Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0974/16
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
II - Uma liquidação adicional que materialize ou revele um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS.
Nº Convencional:JSTA00070410
Nº do Documento:SA2201711150974
Data de Entrada:08/08/2016
Recorrente:A.........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CIRS01 ART149 N2 N3 ART65 N4 ART66.
CPPTRIB99 ART38 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0297/16 DE 2016/06/15.; AC STA PROC01940/13 DE 2015/02/05.; AC STA PROC0463/14 DE 2014/11/05.; AC STA PROC0546/10 DE 2011/04/13.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG370.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem A………….. interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artigo 150º CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 07966/14 e que consta de fls. 263/277, o qual negando provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por si deduzida.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«1 - O acórdão recorrido confirmou expressamente, após exame dos documentos de fls. 117 a 126, o conteúdo do ponto 4 da factualidade provada, cujo teor expressamente se impugna para os devidos efeitos legais, devendo o mesmo ser eliminado e substituído por outro que dê por reproduzido o teor dos documentos de fls. 117 a 126.
2 - A recorrente impugnou o ponto 4 do probatório, os documentos de fls. 117 a 126, mais tendo alegado que não recebeu as notificações de liquidação, bem como a preterição, pela AT, das formalidades legais de notificação, tendo o acórdão recorrido negado provimento ao recurso e confirmado, na íntegra, a decisão recorrida.
3 - Assim, as questões que se colocam no presente recurso são: qual a forma de notificação legalmente exigida para a notificação de liquidações oficiosas/ adicionais de IRS; se o registo simples substitui o correio registado previstos nos arts. 149º, nº 3, nos termos do art.s 28º do DL 176/88 e para os efeitos do arts 39º nº 1 do CPPT e, ainda, se na falta de talão emitido pelo CTT que cumpra os requisitos legais, os prints internos da AT são aptos, por si só, a fazer prova do efectivo envio das cartas aos contribuinte e/ou em que termos tais prints, desde que conjugados com outros elementos de prova, podem fazer prova do envio das cartas.
4 - Os requisitos previstos no art.s 150º do CPTA para a admissibilidade da presente revista excepcional mostram-se preenchidos.
5 - Em caso de alegação do não recebimento da carta de notificação, o cumprimento das formalidades legais da notificação e a prova do envio da respectiva carta, cujo ónus cabe à AT, são requisitos essenciais ao funcionamento da presunção do art.s 39º nº 1 do CPPT, constituindo condição indispensável à validade da notificação e determina a imediata exigibilidade do tributo - arts. 77º, nº 6, da LGT e 36º nº 1 do CPPT.
6 - Estamos, assim, perante interesses comunitários especialmente relevantes e de matéria particularmente sensível em termos comunitários - exigibilidade de tributos como consequência imediata da validade da notificação de liquidação, com todas as inerentes consequências, tais como penhora e venda de bens dos contribuintes.
7 - A crescente "eficácia da máquina fiscal" no que respeita à exigência de tributos, aliada aos conhecidos e amplamente noticiados "atropelos" de formalidades legais por parte da AT, e consequente também maior litigiosidade entre AT e contribuintes, envolve a necessária salvaguarda dos direitos dos contribuintes - designadamente no que a notificações da AT diz respeito - os quais encontram consagração constitucional- arts. 20º e 268º da CRP.
8 - A natureza das questões em causa ultrapassa manifestamente o interesse do caso concreto, sendo passível de se verificar num número indeterminado de casos futuros, o que desde logo resulta das regras da experiência comum, das conhecidas e confessadas práticas administrativas da AT (confessadas, designadamente, no caso dos autos), e, bem assim, da abundante jurisprudência que se tem vindo a pronunciar sobre tais questões, impondo-se a uniformização do direito.
9 - A nossa doutrina e jurisprudência tem vindo a pronunciar-se em sentido diverso do acórdão recorrido (e sentença de 1ª instância), o que gera incerteza e instabilidade da resolução das questões em apreço. Vejam-se os seguintes Acórdãos:
a) Ac. STA de 05/02/2015, P. nº 01940/13, e Ac. TCA Sul de 10/09/2015, P. nº 8818/15 (exigência de carta registada com aviso de recepção para notificações de liquidações adicionais de IRS);
b) Ac. STA de 29/05/2013, P. nº 472/13, tecendo críticas a jurisprudência contrária vertida no Ac. TCA Sul de 29/01/2013, P. nº 6147/12 (o primeiro no sentido de que o registo simples não substitui o correio registado em mão).
c) Acs. TCA Sul de 23/03/2010, P. nº 03499/09, e de 17/05/2011, P. nº 04632/11; Acs. TCA Norte de 21/01/2010, P. nº 00623/08.6BEBRG, e de 12/04/2013, P. ns 01727/07.1BEPRT; Acs. STA de 16/05/2012, P. nº 1181/11, de 01/10/2014, P. nº 0603/13, de 11/03/2015, P. nº 04/14, de 11/03/2015, P. nº 1181/13; Ac. TCA Norte de 12/04/2013, P. nº 01727 (no sentido de que os prints internos da AT não são aptos a fazer tal prova, mais esclarecendo que estes só valem se estiverem em consonância com a informação constante do site dos CTT).

