Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0789/10.9BECBR
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Quanto à parcela da dívida (exequenda) ao Fundo Social Europeu (FSE), o fundamento, do decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 1 do art. 3.º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, não pode ser conhecido nesta sede, de oposição à execução fiscal.
II - É de aplicar, exclusivamente, o prazo ordinário de prescrição estabelecido, em 20 (vinte) anos, no art. 309.º do Código Civil (CC), a dívidas com as características da exigida à, aqui, recorrente, ou seja, auxílios, financiamentos e comparticipações em geral, suportados/as por receitas próprias do Estado Português.
III - Tal prazo começa a correr desde o momento em que a obrigação do devedor (inerente ao direito do credor) se torna, for, exigível.
IV - Se essa exigibilidade pressupuser, por estipulação das partes ou imposição da lei, que haja lugar a interpelação, óbvia e necessariamente, o começo da contagem/início do prazo prescricional só pode ter lugar depois da sua correta efetivação.
Nº Convencional:JSTA000P29596
Nº do Documento:SA2202206220789/10
Data de Entrada:01/11/2019
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A….., Lda., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, em 27 de outubro de 2018, que julgou improcedente oposição a execução fiscal, instaurada, pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Poiares, para cobrança de dívidas de comparticipações financeiras recebidas no âmbito de ação de formação, cuja restituição foi determinada pela Comissão Europeia e executada pelo Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P. (IGFSE, I.P.), no valor global de € 28.174,32.

A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

1. A recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos. Entende o recorrente que efectivamente encontra-se prescrita a quantia exequenda.

2. No que respeita à parcela do FSE, no montante de € 7.947,08, entende a recorrente, tal como assim entendeu a Meritíssima Juiz a quo, que o prazo de prescrição é o que resulta do Regulamento (CE, Euratom), mormente do seu artigo 3º.

3. Na óptica da recorrente, porém, está em causa o prazo previsto no n.º 1 do citado normativo, que é de 4 anos.

4. É que em causa, está a prescrição do procedimento de recuperação dos valores alegadamente indevidos e não a prescrição da execução da decisão, prevista no n.º 3 do art.º 3º do diploma em referência, conforme considerou o tribunal recorrido.

5. Seguimos, neste vector, a argumentação do douto Acd. de fixação de jurisprudência proferido em 26-02-2015 pelo pleno da secção do STA no âmbito do processo 0173/13.

6. Na falta de disposição nacional específica que preveja um prazo mais longo - que não existe - o prazo de prescrição é de quatro anos.

7. No mesmo sentido, cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal, desta Secção de 30-10-2014, proc. 092/14 e da 2ª Secção de 08.10.2014, proc. 398/12 e Acd. do TJUE no acórdão de 5 de Maio de 2011, proc. C - 201/10 e C - 202/10 (disponível em http://curia.europa.eu).

8. Na verdade, o que efectivamente está em causa, é a prescrição do procedimento tendente à recuperação dos valores alegadamente indevidos e não o prazo de 3 anos de execução da decisão.

9. A douta sentença recorrida expressa que o início da contagem do prazo de prescrição ocorre em 17.07.2010, correspondente à decisão final sobre as despesas elegíveis. Que tal prazo se interrompeu com a citação, ou seja, 25.10.2010.

10. A parte final do n.º 1 do art.º 3º do Regulamento 2988/95 estatui que: A prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina o prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.º 1 do art.º 6 que, diga-se, ocorre quando exista procedimento penal. Que não é o caso.

11. Logo, independentemente da interrupção com a citação, à luz deste normativo e considerando a data de 17.07.2010 como início da contagem do prazo (o que apenas se pondera por necessidade expositiva) sempre ocorreria a prescrição em 17.07.2018.

12. Não valendo, salvo o devido respeito, conforme defendido pelo Tribunal a quo a disciplina do n.º 1 do art.º 327º do Código Civil. Com efeito, a única circunstância suspensiva do decurso do prazo de prescrição, prevista no diploma regulador é, conforme dito, a pendência de processo de natureza criminal.

13. O direito comunitário é de aplicação directa no direito interno e as normas especiais derrogam as normas de cariz geral.

14. O prazo da prescrição conta-se desde a data em que foi praticada a irregularidade.

15. Esta data sempre terá de ser considerada como a data da prática do alegado facto ilícito e não a data da decisão da comissão de pedido de restituição das alegadas quantias indevidas.

16. Esta, quanto muito, poderá ser considerada causa de interrupção do prazo em curso nos termos da parte final do n.º 1 do art.º 3º do Regulamento 2988/95.

17. É este aliás o entendimento do citado Acd. de fixação de jurisprudência.

18. Os apoios em dinheiro foram entregues à recorrente em 09.05.86, 18.08.86, 03.12.86, 05.02.87 e 28.07.88, pelo que iniciando a contagem do prazo de prescrição nestas datas, o procedimento de recuperação dos valores alegadamente indevidos sempre havia prescrito nos meses de Maio, Agosto e Dezembro de 1990; Fevereiro de 1991 e Julho de 1992, respectivamente.

19. Decidiu mal a Meritíssima Juiz a quo, ao não julgar procedente a alegada prescrição.

20. Violou a douta sentença recorrida o art.º 3º do Regulamento (CE Euratom) n.º 2988/95 do Conselho de 18 de Dezembro de 1995.

21. Julgou igualmente mal o Tribunal recorrido ao não julgar prescrito o crédito de € 20.227,25 correspondente à comparticipação do Estado Português, nos termos do art.º 40º do DL 155/92 de 28 de Julho - Vd. Acd. do STA de 16.04.1996, processo número 038206, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt e o Acd. da 2ª Secção deste Supremo de 06.06.2018, tirado do processo 01614/15, também disponível em www.dgsi.pt.

22. O início da contagem do prazo de prescrição ocorre com o recebimento, pelo particular, dos dinheiros públicos que, conforme dito supra, ocorreu em 09.05.86, 18.08.86, 03.12.86, 05.02.87 e 28.07.88. Neste mesmo sentido, vd. Acd. do TCA Sul de 03.10.2013, Processo n.º 06942/13, disponível em www.dgsi.pt.

23. Assim, a prescrição ocorreu em 09.05.1991, 18.08.1991, 03.12.1991, 05.02.1992 e 28.07.1993, respectivamente.

24. Mas ainda que, conforme a douta sentença recorrida, seja considerado o prazo geral de 20 anos, à luz deste entendimento de ocorrência do dies quo, sempre a conclusão pela prescrição seria a mesma, pois que, o início de contagem sempre teria que ser as datas referidas supra de entrega dos fundos à recorrente e não, conforme considerado pela Meritíssima Juiz a quo, a data em que a restituição foi pedida (13.08.2010).

25. E isto sem que constitua uma violação do art. 306º n.º 1 do Código Civil. Com efeito, o direito do credor, está em condições de ser exercido, a partir do momento em que disponibilizou os Fundo à recorrente.

26. Considerar que o exercício do direito, conforme decorre da douta sentença recorrida, está em condições de ser exercido apenas com o termo do procedimento de averiguações, que ocorre em 14.07.2010, significa um eternizar dos prazos de prescrição com manifesta violação do princípio da proporcionalidade que tem acolhimento constitucional no art.º 18º n.º 2 da CRP.

27. Conforme referido por Ana Filipa Morais Antunes o início da prescrição não é impedido pela ignorância do titular acerca da existência do direito ou da sua titularidade - Prescrição e Caducidade 2ª Ed. pág. 84.

28. Conforme decidido no douto Ac. do STA de 22.09.2016, tirado do Proc. n.º 125/06.9TBMMV-C.C1.S1 e disponível em www.dgsi.pt: O fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual ser legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. (...)

