Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01563/18.0BEBRG
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRS
Sumário:No exercício de 2014, qualquer que seja a prestação de serviços exercida nos termos do art. 3º nº1 alínea b) do CIRS, e esteja a mesma prevista em concreto numas das actividades referidas, ou seja até enquadrável na designação de outros prestadores de serviços, essa mesma actividade ficará enquadrada no coeficiente 0,75 conforme previsto no art. 31º nº2 alínea b) e como tal nunca poderia ter enquadramento na alínea e) do mesmo que tem uma aplicação residual.
Nº Convencional:JSTA000P29600
Nº do Documento:SA22022062201563/18
Data de Entrada:03/24/2022
Recorrente:A.... E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Foi interposto recurso jurisdicional por A…. e B…., com os demais sinais dos autos, no Tribunal Central Administrativo Norte, visando a revogação da sentença de 29-06-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação de IRS de 2014, no montante global de € 9.900,91.

Irresignados, nas suas alegações, formularam os recorrentes A…. e B…., as seguintes conclusões:

A. O processo de impugnação tem por objeto a liquidação oficiosa de IRS n.º 2015 5003707020, relativa ao ano de 2014, no montante global de € 9.900,91.
B. Na douta sentença recorrida julgou-se improcedente a impugnação judicial deduzida pelos impugnantes, mantendo- se o ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2014.
C. A decisão alicerçou-se na factualidade dada como provada, nomeadamente a que ficou a constar dos pontos 1) a 11) da matéria dada como provada.
D. Não colocando os recorrentes em causa os factos dados como provados na douta sentença recorrida, não podem concordar com o indeferimento do pedido, por considerarem que a douta sentença sofre de errada interpretação e aplicação da Lei.
E. O Tribunal a quo cometeu um erro de enquadramento dos rendimentos, aplicando o artigo 31.º n.º 2 alínea b), ao invés do artigo 31.º n.º 2 alínea e) do CIRS.
F. O Tribunal a quo considerou os rendimentos auferidos no exercício “de atividade de serviços prestados relacionados com a agricultura (CAE 01610)”, como integrando uma das atividades a que alude a tabela do artigo 151.º do CIRS, determinando, consequentemente, a aplicação do coeficiente de 0,75 previsto no artigo 31.º n.º 2 alínea b) do CIRS.
G. A questão central a discutir consiste em saber qual o coeficiente aplicável aos rendimentos auferidos em 2014 pelos Impugnantes, se o coeficiente de 0,75 previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS ou o coeficiente de 0,10 previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS.
H. O artigo 31.º, n.º 2, alíneas b) e e) do CIRS, na redação à data dos factos disponha o seguinte:
“Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior (indicadores objetivos de base técnico-científica), ou na sua falta, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuadas pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do artigo 6.º do CIRC, o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes:
b) 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º;
e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.”
I. A interpretação da Lei tem como primeiro limite o seu elemento literal, a partir do qual se impõe a descoberta do ratio legis.
J. A LGT, através do seu artigo 11.º, estabelece as regras essenciais de interpretação das leis tributárias e, de acordo com as mesmas, dúvidas não restam que o coeficiente 0,75, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS é aplicável aos rendimentos das atividades profissionais que constam da tabela, e a que alude o artigo 151.º do referido Código.
K. Porquanto, da análise às atividades elencadas na tabela, facilmente se constata que o exercício de “atividades dos serviços relacionados com a agricultura e com a produção animal (CAE 01610)” não é suscetível de ser enquadrada em qualquer daquelas atividades a que se alude na tabela do artigo 151.º do CIRS.
L. Assiste razão aos recorrentes, sendo de aplicar o coeficiente de 0,10 previsto no artigo 31.º n.º 2 alínea e) do CIRS, aos rendimentos por si auferidos a coberto do exercício de atividade não prevista na tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS.
M. A douta decisão ao ter decidido que os rendimentos dos impugnantes fossem considerados na alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS, aplicando-lhe o coeficiente 0,75 e enquadrando-os na tabela do artigo 151.º, faz uma errada interpretação dos normativos legais e consequente aplicação do Direito.
