Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03022/19.4BELRS
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
DIVIDENDOS
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
Sumário:I - Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
II - Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v. g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T..
Nº Convencional:JSTA000P30704
Nº do Documento:SA22023030803022/19
Data de Entrada:11/15/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 06-02-2022, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por A... S.A., com os demais sinais nos autos, em que peticionara a anulação do acto tributário de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no montante de € 684.855,00, relativa a dividendos do exercício de 2016 e pagos em 31/05/2017 pela entidade B..., SGPS, S.A., bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa daquele acto.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, anulou: i) o ato de retenção na fonte ora impugnado; e, ii) a decisão de indeferimento da reclamação graciosa 3085201904006933. Condenou ainda a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, sobre o montante de imposto pago indevidamente, contados desde o pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, com as legais consequências.
b. Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado as normas previstas no artigo 51.º do Código do IRC e artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal (CDT)
c. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que as liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas nos autos são ilegais, por manifestamente afrontarem o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, o disposto no artigo 8º, n.º 4 da CRP, devendo, por isso, ser anuladas.
d. Como será demonstrado de seguida, em rigor, é a douta decisão que incorre em erro judicativo por não ter procedido a uma valoração correta da prova produzida e a interpretação da norma prevista no artigo 51.º do Código do IRC e artigo 51.º do Código do IRC e artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da CDT
e. Refere o tribunal a quo que relativamente a uma Impugnante sediada em Espanha, em situação semelhante à da ora Impugnante, sobre a CDT celebrada entre Portugal e Espanha e a potencialidade da mesma quanto à neutralização dos efeitos da diferença de tratamento entre entidades residentes e entidades não residentes em território nacional, já se pronunciou este Tribunal em vários processos, nomeadamente, nos processos n.ºs 1970/09.9BELRS e 1041/07.2BELRS.
f. Contrariamente ao entendimento do tribunal a quo as situações dos processos referidos não são semelhantes à situação dos presentes autos, porque enquanto naqueles se encontravam verificados os pressupostos do artigo 46.º n.º1 do CIRC (atual 51.º, do CIRC) – a participação de que resultam os dividendos não for inferior a 10% do capital social da detida ou seja adquirida por um valor não inferior a EUR 20.000.000,00 e tenha sido mantida por o período de um ano, ou se for detida há menos tempo, e esse período se venha posteriormente a completar – nestes, os requisitos do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC não se verificam pois a ora Recorrida detém apenas uma participação de 5%.
g. Para que pudesse beneficiar do mesmo tratamento fiscal de um residente, importa trazer à colação o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, com a epígrafe “Eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos” na redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
h. Ora, como se infere do artigo supra, a Impugnante, para poder beneficiar do regime da eliminação da dupla tributação, tinha de, cumulativamente, preencher todos os requisitos enunciados no referido artigo, porém, analisados os autos, verifica-se que, a Impugnante, apenas, detém uma participação de 5%.
i. Assim, como a lei é imperativa e, refere que os requisitos têm de se verificar cumulativamente e, exige uma participação não inferior a 10%, independentemente de ser ou não residente em território Português, a ora Recorrida não preenche os requisitos exigidos por lei, pelo que, não lhe poderia ser aplicado o regime da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos constante do artigo 51.º do Código do IRC.
j. Conforme salienta o tribunal a quo, se fosse residente no território nacional, a retenção na fonte teria a natureza de imposto por conta (artigo 94.º, do CIRC), no entanto importa salientar que os lucros distribuídos concorreriam para a determinação do lucro tributável, isto é, sobre aquele rendimento ia incidir o imposto, sendo, assim, tributado.
k. Salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a decisão tomada pelo Tribunal a quo consubstancia uma discriminação positiva para os não residentes pois leva à não tributação destes rendimentos, isto é, um regime mais favorável do que o aplicável aos dividendos recebidos por residentes.
l. Se os requisitos cumulativos previstos no artigo 51.º, do CIRC não se encontrarem preenchidos não é aplicado o regime da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos constante do artigo 51.º do Código do IRC e, não sendo aplicável este regime, os dividendos concorrem para a determinação do lucro tributável, sendo assim tributados pelas regras gerais do IRC.
m. Tendo presente o antedito e, consultados os autos em apreço, constatamos que a ora Recorrida, independentemente, de ser residente ou não residente em território Português, não preenche, cumulativamente, os requisitos exigidos por lei, pelo que, não lhe poderia ter sido aplicado o regime de eliminação de dupla tributação de tributação ali consagrado.
n. Assim, entende a Fazenda Pública que o ato de retenção na fonte não é ilegal. Por um lado porque face aos requisitos previstos, à data dos factos, no artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, não lhe poderia ter sido aplicado o regime de eliminação de dupla tributação e por outro, se fosse residente no território nacional, a retenção na fonte teria a natureza de imposto por conta (artigo 94.º, do CIRC), é certo, no entanto importa salientar que os lucros distribuídos concorreriam para a determinação do lucro tributável e na decisão proferida pelo Tribunal a quo estes rendimentos não são tributados gerando uma discriminação positiva para os não residentes.
o. Deveria o Tribunal a quo ter decidido que a retenção na fonte aqui em crise decorre da correta aplicação das regras de liquidação de tributação de rendimento de dividendos distribuídos a entidades não residentes, nomeadamente o (à data dos factos) artigo 94.º do Código do IRC e artigo 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha.
p. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de retenção da fonte de IRC, aqui em causa.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente, sempre se dirá
q. Entendeu ainda o tribunal a quo que são devidos juros indemnizatórios contados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, ou seja, desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, no entanto não pode a AT concordar com tal entendimento, pois como demonstraremos infra, não ocorreu erro imputável aos serviços no momento em que foram praticados os atos de retenção na fonte que determinaram a quantia a pagar.
