Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:079/19.1BALSB
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
ALEGAÇÕES
FALTA DE CONCLUSÕES
Sumário:I – As alegações de recurso jurisdicional têm que findar com conclusões sob pena da não admissibilidade do recurso interposto – é este o regime legal em vigor no contencioso administrativo (arts. 144º nº 2 e 145º nº 2 b) do CPTA), idêntico ao regime em vigor no contencioso cível (arts. 637º nº 2, 639º nº 1 e 641º nº 2 b) do CPC).
II – A única diferença, neste campo, entre os regimes dos dois contenciosos é a ressalva contida na parte final da aludida alínea b) do nº 2 do art. 145º do CPTA, prevista no art. 146º nº 4 do mesmo, para a hipótese – que se não verifica in casu - de “o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado”.
III – A jurisprudência do TEDH não impõe a admissão de um recurso interposto com alegações sem conclusões, como se extrai dos princípios que tem firmado sobre a admissibilidade de restrições ao direito ao acesso a um tribunal (incluindo, de recurso jurisdicional): “previsibilidade das restrições”; “ónus de o interessado sofrer as consequências dos seus lapsos, salvo se desproporcionados à importância destes”; e “não constituírem tais restrições um formalismo excessivo, sem fundamento”. E o próprio TEDH tem proclamado que “os tribunais, na aplicação das normas processuais, devem evitar quer um excesso de formalismo que viole a equidade do processo quer um excesso de permissividade que viole as normas processuais legalmente estabelecidas”.
IV – Também não é possível a aplicação ao caso do disposto no art. 639º nº 3 do CPC, ex vi do art. 140º nº 3 do CPTA (convite ao aperfeiçoamento), pois que estamos fora do âmbito da previsão de tal norma, que apenas prescreve para o caso de conclusões que “sejam deficientes, obscuras, complexas”, e não para o caso, aqui presente, de total omissão de conclusões.
Nº Convencional:JSTA00071129
Nº do Documento:SA120210429079/19
Data de Entrada:10/24/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO
Objecto:DESPACHO STA
Decisão:INDEFERIDA
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPTA ART 144.º, 2
CPTA ART 145.º, 2, al. B)
CPTA ART 146.º, 4
CPC ART. 637.º, 2
CPC ART 639.º, 1
CPC ART 641.º, 2, al. B)
Jurisprudência Nacional:AC STA 07/02/2019 PROC 0989/17; AC STA 26/06/2019 PROC 0421/11; AC STJ 19/09/2017 PROC 3419/14
Aditamento:
Texto Integral:
Processo: 79/19.1BALSBAções administrativas de atos dos órgãos superiores do estado
Autor: A…………
Réu: CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Contrainteressado: B………… (e Outros)


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1. A…………, notificado do Acórdão desta Secção de Contencioso Administrativo proferido nos presentes autos em 15/10/2020 (cfr. fls. 116 a 128 SITAF), que julgou a ação improcedente, veio do mesmo interpor recurso jurisdicional para o Pleno da Secção, juntando as respetivas alegações (cfr. fls. 132 e segs. SITAF).

2. Por despacho proferido a fls. 176 SITAF, foi ordenada a notificação dos Recorrente e Recorrido, nos termos do art. 655º nº 1 do CPC, para, querendo, se pronunciarem sobre a possível não admissão do recurso interposto por falta de conclusões das alegações apresentadas como previsto na alínea b) do nº 2 do art. 145º do CPTA (não se tratando de caso ressalvado na previsão do nº 4 do art. 146º do mesmo CPTA).

3. Apenas o Autor/Recorrente veio, então, pronunciar-se, pugnando pela admissão do recurso, alegando para tanto, em suma, que:

- As alegações apresentadas são claras e inequívocas de que o Acórdão recorrido sofre de vícios vários (descreve 4 erros de julgamento que imputa ao Acórdão);
- As conclusões têm a função de tornar claro os fundamentos do recurso e o requerimento presentado é absolutamente cristalino;
- A contraparte rebateu ponto por ponto os fundamentos do recurso;
- A exigência de repetição autónoma dos fundamentos do recurso redunda numa violação do direito de acesso à justiça;
- É o que resulta da jurisprudência do TEDH, designadamente do decidido em 4 queixas (que identifica) em que aquele tribunal europeu censura a excessiva rigidez do Tribunal Constitucional português relativamente a decisões de não admissibilidade de recursos;
- Assim, o não recebimento do recurso em decorrência da exigência da formulação de conclusões nas alegações seria uma restrição excessiva e desproporcionada do direito do Recorrente à obtenção de uma decisão de mérito sobre o recurso jurisdicional interposto;
- Subsidiariamente, sempre seria de aplicar o disposto no art. 146º nº 4 do CPTA ou no art. 639º nº 3 do CPC, aplicável “ex vi” do art. 140º nº 3 do CPTA.