N. Aos rendimentos auferidos pelos impugnantes, em resultado dos serviços relacionados com a agricultura, deveria ser aplicável o coeficiente de 0,10 previsto no artigo 31.º, n.º 2, alínea e), do CIRS.
O. Foi intenção do legislador com a norma prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS de não agravar a tributação dos subsídios destinados à exploração, bem como outros rendimentos de categoria B, não previstos nas alíneas anteriores.
P. A aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de Categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação da atividade realmente e especificamente exercida e não pela constatação do código que consta do cadastro das finanças (CAE).
Q. Trata-se de uma situação em que se aplica o princípio de substância sobre a forma.
R. A Lei n.º 82- E/2014 (Orçamento de Estado para 2015), ao aditar à redação do artigo 31.º n.º 2, alínea b), do CIRS, o advérbio “especificamente”, não é de molde a introduzir um regime inovatório, e, como tal, inaplicável aos exercícios que precediam essa alteração legislativa, outrossim reveste carácter declaratório, coincidindo o âmbito lógico de uma e outra, do que resulta ser o mesmo quadro normativo, quer antes, quer depois da alteração legislativa citada.
S. A douta sentença recorrida socorre-se da interpretação da Circular 5/2014 para aplicar o artigo 31.º n.º2 b) do CIRS, no entanto, os Tribunais, enquanto órgãos de soberania, estão apenas vinculados à Lei, pelo que não os vincula quaisquer orientações administrativas de que decorra uma certa interpretação da mesma.
T. Nestes termos, deverá a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que considere a impugnação procedente.
Termos em que,
Deve ser julgada provada e procedente a presente IMPUGNAÇÃO, revogando-se a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por Decisão Sumária de 16/02/2022, ficou decidido declarar o Tribunal Central Administrativo Norte incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento deste recurso jurisdicional e competente para o efeito, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA).

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, com os seguintes fundamentos:

I. OBJECTO DO RECURSO
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Braga, proferida a 29/06/2021, que julgou improcedente a ação de impugnação judicial intentada contra o ato de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2014, no valor de € 9.900,91 euros.
Os Recorrentes insurgem-se contra o assim decidido, por considerar que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 31º e 151º do CIRS.
Para o efeito alegam que «Facilmente se constata da análise às atividades elencadas na tabela, que o exercício de “atividades dos serviços relacionados com a agricultura e com a produção animal (CAE 01610)” não é suscetível de ser enquadrada em qualquer daquelas atividades a que se alude na tabela do artigo 151.º do CIRS. Deste modo, … sendo de aplicar o coeficiente de 0,10 previsto no artigo 31.º n.º 2 alínea e) do CIRS, aos rendimentos por si auferidos a coberto do exercício de atividade não prevista na tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS».
Mais invocam em abono do seu entendimento o caráter interpretativo das alterações introduzidas ao artigo 31º, nº2, alínea b) do CIRS, pela Lei nº 82-E/2014, ao aditar o advérbio “especificamente”.
E terminam pedindo a revogação da sentença.
2. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA.
2.1 Na sentença recorrida deu-se como assente que o Recorrente marido está registado com o CAE 01610 – “Atividades de serviços relacionados com a agricultura”, tendo na declaração de IRS relativa ao ano de 2014 feito constar no Anexo B, quadro 4B (rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários), o valor de € 59.073,00 euros, e na sequência da qual foi emitida pela AT a liquidação em que foi apurado imposto a pagar no valor de € 9.900,91 euros.
Mais se deu como assente que tendo o ato de liquidação sido impugnado graciosamente, o procedimento foi indeferido com o fundamento de que «tratando-se de prestação de serviços relacionados com Agricultura (CAE 01610) enquadráveis na alínea b) do nº1 do art. 3º do CIRS, os rendimentos encontram-se abrangidos pelo coeficiente de 0,75 constantes na alínea b) do nº1 do artº 31 do referido código» e de que «…dúvidas não restam de que a actividade do SP se enquadra na alínea b) do nº 1 do artº 31º e não na alínea e) do CIRS à data vigente aplicando-se assim o coeficiente de 0,75 em vez de 0,10 como pretende o recorrente».