r. O ato de retenção na fonte não foi praticado pela Administração Tributária, mas antes pelo substituto tributário, estando assim afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços até ao eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos.
s. O Tribunal a quo determinou que sejam pagos juros indemnizatórios desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
t. Ora, só quando a Administração Tributária se pronuncia sobre a reclamação graciosa deduzida pelo contribuinte (indeferimento), é que o erro lhe pode ser imputável.
u. Só em 18/09/2019 é que foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Recorrida.
v. Assim, antes dessa data – 18/09/2019 – não poderia ser imputado à Administração Tributária qualquer erro imputável aos serviços, pois o ato de retenção na fonte não foi praticado pela Administração Tributária, mas antes pelo substituto tributário.
w. Assim, entende a Fazenda Pública que a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só pode ser reconhecida a partir do momento em que a Administração Tributária se pronunciou, ou seja, com a decisão da reclamação graciosa.
x. Isto é, a Administração Tributária não podia ter sido condenada ao pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, nos termos do artigo 43.º da LGT conjugado com o n.º 5, do artigo 61.º, do CPPT, contados desde o pagamento indevido do imposto (31-05-2017) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, uma vez que a reclamação graciosa só foi apresentada em 22-05-2019 e decidida em 18-09-2019 e, por conseguinte, só a partir do indeferimento da reclamação graciosa em 18-09-2019 é que poderia ser imputado erro aos serviços.
y. Face ao exposto, conclui-se que o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação da lei, pois ao decidir pelo pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante contados desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito violou as normas previstas no artigo 43.º da LGT conjugado com o n.º 5, do artigo 61.º, do CPPT
z. Deveria o Tribunal recorrido ter condenado a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante desde o indeferimento da reclamação graciosa (18-09-2019) até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
aa.Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada quanto ao segmento decisório dos juros indemnizatórios.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.
Ou caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve ser concedido provimento ao recurso e a douta sentença ser revogada no segmento decisório dos juros indemnizatórios.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA

A recorrida veio apresentar contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

A. O presente Recurso interposto pela Fazenda Pública tem por objeto a sentença proferido pelo TTL, que julgou totalmente procedente o pedido formulado pela Recorrida em sede de impugnação judicial do ato tributário de retenção na fonte do IRC, efetuada pela entidade Banco 1... plc – Sucursal em Portugal, relativa a dividendos do exercício de 2016 (pagos em 2017), no valor de € 684.855,00.
B. Na decisão Recorrida o Tribunal a quo julgou que os atos tributários deviam ser anulados, por manifestamente afrontarem o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e o artigo 8.º, n.º 4 da CRP, determinando o reembolso do imposto retido, no montante de € 684.855,00, e condenação no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até ao reembolso do imposto.
C. A Fazenda Pública interpôs Recurso da sentença por considerar que esta padece de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente e da errónea interpretação e aplicação do direito, com violação das normas previstas no artigo 51.º do CIRC e na alínea b), do n.º 1 do artigo 10.º da CDT.
D. A Recorrida rejeita a posição assumida pela Fazenda Pública, porquanto a questão decidenda se prende com a verificação da (i)legalidade do ato de retenção na fonte de IRC, respeitante ao pagamento de dividendos distribuídos a uma entidade não residente, por violação do princípio da livre circulação de capitais, não questionando em momento algum a Recorrida a não aplicação do regime da eliminação da dupla tributação económica, previsto no artigo 51.º do CIRC.
E. E quanto a esta questão, considera a Recorrida que a norma constante do artigo 94.º, n.º 3, alínea b) do CIRC, ao abrigo da qual foi efetuada a retenção na fonte de imposto, é violadora do princípio da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, estabelecidos nos artigos 18.º, 63 e 65.º, n.º 3, do TFUE,
F. Porquanto uma sociedade residente que receba dividendos é tributada sobre o rendimento real, tendo em conta a sua efetiva capacidade contributiva, enquanto uma entidade não residente é tributada sobre o rendimento bruto, independentemente da sua efetiva capacidade contributiva e sem possibilidade de recuperar o imposto no seu país de residência.
G. Com efeito, a tributação de dividendos pagos por uma participada residente a uma entidade igualmente residente em Portugal, quando não se verifiquem as condições para a aplicação do regime da participation exemption, tem lugar por retenção na fonte à taxa de 25%, com natureza de imposto por conta, nos termos gerais do artigo 94.º do CIRC.
H. Significa isso que, a final, tal entidade residente apenas pagará imposto pelo diferencial entre o rendimento auferido e os custos incorridos para a sua obtenção, como sejam os custos administrativos de funcionamento, os custos com as participações nas assembleias gerais da participada, os custos jurídicos inerentes à gestão da carteira de participadas, etc.
I. Diferentemente, as entidades residentes noutro Estado Membro que aufiram dividendos de fonte Portuguesa aos quais não seja aplicável o regime de participation exemption, estarão sujeitas a uma tributação em Portugal por retenção na fonte a título definitivo sobre o rendimento bruto, sem possibilidade de dedução das despesas incorridas para a obtenção do mesmo, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 3, alínea b) do CIRC.
J. Deste modo, a não conformidade das normas internas com as normas de Direito da União Europeia não reside na aplicação, ou não, do disposto no artigo 51.º do CIRC mas sim no facto de, havendo lugar a retenção na fonte, os residentes serem objeto de um retenção por conta do imposto devido a final, podendo assim deduzir aos rendimentos distribuídos os gastos conexos e podendo vir a recuperar, a final, no todo ou em parte, o imposto retido.