29. O início do prazo é «factor estruturante do próprio instituto da prescrição, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objectivo e o subjectivo».

30. O primeiro «é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respectivo credor, sendo compatível com prazos longos».

31. O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas «quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos».

32. Nesta matéria, o art.º 306º, n.º 1, do Cod. Civil, adoptou o sistema objectivo, que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido.

33. Tal expressão constante dessa disposição (art.º 306º, n.º 1, do Cód. Civil) deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se inicia quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder actuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, o que, no caso de obrigações puras, ocorre a todo tempo. (…).

34. Não releva, desta forma, conforme vem dito, o procedimento inspectivo desencadeado pelo FSE, tendente à averiguação das despesas elegíveis. Pois que, o direito à restituição das quantias que considera incorrectamente atribuídas inicia-se no exacto momento em que entrega os Fundos são entregues ao particular, aqui recorrente.

35. Considerar que o prazo de prescrição se inicia com a notificação da decisão do procedimento de averiguações, afigura - se manifestamente violador dos princípios subjacentes ao instituto de prescrição e dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, corolários dos principio do Estado de Direito, consagrado no art.º 2º da CRP.

36. Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

37. Assim, ainda que se entendesse, como fez a Meritíssima Juiz a quo, que o prazo de prescrição é o que decorre do art.º 309º do CC, sempre a conclusão pela prescrição se impunha, à luz do que vem dito.

Concretamente, na consideração do dies quo assinalado.

38. Entende o recorrente, sem prescindir, contudo, que o prazo de 20 anos é inaplicável in casu.

39. Com efeito, não se aceitando que o prazo é o que decorre do art.º 40º do DL 155/92 de 28 de Julho, sempre seria de concluir, também quanto a estes Fundos, que é de aplicar o mesmo prazo previsto no Regulamento 2988/95 do Conselho de 18 de Dezembro de 1995.

40. Apesar de se tratar de Comparticipações do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, o seu financiamento, no se pode olvidar, é efectuado no âmbito do mesmo quadro de apoio, justamente ao abrigo do Regulamento CEE 2950/83 de 17-10 do Conselho, que aplica a Decisão 83/516/CEE referente às missões do Fundo Social Europeu.

41. O financiamento é todo ele aprovado e desenvolvido sob a égide do FSE.

42. Foi também à Comissão Europeia que coube as acções de fiscalização de todo o projecto.

43. Mesmo o saldo correspondente à comparticipação do Estado Português, é a Comissão Europeia que requer a sua restituição.

44. Todo o procedimento obedece às normas e Regulamentos Comunitários, nomeadamente, ao Regulamento (CE Euratom) n.º 2988/95 do Conselho de 18 de Dezembro de 1995.

45. Decorre, desta sorte, que se afigura manifestamente violador dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e segurança jurídica, submeter, no que tange ao regime da prescrição, o pedido de restituição de parte das quantias ao Regulamento CE 2988/95 e outra parte à disciplina da Lei Interna.

46. Um prazo de prescrição de 20 anos poderia encorajar a inércia das autoridades nacionais e, por outro lado, expor os operadores a um longo período de incerteza jurídica bem como ao risco de já não terem a possibilidade de fazer prova de irregularidades que lhe sejam imputadas.

47. Considerar dois prazos de prescrição, nesta matéria, um de 4 anos decorrente do citado Regulamento CE e outro, de 20 anos, ao abrigo da lei nacional, seria dar tratamento diferente à mesma questão, ao mesmo procedimento. Afigura-se, tal posição, manifestamente violador do princípio constitucional da certeza jurídica.

48. Assim, no que respeita ao percentual de contribuição do Estado Português, ainda que por recurso à analogia, deveria ser considerado o prazo de prescrição de 4 anos, previsto no n.º 1 do art.º 3º do Regulamento (CE Euratom) n.º 2988/95 do Conselho de 18 de Dezembro de 1995 e não o prazo geral de 20 anos que decorre da lei civil.

49. Do que decorre a conclusão, também quanto a este crédito, da sua efectiva prescrição.

50. A douta sentença recorrida violou os artigos 40º do DL 155/92 de 28 de Julho, 306º n.º 1 do CC e art.º 2º e 18º n.º 2 da CRP

Nestes termos, e sobretudo naqueles que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue procedente a prescrição da quantia exequenda, com a consequente extinção do processo de execução fiscal.

Com o que Vossas Excelências farão seguramente

JUSTIÇA.


*

A recorrida (rda), Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. (Agência, I.P.) [antes, Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE, I.P.)], contra-alegou e elencou as seguintes conclusões: «

A) Improcede todo o alegado pela recorrente;

B) Com efeito, como muito bem refere a sentença a quo, sustentada na jurisprudência comunitária e nacional, os prazos previstos no Regulamento (CE EURATOM) n.º 2988/95 dizem respeito ao procedimento de deteção de irregularidades instaurado ou a instaurar e à execução das decisões tomadas nesse âmbito e não ao procedimento de restituição de verbas propriamente dito.

C) Na verdade, o artigo 3.º do citado Regulamento contempla dois prazos de prescrição, um aplicável ao procedimento por irregularidades, que é de 4 anos e outro de 3 anos referente à execução/aplicação da sanção ou medida administrativa na sequência da decisão que põe termo àquele procedimento;

D) No caso vertente, o procedimento de deteção de irregularidades foi da iniciativa da CE, através de controlo comunitário efetuado a várias ações desenvolvidas por entidades agrupadas no “dossier” 860156P1, cujos resultados foram aplicados por extrapolação, conforme previsto no 2.º parágrafo do artigo 7.º do Regulamento (CEE) n.º 2950/83, de 17 de outubro, a todas as entidades constantes daquele “dossier”;

E) Logo, o prazo de 4 anos aplica-se à decisão da CE tomada no âmbito desse procedimento e que se encontra consubstanciada na carta n.º 425567, de 14.07.2010;

F) A referida decisão da CE foi praticada antes do decurso do prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE EURATOM) n.º 2988/95, porquanto houve 6 entidades agrupadas que foram objeto de processos criminais e, como tal abrangidas pelo artigo 7.º da Decisão 83/673/CEE, de 22 de dezembro, tendo, por isso, o procedimento administrativo relativo à tomada de decisão sobre o pedido de pagamento de saldo do “dossier” 860156P1 ficado suspenso até à prolação das decisões dos tribunais nacionais, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95;

G) Estando em causa uma decisão emitida por uma entidade comunitária, bem julgou a sentença ao considerar que não tem competência para a verificação prescrição da mesma, pelo que apreciação da prescrição só pode incidir sobre a decisão nacional que executou a decisão da CE consubstanciada na citada carta n.º 425667, de 14.07.2010, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do citado Regulamento comunitário;

H) Não merece qualquer censura a sentença a quo ao decidir que não se verifica a prescrição da decisão nacional que dá execução à citada decisão da CE, consubstanciada na carta 425667, de 14.07.2010, na medida em que a instauração do processo executivo aqui em causa teve lugar muito antes do decurso do prazo de 3 anos constante do n.º 2 do artigo 3.º do citado Regulamento (CE EURATOM) n.º 2988/95;

I) No que concerne à prescrição propriamente dita da dívida exequenda, não se encontrando previsto na legislação específica reguladora da concessão dos apoios em causa, qualquer prazo de prescrição das dívidas, vigora, efetivamente, como muito bem refere a sentença “a quo” o prazo ordinário de 20 anos estabelecido pelo artigo 309.º do Código Civil (CC);

J) E, o prazo de prescrição de 20 anos, ao contrário do que alega a recorrente, inicia-se na data em que foi instaurada a execução fiscal com vista à sua cobrança coerciva, o qual se interrompeu com a citação da recorrente, como muito bem refere a sentença a quo;

K) Assim sendo, nada há a apontar à decisão a quo de que também não se verifica a prescrição da dívida exequenda, porquanto ainda não decorreu no caso vertente o prazo de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC.

