Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0192/12.6BECBR 01394/17
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:EXTEMPORANEIDADE
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
QUESTÃO NOVA
CONVOLAÇÃO
Sumário:A “contradição entre os fundamentos e a decisão”, que se encontra prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e que é geradora de nulidade da sentença, apenas se verifica nos casos em que se constate a existência de um vício real na lógica-jurídica que presidiu à construção da decisão judicial.
Nº Convencional:JSTA000P31956
Nº do Documento:SA2202402280192/12
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 - Alegações
AA (Cabeça de casal da Herança aberta por óbito de BB), melhor identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de impugnação da liquidação de imposto de selo n.º ...54, suscitada pela Fazenda Pública e julgou improcedente a impugnação judicial por ele deduzida, na parte relativa à liquidação adicional de imposto de selo n.º ...19.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 345 a 375 do SITAF:
A- Dado o referido no ponto 1; 1.1; 1.2 e 1.3 do requerimento de interposição de recurso deverá ser dada a seguinte redação a al F) da matéria de facto:
“F) Foi igualmente emitida a demonstração da compensação das liquidações identificadas em C) e E), apurando-se o valor acrescido a pagar de 1.525,006, cuja data limite de pagamento expirou em 31.01.2011 — cfr. demonstração da liquidação de fls. 76 do p.a.”
B- Dado o referido no ponto 2; 2.1; 2.2; 2.3 do requerimento de interposição de recurso deverá ser dada a seguinte redação ao segmento da pág. 14 da douta sentença:
“contra tal liquidação não foi deduzida reclamação graciosa no prazo de 120 dias ou impugnação judicial no prazo de 90 dias”
C- Dado o que se diz no ponto IV — 4.2; 4.3; 4.5 e 4.7 existe uma contradição insanável de que decorre a nulidade da sentença recorrida que assim não se pode manter, tendo necessariamente de ser substituída por outra que não padeça do referido vício, determinando que a segunda liquidação, na medida em que vem corrigir o valor a pagar de 25.136,96 € para 26.661,96 revoga e modifica o acto primitivo que constitui a liquidação n° ...54.
D- A decisão do tribunal a quo viola frontalmente o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20º e no art. 268° n° 4 da CRP, porquanto, impõe ao contribuinte a obrigação de impugnar actos considerados imediatamente lesivos dos seus direitos, permitindo a AT que através de um comportamento errático consolide no ordenamento jurídico uma serie de actos que se tornariam insidicáveis.
E- Tendo o contribuinte em 30/11/2010 requerido a suspensão do processo de liquidação, ou seja, já depois do prazo para pagamento voluntário da 1ª liquidação, mas ainda dentro do prazo para reclamar graciosamente da 1ª liquidação — o qual terminava em 28 de fevereiro de 2011, este pedido podia e devia ter sido convolado para o meio processual próprio - no caso reclamação graciosa, sanando-se o vício de erro na forma do processo, em obediência ao princípio da celeridade da justiça tributária.
F- A forma processual adequada à apreciação do pedido subsidiário formulado pela recorrente (suspensão do processo de liquidação apenas quanto a verba n° 80 com fundamento em a mesma verba constituir um crédito litigioso sob o qual pendia à data acção judicial a correr termos pelo Tribunal Judicial da Lousã sob o n° 870/10.4TBLSA) e a impugnação judicial, nos termos do art. 78.° n.° 3 LGT; art. 97.° n.°1 al. b) CPPT.
G- Mesmo que se entenda, que a cada um dos pedidos (principal e secundário) correspondem formas processuais diferentes, deveria prevalecer a forma adequada ao pedido principal, porque o pedido subsidiário só deve ser apreciado em caso de improcedência do pedido principal (art. 554.º n.º 1 NCPC).
H- Uma vez que em sede de recurso hierárquico, não se chegou sequer a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por o mesmo ter sido julgado extemporâneo, estando ainda em tempo, à data da presente impugnação e verificando-se que o meio processual não foi o adequado, deveria ter sido convolada a impugnação judicial em acção administrativa especial, por que a mesma ainda estaria em tempo nos termos do art. 97.º 2 da LGT, 98.º n° 4 e 97/1 al. p) do CPPT.