K. Enquanto que os não residentes são sujeitos a uma retenção na fonte a título definitivo, não lhe reconhecendo a lei a possibilidade de deduzir as despesas conexas nos mesmos moldes em que um residente o pode fazer.
L. Ora, este efeito discriminatório supra referido – i.e. tributação sobre o rendimento bruto vs tributação sobre o rendimento líquido – não é neutralizado pela aplicação da CDT Portugal / Espanha, porquanto o artigo 23.º, n.º 1, alínea a) da CDT apenas permite a dedução do imposto por ela pago em Portugal até ao limite do imposto espanhol incidente sobre os rendimentos aqui em causa que, no caso, e atento o regime de isenção vigente em Espanha, é de zero.
M. A este respeito, importa recordar o Acórdão do TJUE proferido no Processo C-18/15, de 13 de julho de 2016 no qual aquele ilustre Tribunal concluiu, que a tributação por retenção na fonte a título definitivo, calculada sobre o rendimento bruto auferido por não residentes, é discriminatória e violadora da liberdade de circulação de capitais sempre que as entidades residentes, em situações comparáveis, sejam tributadas sobre o rendimento líquido, como acontece no presente caso.
N. No mais, importa ainda atender à decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Acórdão de 09.10.2012, proferido no Processo n.º 05650/12( Vd. Acórdão do TCAS, de 09.10.2012, Processo n.º 05650/12, disponível em www.dgsi.pt.), “(…) com vista a garantir o cumprimento das obrigações resultantes do Tratado, a CDT celebrada com Espanha tem de permitir compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrentes da legislação nacional, que vimos ocorrer. Tal só se verificará se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento”.
O. Mais refere que, “[n]o caso concreto, vimos que a retenção suportada em Portugal sobre os dividendos distribuídos pelo Banco 2... à Impugnante, nos anos em causa, não pode, por esta, ser recuperada” pelo que conclui que “que a distinção de tratamentos entre entidades residentes e não residentes, não sendo neutralizada, redunda num tratamento discriminatório, contrário aos preceitos e princípios de direito comunitário”.
P. Mais argumenta a Fazenda Pública que, uma interpretação do direito aplicável como aquela que se requer e o Tribunal a quo faz, redundaria na discriminação positiva nas entidades não residentes, na medida em que “levaria à não tributação destes rendimentos, isto é, um regime mais favorável do que o aplicável aos dividendos recebidos por residentes”.
Q. Contrariamente ao entendimento da Fazenda Pública, não pretende a Recorrida que as entidades não residentes sejam isentas, mas tão só que sejam tributadas nos mesmos termos que as suas congéneres residentes, ou seja, que as entidades não residentes possam ser tributadas de acordo com a sua capacidade contributiva.
R. Para isso, bastará que o legislador permita a dedução das despesas inerentes à obtenção do rendimento, i.e. permita à entidade não residente a tributação sobre o seu rendimento líquido, de acordo com a sua capacidade contributiva, nos mesmos termos em que isso é permitido às suas congéneres residentes.
S. Deste modo, a alegada discriminação positiva das entidades não residentes é uma mera consequência da ilegalidade do regime de retenção na fonte consagrado no ordenamento jurídico português e que não pode, por isso, ser entendido com uma consequência do estabelecimento de um regime de retenção na fonte por conta (ou com possibilidade de dedução prévia de despesas) aos não residentes.
Dos juros indemnizatórios
T. Mais referiu a Fazenda Pública que “o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação da lei”, porquanto “[d]everia o Tribunal recorrido condenar a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante desde o indeferimento da reclamação graciosa (18-09-2019) até à data do processamento da respetiva nota de crédito”.
U. Decorre dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT que são devidos juros indemnizatórios desde o desembolso da quantia até ao processamento da nota de crédito sempre que, dos atos em matéria tributável tenha resultado o pagamento de uma prestação tributária superior à devida por erro imputável aos serviços.
V. Com efeito, um ato praticado por entidade distinta da AT que é ilegal porque praticado com base na lei interna que viola o Direito da União Europeia, não pode consubstanciar um erro imputável ao contribuinte por não resultar de qualquer informação constante de declarações submetidas pelo mesmo, antes se traduzindo num erro imputável ab initio à AT
W. Desde logo porquanto, caso não houvesse transferência de competência de uma tarefa eminentemente pública – de liquidação e cobrança de impostos – da AT para um particular (no caso da retenção na fonte para o substituto tributário), a AT incorreria justamente na mesma ilegalidade em que incorreu a entidade que originariamente praticou o ato porquanto aplicaria a lei interna vigente – tanto assim é que foi o que fez na decisão da reclamação graciosa – que é ilegal por desconforme ao Direito da União Europeia, determinando a anulabilidade do ato em questão;
X. Neste sentido, veja-se o Acórdão proferido pelo STA, em 14.10.2020, no processo n.º 01273/08.6BELRS 01364/17, no âmbito do qual, à semelhança dos presentes autos, estava em causa um ato de retenção na fonte de IRC que incidiu sobre dividendos distribuídos a entidade não residente, e na qual determinou o direito aos juros indemnizatórios, contados desde a data em que o imposto foi pago até a emissão da nota de crédito, porquanto o erro era imputável à AT.
Y. Assim, em relação a um ato em matéria tributária praticado por entidade distinta da AT (de que é exemplo um ato de retenção na fonte de IRC sobre dividendos distribuídos a entidade não residente), contestado através de reclamação graciosa e considerado, por decisão judicial, ilegal com base em erro imputável aos serviços, os juros indemnizatórios são devidos desde a data em que o imposto indevido foi pago.