Nestes termos e nos demais de Direito mantendo a douta sentença, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores a habitual e esperada,

JUSTIÇA! »


*

A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer, concluindo que não deve ser concedido provimento ao recurso.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

1. A ora Oponente requereu a atribuição de apoios financeiros para realização de acções de formação profissional com início em 01.03.1986 e com o custo global de 29.166.647$00, mormente contribuições pelo Fundo Social Europeu no valor de 12.915.835$00 e pelo Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego no valor de 10.567.500$00;

Cfr. se retira do termo de concessão do 1.º adiantamento da contribuição nacional, a fls. 97-98 do processo executivo fiscal n.º 0841201001009320, em apenso.

2. Em 27.03.1986 o então Ministro do Trabalho e Segurança Social proferiu despacho com o seguinte teor:

«O Fundo Social Europeu incentiva a execução de políticas que visam, por um lado, dar à mão-de-obra as qualificações necessárias para a obtenção de um emprego estável e, por outro, desenvolver as possibilidades de emprego, contribuindo, nomeadamente, para a inserção e integração sócio-profissional dos jovens e dos trabalhadores desfavorecidos, para a adaptação da mão-de-obra ao desenvolvimento do mercado do trabalho e às mutações tecnológicas, assim como para a redução dos desequilíbrios regionais do mercado de emprego.

O Regulamento CEE 2950/83, de 17-10, do Conselho, que aplica a Decisão 83/516/CEE referente às missões do Fundo Social Europeu, definiu, no seu art. 1.º, os tipos de despesas que podem ser objecto de contribuição do Fundo.

No entanto, o Fundo Social Europeu condiciona o seu funcionamento à contribuição financeira das entidades públicas do Estado membro interessado.

O Estado Português, em virtude de o território nacional ter sido considerado região desfavorecida, beneficia de uma taxa majorada, pelo que a contribuição do Fundo é de 55% e a contribuição nacional de 45%, com excepção dos organismos com fins lucrativos, que devem suportar, eles próprios, pelo menos, 10% das despesas elegíveis.

Em relação às acções candidatas ao apoio do Fundo Social em 1986, que obedecem aos requisitos decorrentes das normas que regem aquele Fundo, às disposições nacionais e às orientações do Governo sobre política económica e social, e que venham a ser consideradas prioritárias pela Comissão Europeia haverá que garantir os adequados meios para que a sua realização, no corrente ano orçamental, não seja posta em causa.

Assim, haverá que proporcionar os adequados meios financeiros aos projectos que venham a ser aprovados pelo FSE tal como proposto no projecto de candidatura, bem como aos projectos que, embora obedecendo a todos os requisitos para serem também aprovados pelo Fundo Social Europeu, venham a ser total ou parcialmente afectados pelo mecanismo da redução, em virtude da insuficiência de créditos por parte do próprio Fundo.

Consciente desta necessidade, considera o Ministério do Trabalho e Segurança Social tornar-se necessário, relativamente aos projectos em que se comprometeu, garantindo a comparticipação nacional através do orçamento do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, e tendo em conta não ser previsível que os pagamentos comunitários se façam antes do final do 1.º semestre do corrente ano, antecipar desde já, com os recursos disponíveis, parte da sua comparticipação, como forma de incentivar os potenciais promotores de acções de formação profissional e de criação de emprego em anos subsequentes e de não inviabilizar o desenvolvimento das acções neste primeiro ano, tendo em atenção o seu reflexo na política do emprego, muito particularmente nas condições de vida dos trabalhadores portugueses e no relançamento da economia nacional.

Nestes termos, determino que:

1.º O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagará um adiantamento de 10% dos custos elegíveis que tenham sido considerados prioritários pela Comissão Europeia no documento presente ao Comité do Fundo Social Europeu e cuja comparticipação nacional tenha sido prevista nos formulários de candidatura, através do orçamento do então Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, após recepção de ordem de pagamento a emitir pelo DAFSE.

2.º O remanescente do primeiro adiantamento da comparticipação nacional, de acordo com as normas comunitárias será efectuado logo que a decisão por parte da Comissão Europeia seja comunicada ao DAFSE.

3.º O adiantamento previsto no n.º 1 far-se-á:

a) Para as acções já iniciadas, no momento da entrada em vigor do presente despacho;

b) Para as acções a iniciar após a entrada cm vigor do presente despacho e antes da comunicação da decisão por parte da Comissão Europeia relativa aos pedidos de 1986, no momento do seu início.

4.º As entidades promotoras que pretendam beneficiar do adiantamento previsto no n.º 1.º deverão solicitá-lo através de requerimento, dirigido ao DAFSE, que verificará no local o início da acção.

5.º Depois de verificado pelo DAFSE o início da acção, o responsável do organismo promotor assinará um termo de responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações previstas nas normas que regem o Fundo Social Europeu, após o que este departamento emitirá a respectiva autorização de pagamento.

6.º Os promotores das acções que, embora obedecendo a todos os requisitos para serem aprovadas pelo Fundo Social Europeu, venham a ser total ou parcialmente afectados pela redução prevista na Decisão 85/261/CEE, de 30-4, da Comissão, devem proceder à reformulação do pedido, no que se refere ao número de pessoas e aos custos, compatibilizando-os com a comparticipação prevista neste diploma, não podendo, no entanto, a comparticipação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ser superior àquela que estava prevista no dossier de candidatura por parte do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego.

7.º A reformulação do pedido previsto no número anterior deverá ser presente ao DAFSE para decisão sobre a sua exequibilidade, aplicando-se às entidades promotoras, nos casos que venham a merecer despacho favorável do director do DAFSE, todas as obrigações previstas nas normas que regem as acções financiadas pelo Fundo Social Europeu, bem como o mecanismo previsto nos n.ºs 1.º a 4.º do presente despacho, com as necessárias adaptações.

8.º Estas disposições têm carácter excepcional e destinam-se a vigorar somente no corrente ano de 1986.»;

Cfr. o referido despacho, publicado no Diário da República II Série, n.º 82, de 09.04.1986, pg. 3314.

3. No seguimento do despacho referido no ponto anterior o Director Geral do Departamento para os Assuntos Sociais do Fundo Social Europeu (DAFSE) adiantou à ora Oponente o valor de € 2.348,333$00, referente a 10% da contribuição nacional, assinando em 09.05.1986 a respectiva autorização de pagamento n.º 25/86, ordenando ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social o visado pagamento «por conta das dotações inscritas no OSS-86, em: Transferências de capital Para acções Com suporte nas receitas gerais do OSS»;

Cfr. se retira do termo de concessão do 1.º adiantamento da contribuição nacional, da respectiva autorização de pagamento, e da notificação à ora Oponente de tal adiantamento, a fls. 96-99 do PEF em apenso.

4. Tendo o referido Director do DAFSE ordenado ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social o adiantamento da realização de mais quatro pagamentos à ora Oponente, «por conta das dotações inscritas» no Orçamento da Segurança Social de 1986 e 1988 «em: Transferências de capital Para acções Com suporte na dotação do Fundo Social Europeu» e «Com suporte nas receitas gerais do OSS», conforme se discrimina no quadro seguinte:

[Imagem]

Cfr. se retira das aludidas ordens de pagamento e notificações à ora Oponente das aludidas autorizações de pagamento e termo de concessão do apoio financeiro a fls. 100-110 do PEF em apenso.