4. Foi, então, proferido pelo Relator o despacho ora reclamado (cfr. fls. 185 SITAF), que a seguir se transcreve:

«Na sequência do Acórdão desta Secção de Contencioso Administrativo, proferido nos presentes autos em 15/10/2020 (cfr. fls. 116 a 128 SITAF), que julgou a ação improcedente, veio o Autor interpor, tempestivamente, recurso jurisdicional para o Pleno da Secção, juntando as respetivas alegações (cfr. fls. 132 e segs. SITAF).

O Réu CSTAF foi seguidamente notificado da interposição do recurso e para contra-alegar, o que fez, também tempestivamente (cfr. fls. 142 e segs. SITAF).

Sucede que as alegações de recurso, articuladas, apresentadas pelo Autor não contêm conclusões, pelo que, nos termos do art. 655º nº 1 do CPC, foi ordenada a audição dos Recorrente e Recorrido, para, querendo, se pronunciarem, em 10 dias, sobre a possível não admissão do recurso interposto, por falta de conclusões das alegações apresentadas, como previsto na alínea b) do nº 2 do art. 145º do CPTA (não se tratando de caso ressalvado na previsão do nº 4 do art. 146º do mesmo CPTA).

Na sequência desta notificação veio o Recorrente sustentar, designadamente, que:

- alegou com inteira clareza e de forma inequívoca os vícios (quatro erros de julgamento) de que o Acórdão padece, tornando patente, reafirmando, os vícios de que padece o acto impugnado; e que
- insistir na necessidade de repetição autónoma – através da exigência de conclusões - dos fundamentos do recurso redunda numa violação do direito de acesso à justiça.

E chama à colação o Acórdão do TEDH de 31/7/2020 (caso “Santos Calado e outros c/ Portugal”) em que se censurou um excessivo formalismo do Tribunal Constitucional português no não recebimento de recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, por restrição excessiva e desproporcionada do direito dos recorrentes à obtenção de uma decisão recursiva de mérito.

Conclui solicitando a apreciação do recurso jurisdicional interposto, referindo que, em qualquer caso sempre seria de aplicar o disposto no art. 146º nº 4 do CPTA. E, se necessário, sempre poderia ser convidado a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões, nos termos do art. 639º nº 3 do CPC, “ex vi” do art. 140º nº 3 do CPTA.

*

Apreciando.

Constata-se, como se disse, que se mostra incumprido o ónus de formular conclusões imposto pelo nº 2 (parte final) do art. 144º do CPTA – similarmente ao previsto nos arts. 637º nº 2 e 639º do CPC -, com a consequência do indeferimento do requerimento do recurso, como estatuído na alínea b) do art. 145º do mesmo CPTA – similarmente ao previsto na parte final da alínea b) do nº 2 do art. 641º do CPC.

É certo que o regime do CPTA se diferencia do regime do CPC na previsão específica do nº 4 do art. 146º, por remissão da parte final da aludida alínea b) do nº 2 do art. 145º - prevendo o convite à apresentação, completamento ou esclarecimento de conclusões -, mas apenas para os casos aí previstos, ou seja, «quando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido».

Ver neste sentido, os Acórdãos deste STA de 7/2/2019 (0989/17.0BESNT) e de 26/6/2019 (0421/11.3BEMDL).