TERMOS EM QUE, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA E PORQUE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA BEM DECIDIU, DEVE ESTA SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA E, POR CONSEGUINTE, NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA FAZENDA PÚBLICA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento parcial ao recurso, no parecer que se segue:

A Fazenda Pública veio recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº1 do CPPT da douta sentença do TT de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada por A... S.A. contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por si deduzida do ato tributário de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas efetuado pela entidade Banco 1... plc - Sucursal em Portugal, em 20/06/2017, através da guia de pagamento n.º 80488091764, relativa a dividendos do exercício de 2016 e pagos em 31/05/2017 pela entidade B..., SGPS, S.A.
Os fundamentos do recurso constam dos termos conclusivos das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente – cujo teor aqui se reproduz para todos os efeitos legais.
Do teor das conclusões do recurso que delimitam o objecto e âmbito do recurso nos termos dos artigos 635º, nº3 e 639º, nº1 do CPC, verifica-se que a Recorrente entende padecer a sentença recorrida de erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do direito, tendo violado as normas previstas no artigo 51.º do Código do IRC e artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal (CDT), tendo também errado ao considerar serem devidos juros indemnizatórios, contados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
A primeira questão a apreciar consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao ter concluído pela ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas nos autos, por afrontarem o princípio da livre circulação capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, o disposto no artigo 8º, n.º 4 da CRP.
Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, não assistir razão à recorrente, nesta parte, tendo a douta sentença recorrida procedido a uma correcta interpretação dos preceitos legais aplicáveis á factualidade dada como provada.
Para o efeito, louvamo-nos, designadamente, nos doutos Acórdãos do STA de 28-01-2015, 089/13 e do TCA Sul de 19-02-2013, 06193/12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, passando a transcrever-se, na parte que interessa, o que se sumariou no Ac. do TCA Sul atrás referido:
“ III) A partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes.
IV) Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes.
V) A aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente.
VI) Assim, e com vista a garantir o cumprimento das obrigações resultantes do Tratado, a CDT celebrada com Espanha tem de permitir compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrentes da legislação nacional, que vimos ocorrer. Tal só se verificará se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento.
VII) Ora, atento o disposto na alínea a) do artigo 23° da CDT celebrada com Espanha, esta apenas permite a dedução do montante da retenção com o limite do imposto espanhol que corresponder a esses dividendos, que, no caso, é zero, pelo que importa concluir que a retenção na fonte efectuada à Impugnante não pode ser recuperada.
VIII) Verifica-se, pois, que a distinção de tratamentos entre entidades residentes e não residentes, não sendo neutralizada, redunda num tratamento discriminatório, contrário aos preceitos e princípios de direito comunitário a que se fez referência anteriormente. “
No mais e, assinalando-se que a recorrente não ataca a factualidade que suportou a fundamentação da decisão ora recorrida, acompanhamos o parecer do Ministério Público emitido em 13-04-2021, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Já quanto ao erro de julgamento que a Recorrente imputa à sentença recorrida por ter condenado a AT no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, afigura-se, salvo melhor juízo, assistir razão à Recorrente, em face dos contornos que rodeiam o caso em apreço, reflectidos em E), G) e H) do probatório.
Para o efeito, convoca-se a orientação jurisprudencial fixada no douto Acórdão do Pleno do STA proferido em 29-06-2022, no processo 093/21.7BALSB, transcrevendo-se, na parte que interessa, o que nele se sumariou:
“ ... Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g.reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”.
Pelo exposto emito parecer no sentido de dever ser concedido parcial provimento ao recurso.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.
*


2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) A Impugnante não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional – cf. facto não controvertido.
B) A Impugnante dispõe de sede e domicílio fiscal em Espanha, para efeitos de aplicação da CDT entre Espanha e Portugal, e, no ano 2017, encontrava-se sujeita ao imposto espanhol sobre o rendimento das sociedades (“impuesto sobre sociedades”) – cf. documentos 2 e 5 juntos com a p.i.; e, documento a fls. 243 dos autos.
C) Em 06/03/2007, a Impugnante adquiriu 26.700.00 ações representativas de 5% do capital social da B... (entidade sediada em território português) – cf. documento a fls. 243 dos autos.
D) Em 2017, a entidade B..., SGPS, S.A., era residente em Portugal, tributada em sede IRC e que desenvolvia uma atividade empresarial – facto não controvertido.
E) Em 31/05/2017, foram pagos à Impugnante, na qualidade de acionista da entidade B..., dividendos no montante de € 4.565.700,00, sobre o qual foi efetuada a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15%, pelo Banco 1... - Sucursal em Portugal, no montante de € 684.855,00 através da guia de pagamento mencionada na alínea que antecede – cf. documentos a fls. 207 e 243 dos autos.
F) Em 20/06/2017, foi emitida a guia de pagamento (retenção na fonte) n.º 80488091764, relativa ao ano de 2017, no montante de € 38.518.896,12 – cf. documento a fls. 171 dos autos.
G) Em 22/05/2019, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, na qual contestou a legalidade do ato de retenção na fonte mencionado na alínea que antecede, que foi autuada com o n.º 3085201904006933 – cf. documento a fls. 170 dos autos.
H) Em 18/09/2019, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa mencionada na alínea que antecede – cf. documento a fls. 265 dos autos.