2.2 Para se decidir pela improcedência da ação considerou o tribunal “a quo” que «….constando esta prestação de serviço, a que corresponde a actividade do impugnante, elencada na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, fica vedada, qualquer outra interpretação, que não seja a da aplicação do disposto no nº 2 da alínea b) do artigo 31.º do Código do IRS, à situação/declaração de rendimentos dos impugnantes».
Mais invocou o tribunal “a quo” que «Seja qual for a prestação de serviços efectuada, a mesma terá necessariamente de ser enquadrada na alínea b) do nº 2 do art. 31º do CIRS, visto que à data dos factos (exercício de 2014) a redacção do referido artigo não destacava nenhuma especificidade, o que só veio a ocorrer com a alteração dada pela n.º 82-E/2014, de 31.12, onde passou a constar a expressão, na redacção da alínea b) do nº 2 do artigo 31º do CIRS, “…atividades profissionais especificamente previstas na tabela…”».
Concluiu-se, assim, que «…Todas as prestações de serviço, enquadráveis no art. 3º nº 1 alínea b) do CIRS, ainda que conexas com o exercício de qualquer actividade mencionada no art. 3º nº 1 alínea a) do CIRS, deverão ser consideradas nos termos do art. 31º nº 2 alínea b) do CIRS, para efeitos da determinação do rendimento colectável, sendo-lhes aplicável o coeficiente de 0,75».
II. ANÁLISE DE MÉRITO DO RECURSO.
A questão que se coloca consiste em saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, ao confirmar a validade do ato de liquidação, o que passa por saber se para efeitos de determinação da matéria tributável, a atividade desenvolvida pelo Recorrente-marido está sujeita ao coeficiente de 0,75, nos termos da alínea b) do nº2 do artigo 31º do CIRS, ou antes está sujeita ao coeficiente de 0,10, nos termos da alínea e) do mesmo preceito legal.
Pese embora não tenha sido levado ao probatório qualquer elemento sobre a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo (Atento que está a ser discutida a questão da qualificação e enquadramento da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo impunha-se ao tribunal “a quo” esse apuramento.), decorre da sentença que o mesmo está registado com o CAE 01610 – “Atividades de serviços relacionados com a agricultura”, cuja atribuição não suscita controvérsia entre as partes.
Como se sabe, em 2001 a categoria “B” passou a integrar os rendimentos empresariais e profissionais, tendo sido suprimidas as categorias “C” e “D”, os quais estão previstos no artigo 3º do CIRS (José Guilherme Xavier de Basto refere, a este respeito, que “*o] tratamento diferenciado das profissões livres relativamente às actividades empresariais era de algum modo uma tradição da fiscalidade portuguesa. Já na reforma dos anos 60, e mesmo antes, os rendimentos respectivos eram tributados por dois impostos diferentes: o «Imposto Profissional» e a «Contribuição Industrial». E aquando da criação, no final da década de oitenta, do imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares – o IRS – os rendimentos dos profissionais livres e os dos empresários em nome individual constituíram duas categorias de rendimentos diferentes: a categoria B, para os rendimentos do trabalho independente e a categoria C para os rendimentos comerciais e industriais.”, acrescentando que “*a+ fusão determinou assim que, pela primeira vez na história fiscal portuguesa, as actividades profissionais independentes (médicos, advogados, engenheiros, consultores…) passassem a ser consideradas no mesmo plano das actividades comerciais e industriais exercidas por pessoas singulares.” (José Guilherme Xavier de Basto, “IRS - Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos”, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 153 e 154)».).
Dado que não resulta que no exercício dessa atividade sejam vendidos bens (agrícolas), concluímos que estamos perante prestação de serviços relacionados com a agricultura, a qual é subsumível na alínea b) do nº1 do artigo 3º do CIRS, de acordo com o qual consideram-se rendimentos empresariais e profissionais, «Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior (Em que se considera rendimentos empresariais e profissionais «Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária».)».
Ora, até dezembro de 2013 o artigo 31.º, n.º 1 do Código do IRS previa que “*a+ determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica”; acrescentando o número 2 do mesmo artigo que “*até a aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,70 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção”.