10 - O acórdão recorrido padece de erro grosseiro e manifesto, violando lei substantiva e processual, seja ao não considerar que as notificações em causa seguem legalmente a forma de carta registada com aviso de recepção nos termos do art. 149º, nº 2, do CIRS, seja ao não atentar ao facto de os docs. de fls. 120, 121, 125 e 126 documentarem não um correio registado mas mero registo simples, mais acabando por considerar que tal registo simples cumpriu a forma de carta registada prevista no art. 149º, nº 3, que entendeu aplicável aos autos, seja ainda porquanto violou o art. 28º do DL 176/88 de 18.05, 115º CPPT e 607º nºs 4 e 5 do NCPC, ao considerar provado o envio das cartas de notificação com fundamento nos documentos de fls. 117 a 126, os quais impõem decisão diversa.
11- Volta a impugnar-se o teor do pronto 4 do probatório, o qual deverá ser eliminado, e substituído por outro em apenas seja dado como provado o teor dos docs. de fIs. 117 a 126 dos autos.

Não obstante,

12 - A apreciação da questão da forma legal da notificação de liquidações oficiosas de IRS, bem como a questão de saber se o registo simples substitui o correio registado, não envolverão, à partida - para que possam ser conhecidas e, eventualmente, concedido provimento - qualquer alteração à matéria de facto provada, porquanto o ponto 4 do probatório não faz referência a qualquer aviso de recepção, tal como não faz referência a registo à mão, mas apenas a registo (que pode ser simples ou à mão).
13 - Ainda que assim não fosse e, bem assim, no que se refere à questão da prova do envio da carta, sempre se diga o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto de revista na medida em que se verifica a existência de disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova ou que fixa a força probatória de determinado meio de prova - art. 150º nº 4 do CPTA - qual seja, a dos arts. 28º nºs 2 e 4 do DL 176/88 de 18.05 e 149º nº 2 e 3 do CIRS.

Na verdade,

14 - O acto de notificação é um acto regulado por normas de procedimento que fixam os requisitos formais da sua produção, sendo que o recibo de aceitação e entrega do correio registado pelos CTT (cumprindo os requisitos legais) são documentos idóneos para prova de que a carta foi remetida - art. 28º do DL 176/88 de 18.05.
15 - O art. 149º nº 2 CIRS estipula expressamente que as notificações previstas no art. 66º (com referência ao art. 65º são efectuadas por carta registada com aviso de recepção.
16 -A liquidação em causa nos autos reporta-se a liquidação oficiosa/adicional de IRS, pelo que o regime respectivo se enquadra nos arts. 66º e 65º nº 4 do CIRS, o que importa a aplicabilidade do nº 2 do art. 149º do CIRS e não do nº 3 do mesmo artigo, conforme considerou o acórdão recorrido. Neste sentido. vd. acórdãos STA 05/02/2015. P. nº 1940/13 e TCA Sul de 10/09/2015. P. nº 8818/15.