*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação intentada pelo então impugnante, padece de erro de julgamento (i) ao ter concluído pela ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte, por afrontarem o princípio da livre circulação capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, o disposto no artigo 8º, n.º 4 da CRP e tendo, bem assim, violado as normas previstas no artigo 51.º do Código do IRC e artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal (CDT), uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos por lei, pelo que, não lhe poderia ser aplicado o regime da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, constante do artigo 51.º do Código do IRC, (ii) ao que acresce o erro na consideração de serem devidos juros indemnizatórios, contados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Debrucemo-nos, primeiramente, sobre a questão fundamental controvertida e que consiste em saber se a liquidação de IRC efectuada através de retenção na fonte é legal quando incide sobre os dividendos distribuídos por empresas residentes em Portugal e auferidos por uma entidade não residente in casu uma sociedade sedeada em Espanha, sem estabelecimento estável no território português. Mais rigorosamente, está em causa determinar, se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, consequentemente, se existiu violação do princípio do Direito Europeu da liberdade de circulação de capitais, na sua vertente de princípio de não discriminação entre residentes e não residentes.
Como já se estabeleceu, a sentença recorrida concluiu pela ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas nos autos, por afrontarem o princípio da livre circulação capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, o disposto no artigo 8º, n.º 4 da CRP.
Sucede que a questão da violação dos princípios da não discriminação em razão da nacionalidade e da liberdade de circulação de capitais, como se assinala no acórdão deste STA de 28/01/2015, tirado no Processo n.º 0890/13, e que está acessível em www.dgsi.pt tem vindo a ser colocada repetidamente a este Tribunal, que lhe tem vindo a dar resposta uniforme, como se pode constatar nos seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 694/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3647 a 3665, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f4a62f5763b6f8a80257acc004f049c?OpenDocument;
- de 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 1435/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 936 a 948, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b8529491f996261f80257b2c0033bff6?OpenDocument.), mas que foi entretanto abandonado (Vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo 1435/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/63f0674f3cf54ef680257d2c00551bb0?OpenDocument.). Por isso, como permite o n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1319/13 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1760 a 1769, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4f2d3a9f87f4023c80257ce7004a052d?OpenDocument.), que se insere na corrente jurisprudencial actualmente uniforme (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 27 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 654/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32240.pdf), págs. 4578 a 4589, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9d3b6c27269ccb6780257c36005262a6?OpenDocument;
- de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 568/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32240.pdf), págs. 5040 a 5054, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/276e073390b1069c80257c630035c0e0?OpenDocument;
- de 9 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1318/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1465 a 1488, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/227a56f3732597a980257cc4003c8e0f?OpenDocument;
- de 21 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1192/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1874 a 1885, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/83376c6f4f68659080257ce50031ca6e?OpenDocument;
- de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1502/12, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3b2bfc55416d12bf80257d8600408b20?OpenDocument;
- de 12 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 461/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b2c5971a31e89bf80257d9000438a03?OpenDocument;
- de 26 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 1877/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ae725112e40b1f080257da400549f42?OpenDocument.
Acompanhando o discurso jurídico do citado aresto e porque se sufraga sem reservas a solução nele gizada “De acordo com essa fundamentação (ínsita nos acórdãos elencados), concluímos que a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que a Recorrente lhe imputa e, pelo contrário, fez, à luz do disposto no art. 8.º da Constituição da República Portuguesa, correcta interpretação e aplicação do direito comunitário, bem como do direito nacional, ao considerar que o regime aplicado à ora Recorrida, consubstanciava, no caso concreto, um tratamento fiscal diferenciado dos rendimentos auferidos por entidades residentes em outros Estados da União Europeia, intolerável à luz dos princípios da não discriminação (art. 12.º TCE) e da livre circulação de capitais (art. 56.º TCE).
A fundamentação aduzida na sentença, aliás, não merece reparo algum, bem pelo contrário, é de louvar pelo primor da sua argumentação jurídica, com uma correcta interpretação e aplicação do direito e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre casos similares.”
Nesse sentido, permitimo-nos transcrever a fundamentação jurídica ideada na sentença recorrida e que se aprova inteiramente:
“(…)
DA LEGALIDADE DO ATO TRIBUTÁRIO DE RETENÇÃO NA FONTE
Considerando o alegado pelas partes e as questões a decidir, cumpre, desde já, atentar no acervo normativo relevante.
Estatui o artigo 94.º do Código do IRC (“CIRC”), na parte que ora nos interessa, sob a epígrafe “Retenção na fonte”, o seguinte:
“Artigo 94.º
1- O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
(…)
c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;
2-(…)
3- As retenções na fonte têm natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo:
(…)
b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis;
(…)
4-As retenções na fonte de IRC são efetuadas à taxa de 25%, (…)
5-Excetuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham caráter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas no artigo 87.º.”.
Ademais, foi acordado na Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento (“CDT”), nomeadamente, o seguinte:
“CAPÍTULO III
Tributação dos rendimentos
(…)
Artigo 10.°
Dividendos
1- Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
2- Esses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que recebe os dividendos for o seu beneficiário efetivo, o imposto assim estabelecido não poderá exceder:
a) 10 % do montante bruto dos dividendos, se o beneficiário efetivo for uma sociedade que detenha, diretamente, pelo menos 25 % do capital da sociedade que paga os dividendos;
b) 15 % do montante bruto dos dividendos, nos restantes casos.
(…)
CAPÍTULO IV
Eliminação da dupla tributação
Artigo 23.°
Métodos
1- No caso de um residente de Espanha, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação espanhola (desde que não contrariem os princípios gerais estabelecidos neste número), do seguinte modo:
a) Quando um residente de Espanha obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Portugal, a Espanha deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto efetivamente pago em Portugal.
A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal;
(…)”.
