consta da primeira parte da conclusão a) das alegações de recurso] que incide, em exclusivo, toda a alegação de recurso do Recorrente, chegando mesmo a afirmar que «dentro dessa visão das coisas, não importa sequer tomar posição quanto á questão de saber se seriam imediatamente aplicáveis as alterações efectuadas pelo legislador no art.º 49.º da LGT relativamente a essas causas de interrupção e suspensão, pela mão das Leis n.ºs 100/99, de 26 de Julho e 53-A/2006, de 29 de Dezembro» (§ 2, fls. 9 das alegações de recurso).

Finalizando, por fim, com o pedido de que seja «dado provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e julgada procedente a oposição, com fundamento na prescrição das dívidas exequendas relativamente ao responsável subsidiário, aqui recorrente.».

Em suma, (i) não resultando das conclusões que tenha sido cumprido o determinado no artigo 639.º, n.º 2 do CPC; (ii) não sendo possível o seu aperfeiçoamento por recurso ao teor das alegações, por delas nada constar no que respeita à questão da aplicação do artigo 12.º, n.º 2 primeira parte do Código Civil e (iii) não integrando o n.º 3 do artigo 639º do CPC a possibilidade do Recorrente formular novas alegações (para aduzir, como devia ter feito, as razões de direito da sua discordância que lhe permitissem suportar, depois, nas conclusões, os normativos e o sentido com que deviam ser interpretados, ou seja, que lhe permitissem observar o determinado no n.º 2, als. a) a c) do artigo 639.º do CPC, impõe-se, desde já, excluir do objecto do recurso a questão primeiramente apreciada e decidida na sentença recorrida. Que, de resto, se limitou a reproduzir a jurisprudência que ainda hoje se mantém firme deste Supremo Tribunal Administrativo, o que também, por si, explicará a razão pela qual, se bem vemos, o Recorrente implicitamente se conformou com o decidido nesta parte.

2.3. Posto isto, a questão que nos cumpre decidir reconduz-se ao seguinte: nas situações em que está pendente Impugnação Judicial e a execução fiscal se encontra suspensa por terem sido penhorados bens suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, os efeitos dessa suspensão sobre a contagem do prazo prescricional só se repercutem na pessoa do devedor originário ou também se repercutem na pessoa do devedor subsidiário, ainda que este tenha sido citado após o decurso do prazo de cinco anos contados da liquidação?

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«3.1. Factos Provados:

1. Em 01-03-2000 foi deduzida impugnação judicial, pela sociedade B………….., Lda., contra as liquidações de IRC dos anos de 1996 e 1997, nos valores de 15.022.878$00 e 19.978.324$00, com os números 8310014875 e 8310015544 (fls. 2 e ss. do proc. de impugnação n.º 256/2001, em apenso);

2. Em 10-03-2000, data da remessa da impugnação à Direcção de Finanças de Coimbra, a Impugnação parou e assim esteve até 08-05-2001, data em que foi apresentada na Secretaria do Tribunal (fls. 38 e 39 da imp. 256/2001 em apenso);

3. Em 30-03-2000 foi instaurada a execução fiscal n.º 3050200001015184, para cobrança do IRC a que se refere o ponto 1. supra (fls. 1 do PEF em apenso);

4. Em 23-05-2000 foi a executada originária citada da execução a que se refere o ponto anterior (fls. 4 a 6 do PEF em apenso);

5. Em 19-03-2001 foi, no processo a que se refere o ponto 3. supra, efectuada a penhora de 19 bens móveis, no valor total atribuído de 49.250.000$00, conforme auto que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 16 e 17 do PEF em apenso);

6. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, de 12-02-2003, foi a execução fiscal suspensa (fls. 18 do PEF em apenso);

7. Com data de 07-01-2005 entrou no Serviço de Finanças de Coimbra 2 um requerimento da sociedade B………….., Lda., que aqui se dá por reproduzido, pedindo a declaração de caducidade das penhoras efectuadas (fls. 102 e ss. do proc. impugn. 256/2001);