5. Em 14.07.2010 o Chefe de Unidade do Fundo Social Europeu -- Acompanhamento das Políticas Nacionais Correspondentes II, da Comissão Europeia, assinou a carta n.º 425667 dirigida à Presidente do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, com o seguinte teor:

«Assunto: Fixação do montante final das despesas elegíveis para o dossiê nº 86 0156 P1, titulado pelo "DAFSE - Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu"

Ref.: V/ofícios nº 10096 de 19 de Novembro de 2009 e nº 4331 de 2 de Junho de 2010

N/ofício nº 3389 de 2 de Março de 2010

Na sequência de um pedido de contribuição apresentado pelas autoridades nacionais a favor da entidade "DAFSE - Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu", relativo a uma acção a realizar no âmbito da prioridade do ponto 2.2 das orientações gerais para a gestão do Fundo Social Europeu para os exercícios de 1984 a 1986, a Comissão, conforme Decisão C (86) 736 de 7 de Maio de 1986, aprovou, a título de financiamento do FSE, o montante de 547.238.277 Esc., destinado à formação profissional de 1.039 pessoas. As acções de formação profissional foram levadas a cabo por 45 entidades agrupadas no âmbito deste dossiê.

Em 30 de Outubro de 1987, o Estado-membro (DAFSE) apresentou à Comissão o respectivo pedido, de pagamento de saldo, constante do formulário designado por “Anexo 2”. Aí constava, como custo global da acção o montante de 1.078.381.319 Esc. correspondente a um pedido de participação do FSE de 480.758.932 Esc. Tendo em conta o adiantamento pago de 273.619.138 Esc., o saldo FSE solicitado e inscrito no "Ponto 8.- montante pedido" era de 207.139.794 Esc.

Entretanto, tendo surgido indícios de presunção de irregularidades na execução de algumas acções de formação profissional co-financiadas pelo FSE, o Estado-membro, com conhecimento da Comissão Europeia, decidiu reexaminar um certo número de dossiers.

Foi também comunicado à CE que as entidades B…., C…., D…, E….., F… e G… deveriam ser consideradas abrangidas pelo artigo 7° da decisão 83/673/CEE de 22 de Dezembro de 1983.

Neste contexto, e após uma missão de controlo comunitária por amostragem a 8 das entidades agrupadas, o DAFSE submeteu a auditoria específica as actividades desenvolvidas por 36 das entidades agrupadas no âmbito do dossier nº 86 0156.P1. Destas trinta e seis entidades, 3 tinham já sido auditadas aquando da missão de controlo comunitária.

Durante a missão de controlo comunitária, realizada de 17 a 20 de Abril de 1990, foram identificados vários casos de declaração de despesas não elegíveis, relativos principalmente a:

- despesas não justificadas,

- inexistência de formação,

- erros de cálculo,

- estagiários não elegíveis;

Os resultados do controlo, seguidos da extrapolação prevista no 2° parágrafo, do artigo 7° do Regulamento (CEE) nº 2950/83 (JO L 289 de 22 de Outubro de 1983), permitiram fixar em 29,9% a taxa de erro verificada nas acções auditadas. Esta taxa de erro serviu de base ao cálculo das correcções financeiras aplicadas às entidades que foram unicamente controladas pelos auditores comunitários.

Concomitantemente, face às decisões proferidas pelos tribunais portugueses, o Estado-membro deu conhecimento dessa situação à Comissão, fazendo, deste modo, cessar a presunção de irregularidades que impendia sobre as entidades B…., C…., D…, E…., F….e G…., desde a data da notificação pelo Estado Membro à Comissão Europeia. Da análise das referidas decisões do Tribunal, conforme notificado pelo Estado Membro, nada resulta que ponha em causa a estrutura de custos resultante da análise das auditorias financeiras realizadas pelo DAFSE ou pela Comissão Europeia.

Consequentemente, na carta nº 10096 de 19 de Novembro de 2009, o Estado-membro propõe que o montante final dos custos elegíveis aceite para a acção promovida a título do dossiê nº 86 0156 P1 seja fixado em 752.866.683 Esc.

Através do ofício nº D (2010) 3389 de 2 de Março de 2010, a Comissão Europeia, após consideração de todas as informações transmitidas pelo Estado-membro e, nomeadamente, do ofício nº 10096 de 19 de Novembro de 2009, propôs que o montante final das despesas elegíveis para o dossiê nº 86 0156 P1 fosse fixado em 742.649.412 Esc.

Em resposta a esta proposta e após consideração dos elementos apresentados no âmbito do processo de audiência prévia pelas entidades associadas, o Estado-membro, através do ofício nº 4331 de 2 de Junho de 2010, propôs que o montante final das despesas elegíveis para o dossiê nº 86 0156 P1 seja fixado em 789.910.961 Esc.

Analisado o pedido de pagamento de saldo inicial, a decisão de atribuição do financiamento do FSE e demais documentação remetida ulteriormente pelo Estado-membro e, nomeadamente, os ofícios nº 10096 de 19 de Novembro de 2009 e nº 4331 de 2 de Junho de 2010, os serviços do Fundo Social Europeu concluíram pela aceitação das despesas elegíveis pelo montante total de 789.910.961 Esc.

O quadro de financiamento final da acção fica, por conseguinte, assim determinado:

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Consequentemente, e com base no nº 1 do artigo 6° do Regulamento (CEE) nº 2950/83 do Conselho, de 17 de Outubro de 1983, a participação do Fundo Social Europeu não poderá ser superior a 348.688.650 Esc.

Considerando as 45 entidades agrupadas no âmbito deste dossier, a participação do FSE é repartida da seguinte forma:

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Considerando que os serviços do Fundo Social Europeu já pagaram, a título de adiantamento e de saldo, o montante de 267.857.715 Esc., a quantia de 403.183,00€ (equivalente a 80.830.935 Esc.) será transferida para a conta bancária do IGFSE.

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A execução da ordem de pagamento a emitir, encerrará definitivamente o dossiê mencionado em epígrafe.»;

Cfr. referida carta, a fls. 47 do PEF em apenso.

6. Em 17.03.2010 foi enviado à ora Oponente ofício do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., tendente a dar-lhe conhecimento da carta referida no ponto anterior, mais se podendo ler no referido ofício, o seguinte:

«Assunto: "Dossiers" 86 0156 P1

Titular: DAFSE

Projecto de Decisão da Comissão Europeia

1. O Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE), com sede na Rua Castilho, - nº 5, 6.º/7.º/8.º - 1250-066 Lisboa, sucedeu, nos termos do nº 2 do art. 2° do Decreto-Lei nº 2/2003, de 6 de Janeiro, nas atribuições, direitos e obrigações do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu (DAFSE), organismo extinto por força do art. 1.º daquele diploma legal.

2. Neste âmbito, junto se remete cópia do projecto de decisão da Comissão Europeia sobre o "dossier" acima identificado, solicitando a essa entidade que, caso queira, apresente ao IGFSE, no prazo de 20 dias a contar da data da presente notificação, o que tiver por conveniente sobre o referido projecto, a fim de habilitar este Instituto a formular as suas observações e transmiti-las à CE conforme prevê o nº 1 do artº 6° do Regulamento CEE nº 2950/83, do Conselho, de 17 de Outubro.