Refira-se que sobre questão semelhante àquela em dissídio nos presentes autos foi apresentado um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE a propósito da interpretação a conferir aos artigos 63.º e 65.º do TFUE, no âmbito de um processo que opunha o Estado do Canadá à Autoridade Tributária, e que originou o processo C-613/18 (disponível em www.curia.europa.eu).
Naquele aresto expôs o TJUE a seguinte fundamentação que ora transcrevemos:
“O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 63.° e 65.° TFUE.
(…)
Importa, antes de mais, recordar que, em conformidade com a letra do artigo 63.°, n.° 1, TFUE, esta disposição proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Em seguida, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (Acórdãos de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, EU:C:2011:61, n.° 50, e de 24 de novembro de 2016, SECIL, C-464/14, EU:C:2016:896, n.° 45).
Em particular, o Tribunal de Justiça já declarou que, se da aplicação, por um Estado-Membro, de uma retenção na fonte sobre os dividendos dos contribuintes não residentes resultar que estes suportam, no referido Estado-Membro, uma carga fiscal definitiva mais elevada do que aquela que é suportada por residentes relativamente a dividendos idênticos, há que considerar que tal diferença de tratamento fiscal entre os contribuintes em função do local de residência é suscetível de dissuadir os contribuintes não residentes de investirem em sociedades estabelecidas nesse Estado-Membro e, por conseguinte, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, que, em princípio, é proibida pelo artigo 63.° TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C-10/14, C-14/14 e C-17/14, EU:C:2015:608, n.° 61).
Assim, a legislação nacional em causa, que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, conduz a aplicar aos dividendos distribuídos por uma sociedade residente a uma pessoa coletiva não residente que não exerça uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola uma taxa efetiva de imposto mais gravosa do que a aplicada aos dividendos distribuídos a uma pessoa coletiva residente de idêntica natureza, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.
É certo que, nos termos do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. Contudo, no que respeita à tributação dos dividendos destes à luz do direito nacional, a República Portuguesa não menciona nenhuma diferença objetiva de situação entre contribuintes residentes e não residentes.
A diferença de tratamento também pode eventualmente ser justificada por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, nomeadamente, Despacho de 22 de novembro de 2010, Secilpar — Sociedade Unipessoal, C-199/10, não publicado, EU:C:2010:706, n.° 42, e Acórdão de 24 de novembro de 2016, SECIL, C-464/14, EU:C:2016:896, n.° 56). Todavia, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não invoca razões dessa natureza, nem, de resto, a própria República Portuguesa, tendo em conta a sua posição de princípio no que respeita à interpretação do seu direito nacional.
Nestas condições, os artigos 63.° e 65.° TFUE opõem-se a uma diferença de tratamento relativa à tributação dos dividendos, como a que resulta da regulamentação nacional em causa, entre pessoas coletivas residentes e não residentes.”.
Ademais, relativamente a uma Impugnante sediada em Espanha, em situação semelhante à da ora Impugnante, sobre a CDT celebrada entre Portugal e Espanha e a potencialidade da mesma quanto à neutralização dos efeitos da diferença de tratamento entre entidades residentes e entidades não residentes em território nacional, já se pronunciou este Tribunal em vários processos, nomeadamente, nos processos n.ºs 1970/09.9BELRS e 1041/07.2BELRS.
Deste modo, tendo presente o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, nos termos do qual “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” e tendo ainda presente a semelhança entre os autos do processo n.º 1970/09.9BELRS e o presente, transcrevemos aqui parcialmente o teor da fundamentação de direito da sentença proferida nos mesmos, na parte transponível aos presentes autos:
Assim, há que concluir que a situação de um residente noutro Estado-Membro, sem estabelecimento estável em Portugal, que aufira rendimentos proveniente da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal, é comparável à de uma sociedade residente em Portugal que aufira esses mesmos rendimentos.
Posto isto, se o tratamento fiscal na distribuição de dividendos em ambas as situações não é o mesmo, tal como sucede no caso em apreço, então verifica-se uma restrição discriminatória da liberdade de circulação de capitais, o que viola o disposto no art. 56.º do TCE, não se vislumbrando no caso em apreço qualquer justificação válida para tal discriminação.
Com efeito, não se pode invocar como justificação a “coerência do sistema fiscal” porquanto não existe qualquer relação directa entre a isenção de retenção na fonte aplicável às sociedades residentes e qualquer tributação posterior ou anterior que se destine a compensar tal isenção. Por outro lado, também não se pode invocar a necessidade de repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros na medida em que Portugal abdicou de tributar estes rendimentos no que diz respeito a dividendos internos. Por outro lado, não está em causa a necessidade de evitar qualquer comportamento abusivo ou fraudulento do contribuinte considerando que o objectivo legal é a eliminação da dupla tributação económica.
(…)
De facto, resulta da jurisprudência do TJ sobre as restrições previstas no artigo 58.º do TCE, que, para que uma legislação fiscal como a portuguesa possa ser considerada compatível com as disposições do TCE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que se mostre verificado um dos dois requisitos alternativos: a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente, ou a diferença de tratamento se justifique por razões imperiosas de interesse geral (rule of reason ou regra da razoabilidade), sejam elas a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal ou evitar a diminuição de receitas fiscais, e devendo, nessa circunstância, respeitar o princípio da proporcionalidade nas suas vertentes de adequação e proibição do excesso (cf. acórdãos no caso Verkooijen, processo C- 35/98, caso Manninen, processo n.º C-319/02 e caso Amurta, processo n.º C-379/05, todos disponíveis para consulta em http://eur-lex.europa.eu).