Ora, embora estejamos perante alegação de recurso contra decisão proferida em processo impugnatório, não estamos, aqui, perante a situação ressalvada por este nº 4 do art. 146º do CPTA, pois que as alegações de recurso em causa não se limitam a atacar o ato impugnado, dirigindo-se imediatamente contra o Acórdão recorrido (e apenas mediatamente contra o ato impugnado), como claramente das mesmas resulta.
Vejam-se, v.g., as seguintes críticas (diretas) ao Acórdão recorrido:
- «O Acórdão rejeita a alegação de (…)» (art. 1º das alegações);
- «Ao assim decidir enferma de erro de julgamento» (art. 2º das alegações);
- «É um argumento falacioso (…) o de que o CSTA não é um órgão jurisdicional (…)» (art. 4º das alegações);
- «O Acórdão parte da premissa errada que (…)» (art. 11º das alegações);
- «os parâmetros europeus, desconsiderados pelo Acórdão (…)» (art. 11º das alegações);
- «O Acórdão remete para o domínio da discricionariedade questões que (…)» (art. 16º das alegações);
- «A questão que se suscita nesta sede - e que não foi apreciada – é a de saber (…)» (art. 17º das alegações);
- «O Acórdão incorre ainda em erro quando desconsidera o vício de (…)» (art. 22º das alegações);
- «(…) nem o Acórdão em recurso o explicita ou justifica» (art. 24º das alegações);
- «Quanto à (…) é clamorosa (…) a falta de suporte legal e jurídico do Acórdão no tratamento da questão» (art. 25º das alegações);
- «O Acórdão transcreve vários acórdãos, mas nunca justifica (…)» (art. 26º das alegações);
- «(…) e o Acórdão não dizem onde está (…)» (art. 27º das alegações);
- «(…) e o Acórdão não dizem onde ocorreu (…)» (art. 28º das alegações).

Aliás, o próprio Recorrente, na sua pronúncia, confirma que se está fora da ressalva especificamente prevista no nº 4 do art. 146º do CPTA, pois refere que «alegou com inteira clareza e de forma inequívoca padecer o Acórdão sobre recurso dos vícios seguintes (…)», não se tratando pois de caso de “mera reafirmação dos vícios imputados ao ato impugnado” de que trata aquela aludida norma.
*

Por outro lado, o Acórdão do TEDH citado pelo Recorrente na sua pronúncia não tem o efeito de conduzir à admissão de um recurso jurisdicional num caso como o aqui em questão, de total omissão de conclusões nas respetivas alegações, em incumprimento do legalmente exigido – arts. 144º nº 2, parte final, e 145º b) do CPTA (similarmente ao previsto na parte final da alínea b) do nº 2 do art. 641º do CPC): quer porque os dois casos concretos que mereceram a censura daquele Acórdão do TEDH não são comparáveis ao aqui em causa; quer, sobretudo, porque os (3) princípios relembrados nesse Acórdão como definidos pela jurisprudência do TEDH sobre o direito de acesso a um tribunal, nos termos do art. 6º da CEDH, não impõem um recebimento de um recurso jurisdicional como o aqui em causa.

Vejamos.

Os dois casos concretos em que o citado Acórdão do TEDH censurou o não recebimento do recurso referiam-se: 1) a um lapso do Recorrente na sua minuta de recurso ao identificar erradamente a alínea do nº 1º do art. 70º da LOTC em que se fundamentava o recurso – vinha indicada a alínea b) quando a alínea correta a indicar seria a alínea f) (caso “Santos Calado”); e 2) a um excessivo rigor, in casu, na exigência da prévia e adequada suscitação da questão da inconstitucionalidade como exigido no nº 2 do art. 72º da LOTC (caso “Amador de Faria e Silva e outros”, anexado).
E o Acórdão relembrou os 3 princípios firmados na sua jurisprudência relativos à admissibilidade das restrições ao direito de acesso a um tribunal, nos termos do art. 6º da CEDH:
1) As regras de acesso (e, consequentemente, as restrições) devem ser previsíveis;
2) Em princípio, a parte deve suportar a consequência dos seus lapsos; não obstante, o interessado não deve suportar uma consequência desproporcionada à importância do seu lapso; e
3) As restrições não devem consubstanciar formalismos excessivos.
E conclui que os tribunais, na aplicação das normas processuais, devem evitar quer um excesso de formalismo que viole a equidade do processo quer um excesso de permissividade que viole as normas processuais legalmente estabelecidas.