3. Nestes termos, o quadro de financiamento decorrente daquele projecto, é para a A…. Lda., Lda. o já comunicado através dos nossos ofícios nº 13889, de 30/09/1992 (o qual dava conhecimento à entidade dos resultados da auditoria) e nº 19319, de 28/12/93 (o qual consubstancia a decisão final de certificação do DAFSE, no âmbito do pedido de pagamento de saldo formulado pela entidade), isto é,

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4. Atendendo a que já foram efectuados, os seguintes pagamentos:

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verifica-se que tem a devolver o montante 28.174,32 €, como a seguir se demonstra:

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Com os melhores cumprimentos.»;

Cfr. ofício n.º 02095 a fls. 8 e ss. do PEF em apenso.

7. O qual foi recepcionado na sede da ora Oponente em 18.03.2010;

Cfr. aviso de recepção a fls. 14 do PEF em apenso.

8. Em 13.08.2010 a Presidente do referido Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., apôs despacho de concordância sobre proposta elaborada por técnico daquele Serviço, com o seguinte teor:

«Assunto: "Dossier" 86 0156 P1

Titular: DAFSE (em nome de várias entidades com fim lucrativo)

Entidade: A…., Lda.

Execução da Decisão da Comissão Europeia - Notificação para Restituir

1. Na sequência da Decisão da Comissão Europeia relativa ao pedido de pagamento de saldo do "dossier" em epígrafe, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi aprovado para a "A….. Lda.", o seguinte financiamento:

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2. Uma vez que já lhe foram pagas as seguintes quantias,

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verifica-se que tem a devolver o montante 28.174,32 €, como a seguir se demonstra:

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3. Nos termos conjugados do n.º 12 do Despacho do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, publicado no D.R. II Série de 14.10.1985, com n.º 2 do art. 2.º do Dec. Lei n.º 2/2003, de 6 de Janeiro e alínea c) com o n.º 2 do art. 3.º do Dec. Lei n.º 212/2007, de 29 de Maio, cabe a este Instituto assegurar a recuperação dos créditos sobre entidades beneficiárias por via voluntária ou coerciva.

4. Deste modo, propõe-se que, pela Presidente do Conselho Directivo do IGFSE, seja determinada a promoção da recuperação da verba em causa e a sua notificação à entidade, concedendo-se para o efeito o prazo máximo de 30 dias.»;

Cfr. referida proposta/despacho, a fls. 45 do PEF em apenso.

9. Em 02.09.2010 foi enviado à ora Oponente ofício do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., com o seguinte teor:

«Assunto: "Dossier" 86 0156 P1

Titular: DAFSE (em nome de várias entidades com fim lucrativo)

Notificação e execução da Decisão de Aprovação da Comissão Europeia Ordem de devolução

1. Pelo presente oficio, fica essa entidade notificada, para os devidos efeitos, da decisão da Comissão Europeia (CE), de que se remete cópia em anexo, relativa ao "dossier" mencionado em epígrafe.

2. Nestes termos, após realização da audiência dos interessados, o quadro de financiamento decorrente da decisão é para a "A…., Lda.", o já comunicado pelo nosso ofício nº 2095, de 17/03/2010, e recebido pela entidade, em 18/03/10, conforme comprova o aviso de recepção, ou seja, o seguinte:

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3. Neste âmbito, informamos que o IGFSE remeteu à CE as alegações apresentadas pela A…., tendo a CE entendido manter em decisão final o montante comunicado em projecto de decisão.

Em sede de alegações a A…. refere que "parte das correcções que são sugeridas no relatório de auditoria, resultam no facto de a empresa não ter apresentado documentos de suporte. Ora, nos termos do art.º 25.º do Despacho Normativo n.º 68/91, os dossiers contabilísticos deverão ser conservados pelas promotoras durante o período de 3 anos, contado a partir da data do pagamento de saldo respectivo", pelo que conclui, face ao caso em apreço, que "a alegada falta de suporte documental das despesas suportadas pela expoente não poderá ser valorizada contra si". Analisadas as alegações da entidade conclui-se que a mesma não poderá ser acolhida, visto sustentar-se na aplicação de um diploma cuja utilização não pode ser realizada nos dossiers de 1986.

Refira-se, ainda, que em sede de contraditório a V. empresa não apresentou quaisquer evidências ou provas documentais, pelo que, inviabiliza qualquer alteração ao comunicado em projecto de decisão.

Nesta matéria, importa, ainda, destacar que em 30.09.1992, através do ofício n.º 13889, a A…., foi notificada ao abrigo do art.º 100.º do Código do Procedimento Administrativo, para se pronunciar sobre o relatório de auditoria da …, não tendo a V. empresa remetido quaisquer evidências, factos e/ou fundamentos em sede de contraditório.

4. Atendendo a que já foram efectuados, os seguintes pagamentos:

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verifica-se que tem a devolver o montante 28.174,32 €, como a seguir se demonstra:

[Imagem]

5. Nos termos conjugados do n.º 12 do Despacho do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, publicado no D.R. II Série de 14.10.1985, com o n.º 2 do art. 2.º do Dec. Lei n.º 2/2003, de 6 de Janeiro e alínea c) do n.º 2 do art. 3.º do Dec. Lei n.º 212/2007, de 29 de Maio, cabe a este Instituto assegurar a recuperação dos créditos sobre as entidades beneficiárias por via voluntária ou coerciva.

6. Deste modo, em conformidade com o despacho da Presidente do Conselho Directivo do IGFSE, de 13 de Agosto 2010, proferido no uso da competência delegada pelo n.º 2 do art. 8.º do Anexo à Portaria n.º 636/2007, de 30 de Maio, deve proceder à restituição do montante em dívida, no prazo máximo de 30 dias, a contar da data de recepção do presente ofício, por cheque emitido à ordem deste Instituto, ou por transferência bancária para a conta com o NIB ……, sendo que, neste caso deverá ser remetido o comprovativo da efectivação da mesma.

Qualquer que seja o meio de pagamento que venha a ser adoptado por essa entidade, deverá ser enviada a este Instituto a Guia de Restituição nº 47/2010 anexa, que anula e que substitui a Guia de Restituição nº 674/93 que seguiu em anexo ao ofício nº 19319, de 28/12/1993, que será devolvida, posteriormente, como prova de regularização.

7. No caso de não cumprimento da obrigação de restituir o montante em dívida, no prazo referido, terá este Instituto que proceder à sua cobrança coerciva, no âmbito das atribuições que lhe estão cometidas pela alínea c) do n.º 2 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 212/2007, de 29 de Maio, através de execução fiscal, conforme determina o n.º 11 do art. 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro, aplicável à situação em apreço por força do disposto no n.º 2 do art. 53.º do mesmo diploma legal.

8. Contudo, caso essa entidade pretenda efectuar a restituição em pagamentos faseados, deverá apresentar ao IGFSE uma proposta de plano de pagamento que se enquadre no n.º 8 do art. 45.º do citado Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, cuja cópia se anexa.

9. Por último, informa-se V. Exa. de que, da decisão da Comissão Europeia, pode ser interposto recurso para o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, no prazo de dois meses a contar da recepção da presente notificação, acrescido da dilação de dez dias.

Da ordem de devolução emitida pelo IGFSE, enquanto acto de execução da referida decisão da Comissão, não cabe recurso tutelar, podendo, no entanto, ser objecto de impugnação, junto do Tribunal Administrativo competente.»;

Cfr. ofício n.º IGFSE/S/6121/2010, a fls. 4 e ss. do PEF em apenso.

10. O qual foi recepcionado na sede da ora Oponente em 06.09.2010;

Cfr. aviso de recepção a fls. 7 do PEF em apenso.