Ainda que assim não fosse,
17 - As-notificações alegadamente feitas pela AT não o foram sob a forma de correio registado, mas antes de mero registo simples.
18 - A presunção do art. 39º nº 1 do CPPT está directamente conexionada com a forma de notificação consagrada no nº 3 do art. 149º apenas funcionando tal presunção nos casos em a carta não seja devolvida.
Ora,
19 - No caso de registo simples, a carta nunca vem devolvida pelo que não faria qualquer sentido e estaria em clara oposição com a intenção do legislador fazer recair sob o contribuinte o ónus de provar que não recebeu nenhuma carta.
20 - O denominado registo simples não encontra previsão legal para efectivar as notificações previstas no art. 149º nº 3 do CIRS, nos termos do art. 28º nº 4 do DL 176/88 de 18.05, e para os efeitos do disposto no art. 39º nº 1 do CPPT. Neste sentido, Ac. STA de 29/05/2013, P. nº 472/13, in www.dgsipt.
21 - Pelo que deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que considere a inobservância pela AT das formalidade legais de notificação exigidas por lei, seja a forma de carta registada sob aviso de recepção, seja a forma de correio registado (em mão), e, consequentemente, julgue as notificações como não validamente efectuadas, mais julgando a oposição procedente com fundamento na inexigibilidade por falta falta/invalidade da notificação e declarando extinta a execução.
22 - O teor do ponto 4 do probatório, expressamente impugnado, teve exclusivamente por fundamento a prova documental de fls. 117 a 126, sendo que os docs. de fls. 120, 121, 125 e 126 (segundas vias da cartas de notificação) e de fls. 118, 119, 123 e 124 (prints da AT com a informação de que em determinado dia seguiram determinados números de registo) constituem meros prints internos da AT.
23 - Esclarece-se que os docs. de fls. 120, 121, 125 e 126 não têm apostas quaisquer vinhetas de registo (designadamente apostas pelos CTT) com os números de registo, como considera o acórdão recorrido, sendo que esses números de registo são gerados interna e automaticamente pela AT quando procede à emissão/ impressão das cartas.
24 - As guias de expedição de registos colectivos de fls. 117 e 122, não fazem referência a quaisquer números de registos postais tão só demonstrando que em 12/09/2008 foram expedidos pela AT 8002 registos e que em 09/09/2008 foram expedidas pela AT 39686 registos.
25 - Dos prints de fls. 118/119 e 123/124, resulta a informação de que em 12/09/2008 e 08/09/20008, respectivamente, seguiram alegadamente os registos entre os nºs iniciais e finais dos mesmos constantes, ou seja, 10.215 registos e 12.384 registos, respectivamente.
26 - Da análise atenta de tais documentos resulta não se afigurar racionalmente possível fazer qualquer correspondência entre os números de registos constantes dos prints internos da AT e os registos que seguiram a coberto das guias de expedição de fls. 117 e 122, pelo simples facto de nestas últimas não constar quaisquer números de registo ou sequer qualquer outro elemento que permitisse estabelecer a mais remota correspondência com os prints internos de fls. 118/119 e 123/124.
27 - Ainda que assim não fosse, sempre se verificaria clara discrepância e contradição entre os referidos documentos. Na verdade,
28 - Os intervalos de registos iniciais e finais dos docs. de fIs. 118/119 e 123/124, correspondem, respectivamente, a 10.215 registos e 12.384 registos, sendo que as guias de expedição (fIs. 117 e 122, respectivamente) que alegadamente corresponderia a tais registos (iniciais e finais) correspondem a 8.002 e 39.686.
29 - O que quer dizer que do confronto entre os prints internos de fIs. 118/119 e a guia de fIs. 117, resulta de forma clara e inequívoca que de entre aqueles registos inicial e final de fls. 118/199 (dentro dos quais se incluem os registos alegadamente enviados aos executados) existem 2.215 registos que não foram registados a coberto da guia de fIs. 117.
30 - E fazendo fé na numeração sequencial de tais números de registo, inicial e final, correspondendo os registos alegadamente enviados aos executados aos últimos 1.151 e 1.137, sempre se teria de concluir que os mesmos não foram enviados a coberto de tal guia de expedição, por se inserirem nos últimos 2.215 registos não enviados a coberto de tal guia.
Por outro lado,
31 - Os prints de fls.123/124 e a guia de fls. 122, para além de se referirem a substancialmente diferentes quantidade de registos - 10.215 e 39.686, respectivamente - possuem ainda datas diferentes 8/09/2008 e 09/09/2009, respectivamente, o que desde logo demonstram não apenas a completa falta de correspondência entre os mesmos, como a clara contradição entre si.
32 - Os registos em causa e a coberto dos quais, alegadamente, seguiram as cartas de notificação para os executados, não foram encontrados no site dos CTT, conforme é expressamente referido no acórdão recorrido e se mostra provado por documentos juntos aos autos pela própria recorrente.
33 - Nem convence a justificação avançada pelo acórdão recorrido - disponibilização da informação relativa aos objectos registados apenas durante o prazo de um ano, findo o qual deixam de poder ser encontrados no site respectivo - porquanto tal falta ou omissão não pode deixar de ser decidida a favor do contribuinte, sendo certo que perante a alegação do não recebimento das cartas, é à AT que incumbe o ónus da prova, quer do envio da carta, quer do cumprimento das respectivas formalidades legais, o que, efectivamente, não logrou fazer.
34 – Os prints internos da AT não fazem, por si só, prova do envio das cartas de notificação, sendo que apenas poderão servir de prova ou o talão de registo, ainda que colectivo, de onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida ou a informação constante do site dos CTT, desde que em sintonia com os prints internos da AT. Neste sentido, veja-se, por todos, o Ac. TCA Sul de 23/0312010, P. nº 03499/09.
35 -Não tendo a AT logrado provar o envio das cartas para notificação das liquidações aos executados, deverá ser eliminado o teor do ponto 4 do probatório, apenas sendo dado como provado o teor dos documentos de fls. 117 a 126, o que expressamente se reclama, nos termos e para os efeitos do art. 150º nº 4 do CPTA.
36 - Consequentemente, deverá ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que considere que não foi feita prova do envio das cartas aos executados, com o que se verifica a falta/invalidade de notificação das liquidações aos executados, com a consequente procedência da oposição, por inexigibilidade do tributo, e extinção integral da execução contra todos os executados.
37 -Uma vez alterado o teor do ponto 4 do probatório, nos termos referidos em 35 supra, face à restante matéria provada, concluir-se-á pela falta/invalidade da notificação das liquidações a ambos os executados, o que implica e ineficácia dos actos respectivos e a inexigibilidade da quantia exequenda, com a consequente extinção da execução quanto aos executados.
38 - Embora se entenda desnecessária, por mera cautela, se esclarece que a citação da recorrente para se opor à execução apenas ocorreu em 19/06/2013, conforme documentos juntos aos autos (ou seja, já após o decurso do prazo de caducidade da liquidação), facto esse que, subsidiariamente ao ponto anterior, se requer que seja aditado ao, probatório (o que já havia sido expressamente requerido ao Tribunal recorrido, que não conheceu da questão).