O referido nº2 foi alterado em dezembro de 2013, passando a ter a seguinte redação com efeitos no exercício de 2014 (decorrente das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2014):
2 - Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua falta, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes:
(…) b) 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º;
(…) e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.”
Redação que sofreu nova alteração com efeitos a partir de 2015 (decorrentes da Lei nº 82-E/2014, de 31 de dezembro [OE/2015]), em que passou a ter a seguinte redação:
“2- No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;
c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;

e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.”
No acórdão deste tribunal de 9 de dezembro de 2020 (proc. 092/19.9BALSB), deixou-se exarado a este propósito o seguinte: «Com a Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que entrou em vigor a 1 de Janeiro desse ano, os coeficientes aplicáveis aos rendimentos resultantes do exercício de actividades profissionais passaram a estar indexados ao exercício das actividades profissionais previstas na tabela de actividades do artigo 151.º do Código do IRS, prevendo-se no n.º 2 do artigo 31.º desse mesmo Código, e na parte que aqui nos interessa, a aplicação do coeficiente de 0,75 aos “rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º” e o coeficiente de 0,10 aos “subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores” (nosso sublinhado).
Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (nosso sublinhado).
Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às actividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas».
De facto da evolução legislativa supra transcrita resulta que no início do regime simplificado o legislador previu apenas dois coeficientes na determinação da matéria tributável: 0,20 ao valor de venda das mercadorias, e 0,70 aos restantes rendimentos da categoria “B”. Posteriormente, em 2014 (OE aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), o legislador estabeleceu diversos coeficientes, diferenciando, designadamente, entre a venda de mercadorias (0,15), rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151º (0,75), e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores (0,10).
Como se vê, este último coeficiente tem caráter residual. Por outro lado as atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151º, compreendem as ali discriminadas e “outras atividades exclusivamente de prestação de serviços” (1519-Outros prestadores de serviços). Donde resulta que estas outras atividades de prestação de serviços, classificadas de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramo de Atividade (CAE), não estão incluídas na alínea e) do nº2 do artigo 31º do CIRS.
Em 2015 (decorrentes das alterações introduzidas pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de dezembro [OE/2015]), o legislador veio diferenciar (e quiçá corrigir) entre as atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º e as demais atividades de prestação de serviços, mantendo o coeficiente de 0,75 para as primeiras, e o coeficiente de 0,35 para as restantes prestações de serviços.
Verifica-se, assim, uma evolução na forma como o legislador encarou a determinação da matéria tributável nessas atividades e não propriamente, como invocam os Recorrentes, uma interpretação autêntica do anterior legislado. Até porque se tem entendido que a interpretação autêntica pressupõe que «existindo dúvidas acerca do sentido e alcance de uma lei anterior, havendo controvérsia, o legislador tem a competência para lhe fixar o sentido e alcance através de uma nova lei: a lei interpretativa» (Germano Marques da Silva, Introdução ao estudo do Direito, UCP, 2009, p. 252). Ora, não resulta que a Lei nº 82-E/2014 tenha suscitado essa controvérsia, nem o legislador manifestou esse intento. E por outro lado o legislador não se limitou a alterar a redação da alínea b) do nº2 do artigo 31º, mas a prever na alínea c) um novo coeficiente para as atividades dos restantes serviços. Ou seja, trata-se de uma lei inovatória, em que se passa a definir dois coeficientes para as atividades de prestação de serviços, quando anteriormente estava definido apenas um coeficiente. Sendo certo que se mantém o coeficiente residual de 0,10 para os restantes rendimentos da categoria “B”.
Carece, assim, de fundamento a alegação dos Recorrentes de que Lei nº 82-E/2014, de 31 de dezembro [OE/2015] tem caráter interpretativo.
Ora, estando assente que a atividade do Recorrente-marido no decurso do ano de 2014 consistia na prestação de serviços relacionados com a agricultura (CAE 01610), enquadrável na alínea b) do nº1 do artigo 3º do CIRS, na determinação do rendimento tributável deve atender-se ao coeficiente de 0,75 previsto na alínea b) do nº1 do artigo 31º do mesmo Código, por a atividade constar da tabela a que se refere o artigo 151º do CIRS, ainda que de forma residual (15-Outras atividades exclusivamente de prestação de serviços).