8. Por decisão de 06-12-2006, proferida no proc. de impugnação n.º 256/01, que aqui se dá por reproduzida, foi declarada a caducidade da garantia prestada no PEF n.º 3050200001015184 e ordenado o levantamento da penhora (fls. 143 e ss. da imp. 256/2001);

9. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 2, de 19-02-2007, foram levantadas as penhoras efectuadas no PEF e notificados o fiel depositário e a executada (fls. 66 a 70 do PEF em apenso);

10. Em 23-02-2007 foi proferida sentença na impugnação n.º 256/2001, que aqui se dá por integralmente reproduzida, que a julgou improcedente e que, após recursos da Impugnante para o TCA Norte e Tribunal Constitucional (ao primeiro foi negado provimento e o segundo não foi objecto de apreciação), transitou em julgado em 30-01-2014, tendo os autos sido remetidos ao Serviço de Finanças, após vista em correição de 03-04-2014, em 09-04-2014 (fls. 152 e ss., 280 e 297 e ss. do proc. 256/2001 em apenso);

11. Em 04-11-2014 foi, pelo Serviço de Finanças de Coimbra 2, elaborado projecto de decisão de reversão das dívidas, a que se refere o PEF 3050200001015184, contra o ora Oponente, despacho que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 131 e ss. do PEF em apenso);

12. Após notificação do projecto de decisão, veio o ora Oponente, por requerimento entrado no Serviço de Finanças em 19-11-2014, que aqui se dá por reproduzido, exercer o seu direito de audição, invocando a prescrição das dívidas (fls. 141 e ss. do PEF em apenso);

13. Em 27-11-2014 foi proferida decisão de reversão contra o ora Oponente, no PEF n.º 3050200001015184, ao abrigo do art. 13.º n.º 1 do CPT, que aqui se dá por reproduzida, a qual se pronunciou, entre outras situações, pela não prescrição das dívidas (fls. 148 e ss. do PEF em apenso);

14. Em 02-12-2014 foi assinado o AR da correspondência enviada contendo os elementos de citação da reversão do ora Oponente, tendo sido enviado ofício por correio registado de 10-12-2014, ao abrigo do art. 233.º do CPC, comunicando-lhe que a citação se considerava efectuada em 09-12-2014, atendendo à dilação prevista na al. a) do n.º 1 do art. 252.º-A do CPC (fls. 154 a 162 do PEF em apenso);

15. Em 09-12-2014 deu entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 2 um requerimento do ora Oponente invocando a nulidade da citação por falta do envio dos elementos das liquidações, incluindo a fundamentação (fls. 163 e ss. do PEF em apenso);

16. Por ofício de 10-12-2014 do Serviço de Finanças de Coimbra 2 foi o ora Oponente informado de que a anterior citação tinha ficado sem efeito (fls. 167 do PEF em apenso);

17. Em 12-12-2014 foi assinado o AR da correspondência enviada contendo os elementos de citação da reversão do ora Oponente, tendo sido enviado ofício por correio registado de 29-12-2014, ao abrigo do art. 233.º do CPC, comunicando-lhe que a citação se considerava efectuada em 17-12-2014, atendendo à dilação prevista na al. a) do n.º 1 do art. 252.º-A do CPC (fls. 168 a 178 do PEF em apenso);

18. Em 07-01-2015 deu entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 2 um requerimento do ora Oponente, que aqui se dá por reproduzido, oferecendo bens à penhora para garantia da execução fiscal, na sequência da apresentação de oposição (fls. 180 do PEF em apenso);

19. O órgão de execução fiscal solicitou ao ora Oponente, por correio electrónico, as facturas de aquisição dos equipamentos e os mapas de amortização dos bens (fls. 181 do PEF em apenso);

20. O Oponente respondeu à solicitação a que se refere o ponto anterior referindo não possuir os elementos solicitados, mas que os bens continuavam a ter valor suficiente para garantir a dívida e podiam ser verificados nas instalações das B……….. no ………….. (fls. 182 do PEF em apenso);

21. Enviada por correio registado de 11-12-2014 foi apresentada em 12-12-2014, no Serviço de Finanças de Coimbra 2, a presente oposição (fls. 5 a 40 dos autos).