Ora, como é fácil de concluir: 1) a exigência de findar as alegações de recurso com conclusões é, manifestamente, uma regra processual previsível, quer no contencioso processual civil quer no contencioso administrativo; 2) sendo uma regra manifestamente conhecida e previsível (art. 144º nº 2 do CPTA, tal como arts. 637º nº 2 e 639º do CPC), não se pode considerar que a consequência do seu incumprimento (inteiramente atribuível ao Recorrente), expressamente prevista na lei (art. 145º nº 2 b) do CPTA, tal como art. 641º nº 2 b) do CPC), seja desproporcionada; 3) por último, a exigência, legalmente prevista, da formulação de conclusões nas alegações de recurso não pode considerar-se um “formalismo excessivo” pois cumpre uma função que o legislador entendeu, fundadamente, ser relevante:

Como refere Abrantes Geraldes (“Recursos no NCPC”, Almedina, 5ª edição, 2018, em anotação ao art. 639º, pág. 156):
«(…) as conclusões devem (deviam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o sector da motivação.
As conclusões exercem ainda a importante função de “delimitação do objeto do recurso”, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal “a quo”».

Por isso, expressa aquele Autor (ob. cit., págs. 154/155) quanto à total omissão de conclusões:

«Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações que se mostrem destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso (art. 641º, nº 2, al. b)), sem que (a partir da reforma de 2007) se justifique sequer a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.
O art. 639º, nº 3, em conjugação com o art. 641º, nº 2, b), não deixa margem para dúvidas, devendo o indeferimento do recurso com fundamento na falta de conclusões ser assumido logo no tribunal a quo, sem embargo de oportuna intervenção do tribunal ad quem (arts. 652º, nº 1, al. a), e 655º, nº 1)».

Situação distinta da total omissão de conclusões é a de as conclusões, posto que existentes, se apresentarem deficientes, obscuras, complexas ou sem as necessárias especificações, o que justificará o convite ao seu aperfeiçoamento (cfr. art. 639º nº 3 do CPC).

Como refere, ainda, Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 157):
«Ao invés do que ocorre quando faltam pura e simplesmente as conclusões, em que o juiz “a quo” profere despacho de rejeição imediata do recurso, qualquer intervenção no sentido do “aperfeiçoamento” das irregularidades passíveis de superação foi guardada para o relator no tribunal “ad quem”, como se extrai, com toda a clareza, do nº 3 do art. 639º e da al. a) do nº 3 do art. 652º».
*

Por tudo o exposto, verificada a total omissão de conclusões na motivação de recurso apresentada pelo Recorrente (cfr. fls. 132 e segs. SITAF), decide-se, nos termos previstos nos arts. 27º nº 1 j) e 145º nº 1 e 2 b) do CPTA – sem que seja caso, como se disse, de aplicação da ressalva prevista no art. 146º nº 4 –, não se admitir o recurso interposto.

Notifique».

5. Notificado deste despacho do Relator vem o Autor/Recorrente reclamar do mesmo, continuando a pugnar pela admissão do recurso que interpôs (cfr. fls. 192 e segs. SITAF).

6. Notificado para, querendo, se pronunciar sobre a reclamação apresentada, veio o Réu/Recorrido “CSTAF” pronunciar-se no sentido do indeferimento da Reclamação, ou seja, no sentido da manutenção do despacho reclamado e da não admissão do recurso (cfr. fls. 201 e segs. SITAF).

7. Colhidos os vistos, o processo vem submetido à Conferência, nos termos previstos no art. 145º nº 4 do CPTA, cumprindo apreciar e decidir.
*

II – APRECIANDO

8. Examinando o teor da reclamação apresentado pelo Autor/Recorrente conclui-se que a mesma utiliza, fundamentalmente, os mesmos argumentos que já esgrimira na sua pronúncia prévia à emissão do despacho ora reclamado.

Como acima se viu (cfr. ponto 3 supra), estes argumentos são, em suma, os que aqui se relembram:

- As alegações apresentadas são claras e inequívocas de que o Acórdão recorrido sofre de vícios vários (descreve 4 erros de julgamento que imputa ao Acórdão);
- As conclusões têm a função de tornar claro os fundamentos do recurso e o requerimento apresentado é absolutamente cristalino;
- A contraparte rebateu ponto por ponto os fundamentos do recurso;
- A exigência de repetição autónoma dos fundamentos do recurso redunda numa violação do direito de acesso à justiça;
- É o que resulta da jurisprudência do TEDH, designadamente do decidido em 4 queixas (que identifica) em que aquele tribunal europeu censura a excessiva rigidez do Tribunal Constitucional português relativamente a decisões de não admissibilidade de recursos;
- Assim, o não recebimento do recurso em decorrência da exigência da formulação de conclusões nas alegações seria uma restrição excessiva e desproporcionada do direito do Recorrente à obtenção de uma decisão de mérito sobre o recurso jurisdicional interposto;
- Subsidiariamente, sempre seria de aplicar o disposto no art. 146º nº 4 do CPTA ou no art. 639º nº 3 do CPC, aplicável “ex vi” do art. 140º nº 3 do CPTA.