I- Tendo sido dado como provado o facto O) tem de se entender que nos termos da reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional apensa a estes autos foi precisamente contra a liquidação adicional n° ...19 na qual se apurou o valor a pagar de € 26.661,96 que o Recorrente se insurgiu e de que resultou o saldo apurado de € 1.525,00 na demonstração do acerto de contas (entre a 1ª liquidação no valor de € 25.136,96 e a 2.ª Liquidação no valor de € 26.661,96.), não estando pois precludido o seu direito de reclamação, o qual foi exercido em tempo com o fundamento que decorre do facto S) superveniente.
J- Cotejando o Facto assente em S) com o facto também assente em G) verificamos que não houve alterações radicais dos elementos essenciais da causa, desde o momento em que a impugnação judicial foi proposta, até a sentença ser proferida, que justificasse a alteração do pedido.
L- A transacção efectuada é um facto superveniente que não pode deixar de ser considerado na decisão, na medida em que se trata da verificação de um facto incerto e futuro ao qual a lei — art. 35.º do CIS atribui produção dos efeitos jurídicos, na medida em que faz depender o pagamento do IS dos créditos litigiosos do desfecho judicial da acção, onde estes são reclamados, na medida em que estas dívidas forem sendo recebidas.
M- Deverá decidir-se pela tempestividade da presente impugnação judicial e julgar-se procedente a impugnação da liquidação adicional do imposto de selo n° ...19 e a consequente demonstração do acerto de contas.

I.2 – Contra-alegações
Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
“I. DO THEMA DECIDENDUM
Inconformado, veio o Impugnante interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida em 10/05/2017, pela M.ma Juíza de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de impugnação da liquidação de imposto do selo n.º ...54, suscitada pela Fazenda Pública e, ainda, julgou improcedente a impugnação, na parte relativa à liquidação adicional de imposto de selo n.º ...19 (v. a sentença constante de fls. 215 a 224 e, ainda, as alegações insertas de fls. 250 a 264 do processo em suporte físico, abreviadamente designado, de ora em diante, como p. f.)
Examinada a motivação do recurso, constata-se que a ora Recorrente veio Imputar à decisão sob recurso i) a nulidade por contradição entre os fundamentos e a respetiva decisão, prevista nos artigos 125.º, n.º 1, do CPPT, e 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC e ii) erros de julgamento incidentes sobre a matéria de direito, em alegada afronta ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, ambos da CRP e, ainda, com violação do disposto nos artigos 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) 98.º, n.º 4 e 97.º, n.º 1, alínea p), estes últimos do CPPT (cfr. as Conclusões das alegações, ínsitas de fls. 262 verso a 264 do p. f)
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
II. DA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA
II. 1. Veio, pois, o Recorrente invocar que a sentença recorrida padece da nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a respetiva decisão, o que consubstancia a arguição da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
A M.ma Juíza de Direito do tribunal a quo emitiu pronúncia sobre a arguida nulidade, concluindo pela sua inverificação (cfr. fls. 269 verso do p. f.)
II. 2. Ab initio, diremos que, na nossa ótica, não assiste razão ao Recorrente, nesta sua arguição.
Assim, resulta, quer do atual artigo 615.º, n.º 1. quer do artigo 658.º, n.º 1, do anterior CPC, que os casos de nulidade das decisões judiciais são os aí previstos e enumerados taxativamente.
Ora, da análise dos citados preceitos, verifica-se que existem causas de nulidade formais, v. g., a contemplada na al. a) do seu n.º 1 e, ainda, outras causas de cariz material, atinentes ao conteúdo da própria decisão, estas últimas especificadas nas alíneas b) a e), do mesmo n.º 1.
Dispõe este n.º 1, no segmento que ora nos interessa, que “É nula a sentença quando: (...) c)
Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (...)” (o realce e nosso).
Sucede que, sobre esta causa de invalidade versaram, quer a doutrina nacional, quer inúmeros doutos arestos dos nossos tribunais superiores, todos em sentido uniforme e pacifico, os quais se revelam cruciais para o exame da arguida nulidade,
Assim, existe abundante e uniforme jurisprudência que consagra a doutrina nos termos da qual “A nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão” (v., por todos, o douto Acórdão do STA, de 06/09/2011, no Processo n.º 0371/11, disponível In www.dgsi.pt, tal como os que iremos citar, de futuro).