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. A presente Oposição nasceu, como a petição inicial nos elucida, do inconformismo do Recorrente com a sua citação na qualidade de revertido no processo de execução fiscal, por entender, por um lado, que a dívida está prescrita (questão que suscitou no âmbito da sua audição prévia – cfr. em especial, os factos apurados, em especial sob os n.ºs 11. a 13) e, por outro, que é parte ilegítima na execução uma vez quem nada tendo recebido na partilha, por não haver activo, não poder ser responsabilizado pela dívida.

3.2.2. Na sentença recorrida, todas as questões suscitadas pelo Recorrente na petição inicial foram julgadas improcedentes.

3.2.3. Para o que ora releva, atento o objecto do recurso, a Meritíssima Juíza, tendo em vista a decisão da questão relativa à prescrição, começou por analisar os regimes que sucessivamente vigoraram na ordem jurídica desde 1996, atenta a redução do prazo de prescrição das dívidas introduzido pela Lei Geral Tributária (LGT) para 8 anos (por contraposição com o prazo de 10 anos previsto no artigo 33.º do revogado CPT), tendo concluído que devia aplicar o regime da LGT, por, por à sua luz, em abstracto, faltar para o computo total do prazo, no que respeita ao imposto de IRC do ano de 1996, exactamente o mesmo período de tempo quer se aplicasse uma ou outra das Leis, e, no que respeita ao IRC de 1997, ser menor o período de tempo que restava para que a dívida de mostrasse prescrita.

3.2.4. Posteriormente, partindo desse pressuposto, o Tribunal a quo foi analisar, face aos factos apurados, quais os factos interruptivos e quais os factos suspensivos que, por terem impacto no curso do prazo de prescrição, devia atender na decisão de julgar ou não prescritas as dívidas.

3.2.5. Considerando que o Recorrente expressamente aceitou em recurso os factos apurados e a aplicação da lei nova, ou seja, que o prazo de prescrição aplicável a ambas as dívidas é o prazo de oito (8) anos previsto no artigo 48.º, n.º 1 da LGT mas não aceita a interpretação que desse normativo foi realizada e aplicada, recuperamos aqui o que ficou dito no julgamento em sindicância:

«Voltando ao caso dos autos, e determinado que ficou que o prazo a aplicar é o de 8 anos previsto na LGT, e seguindo a jurisprudência firmada, há que ter em conta, de seguida, a possível ocorrência de factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, passíveis de influir no decurso do prazo, sendo aplicáveis ao caso dos autos, como se viu, os previstos na lei vigente à data que ocorreram, de acordo com o disposto no n.° 2 do artigo 12.° do Código Civil (cfr. Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2a Ed., Lisboa, Áreas Editora, 2010, p. 101). Até à entrada em vigor da LGT, em 01 -01-1999, não ocorreu no processo nenhuma das causas de interrupção previstas no n.° 3 do art. 34.° do CPT, sendo certo que neste diploma não era prevista nenhuma causa de suspensão da prescrição.
A partir de 01-01-1999, portanto, já na vigência da LGT, dos factos provados acima indicados resulta que o primeiro facto interruptivo que ocorreu foi a impugnação (ponto 1. dos factos provados), em 01-03-2000. A instauração da execução ocorreu em 30-03-2000 (ponto 2. do probatório), já na vigência da LGT e, por isso, não tem qualquer efeito quanto ao prazo de prescrição (nos termos do CPT a instauração da execução fiscal tinha efeito interruptivo do prazo). Em 23-05-2000 ocorreu a citação da executada (ponto 3. dos factos provados) e em 17-12-2014 ocorreu a citação do ora Oponente como responsável subsidiário (ponto 17. do probatório).