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 - Por acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (a fls. 311 e segs.) proferido em 1 de Fevereiro de 2017 pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, foi a revista admitida apenas quanto a uma das questões suscitadas pela recorrente: a questão de saber qual forma de notificação legalmente exigida para a notificação das liquidações oficiosas/adicionais de IRS.

3 O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer que, na parte relevante, se transcreve:
(….) Em causa está a notificação, no decurso do mês de Setembro de 2008, de liquidações adicionais do IRS relativas aos anos de 2004 e 2005, emitidas em 03.09.2008, na sequência da acção inspectiva a que alude o ponto 1 do probatório da decisão recorrida.
Questão é saber qual a forma de notificação legalmente exigida para as notificações de liquidações oficiosas e adicionais de IRS - se a carta registada com aviso de recepção ou se carta registada.
O aresto recorrido, considerando estar-se em presença de liquidações referentes a impostos periódicos (IRS), entendeu que seria aplicável o regime do art. 149, n.º 3 do CIRS, ao tempo em vigor, sendo a notificação efectuada através de carta registada a enviar para o domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.
Sucede que sendo essa a regra, estabelecia o nº 2 do mesmo preceito que "as notificações a que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção". O art. 66.º do CIRS, importa esclarecer, referia-se aos actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º do mesmo compêndio normativo.
Assim, como se explica no douto deste STA de 15.06.2016, in P. 0297/16, "(...) de acordo com o artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção".
Esta é a doutrina que vem merecendo acolhimento na jurisprudência deste STA e aquela que se me afigura ser a aplicável no caso dos autos tendo em conta que se está em presença de actos de liquidação adicional que corporalizam a fixação oficiosa ou a alteração da matéria tributável e que, por esse facto, teriam que ter sido notificados por carta registada com a/r, o que manifestamente não ocorreu, como claramente resulta do probatório em que assenta o douto acórdão recorrido.
Nesta conformidade, sou de parecer eu deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, na parte respectiva, ser revogado o douto acórdão recorrido, com a consequente procedência da oposição com base no fundamento em questão.»