Entendemos, assim, que a sentença recorrida fez uma correta interpretação dos normativos legais aplicáveis, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1- O impugnante B….., dedica-se à prestação de serviços de agricultura, estando registado com o CAE 01610 – “Atividades de serviços relacionados com a agricultura” – Facto não controvertido; Cf. Doc. 2 da PI.
2- Os Impugnantes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS, relativamente ao ano de 2014, onde foi incluído o Anexo B – Regime Simplificado de tributação -, referente aos rendimentos da categoria B auferidos pelo Impugnante marido, B….., no exercício da actividade referida em 01) – Cf. Declaração modelo 3 junta como Doc. 3 da PI a que corresponde o documento n.º 005850327-SITAF, cujo teor se tem por reproduzido.
3- Na declaração referida no ponto anterior foi preenchido o campo 1 – “Regime Simplificado de Tributação Agrícolas, Silvícolas e Pecuários”, o campo 12 - “Código CAE (rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários)” com o n.º 1610 – Cf. Declaração junta como doc. 3 da PI
4- Os impugnantes declararam ainda, no Anexo B, no quadro 4B (rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários), campo 444 – Prestações de serviços -, a quantia de € 59.073,00 – Cf. Declaração junta como doc. 3 da PI.
5- Na sequência da apresentação da declaração referida nos pontos anteriores o Serviço de Finanças emitiu a liquidação nº 2015 5003707020, de IRS de 2014, no montante global de € 9.900,91 – Cf. fls. 18 do PA cujo teor se tem por reproduzido.
6- Em 10.08.2015, os impugnantes reclamaram graciosamente contra a liquidação - Cf. fls. 03 e 09) do PA.
7- Em 30.12.2015 foi a relação referida em 06) indeferida - Cf. fls. 03, 19/21 do PA cujo teor se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
8- Em 29.01.2016 os impugnantes apresentaram recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa referida em 07, nos termos constantes de fls. 40/43 do PA cujo teor se tem por reproduzido.
9- Em 19.03.2016, no âmbito do recurso hierárquico referido em 08) foi prestada Informação de fls. 54/59 do PA, cujo teor se tem por reproduzido, no sentido do seu indeferimento.
10- Consta da Informação referida no ponto anterior, entre o mais, o seguinte:
“(…)
14. Refere ainda o recorrente que a Lei do Orçamento de Estado para o ano 2015 …. Procedeu à alteração da alínea b), do nº 1 do artº 31º do CIRS (anterior alínea b) do nº 2), introduzindo o vocábulo “especificamente”, que confirma o seu entendimento, concluindo assim que a intenção do legislador era a de reduzir a tributação dos rendimentos resultantes da actividade dessas prestações de serviços.
15. Cumpre informar que não podemos acolher esse entendimento, porquanto a alteração em causa só se aplica aos rendimentos auferidos no ano de 2015 (no caso em apreço tratam-se de rendimentos de 2014). Não se podendo fazer uma interpretação/aplicação retroactiva das alterações legislativas em causa.
16. Assim, face ao atrás referido, dúvidas não restam de que a actividade do SP se enquadra na alínea b) do nº 1 do artº 31º e não na alínea e) do CIRS à data vigente aplicando-se assim o coeficiente de 0,75 em vez de 0,10 como pretende o recorrente.
(…)”
11- Em 26.03.2016 foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico com base na informação referida no ponto anterior - Cf. fls. 53 do PA
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelos recorrentes, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, porquanto para efeitos de determinação da matéria tributável, a atividade desenvolvida pelo Recorrente-marido - prestação de serviços relacionados com a agricultura (CAE 01610), enquadrável na alínea b) do nº1 do artigo 3º do CIRS - está sujeita ao coeficiente de 0,10, nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 31º do CIRS, aos rendimentos por si auferidos a coberto do exercício de atividade não prevista na tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, e não ao coeficiente de 0,75, nos termos da alínea b) do mesmo preceito legal.