O art. 49.° da LGT, na sua redacção inicial, dispunha que:

“1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”

A Lei n.° 100/99, de 26/6, alterou os n°s. 1 e 3 deste artigo 49.°, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”
Por fim, a Lei n° 53-A/2006, de 29-12, veio alterar o citado artigo 49.° da LGT, tendo sido revogado o seu n° 2, alterada a redacção do seu n.° 3 e aditado o actual n.° 4. Assim, a actual redacção desse preceito é a seguinte:
“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”

Como se viu, no que respeita aos factos interruptivos da prescrição, rege o n.° 1 do artigo 49.° da LGT, que atribui tal efeito à “citação, reclamação, recurso hierárquico, impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação”.
No caso concreto verifica-se a existência de três factos a que é atribuído efeito interruptivo da prescrição - a impugnação judicial, a citação da responsável originária e a citação do responsável subsidiário. De acordo com a actual redacção dada ao artigo 49.° n.° 3 da LGT, a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar, ou seja, os factos com potencial efeito interruptivo que ocorram após a primeira interrupção deixam de ter tal efeito.
No entanto, refere Jorge Lopes de Sousa, in ob. cit., pág. 72 e 73, “esta Lei (Orçamento do Estado para 2007) entrou em vigor em 1-1-2007 e, sendo aquela uma norma sobre os efeitos de factos, ela só se aplica após a sua entrada em vigor, por força da regra do art. 12°, n°2, do CC.
Por isso, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram anteriormente produziram os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência.
Isto significa, assim, que as causas de interrupção da prescrição que ocorreram a partir de 1-1-2007 só têm efeito interruptivo se, antes de elas ocorrerem, não ocorreu qualquer outra com idêntico efeito; mas, as que ocorreram anteriormente têm o seu efeito interruptivo próprio, de eliminar para a prescrição o tempo anteriormente decorrido e obstar ao decurso do prazo de prescrição até ao termo do processo ou até à paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte”.
No caso dos autos, como vimos, o primeiro facto interruptivo da prescrição ocorreu em 01-03-2000, com a impugnação, daí resultando a inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (n.° 1 do artigo 326.° do CC). Assim sendo, nem a citação da executada originária (em virtude do prazo, nessa data, já estar interrompido, tornando-se irrelevante), nem a citação do responsável subsidiário em 17-12-2014, em virtude do disposto no art. 49.° n.° 3 da LGT, na redacção actual, têm efeito interruptivo do prazo de prescrição.
Dispunha o n.° 2 do artigo 49.° da LGT (na redacção inicial), que A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Portanto, nos termos do artigo 49.° n.°1 da LGT, a impugnação interrompe a prescrição; porém, nos termos do n.° 2 do mesmo preceito, na redacção inicial, este efeito cessava se o processo estivesse parado por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo.
No caso, verifica-se que a Impugnação parou em 10-03-2000, data da remessa da impugnação à Direcção de Finanças de Coimbra, e assim esteve até 08-05-2001, altura em que foi apresentada na Secretaria do Tribunal (ponto 2. do probatório), ou seja, parou por mais de um ano sem culpa do impugnante, razão pela qual, nos termos do n.° 2 do art. 49.° da LGT, na sua redacção à data, cessou o efeito interruptivo, somando-se o tempo que decorreu após esse período ao que decorreu até à data da autuação.
Assim, contando o prazo que decorreu desde 01-01-1999 até 01-03-2000, temos o período de 1 ano e 2 meses que, somado ao período que decorreu um ano após a paragem, ou seja, após 10-03-2001, e se a nada mais houvesse que atender, resultaria que em 10-01-2008 se completaria o prazo de prescrição.
Dos factos provados - pontos 5. e 6. - resulta, também, que a execução foi suspensa por despacho de 12-02-2003 em virtude da penhora, em 19-03-2001, de bens que garantiram a dívida.
Por isso, nos termos do art. 49.° n.° 3 da LGT, na redacção à data, sendo a impugnação um facto suspensivo do prazo de prescrição pois "determinou a suspensão da cobrança da dívida”, nos termos do art. 169.° n.° 1 e 199.° do CPPT, por estar a mesma garantida, o prazo que tinha retomado o seu curso em 10-032001, parou em 19-03-2001 em virtude da penhora efectuada em bens suficientes, quando havia decorrido apenas 1 ano 2 meses e 9 dias.
A esta suspensão não obsta, por outro lado, a declaração de caducidade da garantia prestada e o levantamento da penhora (factos 8. e 9.), conforme tem sido decidido unanimemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo o Ac. do Pleno da Secção de C.T. de 26-02-2014, proc. n.° 01718/13: “(...) Nessas situações, em que se enquadra, aliás, o caso em apreço, o processo de execução fiscal continua suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento em que estaria se a garantia se mantivesse, ou seja, até à decisão do pleito (cf., adotando este entendimento, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., vol. III, págs. 341-342).
O que bem se compreende pois o regime da caducidade da garantia estabelecido no art° 183°- A n° 1 do CPPT é sancionatório da morosidade na decisão do procedimento tributário e do processo judicial pelas entidades competentes, sem deixar de salvaguardar, num justo equilíbrio, a sua não aplicação, quando o atraso resultar de motivo imputável ao reclamante, impugnante, recorrente ou executado cfr. n° 3 do art° 183° -A do CPPT.
O prosseguimento da suspensão da execução sem garantia subsequente à declaração de caducidade surge assim, como bem nota o Exm° Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, como uma compensação pelo ónus que foi imposto ao contribuinte de ter de suportar a garantia durante um período de tempo que se considera adequado para ser proferida decisão. (...)”.
Assim sendo, como a impugnação só transitou em julgado em 30-01-2014 (ponto 10. dos factos provados), só a partir desta data recomeçou a contar o prazo de prescrição, pelo que até hoje apenas decorreram 2 anos 7 meses e 25 dias.
Mesmo desconsiderando o efeito interruptivo da impugnação, em virtude da citação do Oponente ter ocorrido mais de 5 anos após as liquidações (art. 48.° n.° 3 da LGT), a verdade é que, mantendo-se o efeito suspensivo desde a penhora até ao trânsito em julgado da decisão da impugnação, até hoje só decorreram 3 anos 8 meses e 4 dias (2 anos 2 meses e 18 dias desde 01-01-1999 até 19-03-2001 - data da penhora dos bens - e 1 ano 5 meses e 16 dias desde 30-01-2014 - trânsito em julgado da decisão da impugnação - até hoje).
Note-se que, de acordo com o probatório - pontos 18. a 20. - na sequência da citação do Oponente como revertido e da dedução de oposição, veio este requerer a suspensão da execução, oferecendo bens à penhora. Não há ainda notícia sobre a penhora dos bens ou sobre a suspensão da execução mas, se se verificarem, o prazo de prescrição suspende-se novamente.