4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Com relevo para a análise da questão objecto do presente recurso, é a seguinte a matéria levada ao probatório no acórdão recorrido:
«1-Através do ofício n.º 8.269, de 8 de Agosto de 2008, a Administração Tributária remeteu, sob registo, para a Rua ……………, 8200-…………. Albufeira, ao cuidado de B………… e de A……………, o projecto de relatório da inspecção tributária incidente sobre os anos de 2004 / 2005 e relativo às Ordens de Serviço 01.2008.00096 e 01.2008.00097, com vista ao exercício do direito de audição prévia dos contribuintes (cfr. documentos juntos a f1s.112 a 114 dos presentes autos);
2-Em 22 de Setembro de 2008, B……….. assinou os avisos de recepção relativos, aos Ofícios n.s 9.753 e 9.754, de 18 de Setembro de 2008, que a Administração Tributária remeteu para a Rua do Oceano, lote 12, r/c direito, 8200-163 Albufeira, ao cuidado de B…………. e de A……….., com os relatórios das respectivas inspecções tributárias (cfr. documentos juntos a fls.44 a 48 e 115 dos presentes autos);
3-Consequentemente, em 3/09/2008, foram emitidas liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 2004 e 2005 (cfr. documentos juntos a fls.56 a 59 dos presentes autos);
4-Em 9 e 12 de Setembro de 2008, aquelas liquidações, respectivos juros e demonstrações de compensação, foram enviadas pela Administração, sob registo, para a Rua ……………, 8200-………… Albufeira, ao cuidado de B……….. e de A………….. (cfr. documentos juntos a fls.117 a 126 dos presentes autos);
5 - Em Setembro de 2008, B………… e A…………. dirigiam o seu agregado familiar cujo domicílio fiscal era na Rua …………, 8200-……….. Albufeira (cfr.documentos juntos a fls.98 a 109 dos presentes autos);
6-No dia 4 de Novembro de 2008, foi instaurado no Serviço de Finanças de Albufeira, contra B………….e de A…………., o Processo de Execução Fiscal nº.1007 -2008/115224.6, para cobrança de dívidas oriundas de IRS dos anos de 2004 e 2005, no valor global de € 54.748,66 (cfr. documentos juntos a fls.1 a 3 do processo de execução apenso);
7 -Em 10 de Novembro de 2008, B………….. foi citado para aquele processo executivo (cfr. documento junto a fls. 4 do processo de execução apenso).»

6 – Do objecto do recurso
A questão objecto do presente recurso, tal como delimitada no Acórdão de fls. 311/322 que admitiu a revista, é a de saber qual a forma de notificação legalmente exigida para a notificação de liquidações oficiosas/adicionais de IRS.

No caso subjudice a oponente, e ora recorrente, deduziu oposição a uma execução fiscal instaurada para cobrança de dívidas de IRS relativas aos anos de 2004 e 2005, as quais resultaram de liquidações adicionais subsequentes a actos inspectivos.

A 1ª instância julgou a oposição improcedente, dando, além do mais, por inverificado o invocado fundamento de inexigibilidade das dívidas por falta de notificação válida das liquidações donde elas emergem.

A oponente recorreu para o TCA Sul, invocando o erro de julgamento cometido nesta matéria.