Assim, cumpre-nos enfatizar o facto de que “(...) A nulidade do acórdão, por «contradição entre os fundamentos e a decisão,» que é prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, verifica-se quando há um vício real na lógica jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso. (...).” (cfr. o douto Acórdão do STA, de 30/10/2014, no Processo n.º 01608/13).
Acresce que, sobre a melhor interpretação a dar a este preceito legal, incidiu também, o douto Acórdão deste Colendo STA, de 12/05/2016, no Processo n.º 01441/15, onde se doutrinou o seguinte: “A nulidade da decisão por infração ao disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013 só ocorre quando, por um lado, se verifique ambiguidade ou obscuridade da decisão que a tornem ininteligível ou, por outro lado, quando a contradição se localiza no plano da expressão formal da decisão redundando num vício insanável do chamado “silogismo judiciário”, sendo que a mesma nada tem que ver com o erro de julgamento, a injustiça da decisão, o erro da construção do silogismo judiciário ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão. (…)”.
II. 3. Ora, revertendo ao caso em presença e socorrendo-nos, para tanto, dos ensinamentos da doutrina que dimana, v. g., dos mencionados doutos arestos do Colendo STA, diremos que, uma vez analisada a decisão judicial em crise, imperativo se torna concluir, salvo melhor opinião, que não ocorre in casu a alegada nulidade.
Na verdade, se bem apreendemos o raciocínio vertido no texto alegatório, a invocada contradição verifica-se, alegadamente, na fundamentação de direito que serviu de arrimo a sentença recorrida, no segmento em que entendeu que “(...) não ocorreu qualquer anulação/ revogação da liquidação de imposto de selo n.º ...54, mas apenas a respetiva reforma, liquidando-se adicionalmente o imposto devido em função da alteração (para mais) do valor da verba n.º 80. Ou seja, no caso em análise, nenhum vício chegou, sequer, a ser apontado à liquidação de imposto de selo, procedendo a AT apenas a retificação do valor do imposto em consequência da declarada alteração à relação de bens.” (cfr. fls. 221 verso do p. f.)
A ser assim, neste enquadramento, não se deteta uma qualquer discrepância entre os factos provados e as ilações de facto e de direito deles extraídas pelo tribunal a quo, sendo inegável que apenas a contradição entre a fundamentação da sentença em análise e a decisão propriamente dita e que releva, em ordem à verificação da arguida nulidade.
O que tudo nos permite concluir que o Recorrente veio, verdadeiramente, assacar, à douta sentença recorrida, erros de julgamento e já não qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, que de todo inexiste.
Destarte, improcedendo a arguida nulidade, o nosso parecer vai, inequivocamente, no sentido de que o recurso jurisdicional não deverá ser provido, pelo menos, neste segmento.
III. DOS ERROS DE JULGAMENTO
III. 1. Veio o Recorrente, no âmbito das Conclusões A) e B), requerer a retificação dos erros materiais de que padeceria a sentença em crise (cfr. fls. 262 verso do p. f.)
Conforme melhor se alcança do despacho proferido em 29/9/2017, essa pretensão já foi apreciada e decidida pela julgadora do TAF a quo (v. fls. 269 do p. f.), razão por que se mostra prejudicado o seu conhecimento por este Colendo Supremo Tribunal.
III. 2. No que tange aos assacados erros de julgamento de direito, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, no âmbito do presente recurso jurisdicional, não se mostra infringido o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, proclamado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP (vide a conclusão D, ínsita a fls. 263 do p. f.)
Na verdade, sem prejuízo do recurso a uma interpretação que privilegie a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas, em detrimento das decisões puramente formais, e seguro que o interprete e o julgador não poderão deixar de efetuar uma exegese rigorosa e de aplicar, quer a lei substantiva quer a processual, de harmonia com o que resulta dos próprios textos legais, norteada pelos critérios hermenêuticos consagrados no artigo 9.º do Código Civil.
A não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de ações e/ou recursos, à partida sem a mínima viabilidade, desperdiçando os meios materiais e humanos disponíveis e os dinheiros públicos, já de si escassos e, ademais, ocupando artificialmente os tribunais, já tão assoberbados, com questões de antemão condenadas ao insucesso.