Concluindo e tendo em conta tudo o que se deixa exposto, não ocorreu a prescrição das dívidas aqui em execução.».

3.2.6. Se bem interpretamos as alegações de recurso, o julgamento transcrito não seria merecedor de censura se a questão da prescrição estivesse a ser analisada relativamente ao devedor principal ou, tendo por alvo um responsável subsidiário, como é o caso, não existisse o n.º 3 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária.

3.2.7. Concretizemos a tese que nos apresentou: tendo sido citado muitos anos após os cinco anos previstos no n.º 3 do artigo 48.º da LGT, as dívidas devem julgar-se prescritas por, quanto à sua pessoa, enquanto responsável subsidiário, ser irrelevante que o processo de execução fiscal tenha estado suspenso, por assim o determinar o referido normativo legal.

Alerta-nos o Recorrente para o facto de que, embora seja bem conhecida a posição firme deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido de restringir o âmbito de aplicação do n.º 3 do artigo 48.º aos factos interruptivos da prescrição, ou seja, de excluir dessa previsão legal os factos suspensivos, a doutrina “mais autorizada”, que cita, vem há muito explicando o erro dessa interpretação, por força da equiparação estabelecida entre causas de interrupção e causas de suspensão consagrada no n.º 2 do mesmo preceito e diploma citados. E porque é preciso atribuir efeito útil do n.º 4 do artigo 49.º da LGT, que apenas com a interpretação por si preconizada faz sentido. O que, presumimos, o Recorrente entende que persistimos em ignorar.