O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de fls. 187/192, que foi objecto do presente recurso de revista, manteve a decisão com a seguinte motivação:

(….) «Mais aduz o recorrente, em síntese, que tratando-se de liquidações de I.R.S., as respectivas cartas de notificação deverão ser enviadas registadas com aviso de recepção. Que a A. Fiscal não logrou fazer prova de que enviou aos executados quaisquer notificações das liquidações que constituem a dívida exequenda. Que se verifica a falta de notificação das liquidações, o que constitui situação de ineficácia do acto de liquidação e tem como consequência a inexigibilidade da obrigação, com a extinção da execução (c.fr. conclusões 20 a 27 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida. Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício. (….) No caso vertente (c.fr. nºs 3 a 5 do probatório), o regime de notificação das liquidações sob cobrança coerciva em causa no presente processo refere-se a imposto de natureza periódica (IRS), sendo o mesmo constante do art. 149º nº 3, do CIRS, normativo que nos diz dever a notificação ser efectuada através de carta registada a enviar para o domicílio fiscal do notificando ou do seu representante, regra especial que se sobrepõe à geral constante do art. 38º do C.P.P.T., contrariamente ao defendido pelo recorrente (cfr. ac.T.CA. Sul- 2ªSecção, 31/10/2013, proc. 6788/13; ac.T.C.A.Sul-2 ª Secção, 30/4/2014, proc. 7456/14).

Comunicado o acto ao contribuinte neste circunstancialismo, a notificação presume-se efectuada no 3. º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil, pelo que passa a caber ao contribuinte a prova de que foi notificado noutro momento. Quanto a outras matérias conexas com as notificações de actos praticados no âmbito do IRS, aplicam-se as regras do C.P.P.T., por força da remissão do artº. 149, nº 5, do CIRS.

"In casu", as liquidações de IRS foram remetidas por postal registado, remetido em 9 e 12 de Setembro de 2008, ao cuidado de B…… e da oponente/recorrente, para a morada que correspondia ao domicílio fiscal que havia comunicado à A. Fiscal. Nestes termos, as notificações presumem-se efectuadas nos dias 12 e 15 de Setembro de 2008, antes, pois, de caducado o direito à liquidação, o que aconteceria em 1 de Janeiro de 2009, quanto ao I.R.S. de 2004 e um ano depois, quanto ao de 2005 (cfr. artº 45º, nº.1, da L.G.T.). (…)

Refira-se, ainda, que, no caso "sub judice" se deve chamar à colação a presunção prevista no art. 39, nº 1, do C.P.P.T., para tal sendo necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação cabe à Fazenda Pública (….).

Voltando ao caso dos autos, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr. nºs 3 a 5 da matéria de facto provada), deve constatar-se que a A. Fiscal procedeu à correcta notificação dos executados, e para o seu domicílio fiscal, das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº ...., mais se devendo concluir que as cartas de notificação não foram devolvidas ao remetente. Assim sendo, deve ter-se por operante a presunção de notificação consagrada no examinado art. 39º nº 1, do C. P. P. Tributário, no caso em apreciação nos presentes autos, assim se confirmando a decisão recorrida, neste segmento.».

Em síntese o acórdão recorrido, considerando estar-se em presença de liquidações referentes a impostos periódicos (IRS), entendeu que seria aplicável o regime do art. 149, n.º 3 do CIRS, ao tempo em vigor, sendo a notificação efectuada através de carta registada (simples) a enviar para o domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.

Não conformada a recorrente alega que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul não atendeu nem ponderou que as notificações se referiam a liquidações adicionais de IRS e que, como tal, careciam de ser realizadas por carta registada com aviso de recepção face ao estatuído no art.º 149º nº 2 do CIRS.

E a revista foi admitida, por se ter considerado que a questão suscitada relativa à forma exigida para a notificação de liquidações oficiosas/adicionais de IRS, reclamava «a intervenção do STA com vista a uma melhor aplicação do direito, tendo em conta que o entendimento vertido no acórdão recorrido não se coaduna com a jurisprudência dominante sobre a matéria - plasmada, designadamente, nos recentes acórdãos proferidos pelo STA em 2/2/2015, no processo n.º 1940/13, e em 15.06.2016, no processo n.º 297/16 - e que, dada a abrangência do IRS, tal questão é susceptível de se colocar em inúmeros casos futuros».