Nesta conformidade, bem andou a M.ma Juiz de Direito a quo, ao julgar verificada a exceção de caducidade do direito de impugnação da liquidação de imposto do selo n.º ...54 e, outrossim, ao concluir pela existência de caso resolvido, quanto à decisão de indeferimento do pedido de suspensão da liquidação.
III. 3. Veio, ainda, o Impugnante bater-se, nesta fase recursiva, pela ocorrência de erro na forma do processo e pugnar pela convolação na forma processual adequada, de harmonia com o disposto nos artigos 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributaria (LGT) 98.º, n.º 4 e 97.º, n.º 1, alínea p), estes últimos do CPPT, disposições que, alegadamente, se mostrariam desrespeitados pelo tribunal de 1.ª instância.
Ora, o TAF de Coimbra, dentre as questões que entendeu que importaria solucionar, não elegeu a nulidade resultante do erro na forma do processo, problemática que não foi suscitada pelas partes e, como decorrência, não foi versada e decidida na sentença recorrida.
A ser assim, o ora Recorrente veio submeter a apreciação deste Colendo Supremo Tribunal ad quem uma questão “nova”, que não foi sequer minimamente aflorada no âmbito dos articulados e, consequentemente, que não foi objeto de pronúncia, na sentença recorrida (cfr. a fundamentação jurídica da decisão recorrida, inserta de fls. 220 verso a 224 do p. f), facto que mina os fundamentos e faz inevitavelmente soçobrar o próprio recurso jurisdicional sub judice, quanto a esta parte.
Na verdade, no âmbito dos recursos jurisdicionais, está vedada ao tribunal ad quem a apreciação de quaisquer questões que sejam suscitadas pela primeira vez, ou seja, que não tenham sido colocadas à apreciação do Tribunal a quo, salvo os casos do seu conhecimento oficioso.
E, assim sendo, imperativo se torna concluir que a questão ora suscitada sobreleva o objeto do recurso sub judice, implicando, pois, a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Ministério Público propende para o não conhecimento do objeto do recurso, nesta parte, por este Colendo Tribunal ad quem.
IV. CONCLUSÕES
Em suma e em jeito de conclusão, atento o sentido deste parecer, o Ministério Público pugna no sentido de que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e em consequência, deverá ser inteiramente mantida a sentença recorrida.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. - De facto
A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
A) No dia 28.04.2010 AA participou, junto do Serviço de Finanças da Lousã, o óbito de sua irmã BB, ocorrido em 03.01.2010 – fls. 53 a 59 do p.a.
B) Na participação referida na alínea antecedente foram arrolados 78 bens imóveis, um móvel e um crédito ativo no valor de 124.850,00€ - fls. 53 a 59 do p.a.
C) Em 26.07.2010 foi emitida a liquidação de Imposto de Selo n.º ...54, na qual se apurou o valor a pagar de 25.136,96€, com a data limite de pagamento de 31.10.2010 - cfr. liquidação de fls. 60 a 61 do p.a.
D) Em 02.11.2010 foi apresentada reclamação tendo em vista retificar o valor da dívida mencionada como verba n.º 80, de 124.850,00€ para 140.100,00€ - cfr. participação de fls. 66 a 72 do p.a..
E) Consequentemente, em 03.11.2010 foi emitida a liquidação adicional de Imposto de Selo n.º ...19, na qual se apurou o valor a pagar de 26.661,96€ - cfr. demonstração da liquidação de fls. 74 do p.a.
F) Foi igualmente emitida a demonstração da compensação das liquidações identificadas em C) e F), apurando-se o valor acrescido a pagar de 1.525,00€, cuja data limite de pagamento expirou em 31.01.2011 – cfr. demonstração da liquidação de fls. 76 do p.a.
G) No dia 17.11.2010 a herança Ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB intentou contra CC e marido a ação declarativa com processo ordinário, que correu termos no Tribunal Judicial da Lousã sob o n.º 870/10.4TBLSA, pedindo a condenação destes a restituir à herança a dívida relacionada com a verba n.º 80 da relação de bens ou, então, declarando-se nulo por falta de forma legal o mútuo e consequentemente serem os réus condenados a restituir à Herança a importância de 140.100,00€ que receberam, bem como os juros que se vierem a vencer até à data da devolução efetiva do capital – cfr. p.i. de fls. 23 a 41 do p.a.