9.1. Por isso, o despacho reclamado teve oportunidade de responder a todos estes argumentos, e fê-lo em termos que aqui entendemos de confirmar.

Efetivamente, e independentemente de as alegações se apresentarem como mais ou menos claras, é uma exigência legal incontornável que as mesmas têm que findar com “conclusões”, sob pena de não admissão do recurso interposto.

É este o regime legal em vigor no contencioso administrativo, como claramente disposto nos arts. 144º nº 2 e 145º nº 2 b) do CPTA, nos mesmos termos, aliás, do regime em vigor no contencioso cível, em face do disposto nos arts. 637º nº 2, 639º nº 1 e 641º nº 2 b) do CPC.

A única diferença, neste campo, entre os regimes dos dois contenciosos, é a ressalva contida na parte final da aludida alínea b) do nº 2 do art, 145º do CPTA, prevista no art. 146º nº 4 do mesmo, mas que se refere a hipótese que se não verifica no presente caso: “quando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado”. Ora, como se referiu no despacho reclamado, na alegação aqui em causa o Autor/Recorrente não se limitou a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, tendo manifestamente dirigido nela as suas críticas, de modo direto, ao Acórdão recorrido.

9.2. Como também se explicitou no despacho reclamado, nos termos para que se remete e que aqui se confirmam, a jurisprudência do TEDH – e, nomeadamente, as decisões proferidas nas 4 queixas invocadas – não impõem a admissão de um recurso jurisdicional num caso como o aqui em questão.

Especificamente, os 3 princípios firmados pelo TEDH relativos à admissibilidade das restrições ao direito de acesso a um tribunal (incluindo, de recurso jurisdicional) nos termos do art. 6º da CEDH – “previsibilidade das restrições”; “ónus de o interessado sofrer as consequências dos seus lapsos, salvo se desproporcionadas à importância destes”; e “não constituírem tais restrições um formalismo excessivo, sem fundamento” - não impõem a admissibilidade de um recurso jurisdicional nas circunstâncias aqui em causa.

E como o próprio TEDH proclama: «os tribunais, na aplicação das normas processuais, devem evitar quer um excesso de formalismo que viole a equidade do processo quer um excesso de permissividade que viole as normas processuais legalmente estabelecidas».

Ora, no caso presente, admitir o recurso interposto constituiria, precisamente, um excesso de permissividade violador das normas processuais legalmente estabelecidas: a norma contida no art. 145º nº 2 b) do CPTA, idêntica, aliás, à contida no art. 641º nº 2 b) do CPC.

Assim, não tem razão o Autor/Recorrente ao afirmar, no artigo 23º da sua Reclamação, que o despacho reclamado “viola frontalmente o direito a que o Recorrente veja apreciado o seu recurso (artigos 20º da CRP e artigo 6º, nº 1, da CEDH e artigo 16º nº 2 da CRP)”.

9.3. Pelo que se disse, também não tem razão o Autor/Recorrente quando afirma que o despacho reclamado, de rejeição do recurso, é ilegal (cfr. artigo 14º da Reclamação) ou que “viola frontalmente o regime dos recursos jurisdicionais previsto no CPC (artigo 639º) e no CPTA (artigo 144º, 145º nº 2 b) e 146º nº 4 do CPTA)”.

É que, como se explicitou no despacho reclamado, a ressalva da alínea b), “in fine”, do nº 2 do art. 145º do CPTA, prevista no nº 4 do art. 146º do mesmo CPTA, apenas tem aplicação “quando o recorrente, na alegação de recurso (…), se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado (…)” – o que não é, manifestamente o caso dos presentes autos, como, aliás, o próprio Autor/Recorrente bem reconhece, no artigo 16º da sua reclamação, ao afirmar que “o Recorrente alegou com inteira clareza e de forma inequívoca padecer o Acórdão sobre recurso dos vícios seguintes (…)”.