Examinemos.
Como bem a enquadrou a sentença recorrida, a questão que importa dissecar passa por determinar qual dos dois coeficientes infra indicados é o aplicável aos rendimentos auferidos em 2014 pelos Impugnantes, e decorrentes do exercício da actividade de porquanto para efeitos de determinação da matéria tributável, a atividade desenvolvida pelo Recorrente-marido - prestação de serviços relacionados com a agricultura (CAE 01610), enquadrável na alínea b) do nº1 do artigo 3º do CIRS – se o coeficiente de 0,10, nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 31º do CIRS, a coberto do exercício de atividade não prevista na tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS, ou ao coeficiente de 0,75, nos termos da alínea b) do mesmo preceito legal.
Na sentença recorrida deu-se como assente que o Recorrente marido está registado com o CAE 01610 – “Atividades de serviços relacionados com a agricultura”, tendo na declaração de IRS relativa ao ano de 2014 feito constar no Anexo B, quadro 4B (rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários), o valor de € 59.073,00 euros, e na sequência da qual foi emitida pela AT a liquidação em que foi apurado imposto a pagar no valor de € 9.900,91 euros.
Patenteia-se ainda no probatório da sentença que, tendo o acto de liquidação sido impugnado graciosamente, o procedimento foi indeferido com o fundamento de que «tratando-se de prestação de serviços relacionados com Agricultura (CAE 01610) enquadráveis na alínea b) do nº1 do art. 3º do CIRS, os rendimentos encontram-se abrangidos pelo coeficiente de 0,75 constantes na alínea b) do nº1 do artº 31 do referido código» e de que «…dúvidas não restam de que a actividade do SP se enquadra na alínea b) do nº 1 do artº 31º e não na alínea e) do CIRS à data vigente aplicando-se assim o coeficiente de 0,75 em vez de 0,10 como pretende o recorrente».
Com base nessa factualidade essencial a solução propugnada na sentença recorrida, no sentido da improcedência da impugnação, esteou-se em que, «….constando esta prestação de serviço, a que corresponde a actividade do impugnante, elencada na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, fica vedada, qualquer outra interpretação, que não seja a da aplicação do disposto no nº 2 da alínea b) do artigo 31.º do Código do IRS, à situação/declaração de rendimentos dos impugnantes».
Em reforço, aduziu-se ainda no aresto recorrido que, «Seja qual for a prestação de serviços efectuada, a mesma terá necessariamente de ser enquadrada na alínea b) do nº 2 do art. 31º do CIRS, visto que à data dos factos (exercício de 2014) a redacção do referido artigo não destacava nenhuma especificidade, o que só veio a ocorrer com a alteração dada pela n.º 82-E/2014, de 31.12, onde passou a constar a expressão, na redacção da alínea b) do nº 2 do artigo 31º do CIRS, “…atividades profissionais especificamente previstas na tabela…”» pelo que «…Todas as prestações de serviço, enquadráveis no art. 3º nº 1 alínea b) do CIRS, ainda que conexas com o exercício de qualquer actividade mencionada no art. 3º nº 1 alínea a) do CIRS, deverão ser consideradas nos termos do art. 31º nº 2 alínea b) do CIRS, para efeitos da determinação do rendimento colectável, sendo-lhes aplicável o coeficiente de 0,75».
Dissentindo do assim fundamentado e decidido, os Recorrentes apontam à sentença erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 31º e 151º do CIRS na consideração fundamental de que «Facilmente se constata da análise às atividades elencadas na tabela, que o exercício de “atividades dos serviços relacionados com a agricultura e com a produção animal (CAE 01610)” não é suscetível de ser enquadrada em qualquer daquelas atividades a que se alude na tabela do artigo 151.º do CIRS. Deste modo, … sendo de aplicar o coeficiente de 0,10 previsto no artigo 31.º n.º 2 alínea e) do CIRS, aos rendimentos por si auferidos a coberto do exercício de atividade não prevista na tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS».
Nesse sentido, também invocam o argumento de que revestem carácter interpretativo as alterações introduzidas ao artigo 31º, nº2, alínea b) do CIRS, pela Lei nº 82-E/2014, ao aditar o advérbio “especificamente”.