H) Em 02.12.2010, o então cabeça de casal da herança requereu a suspensão do processo de liquidação, apenas quanto à verba n.º 80 por esta ser objeto de litígio – cfr. requerimento de fls. 78 do p.a.
I) Em 11.03.2011 foi emitida a certidão de dívida n.º ...11, pelo valor de 25.136,96€, respeitante a Imposto de Selo, com base na qual foi instaurada contra a “BB – Cabeça de casal da herança de” a execução fiscal n.º ...98 – cfr. certidão de dívida de fls. 82 do p.a.
J) Sobre o pedido aludido na alínea H) supra recaiu a Informação de fls. 80 do p.a., que se dá por integralmente reproduzida, concluindo-se que «(…) tal pedido deve ser considerado extemporâneo uma vez que deveria ter sido apresentado antes daquelas liquidações terem sido efectuadas. (…)», a qual foi objeto do despacho de concordância de fls. 80 do p.a., que também se dá aqui por integralmente reproduzido, projetando-se indeferir o pedido de suspensão da liquidação.
K) Por despacho de 03.05.2011 foi convertido em definitivo o projeto de despacho de aludido na parte final do ponto anterior – cfr. despacho de fls. 81 do p.a.
L) A dívida exequenda referida na alínea I) foi parcialmente paga, pelo valor de 11.738,16€, no dia 15.04.2011 – cfr. confirmação da ocorrência de pagamento de fls. 83 do p.a.
M) A coberto do ofício datado de 05.05.2011 o novo cabeça de casal da herança de BB foi notificado da decisão de indeferimento do pedido de suspensão da liquidação de imposto de selo – cfr. ofício de fls. 87 do p.a. que se dá por integralmente reproduzido.
N) Contra a decisão aludida na alínea antecedente foi deduzido recurso hierárquico em 30.05.2011, conforme requerimento de fls. 92 a 102 do p.a.
O) Em 30.05.2011 foi remetida através de correio registado reclamação graciosa contra o ato de liquidação adicional de Imposto de Selo no valor de 1.525,00€ - cfr. requerimento de reclamação graciosa de fls. 10 a 15 do p.a. e talão de registo de fls. 128 dos autos.
P) No âmbito do recurso hierárquico aludido em N), no dia 08.11.2011 foi prestada a Informação n.º ...11, de fls. 103 a 110 que se dá por integralmente reproduzida e da qual se destaca o seguinte:
«(…)
Face à ordem cronológica dos factos, verifica-se que o pedido de suspensão interposto nos termos e para efeitos do disposto no artº 35º do CIS, deu entrada após a conclusão do procedimento tributário de liquidação, isto é, após ter sido emitida a liquidação adicional de imposto.
(…)
Este artigo impõe duas condições, ou se quisermos dois pressupostos determinantes da suspensão:
- Existência de processo de liquidação;
- Pendência de acção judicial a exigir dívidas activas da herança.
E bem se compreende que assim seja, porquanto, não se pode suspender algo que não existe, nem suspender sem que se prove a condição que fundamenta a suspensão (acção judicial).
(…)».
Q) Em 02.01.2012 foi emitido despacho de concordância com a Informação aludida na alínea antecedente e de indeferimento do recurso hierárquico – cfr. despacho de fls. 111 do p.a.
R) A presente impugnação foi apresentada no Serviço de Finanças da Lousã a coberto de correio registado no dia 28.02.2012, conforme talão de registo de fls. 135 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
S) Por sentença transitada em julgado no dia 28.01.2013 no processo id. em G) supra, foi homologada a transação pela qual as partes puseram termo àquela ação, reduzindo os ali AA. o seu pedido para o valor de 2.000,00€ - cfr. fls. 84 a 94.
T) Por escritura pública outorgada no dia 12.04.2011, CC repudiou a herança aberta por óbito de sua tia BB – cfr. escritura de fls. 95 a 97.