Por esta razão, não é possível, contrariamente ao afirmado pelo Autor/Recorrente no art. 24º da sua Reclamação, a aplicação, no caso, do disposto no art. 146º nº 4 do CPTA.

Como se julgou no Ac.STA de 7/2/2019 (0989/17):
«I - Fora do âmbito da situação prevista no n.º 4 do art. 146.º do CPTA a regra no contencioso administrativo após a alteração produzida naquele Código pelo DL n.º 214-G/2015 passou a ser a de que com o requerimento de interposição de recurso devem ser juntas as alegações e de que estas devem conter logo as respetivas conclusões, sendo que essas faltas ou ausências produzem o imediato indeferimento daquele requerimento [al. b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA].
II - O dever de proferir um despacho de aperfeiçoamento nos termos do n.º 4 do art. 146.º do CPTA apenas tem lugar na hipótese de, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, o recorrente se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado e, num tal contexto, haja omitido a síntese conclusiva nas suas alegações, ou que nestas não haja indicado as normas jurídicas tidas por violadas pela decisão judicial recorrida, ou ainda quais os concretos aspetos de facto tidos por incorretamente julgados».

E no Ac.STA de 26/6/2019 (0421/11):
«O art. 146º, 4 do CPTA só é aplicável quando se verifiquem dois requisitos cumulativos: (i) estarmos perante um processo impugnatório; (ii) que o recurso se limitasse a reafirmar os vícios do acto, pelo que a não verificação de qualquer deles implica o indeferimento do recurso, por força do art. 145º, 2, b) do CPTA».

9.4. Como flui do exposto, também não é possível a aplicação ao caso do disposto no art. 639º nº 3 do CPC, “ex vi” do art. 140º nº 3 do CPTA, que o Autor invoca no artigo 25º da sua Reclamação, já que estamos fora do âmbito da previsão de tal norma, que apenas prescreve para o caso de conclusões que “sejam deficientes, obscuras, complexas”, e não para o caso, aqui presente, de total omissão de conclusões.

Como, perante uma destas situações, se entendeu no Ac.STJ de 19/9/2017 (3419/14):

«Nos termos do art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC, a falta de apresentação de conclusões das alegações no prazo peremptório para a dedução do recurso não pode ser suprida, designadamente na sequência de convite, antes determina o indeferimento do recurso. Tal norma, com essa interpretação, não viola os arts. 2.º e 20.º da Constituição.

(…) contrariamente ao pretendido, a norma do invocado art. 641º nº 2 dispõe, claramente, que o requerimento de recurso é indeferido quando a alegação do recorrente não tenha conclusões, diferentemente do que estatui o também evocado art. 639º nº 3 para as hipóteses de as formuladas conclusões serem deficientes, obscuras, complexas ou de nelas se não ter procedido às especificações aludidas no número anterior do mesmo preceito, perante as quais deve o relator “convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.

Ora, sem as conclusões da respectiva alegação, o recurso fica sem objecto cognoscível pelo tribunal superior porque, como é sabido, o mesmo é delimitado por tais “proposições sintéticas” “contendo todo um raciocínio lógico-jurídico a contrariar as razões adoptadas” na decisão posta em crise (…).

No caso que nos ocupa, não é sustentável que essa falta deva ou possa ser suprida após prévio despacho aperfeiçoador a que se refere o invocado art. 639º nº 3 da lei processual, norma que, obviamente, não abarca tal falta: não se trata de qualquer deficiência das conclusões, mas da omissão da sua formulação, a qual conduz à rejeição do recurso uma vez que só a sua deficiência consentiria o aperfeiçoamento.

Como se viu, o claro teor da norma invocada (art. 641º nº 2), em si mesmo e no confronto com o disposto no citado art. 639º nº 3, torna inconcebível a proposta interpretativa sustentada pela recorrente, que redundaria, na prática, na sua derrogação e na subsequente aplicação da norma contida neste segundo artigo, afinal, prevista para situações patentemente diferentes da falta aqui em causa».


III – Decisão

Nos termos, e com os fundamentos expostos, acordam em Conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir a reclamação e manter o despacho do Relator de não admissão do recurso jurisdicional interposto.

Custas pelo Reclamante.

D.N.

Lisboa, 29 de abril de 2021 – Adriano Cunha (relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art. 3º do DL nº 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Jorge Artur Madeira dos Santos e Conselheiro José Francisco Fonseca da Paz).