7. Da forma de notificação legalmente exigida para a notificação de liquidações oficiosas/adicionais de IRS.

Está, pois, em causa saber qual a forma de notificação legalmente exigida para as notificações de liquidações oficiosas e adicionais de IRS - se a carta registada com aviso de recepção ou se carta registada.

Vejamos.

O art. 149º do CIRS estabelece regras especiais sobre as notificações relativas a IRS.

Assim a regra no domínio das notificações relativas a IRS é que estas sejam efectuadas por mera carta registada (cfr. o n.º 3 do artigo 149.º do CIRS).

Porém dispõe o nº 2 do mesmo normativo que as notificações a que se refere o artigo 66.º (do CIRS), ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável do imposto previstos no artigo 65.º daquele Código deverão ser efectuadas através de carta registada com aviso de recepção.

O que está em consonância com o artº 38º, nº 1 do CPPT que prevê que as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.

Ou seja de acordo com os artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.

No sentido de que uma liquidação adicional que materialize ou revele um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte na declaração periódica deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto no art. 38º nº 1 do CPPT e arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos desta Secção proferidos em 13/04/2011, no proc. nº 0546/10, em 28/11/2012, no proc. nº 0685/11, em 28/03/2012, no proc. nº 0491/11, em 05.11.2014, no processo 463/14, em de 05.02.2015, no Proc. 01940/13 e em 15.06.2016, no processo n.º 297/16.

Na doutrina vide também Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume I, pag. 370.

No caso vertente resulta dos autos que a recorrente deduziu oposição à execução fiscal nº 1007200801152246, para cobrança de dívida exequenda referente a liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 2004 e 2005, na sequência de inspecção tributária incidente sobre aqueles exercícios e determinada pelas ordens de serviço OI.2008.0096 e OI.2008.00097 – cfr. probatório, pontos 1 e 3 e documentos juntos aos autos a fls. 56/59 e petição inicial de fls. 2 e segs. do I volume.

As liquidações adicionais em causa foram, no entanto, enviadas por carta registada simples.

E o acórdão recorrido, considerando estar-se em presença de liquidações referentes a impostos periódicos (IRS), entendeu que seria aplicável o regime do art. 149, n.º 3 do CIRS, ao tempo em vigor, sendo a notificação efectuada através de carta registada a enviar para o domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.

Com base em tal entendimento concluiu-se no referido aresto que a A. Fiscal procedeu à correcta notificação da executada, e para o seu domicílio fiscal, das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda e ainda que as cartas de notificação não foram devolvidas ao remetente, devendo ter-se por operante a presunção de notificação consagrada no examinado artº39, nº1, do CPPT.

Ora o acórdão recorrido, ao considerar estar-se em presença de liquidações referentes a impostos periódicos (IRS), olvida um dado essencial no caso subjudice: estamos perante liquidações adicionais subsequentes a actos inspectivos e que alteram a situação tributária do contribuinte.

Assim constituindo tais liquidações actos de correcção oficiosa e de alteração dos rendimentos sujeitos a tributação, da iniciativa da administração, impunha-se que a sua notificação fosse efectuada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS, o que não sucedeu no caso vertente.

Pelo que forçoso é concluir que as notificações não foram efectuadas na forma legal prevista no artº 149º, nº 2 do IRS, normativo que não se basta com a presunção de recebimento da notificação mas antes exige registo com aviso de recepção.

E, não tendo sido cumprida essa formalidade legal, não pode considerar-se validamente efectuada a notificação, pelo que procede o invocado fundamento de oposição à execução fiscal -falta de notificação dentro de prazo de caducidade, a determinar a procedência da oposição deduzida contra a execução fiscal.

O acórdão recorrido, que assim não entendeu, é merecedor das críticas que lhe são remetidas pela Recorrente e não pode, pois, ser confirmado, o que motivará a sua revogação.


8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e, dando provimento ao recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, revogar a sentença proferida em 1ª instância e julgar, em substituição, procedente a oposição à execução fiscal deduzida pela recorrente, com a consequente extinção dessa execução.
Custas pela recorrida, em ambas as instâncias, salvo quanto à taxa de justiça neste recurso uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 15 de Novembro de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.