II.2 – De Direito
I. Vem a impugnante, ora Recorrente, interpor o presente recurso da douta sentença proferida pelo TAF de Coimbra, a qual julgou procedente a exceção de caducidade do direito de impugnação da liquidação de imposto de selo n.º ...54, suscitada pela Fazenda Pública e, por sua vez, improcedente a impugnação quanto à parte relativa à liquidação adicional de imposto de selo n.º ...19.
Inconformada com o assim decidido, vem o ora recorrente interpor recurso para este Supremo Tribunal, alegando em síntese que a douta sentença padece:
- nulidade por contradição entre os fundamentos e a respectiva decisão nos termos dos artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC;
- erros de julgamento sobre a matéria de direito, violando deste modo o princípio constitucional da tutela jurisdicional consagrado no artigo 20.º e no artigo 268.º, n.º 4 da CRP;
- a possível convolação do pedido para forma processual adequada “…em obediência ao princípio do aproveitamento dos actos, do princípio da adequação formal e da cooperação que devem nortear a actuação da administração tributária com o particular.”, nos termos do n.º 1 do artigo 193.º do CPC em conjugação com as disposições do n.º 3 do artigo 97.º da Lei Geral Tributária e do n.º 4 do artigo 98.º do CPPT.
Delimitado, assim, o objeto do presente Recurso pelo teor das respectivas Conclusões das Alegações, cabe decidir.

II. A respeito do primeiro apontado vício - nulidade por contradição entre os fundamentos e a respectiva decisão nos termos dos artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC -, julgamos que bastaria sublinhar que o facto de o ora Reclamante discordar da leitura feita pelo Tribunal a quo quanto aos termos em que este recusou as suas pretensões seria o bastante para, sem mais, considerar improcedentes as objecções que sustentam a presente Reclamação.
Na verdade, ao discordar da fundamentação dada por aquele Tribunal, o Reclamante está automaticamente a reconhecer que não existe qualquer falta de fundamentação e, tão-pouco, qualquer ambiguidade na mesma.
É que, como este Supremo Tribunal já tantas vezes esclareceu: “A nulidade do acórdão, por «contradição entre os fundamentos e a decisão», que é prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC, verifica-se quando há um vício real na lógica-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido oposto, ou pelo menos diverso.” – entre muitíssimos outros, vd. o Acórdão de 30 de Outubro de 2014, da 1.ª Secção deste Tribunal, lavrado no processo n.º 1608/13 (sublinhados nossos) – disponível em www.dgsi.pt.
Em suma, o reclamante compreende, com absoluta clareza, as razões pelas quais o seu recurso foi rejeitado, mas com elas – muito legitimamente, sublinhe-se – não se conforma e daí a interposição do presente Recurso.
Como se vê, tal é suficiente para, sem mais, afastar os fundamentos de nulidade do Acórdão invocados pelo Reclamante.
Mas, e valendo-nos aqui dos termos precisos do douto Parecer do Ministério Público junto aos presentes autos, sempre acrescentaremos que “Na verdade, se bem apreendemos o raciocínio vertido no texto alegatório, a invocada contradição verifica-se, alegadamente, na fundamentação de direito que serviu de arrimo a sentença recorrida, no segmento em que entendeu que “(...) não ocorreu qualquer anulação/ revogação da liquidação de imposto de selo n.º ...54, mas apenas a respetiva reforma, liquidando-se adicionalmente o imposto devido em função da alteração (para mais) do valor da verba n.º 80. Ou seja, no caso em análise, nenhum vício chegou, sequer, a ser apontado à liquidação de imposto de selo, procedendo a AT apenas a retificação do valor do imposto em consequência da declarada alteração à relação de bens.” (cfr. fls. 221 verso do p. f.)
A ser assim, neste enquadramento, não se deteta uma qualquer discrepância entre os factos provados e as ilações de facto e de direito deles extraídas pelo tribunal a quo, sendo inegável que apenas a contradição entre a fundamentação da sentença em análise e a decisão propriamente dita e que releva, em ordem à verificação da arguida nulidade.
Não há, em conclusão, qualquer incoerência no processo lógico-jurídico inquinadora do sentido sufragado pela sentença que aqui surge recorrida.

III. A segunda questão a tratar respeita ao vício apontado pela Recorrente resultante dos erros de Direito da própria sentença, tidos por conducentes à violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.
Vejamos, pois, se assim é.