11. Em 20.10.2010 foi emitida certidão de divida pelo Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., com o seguinte teor:

«……., Vogal do Conselho Directivo do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, l.P., (IGFSE), organismo da Administração Central sob superintendência e tutela do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, pessoa colectiva n.º 504 987 682, com sede na Rua Castilho, n.º 5, 6.º a 8.º, 1250-066 Lisboa, certifica, no uso da competência delegada pelo n.º 1 do ponto IV da Deliberação n.º 1524/2009, publicada no DR, 2.ª Série, n.º 105, de 01.06.09, que, "A……., Lda.", pessoa colectiva n.º ….., com sede na Zona Industrial ….., Freguesia de São Miguel de Poiares, Concelho de Vila Nova de Poiares, 3350-… São Miguel de Poiares, é devedora a este Instituto da quantia de € 28.174,32 (vinte e oito mil, cento e setenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos), proveniente de comparticipações financeiras indevidamente recebidas no âmbito da acção de formação profissional apoiada pelo Fundo Social Europeu e pelo Estado Português, enquadrada no "dossier'' 86 0156 P1.

Não são devidos juros de mora.

A presente certidão é extraída do despacho, de 13 de Agosto de 2010, da Presidente do IGFSE que, em execução da decisão da Comissão Europeia, determinou a restituição e sua notificação à entidade devedora, e que dela faz parte integrante, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Anexo à Portaria n.º 636/2007, de 30 de Maio, e ao abrigo do previsto na alínea g) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 212/2007, de 29 de Maio.

Esta certidão é passada para o efeito de ser instaurada acção de execução fiscal de acordo com os n.ºs 11 e 12 do artigo 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro, aplicável ao presente processo por força do disposto no n.º 2 do artigo 53.º do mesmo diploma legal e em conformidade com os artigos 162.º e 163.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.»;

Cfr. certidão de dívida a fls. 3 do PEF em apenso.

12. O que levou em 25.10.2010 à instauração pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Poiares, contra a ora Oponente, do processo de execução fiscal n.º 0841201001009320;

Cfr. autuação do aludido PEF e fls. iniciais do mesmo, em apenso.

13. Em 26.10.2010 foi recepcionado no domicílio fiscal da ora Oponente ofício de citação pessoal no PEF aludido no ponto anterior;

Cfr. ofício n.º 1719 e respectivos talão de aceitação de correio postal registado e aviso de recepção, a fls. 52-54 do PEF em apenso.

14. Em 25.11.2010 deu entrada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Poiares a p.i. de oposição que deu origem aos presentes autos.

Cfr. carimbo a fls. 3 dos autos. »


***

A sentença recorrida, após, num primeiro momento, ter identificado, sem contestação, que a dívida exequenda (no processo de execução fiscal visado por esta oposição) respeita “a comparticipações financeiras pedidas pela ora Oponente no âmbito da realização de acção de formação profissional, com suporte na dotação do Fundo Social Europeu e com suporte nas receitas gerais do Orçamento da Segurança Social, enquadradas no “Dossier 86 0156 P1”, …”, sendo que, “(d)a quantia exequenda de € 28.174,32, € 7.947,08 referem-se especificamente ao financiamento dado pelo Fundo Social Europeu (embora adiantado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.), enquanto os restantes € 20.227,25 referem-se a financiamento do Estado Português, por conta das dotações inscritas no Orçamento da Segurança Social de 1986 e 1988 e com suporte nas receitas gerais de tal Orçamento (…)”, ao que se seguiu, numa longa e aturada exposição de fundamentos, a determinação do prazo de prescrição aplicável e do seu dies a quo, antes de decidir julgar improcedente a oposição, firmou a conclusão de que “a quantia exequenda, na parte referente à contribuição indevida do Fundo Social Europeu no valor de € 7.947,08, e na parte referente à contribuição indevida do Estado Português no valor de € 20.227,25, viu os respectivos prazos prescricionais aplicáveis de três e vinte anos, serem interrompidos com a citação da ora Oponente no processo executivo instaurado para o seu reembolso coercivo, mantendo-se interrompidos enquanto não transite em julgado ou não forme caso decidido a decisão que coloque termo ao visado processo executivo”.

Avaliada a crítica que lhe dirige a rte, identificamos o apontar do cometimento de errado julgamento, numa dupla vertente:

- quanto à parcela da dívida do Fundo Social Europeu (FSE) [€ 7.947,08], por defender a aplicação do prazo (de prescrição) previsto no n.º 1 do artigo (art.) 3.º (e não no n.º 3 do mesmo normativo, como sustentado na sentença (A rte erra neste apontamento, porquanto a sentença defende, expressamente, a aplicação do disposto no n.º 2 do art. 3.º do Regulamento (cf., v.g., pág. 34).)) do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995 – conclusões 1. a 20.;

- no que tange ao montante de € 20.227,25, correspondente ao financiamento do Estado Português (para a mesma ação de formação profissional), sustenta, em primeira linha, a aplicação do prazo (de prescrição) de 5 (cinco) anos, previsto no art. 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92 de 28 de julho, mas, mesmo sendo operante o prazo de 20 (vinte) anos (do art. 309.º do Código Civil (CC), como entendido na sentença), já se mostra completado, sem prejuízo de, finalmente, pugnar pela consideração do prazo do art. 3.º n.º 1 do Regulamento.

Em função desta duplicidade, importa, primeira e determinantemente, versar o regime jurídico, respeitante à “protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias [da União]”, imposto («…, devido à sua própria natureza e à sua função no sistema das fontes do direito da União, as disposições de um regulamento produzem, regra geral, um efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação (Acórdãos de 24 de junho de 2004, Handlbauer, C-278/02, EU:C:2004:388, n.º 25, e de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C-367/09, EU:C:2010:648, n.º 32). ») pelo Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, em vigor, no espaço da União Europeia, desde 26 de dezembro de 1995 (Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias N.º I. 312/4 de 23.12.95.).

Do conjunto normativo deste Regulamento, sobressai, com potencial relevância no tratamento da problemática acima identificada, o disposto no seu art. 3.º, cujo conteúdo, desmembrado, nos permite encontrar e isolar as figuras jurídicas seguintes:

- a previsão do prazo “de prescrição do procedimento”, estabelecido, por regra, em quatro anos (e, nunca, inferior a três anos) – cf. art. 3.º n.º 1;

- a imposição do prazo de três anos, como o “de execução da decisão que aplica a sanção administrativa” – art. 3.º n.º 2.

Com proximidade, regista-se, ainda, a outorga da possibilidade de os Estados-membros aplicarem prazos mais longos – art. 3.º n.º 3.

Não obstante a, aparente, linearidade e objetividade dos aspetos pretendidos regulamentar, pelo legislador europeu, a interpretação do versado art. 3.º do Regulamento não pode prescindir das pronúncias produzidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), como é o caso, entre outras, da mais recente, vertida nos acórdãos de 7 de abril de 2022, proferidos nos processos C-447/20 e C-448/20 (No âmbito de pedidos de reenvio prejudicial, com origem nos processos, deste STA, n.ºs 53/16.0BEMDL e 3138/12.8BEPRT.).

Assim, a operância, na nossa ordem jurídica, do mesmo, sempre, terá de levar em linha de conta e conciliar-se com a declaração, pelo TJUE, de que: «

1) O artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros [da União Europeia], deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos de impugnação de uma decisão de cobrança de montantes indevidamente pagos, adotada após o decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto nessa disposição, o seu destinatário é obrigado a invocar a irregularidade dessa decisão num determinado prazo perante o tribunal administrativo competente, sob pena de caducidade, e já não se pode opor à execução da referida decisão ao invocar a mesma irregularidade no âmbito do processo judicial de cobrança coerciva intentado contra si.

2) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que tem efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação. Daqui resulta que o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos deve, em qualquer caso, poder invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, desse regulamento ou, se for caso disso, de um prazo de execução prolongado em aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do referido regulamento, a fim de se opor à cobrança coerciva desses montantes.

3) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece começa a correr a partir da adoção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso.

4) O artigo 3.º, n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o prazo de execução previsto no primeiro parágrafo deste número é interrompido pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança. »

O conteúdo deste pronunciamento (complementado, necessariamente, com os pertinentes fundamentos), além de outras leituras que possa permitir, na nossa, é elucidativo e seguro de que:

- no n.º 1 do art. 3.º do Regulamento é concedido, aos operadores económicos, um prazo (de 4 ou 3 anos) em que podem invocar a prescrição dos procedimentos, administrativos, respeitantes a uma qualquer irregularidade (definida no art. 1.º n.º 2), a fim de se oporem à aplicação, contra si, de uma, qualquer, das medidas e/ou das sanções administrativas, previstas nos arts. 4.º e 5.º do mesmo Regulamento;

- a invocação desta prescrição (dos procedimentos administrativos), isto é, a alegação de que uma certa e determinada decisão (do órgão administrativo competente) de cobrança de montantes indevidamente pagos/recebidos foi adotada após o decurso dos aplicáveis 4 ou 3 anos, no ordenamento jurídico português, tem de ser feita, dentro do prazo processualmente previsto, perante o tribunal administrativo competente, não sendo, portanto, invocável no âmbito de um, possível, processo (judicial) de cobrança coerciva (dos montantes indevidamente pagos/recebidos), por norma, execução fiscal, contra o devedor, intentado;

- uma vez sedimentada decisão (nacional) que aplique uma medida administrativa, como, por exemplo, a cobrança de ajudas (da União) indevidamente recebidas [ou uma sanção administrativa (Apesar de o art. 3.º n.º 2 do Regulamento mencionar “sanção administrativa”, segundo o TJUE, o mesmo “visa simultaneamente as sanções administrativas, na aceção do artigo 5.º, n.º 1, deste regulamento, e as medidas administrativas, na aceção do artigo 4.º, n.º 1, do referido regulamento, que podem ser adotadas com vista à proteção dos interesses financeiros da União”.)], o destinatário daquela, se decorrer o prazo de, no mínimo, 3 anos sem que o processo de cobrança coerciva (da dívida respetiva) seja instaurado, pode opor-se ao correspondente processo de execução (fiscal);

- acresce, segundo o TJUE, que “a eventual inexistência de fundamento de oposição previsto pelo direito de um Estado-Membro em tal caso não pode impedir o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos de invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95”;

- o prazo aplicável de execução da decisão (administrativa), em princípio, de 3 anos, começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa);

- a citação (nos moldes em que seja regulada pelas legislações nacionais) do executado, funciona, como causa interruptiva do prazo previsto no art. 3.º n.º 2 do Regulamento.

Posto isto, podemos, desde já, asseverar que o art. 3.º, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, sem reservas, empreendeu regular os efeitos do decurso do tempo, disponibilizado, às autoridades administrativas intervenientes, por um lado, para concluírem o procedimento de aplicação de medidas e/ou sanções administrativas, visando o cometimento de irregularidades no domínio do direito comunitário (“Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um acto ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas directamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida” – cf. art. 1.º n.º 2 do Regulamento.) e, por outro, para, terminada essa fase, dentro do previsto prazo prescricional, darem início à execução da decisão, definitiva, que aplicou a concreta medida e/ou sanção administrativa; no caso dessa execução implicar o recebimento de quantias monetárias, instaurarem (com citação) a competente execução fiscal.

Efetuado este enquadramento, abstrato, generalista, na situação julganda, de imediato e linearmente, emerge a constatação, quanto à parcela da dívida do FSE, de € 7.947,08, da irrelevância e inconsequência, do erro de julgamento, apontado pela rte, como cometido pela sentença sob recurso, decorrente de, no respeito pela jurisprudência emitida pelo TJUE, tal como o STA, já, efetivou no acórdão de 18 de maio de 2022 (processo n.º 53/16.0BEMDL), tal fundamento, do decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 1 do art. 3.º do Regulamento, não poder ser conhecido nesta sede, de oposição à execução fiscal. Por outras palavras, ainda que o julgado, em 1.ª instância, no sentido de operar com o prazo inscrito no art. 3.º n.º 2 do Regulamento, possa não ser, totalmente, certeiro, o eventual erro dessa forma de entender é insuscetível de ser encontrado e afirmado pela proposta, da rte, de fazer funcionar, como fundamento desta oposição, a prescrição (do procedimento administrativo) regulada no art. 3.º n.º 1 do mesmo Regulamento; atente-se que, mesmo podendo, in casu, não ser correto o estabelecimento do prazo de prescrição (do art. 3.º n.º 2 do Regulamento), de acordo com o TJUE, nos moldes supra expostos, o destinatário de uma decisão que aplique uma medida administrativa, como, por exemplo, a cobrança de ajudas (da União) indevidamente recebidas, se decorrer o prazo de, no mínimo, 3 anos sem que o processo de cobrança coerciva (da dívida respetiva) seja instaurado, pode opor-se ao correspondente processo de execução (fiscal), pelo que, pelo menos, neste quadrante (fundamento) a visada sentença não merece censura.

Volvendo atenções para o segmento da dívida exequenda respeitante, casuisticamente, “ao financiamento (de € 20.227,25) do Estado Português, por conta das dotações inscritas no Orçamento da Segurança Social de 1986 e 1988 e com suporte nas receitas gerais de tal Orçamento…”, na sentença, relacionado, expendeu-se: «

(…).

Mas há que reconhecer, de facto, que os pagamentos efectuados à ora Oponente pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, cujo parcial reembolso coercivo lhe está a ser exigido, não podem ser considerados como despesas de gestão corrente ou de administração, mas antes como despesas de capital. Sendo que o objecto do Decreto-Lei n.º 155/92, tal como definido no seu artigo 1.º, é apenas conter “as normas legais de desenvolvimento do regime de administração financeira do Estado a que se refere a Lei n.º 8/90, de 20 de Fevereiro”, ou seja, a Lei de Bases da Contabilidade Pública, a qual prevê como regime financeiro geral dos serviços e organismos da Administração Central a autonomia administrativa nos actos de gestão corrente, actos esses que são definidos como “todos aqueles que integram a actividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições”, excluindo de tal âmbito “os actos que envolvam opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos e designadamente, que se traduzam na aprovação dos planos e programas de actividades e respectivos relatórios de execução ou na autorização para a realização de despesas cujo montante ou natureza ultrapassem a normal execução dos planos e programas aprovados” (cfr. artigo 2.º, n.ºs 1, 2 e 3).

Como é sabido, as despesas correntes e as despesas de capital não passam de uma classificação económica de despesas públicas, ora estabelecida no Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14.02, e a sua diferença essencial refere-se, tal como o nome indicia, a gastos que se repetem todos os anos, como salários com os funcionários públicos, prestações sociais, rendas com instalações, encargos com juros, mormente da dívida pública, etc.; e gastos que não se repetem todos os anos mas que perduram no tempo, como os investimentos na aquisição de infra-estruturas ou equipamentos, transferências de capital, por exemplo sob a forma de ajudas ao investimento, etc..

Pelo que, tal como resulta dos factos dados como provados sob os pontos 2. e 3. estamos efectivamente perante despesas de capital, transferidas para a Oponente por conta das dotações inscritas no Orçamento da Segurança Social referentes a transferências de capital, razão pela qual se entende (a par da jurisprudência citada que por essa mesma razão assim igualmente o entende), que não é aplicável o Decreto-Lei n.º 155/92 às reposições/reembolsos aqui em causa.