Resulta ainda da jurisprudência do TJ que para que um Estado-membro possa invocar a necessidade de preservar a coerência do seu sistema fiscal é necessário que exista um nexo directo entre a isenção de tributação concedida aos dividendos recebidos e o facto dessa sociedade ser residente em determinado Estado (cf. acórdãos Verkooijen, processo C-35/98, Lankhorst, processo C-324/00, e Bosal Holdings, processo C-168/01, disponíveis para consulta em http://eur-lex.europa.eu), sendo que - quando não existe esse nexo directo, por se tratar, por exemplo, de tributações diferentes ou do tratamento fiscal de contribuintes diferentes, o argumento de coerência do sistema fiscal não pode ser invocado” (cf. acórdão Bosal Holdings, processo n.º C-168/01, parágrafo 30, in http://eur-lex.europa.eu).
(…)
As retenções na fonte que foram efectuadas à Impugnante respeitaram a Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CEDT) celebrada entre Portugal e Espanha, cujo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) estabelece que a taxa de retenção na fonte não pode exceder 15% do montante bruto dos dividendos
Por outro lado, no caso dos autos não se verifica a excepção aventada no citado acórdão de ―o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado Membro até ao montante da diferença de tratamento‖ e que levaria a não violação do direito europeu do regime jurídico português.
Com efeito, nos termos do art. 23.º, n.º 1, alínea a) da CEDT celebrada entre Portugal e Espanha ―no caso de um residente em Espanha, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação espanhola (desde que não contrariem os princípios gerais estabelecidos neste número), do seguinte modo: a) Quando um residente de Espanha obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Portugal, a Espanha deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto efectivamente pago em Portugal. A importância deduzida não poderá, contido, exceder a fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento que podem ser tributados em Portugal”.
Ora, sucede que os dividendos procedentes de Portugal recebidos pela Impugnante estão isentos de tributação em Espanha, conforme resulta da lei espanhola e se explicitou no caso concreto no parecer jurídico junto aos autos pela Impugnante e que aqui se tem como assente, e nessa medida não poderá haver qualquer dedução do imposto retido na fonte em Portugal.
Assim sendo, a CEDT celebrada entre Portugal e Espanha não elimina a discriminação resultante do regime jurídico da tributação dos dividendos mais gravosa para as sociedades residentes em Espanha do que para as residentes em Portugal.
Verifica-se, assim, que por força do regime que lhe foi aplicado a ora impugnante foi objecto de um tratamento menos favorável tão só pelo facto de se tratar de uma entidade não residente em Portugal, não se vislumbrando qualquer diferença objectiva ou a ocorrência de qualquer ―razão imperiosa de interesse geral - no sentido que lhe é dado pela jurisprudência do TJ supra citada que justifique tal tratamento à luz do Tratado (como é, aliás, reafirmado no acórdão proferido em 3 de Junho de 2010, no processo C-487/08 num caso similar ao presente).”.
Realça-se ainda o exposto no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12/09/2018, exarado no proc. n.º 0884/17: “Com efeito, bem pelo contrário, a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes […] no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt”.
Descendo aos presentes autos.
No caso em apreço, também as retenções na fonte efetuadas à Impugnante, em virtude de ser entidade não residente, assumiram a natureza de retenção e título definitivo, nos termos do artigo 94.º, n.º 3, alínea b) do CIRC, com respeito pelos termos da CDT, cujo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) estabelece que a taxa de retenção na fonte não pode exceder 15% do montante bruto dos dividendos.
Note-se que, no caso das entidades residentes, a retenção na fonte destes rendimentos assume a natureza de pagamento por conta e, dessa forma, no caso de ocorrer uma distribuição de dividendos a uma sociedade residente (que detenha uma participação social nos mesmos termos que a Impugnante detinha sobre a B...), aquela poderá, aquando da entrega da declaração periódica de rendimentos, deduzir ao imposto total, apurado a final nessa declaração, os pagamentos por conta – cf. artigo 104.º do CIRC.
É aqui que reside a diferença de tratamento entre entidades detentoras de participações sociais residentes e não residentes em Portugal e que, objetivamente, reside somente no critério da residência / existência de estabelecimento estável em Portugal.
Cumpre, deste modo, aferir se este cenário de diferença de tratamento é, eventualmente, neutralizado pela CDT, conforme sublinha a jurisprudência supracitada, e, para tal efeito, a aplicação da CDT tem de permitir compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional, pois, só no caso em que o imposto retido na fonte (em Portugal) possa ser imputado ao montante de imposto devido no outro Estado-Membro (Espanha), até ao montante dessa diferença de tratamento, é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece.
Ora, como assinalou o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 29/05/2013, exarado no proc. n.º 0322/13, disponível em www.dgsi.pt, “O imposto retido na fonte sobre os dividendos distribuídos no ano de 2003 por uma empresa com sede em Portugal a uma sua accionista não residente, com sede em Espanha, viola os princípios da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, consagrados nos artigos 12º, 43º, 46º, 56º e 58º, nº 3 do Tratado da CEE, bem como o artigo 5º, nº 1 da directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23/07/1990 se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento ao abrigo do artigo 20, da Ley 43/1995, de 27 de Dezembro (do Reino de Espanha), sobre o Imposto sobre Sociedades, não se permitindo a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago pela impugnante em Portugal.”.
De acordo com o disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea a) da CDT, que prevê o método da imputação normal ou o método do crédito, limitando a dedução do imposto suportado no estrangeiro à fração do próprio IRC correspondente aos rendimentos obtidos no estrangeiro.