Quid juris?
Antecipe-se que se afigura não assistir razão aos recorrentes.
Isso até por aquiescência, justificada pelo artº 8º, nº3, do Código Civil, ao trilho discursivo do Acórdão do Pleno da SCT deste STA de 09-12-2020, recurso n.º 092/19.9BALSB, publicado em www.dgsi.pt, no qual se uniformizou jurisprudência no sentido de que “não constando a actividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS” e cuja fundamentação se excerta no fragmento relevante para o caso em análise:
“(…) O artigo 31.º do Código do IRS prevê os coeficientes aplicáveis para a determinação do rendimento tributável dos Sujeitos Passivos tributados ao abrigo do regime simplificado em IRS.
(…)
A este respeito, importa começar por referir que em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (vide, a este respeito, o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária).
Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186).
Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit, (…).
Com a Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que entrou em vigor a 1 de Janeiro desse ano, os coeficientes aplicáveis aos rendimentos resultantes do exercício de actividades profissionais passaram a estar indexados ao exercício das actividades profissionais previstas na tabela de actividades do artigo 151.º do Código do IRS, prevendo-se no n.º 2 do artigo 31.º desse mesmo Código, e na parte que aqui nos interessa, a aplicação do coeficiente de 0,75 aos “rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º” e o coeficiente de 0,10 aos “subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores” (nosso sublinhado).
Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (nosso sublinhado).
Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às actividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.”
Volvendo ao caso dos autos, neles se patenteia que está em causa na impugnação judicial a liquidação de IRS, referente ao ano de 2014, centrando-se o dissídio no facto incontroverso de o impugnante se encontrar registado com o CAE 01610 – “Atividades de serviços relacionados com a agricultura”.
Ora, como também é pacífico, foi a partir de 2001 que, por estatuição operada no artigo 3º do CIRS, a categoria “B” passou a abranger os rendimentos empresariais e profissionais, o que se traduziu na eliminação das categorias “C” e “D”.
Valem a respeito, como bem denota o Ministério Público, as considerações exprimidas por José Guilherme Xavier de Basto, in “IRS - Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos”, Coimbra Editora, 2007, pp. 153 e 154, esclarecendo que “[o] tratamento diferenciado das profissões livres relativamente às actividades empresariais era de algum modo uma tradição da fiscalidade portuguesa. Já na reforma dos anos 60, e mesmo antes, os rendimentos respectivos eram tributados por dois impostos diferentes: o «Imposto Profissional» e a «Contribuição Industrial». E aquando da criação, no final da década de oitenta, do imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares – o IRS – os rendimentos dos profissionais livres e os dos empresários em nome individual constituíram duas categorias de rendimentos diferentes: a categoria B, para os rendimentos do trabalho independente e a categoria C para os rendimentos comerciais e industriais.”, aditando que “[a] fusão determinou assim que, pela primeira vez na história fiscal portuguesa, as actividades profissionais independentes (médicos, advogados, engenheiros, consultores…) passassem a ser consideradas no mesmo plano das actividades comerciais e industriais exercidas por pessoas singulares.”
Por assim ser e porque não advém dos autos que no exercício em causa da actividade sejam vendidos bens (agrícolas), também se nos impõe a conclusão de que se trata de uma prestação de serviços conexos com a agricultura, a qual é subsumível na alínea b) do nº1 do artigo 3º do CIRS, por força do qual se consideram rendimentos empresariais e profissionais, «Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior», a qual cataloga como rendimentos empresariais e profissionais «Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária».
Sucede que até Dezembro de 2013 o artigo 31.º, n.º 1 do Código do IRS estabelecia que “a determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica”, ressalvando o nº 2 do mesmo preceito que “até a aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,70 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção”.
Mas o supracitado nº2 foi objecto de alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2014), passando a ter a seguinte redacção com efeitos no exercício de 2014:
2 - Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua falta, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes:
(…) b) 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º;
(…) e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.”
Essa redacção veio a ser novamente alterada pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro [OE/2015]) com efeitos a partir de 2015 passando a estatuir que:
“2- No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;
c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;

e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.”