Consequentemente, também não é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos aí previsto para a reposição de dinheiros públicos.

(…).

(…) parte da dívida é, verdadeiramente, uma dívida estatal, por referência a dinheiro entregue à ora Oponente proveniente, como vimos já, do Orçamento Geral do Estado Português, e outra parte, menor diga-se, trata-se de uma dívida comunitária, por referência a uma comparticipação do Fundo Social Europeu (cfr. factos provados sob os pontos 1., 2. e 9.).

Sendo que o prazo de três anos para execução da decisão de reembolso de quantias indevidamente recebidas, previsto no Regulamento n.º 2988/95, apenas se pode considerar aplicável no que concerne aos interesses financeiros da União Europeia, e já não aos interesses financeiros de cada Estado membro, por referência às suas receitas e despesas próprias.

(…).

Por outro lado, tal como resulta do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Regulamento (CEE) n.º 4253/88 do Conselho de 19 de Dezembro de 1988, que estabeleceu as disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes Fundos Estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro; os Estados-membros ficavam obrigados a tomar as medidas necessárias para, além dos mais, recuperar os fundos perdidos na sequência de um abuso ou de uma negligência, sendo cada Estado-membro “subsidiariamente responsável pelo reembolso das somas indevidamente pagas”, salvo se tal Estado “e/ou o intermediário e/ou o promotor provarem que esse abuso ou negligência lhes não são imputáveis”.

Ora, como é evidente, a responsabilidade subsidiária do Estado nacional perante a Comunidade Europeia, ora União Europeia, só faz sentido se o montante a repor tenha provindo do Orçamento Geral das Comunidades Europeias ou de qualquer orçamento gerido pelas Comunidades, não podendo ser-se subsidiariamente responsável por quantias que sejam devidas ao próprio.

Pelo que, da dívida exequenda, apenas a parcela referente ao financiamento pelo FSE é susceptível de ter lesado qualquer orçamento gerido pela então Comunidade Europeia, pelo que só a essa parcela se entende que é aplicável o prazo de três anos de execução da decisão de reembolso de quantias indevidamente recebidas que veio a ser firmado pelo Regulamento n.º 2988/95.

(…).

Quanto à parcela referente à contribuição do Estado Português, nunca poderia a União Europeia estabelecer um qualquer prazo de prescrição, já que não estamos perante matéria harmonizada, sendo cada Estado-membro soberano na definição da sua legislação nacional prescricional aplicável a auxílios, financiamentos e comparticipações em geral, suportadas, como o foram no caso presente por respeito à referida parcela, por receitas próprias do Estado.

Logo, apenas o valor de 1.593.246$00, correspondente a € 7.947,08, referente à contribuição indevida do Fundo Social Europeu, pode ser considerado abrangido pelo prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento n.º 2988/95; enquanto o restante valor de 4.055.199$00, correspondente a € 20.227,25, referente à contribuição indevida do Estado Português, cairá no prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil, por inexistência/inaplicabilidade de qualquer outro legalmente previsto.

Neste mesmo sentido, embora por referência a dívidas ao IFADAP por ajudas financeiras concedidas pelo Estado português e que a Comunidade Europeia, por decisão da Comissão, veio a considerar constituírem auxílios incompatíveis com o mercado comum, julgou já o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 05.02.2015, o seguinte:

(…). »

Esta corrente jurisprudencial, afirmativa da aplicação, exclusiva, do prazo ordinário de prescrição estabelecido, em 20 anos, no art. 309.º do CC, a dívidas com as características da exigida à, aqui, rte, ou seja, auxílios, financiamentos e comparticipações em geral, suportados/as por receitas próprias do Estado Português, acaba de ser reafirmada no, recentíssimo, acórdão, do STA, de 8 de junho de 2022 (782/21.6BEPNF) (Debruçou-se sobre “a prescrição da dívida exequenda, proveniente dos apoios financeiros … concedidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP)”.), apenas, cumprindo aditar ao rol de decisões, aí, convocadas em abono, os arestos, do STA, de 6 de novembro de 2002 (0727/02) e de 5 de julho de 2006 (0462/06), que se debruçaram, especificamente, sobre dívidas ao FSE.

Estabelecido, portanto, o prazo prescricional, da parcela de € 20.227,25 da quantia exequenda, em duas décadas, resta-nos aquilatar da possibilidade de o mesmo, in casu, ter sido completado, no pressuposto de que a respetiva contagem se deve ter por iniciada nas datas de entrega, das várias tranches dos apoios financeiros, à rte (Concretamente, 9 de maio, 18 de agosto e 3 de dezembro de 1986, 5 de fevereiro de 1987 e 28 de julho de 1988.) e não (como assumido na sentença) desde a data (13 de agosto de 2010) em que a restituição lhe foi pedida – cf. conclusões 24. a 37.

Na sequência, lógica e coerente, de termos colhido o prazo de prescrição aplicável por apelo ao regime civilista, também, a solução deste último dissenso tem de passar pela sua consideração e, assim, com a convocatória do disposto no art. 306.º n.º 1 do CC, depositário da regra geral de que “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”, isto é, desde o momento em que a obrigação do devedor (inerente ao direito do credor) se torna, for, exigível. Acresce que se essa exigibilidade pressupuser, por estipulação das partes ou imposição da lei, que haja lugar a interpelação, óbvia e necessariamente, o começo da contagem/início do prazo prescricional só pode ter lugar depois da sua correta efetivação.

Com estes contornos, na situação sub judice, em função do conteúdo da factualidade apurada e elencada nos pontos 5. a 10., é obrigatório concluir que a dívida, submetida a execução fiscal, instaurada contra a oponente, só pôde ser exigida após a condução e encerramento de um procedimento administrativo, para determinar o montante, certo, a restituir, que, necessariamente, teve de ser sujeito a diligências de interpelação, da devedora, para possível, desde logo, restituição voluntária, pelo que, a respetiva prescrição, na ausência desta, apenas, começou a correu depois da concretização dessa comunicação. Aliás, registe-se que o contributo jurisprudencial coligido, pela rte, para pugnar pelo início da contagem a partir das datas dos recebimentos – ver, conclusão 22., não colhe, porquanto, sem outras cambiantes, diz respeito a dívida com específico regime legal, determinativo, além do mais, de que a prescrição ocorre decorrido o espectro temporal fixado para o efeito, contado desde a data do recebimento do montante a restituir, repor.

Finalmente, ao invés do que, sem fundamentos/motivos percetíveis, a rte defende, nas conclusões 35. e 36., julgamos ser esta leitura e operação do conteúdo normativo, inserido no invocado art. 306.º n.º 1 do CC, respeitador da vontade do legislador, quanto à edificação e funcionamento do instituto da prescrição (civil), bem como, compatível com os princípios, passíveis de serem extraídos da Constituição, “da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos”, pois, além de outras perspetivas, nenhum elemento de imprevisibilidade, aleatoriedade, aporta para a forma, correta e legal, de contabilizar o decurso dos concretos prazos prescricionais, desde que, respeitantes a obrigações/dívidas assentes nos mesmos pressupostos.

Quanto à proposta, da rte, de que a esta parcela da dívida exequenda [financiamento (de € 20.227,25) do Estado Português] seja, em última hipótese, aplicado o prazo de prescrição (de 4 anos) do art. 3.º n.º 1 do Regulamento – conclusões 38. a 49., sem delongas, nem merece qualquer tipo de valoração, pela ordem de razões acima aduzidas, relativamente ao montante devido e a ser restituído ao FSE.


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# III.

Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.


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Custas pela recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 22 de junho de 2022. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.