Acresce que, diz-nos, também se não pode esquecer que não teve qualquer intervenção na constituição das causas de suspensão ou de interrupção, situação em que admitiria que os efeitos suspensivos lhe fossem opostos e deixasse de fazer sentido a protecção de certeza e segurança jurídicas quanto ao dever de cumprimento da obrigação exequenda que o instituto da prescrição visa salvaguardar.

Pelo que, conclui, não tendo sido citado até ao 5ª ano posterior ao da liquidação, não tendo prestado qualquer garantia nem lhe tendo sido penhorados quaisquer bens próprios, a sentença recorrida tem que ser revogada por ter errado na interpretação e aplicação do direito.

3.2.8. Salvo o devido respeito, da leitura atenta que realizamos das alegações não logramos identificar qualquer argumento jurídico novo que nos determine a afastar a posição que, como diz o Recorrente, muito bem, há muito se encontra firmada nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. E, também o dizemos já, a nova reflexão que realizamos, mesmo que perante, no essencial, os mesmos argumentos, que hoje já raramente são aduzidos, também não nos convence a inflectir a nossa posição.

3.2.9. Começamos por recordar o que ficou exarado no acórdão desta Secção e Tribunal de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 248/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt, - que escolhemos não apenas pela sua maior actualidade e profícua apreciação mas, também, pela similitude ostensiva entre a factualidade sobre que se debruçava e a dos nossos autos – que transcrevemos apenas na parte pertinente (sendo o negrito que iremos apor em algumas passagens de nossa autoria):

«Não subsistem dúvidas e não é posto em causa o facto de o Recorrente, na sua qualidade de responsável subsidiário pelo pagamento da dívida, ter sido citado após o 5º ano posterior ao da liquidação (os factos tributários ocorreram em 31/12/1996 e 31/12/1997, respectivamente, e o recorrente foi dado como citado em 09/12/2014), e nessa medida não produzem efeitos, quanto à sua pessoa, os factos interruptivos relativos ao devedor principal, atento o disposto no nº 3 do artigo 48º da LGT.

Importa saber se aquele mesmo facto - citação após o 5º ano posterior ao da liquidação - inibe da mesma forma a projecção dos efeitos decorrentes dos factos com efeitos suspensivos da prescrição.

O Recorrente pretende extrair do nº 2 do artigo 48º da LGT, o princípio de que o regime das causas interruptivas e suspensivas da prescrição se aplica em bloco e nessa medida não há que diferenciar entre elas quando se aplica o disposto no nº 3 da mesma norma.

Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão.

Desde logo, porque tal interpretação conflitua com o elemento literal das duas normas, uma vez que no nº 3 do citado preceito legal o legislador apenas menciona a “interrupção da prescrição”, pelo que só neste caso os efeitos decorrentes de factos interruptivos verificados antes da sua citação não se projectam na relação obrigacional a cargo do responsável subsidiário.

Por outro lado a diferença de regimes tem a sua justificação na diversa natureza e amplitude dos factos suspensivos, os quais têm a natureza de factos duradouros, enquanto os factos interruptivos são instantâneos. Daí que a verificação dos factos interruptivos apenas inutiliza o tempo decorrido até à data da sua ocorrência, provocando o reinício do prazo de prescrição - artigo 326º, nº 1, do Código Civil; Já a verificação de facto suspensivo obsta ao decurso do prazo de prescrição enquanto se mantenham os efeitos desse facto, pelo que os seus efeitos não se limitam apenas à pessoa que despoleta esses factos, mas a todas as pessoas que possam ser afectadas pela relação jurídica em causa.

E entende-se a diferença de regimes. Enquanto a verificação dos factos interruptivos não obstaculiza a prática dos actos de cobrança coerciva, ou seja, o prosseguimento da execução fiscal; Já os efeitos suspensivos da prescrição decorrem dos factos que impedem o prosseguimento daquela cobrança coerciva. E neste caso, em que o credor tributário se vê impossibilitado de obter a satisfação do seu crédito, justifica-se que haja uma outra composição de interesses.