Levando em conta a fundamentação do supramencionado acórdão deste tribunal de 9-12-2020 (proc. 092/19.9BALSB), que se transcreveu, como enfatiza o EPGA no seu douto Parecer, é forçoso concluir que da assinalada evolução legislativa decorre que no início do regime simplificado o legislador previu apenas dois coeficientes na determinação da matéria tributável: 0,20 ao valor de venda das mercadorias, e 0,70 aos restantes rendimentos da categoria “B”. Posteriormente, em 2014 (OE aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), o legislador estabeleceu diversos coeficientes, diferenciando, designadamente, entre a venda de mercadorias (0,15), rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151º (0,75), e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores (0,10).
Sendo por demais manifesto que este último coeficiente assume um carácter residual, também o é que as actividades profissionais constantes da tabela a que alude o artigo 151º, abrangem as ali discriminadas e “outras atividades exclusivamente de prestação de serviços” (1519-Outros prestadores de serviços), o que significa que estas outras actividades de prestação de serviços, classificadas de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramo de Atividade (CAE), não estão incluídas na alínea e) do nº2 do artigo 31º do CIRS.
Na senda da doutrina no acórdão deste STA que vimos sufragando e acolhendo o ponto de vista manifestado pelo Ministério Público no seu douto acórdão abonador da solução ditada na sentença recorrida, tem de entender-se que em 2015, por força das alterações inseridas pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro [OE/2015]), o legislador veio diferenciar, se não mesmo corrigir, entre as actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º e as demais actividades de prestação de serviços, mantendo o coeficiente de 0,75 para as primeiras, e o coeficiente de 0,35 para as restantes prestações de serviços.
Respigando o douto Parecer do Ministério Público emitido junto desta instância “Verifica-se, assim, uma evolução na forma como o legislador encarou a determinação da matéria tributável nessas atividades e não propriamente, como invocam os Recorrentes, uma interpretação autêntica do anterior legislado. Até porque se tem entendido que a interpretação autêntica pressupõe que «existindo dúvidas acerca do sentido e alcance de uma lei anterior, havendo controvérsia, o legislador tem a competência para lhe fixar o sentido e alcance através de uma nova lei: a lei interpretativa» (Germano Marques da Silva, Introdução ao estudo do Direito, UCP, 2009, p. 252). Ora, não resulta que a Lei nº 82-E/2014 tenha suscitado essa controvérsia, nem o legislador manifestou esse intento. E por outro lado o legislador não se limitou a alterar a redação da alínea b) do nº2 do artigo 31º, mas a prever na alínea c) um novo coeficiente para as atividades dos restantes serviços. Ou seja, trata-se de uma lei inovatória, em que se passa a definir dois coeficientes para as atividades de prestação de serviços, quando anteriormente estava definido apenas um coeficiente. Sendo certo que se mantém o coeficiente residual de 0,10 para os restantes rendimentos da categoria “B”.
Carece, assim, de fundamento a alegação dos Recorrentes de que Lei nº 82-E/2014, de 31 de dezembro [OE/2015] tem caráter interpretativo.
Ora, estando assente que a atividade do Recorrente-marido no decurso do ano de 2014 consistia na prestação de serviços relacionados com a agricultura (CAE 01610), enquadrável na alínea b) do nº1 do artigo 3º do CIRS, na determinação do rendimento tributável deve atender-se ao coeficiente de 0,75 previsto na alínea b) do nº1 do artigo 31º do mesmo Código, por a atividade constar da tabela a que se refere o artigo 151º do CIRS, ainda que de forma residual (15-Outras atividades exclusivamente de prestação de serviços).”
De tudo quanto ficou dito, é imperioso concluir que a sentença recorrida fez uma correta interpretação dos normativos legais aplicáveis, por isso se prescrevendo a sua confirmação por via da improcedência do recurso.
*

3. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes pois deram causa à acção – Cf. artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT e artigo 6º, Tabela I-A do RCP, por força do disposto no artigo 8º n.º 1 da Lei n.º 7/2012, de 13.02.

*

Lisboa, 22 de Junho de 2022. - José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.