Considerando que a Impugnante detinha, em 2017, uma participação na B..., SGPS, S.A., representativa de 5% do capital social, que esta última se encontrava sujeita em Portugal a IRC e que desenvolve em Portugal uma atividade empresarial, nos termos do disposto no artigo 21.º da “Ley 27/2014, de 27 de noviembre, del Impuesto sobre Sociedades” (disponível em www.boe.es), os rendimentos provenientes dos dividendos pagos pela B..., SGPS, S.A. à Impugnante encontram-se isentos de tributação, em sede de IRC, em Espanha, estando, assim, a Impugnante impedida de recuperar o imposto suportado em Portugal.
Assim, apenas se pode concluir que tal convenção não permite neutralizar os efeitos da diferença de tratamento em causa.
Por último, refira-se que o alegado pela Fazenda Pública quanto à inaplicabilidade do regime previsto no artigo 51.º do CIRC à situação da Impugnante, não releva para uma eventual improcedência da presente ação, uma vez que, atentos os contornos do caso em apreço, os requisitos que interessam são os do regime da participation exemption nos termos da lei espanhola [por ser o regime que releva, no caso concreto, para a aplicação do artigo 23.º, n.º 1, alínea a) da CDT].
Conclui-se, assim, que são ilegais as liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas nos autos, por manifestamente afrontarem o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, o disposto no artigo 8º, n.º 4 da CRP, devendo, por isso, ser anuladas, e restituído à Impugnante o valor total de € 684.855,00, procedendo a presente ação de impugnação judicial.”
À luz desse enquadramento, somos forçados a concluir que no caso, foi adoptado um tratamento diferenciado entre accionistas residentes e não residentes, o qual, por não ser neutralizado à luz das normas convencionais e internas, acarreta um tratamento discriminatório e, logo, contrário aos princípios fundamentais da União Europeia.
Donde que, por mor da abundante jurisprudência atrás citada e da que a Impugnante e ora recorrida também refere (destacando-se, entre muitos outros, os Acórdãos do STA, de 29-02-2012, processo n.º 01017/11, de 29-05-2013, processo n.º 0322/13, de 27-11-2013, processo n.º 0654/13, de 14-05-2014, processo n.º 01319/13, de 21-05-2014, processo n.º 01192/13, de 21-01-2015, processo n.º 01160/13 e de 07-10-2015, processo n.º 0768/13), existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo art.º 63.º do TFUE, uma vez que a Impugnante, na sua qualidade de não residente em Portugal, foi sujeito a uma retenção na fonte em Portugal sobre os dividendos obtidos em Portugal, pelo que, atento o regime de isenção vigente em Espanha, a retenção efetuada não pode ser recuperada.
Daí a conclusão inabalável de que a retenção na fonte, aqui em causa, viola direito comunitário, razão pela qual a mesma não poderá ser mantida na ordem jurídica, improcedendo o recurso no segmento em apreciação.
*

Já no tangente ao erro de julgamento que a Recorrente assaca à sentença recorrida decorrente da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, entendemos, na esteira do Parecer do Ministério Público sobre essa matéria, que o recurso deve ser provido.
Nesse sentido, há que convocar a factualidade firmada nas alíneas E), G) e H) do probatório da sentença que aponta para que: em 31/05/2017, sido pagos à Impugnante, na qualidade de accionista da entidade B..., dividendos no montante de € 4.565.700,00, sobre o qual foi efetuada a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15%, pelo Banco 1... - Sucursal em Portugal, no montante de € 684.855,00 através da guia de pagamento mencionada na alínea que antecede, sendo que em 20/06/2017, foi emitida a guia de pagamento (retenção na fonte) n.º 80488091764, relativa ao ano de 2017, no montante de € 38.518.896,12. Mais se mostra que, em 22/05/2019, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, na qual contestou a legalidade do referido acto de retenção na fonte e que em 18/09/2019, foi proferida decisão de indeferimento dessa reclamação graciosa.
Pontifica a respeito e sob a evocação do artº 8º, nº 3 do Código Civil, a jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do Pleno do STA proferido em 29-06-2022, no processo 093/21.7BALSB, publicado em www.dgsi.pt e que se apresenta condensada no respectivo sumário de seguinte teor:
“ I - Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios.
II - É jurisprudência deste Tribunal, no que respeita à questão da obrigação de juros indemnizatórios nos casos de retenção indevida de imposto e em que foi deduzido meio gracioso (v.g.reclamação graciosa), que o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de eventual indeferimento, expresso ou silente, da pretensão deduzida pelo contribuinte.
III - Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T., mais não relevando o facto de a A. Fiscal o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano.
IV - Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g.reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”
À luz dessa jurisprudência consolidada, reconhecendo razão à recorrente, impõe-se concluir que o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta interpretação da lei ao decidir pelo pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante contados desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito infringindo as normas previstas no artigo 43.º da LGT conjugado com o n.º 5, do artigo 61.º, do CPPT.
Na verdade, à luz dessa normação, a Fazenda Pública dever ser condenada ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante desde o indeferimento da reclamação graciosa (18-09-2019) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Termos em que, no vector recursório e análise, procede o presente recurso e revoga-se a sentença no segmento decisório dos juros indemnizatórios.

*

3. – Decisão


Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença no segmento decisório atinente aos juros indemnizatórios.
Uma vez que ambas as partes ficaram vencidas nos presentes autos, serão as mesmas responsáveis pelas custas processuais em função do seu vencimento (cf. artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, do CPTA, por sua vez aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT).
Contudo, dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a €275.000, atento o grau de complexidade do processado, a conduta dos litigantes e a utilidade económica das pretensões das partes.

*

Lisboa, 08 de Março de 2023. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.