Neste sentido se pronunciou Jorge Lopes de Sousa (in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, pag. 111), ao referir que «é de salientar que a subordinação a condição de extensão ao responsável subsidiário dos efeitos dos actos praticados em relação ao devedor originário, que se estabelece no n°3 do art. 48° da LGT, apenas está prevista quanto aos actos interruptivos da prescrição e não também quanto às causas de suspensão da prescrição, como tal denominadas, designadamente as previstas no n°3 do art. 49° na redacção inicial. Quanto a estes factos com efeito suspensivo da prescrição, aplica-se a regra do n°2 do mesmo art. 48° da LGT de que as causas de suspensão em relação ao devedor principal produzem efeitos em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que ocorrer a citação deste».

No mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no recente acórdão de 07/10/2015, proc. nº 0115/14 (cfr. igualmente os acórdãos de 14/05/2014, proc. n° 0115/14, de 05/12/2012, proc. n° 01225/12, de 27/2/2008, proc. n° 1069/07, e de 04/03/2009, proc. n° 1079/08).

Ora, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu (n°1 do artigo 48° da LGT), ou seja, a partir de 01/01/1997 e 01/01/1998, respectivamente, o qual foi interrompido em 01/03/2000, com a apresentação da impugnação. Como a acção esteve parada por período superior a um ano, por motivo não imputável à Autora, a contagem do prazo recomeçou em 01/03/2001, ao qual acresce o período decorrido até à data da apresentação da impugnação, ou seja, até 01/03/2000, o que perfaz 3 Anos e 2 meses, num caso, e 2 anos e 2 meses no outro— nº 2 do artigo 49º na redacção revogada pela Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

Todavia, a partir da data em que foi oferecida a garantia através da penhora dos bens — 19/03/2001 - aquele prazo esteve suspenso até 30/01/2014, data do trânsito em julgado da impugnação judicial.

Assim sendo e como se refere na sentença recorrida é manifesto que ainda não decorreu o prazo de prescrição de 8 anos em relação a qualquer das obrigações tributárias objecto de cobrança coerciva».

3.2.10. Do que ficou transcrito, e subscrevemos sem reserva alguma, não parece que possam subsistir dúvidas quanto à falta de fundamento do recurso apresentado.

3.2.11. Diga-se ainda, porque a argumentação aduzida pelo Recorrente nos pede essa reflexão e a jurisprudência citada e acolhida como fundamento da nossa decisão não teve que se debruçar sobre esses argumentos, que, contrariamente ao que vem afirmado, este Supremo Tribunal Administrativo não faz qualquer distinção na interpretação do n.º 2 do artigo 48.º da LGT que não seja feita pelo legislador.

Aliás, tal como o Recorrente, também nós entendemos que o legislador, no n.º 2 do artigo 48.º da LGT expressamente determinou que as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários. Ou seja, que a sua verificação e os seus efeitos se projectam sobre o devedor principal e sobre o devedor subsidiário de forma idêntica.

Precisamente por ser essa a regra é que a norma contida no n.º 3 do artigo 48.º da LGT tem necessariamente que ser entendida como uma “excepção”: ainda que devam ser atribuídos efeitos idênticos para um e outro, no caso do devedor subsidiário, estando apenas em causa factos interruptivos, os seus efeitos deixam de valer se tiver sido citado cinco anos após a liquidação.

3.2.12. Acresce que, também contrariamente ao que o Recorrente vem invocar, o n.º 4 do artigo 49.º da LGT em nada contende com o que vimos dizendo. Pelo contrário, apenas confirma essa mesma interpretação, uma vez que deixa claro, sem realizar qualquer distinção entre devedor principal e subsidiário, que há sempre (e só) suspensão do prazo de prescrição nas situações aí definidas.

Como é o caso.

3.2.13. Por fim, ainda que tenhamos presente que no douto acórdão citado e transcrito já se deixou lapidarmente explicada a razão subjacente à instituição de um regime distinto no n.º 3 do artigo 48.º da LGT, não podemos, por respeito a todos os argumentos expendidos pelo Recorrente, deixar de explicar a falta de fundamento do argumento por si avançado quanto à irrelevância da suspensão do processos nos autos, após penhora de bens do devedor principal que então foram considerados como suficientes para garantir a dívida exequenda e acrescido.

Segundo o Recorrente a suspensão dos processos de execução fiscal nas mencionadas circunstâncias é determinada apenas “ por razões prudenciais da administração”, pelo que, sendo o Recorrente a elas absolutamente alheio também não podem contender com o seu direito a que seja reconhecida a prescrição.

Sem razão.

Desde logo, porque não foi por razões de prudência do órgão de execução fiscal que a suspensão, no caso por despacho, foi determinada. Foi-o, que fique claro, porque a Lei assim o determina. Nos termos impostos pelo artigo 169.º do CPPT, essa suspensão tem que ocorrer sempre que a penhora de bens (quer tenha resultado do exercício do direito por parte do Executado de oferecer ele mesmo bens à penhora quer resulte da averiguação de bens e sua penhora por actuação da Administração Tributária) garanta a totalidade da dívida e o acrescido legalmente devido. Razão pela qual, quando tal não sucede – suspensão da execução fiscal existindo penhora em bens suficientes a garantir esse pagamento, com ou sem despacho do órgão de execução fiscal, os actos que posteriormente sejam praticados e ofendam bens do executado ou do responsável subsidiário são considerados ilegais.

Quanto à alegada irresponsabilidade do responsável subsidiário, enquanto tal, pela suspensão, por os bens formalmente não serem seus, não ter autorizado a sua penhora ou porque não constitui a favor da saciedade qualquer garantia, é, para o caso, irrelevante. Relevante é que, determinando o legislador que a suspensão se suspende naquela concreta situação, a Administração Tributária, credora, fica, a partir dessa data, impedida de promover a venda dos bens penhorados ou de prosseguir a execução contra os responsáveis principal ou subsidiário. Defender que, no caso, se deve entender que o prazo de prescrição deve seguir o seu normal curso e não ficar suspenso é ignorar que a instituição da prescrição é uma “sanção” imposta ao credor negligente e ditada, como bem diz a Recorrente, por razões de certeza e segurança jurídicas. E que o seu prazo não corre enquanto o titular do direito estiver impedido de fazer valer o seu direito.

Ora, a suspensão do processo de execução, nestas circunstâncias, não significa, nem nunca se ousou dizer que signifique, que a Administração credora não quer saber do crédito tributário. A suspensão da execução apenas significa que, em regra, não sendo reconhecida razão no processo judicial, interposto pelo devedor principal ou subsidiário, ainda existem bens (penhorados) por recurso aos quais na execução, prosseguindo os seus termos normais (tal como o prazo de prescrição) poderá ser paga a quantia exequenda em dívida de que, no caso, nos termos apurados, o Recorrente é responsável subsidiário. E prosseguirá (retomará) o seu curso logo que estejam verificadas as circunstâncias que o legislador fiscal ditou como necessárias a que o possa continuar a exercer.

3.2.12. Por todo o exposto, formulamos as seguintes conclusões:

- O convite ao aperfeiçoamento previsto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil restringe-se às conclusões do recurso e não às alegações de recurso;

- De acordo com o disposto no artigo 48º, nº 3 da LGT a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste em processo de execução fiscal for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.

- A extensão ao responsável subsidiário dos efeitos dos actos praticados em relação ao devedor originário, que se estabelece no artigo 48.º, n.º 3 da LGT, apenas está prevista quanto aos actos interruptivos da prescrição e não também quanto às causas de suspensão da prescrição.

- Quanto aos factos com efeito suspensivo da prescrição, aplica-se a regra do artigo 48.º, n.º 2 da LGT de que as causas de suspensão em relação ao devedor principal produzem efeitos em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que ocorrer a citação deste.

- A suspensão do processo de execução fiscal nas situações em que está pendente Impugnação e estão já penhorados bens suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido é um dever legal imposto à Administração Fiscal, pelo artigo 169.º do CPPT.

4. DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negando provimento ao recurso, em manter integralmente na ordem jurídica a douta sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 28 de Abril de 2021 – Anabela Russo (relatora) – José Gomes Correia – Francisco Areal Rothes