Tendo ocorrido duas liquidações de Imposto do Selo – a primeira (liquidação n.º ...54) no valor de € 25.136,96 e a segunda (de natureza adicional, com o n.º ...19) no valor de € 26.661,96 – decidiu-se o ora Recorrente pela apresentação de pedido singelo de suspensão da liquidação do Imposto de Selo.
Ficou, assim e por opção do próprio, preterida a contestação das mencionadas liquidações. Senão, vejamos.
Como a sentença recorrida bem ajuizou, quanto à primeira liquidação, “Ou seja, no caso em análise, nenhum vício chegou, sequer, a ser apontado à liquidação de imposto de selo, procedendo a AT apenas à retificação do valor do imposto em consequência da declarada alteração à relação de bens.
Uma vez que contra tal liquidação não foi deduzida reclamação graciosa ou impugnação judicial no prazo de 90 dias (nos termos da redação inicial do artigo 102.º do CPPT), a mesma volveu-se em caso decidido, não podendo ser apreciada a respetiva legalidade na presente impugnação deduzida em 28/02/2012, portanto, mais de 1 ano e três meses após o termo do prazo de respetivo pagamento voluntário (que era 31.10.2010).
Nesta conformidade, deve ser julgada procedente a exceção de caducidade do direito de impugnação da liquidação n.º ...54, suscitada pela Fazenda Pública.
E quanto à segunda liquidação, também andou bem a sentença recorrida quando ajuizou que: “após a emissão dos atos de liquidação de imposto de selo n.º ...54 e n.º ...19 (ocorridas em 26.07.2010 e em 03.11.2010), foi formulado pedido de suspensão da liquidação (em 02.12.2010); nesta medida estamos perante um ato proferido após o(s) ato(s) final(ais) de liquidação, afigurando-se que a decisão do respetivo indeferimento configura «actos trâmite que ponham um ponto final na relação da administração com o interessado».
Com efeito, a decisão de indeferimento do pedido de suspensão da liquidação do imposto de selo, proferida em 03.05.2011, é posterior à primeira liquidação (emitida em ../../2010) e à liquidação adicional (emitida em ../../2010) daí que, por ordem lógica de razão, não podia inquinar os atos de liquidação que lhe eram anteriores.
Em suma, o ato de indeferimento do pedido de suspensão da liquidação colocou termo à relação entre a AT e o contribuinte, podendo e devendo ser autonomamente impugnável.
Não tendo a Impugnante reagido judicialmente contra o ato de indeferimento do pedido de suspensão da liquidação, o mesmo tornou-se caso decidido não podendo as ilegalidades que lhe são assacadas ser apreciadas nesta impugnação que visa atos tributários de liquidação distintos e anteriores.”. Daqui conclui aquela sentença, em plena coerência, que “Como se infere da leitura da p.i., o Impugnante elege como fundamento desta ação “a ilegalidade do imposto de selo sob a verba nº 80 (crédito litigioso) por inexistir o imposto a que respeita a obrigação” decorrente da falta de suspensão da liquidação deste imposto na parte relativa à referida verba.
Porém, a legalidade da decisão da AT de não proceder à suspensão da liquidação do imposto de selo já não pode ser aqui apreciada, pelos motivos acabados de expor.” (sublinhados nossos).
Ora, isto significa que é sem mácula o teor da sentença recorrida: tendo o ora Recorrente optado por impugnar a segunda liquidação (e só esta) pelo indeferimento da “falta de suspensão da liquidação” – a qual já não era sindicável por extemporaneidade – mais não restava do que concluir pela inevitável improcedência da impugnação. Como sucedeu e, também aqui, vem bem sublinhado pelo Parecer do Ministério Público supra transcrito.
Em suma, dispondo de todos os instrumentos de tutela ao seu dispor, o Recorrente inutilizou-os, num caso, não se valendo deles e noutro caso, não se valendo deles em tempo – inexiste, por conseguinte, qualquer denegação do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva.

IV. Resta, por último, considerar a questão da suposta violação do dever de convolação da deduzida impugnação judicial em acção administrativa especial.
Sucede que, como bem se sublinhou no Parecer do Ministério Público já referido, não só estamos diante uma questão plenamente nova – recorde-se que a sentença recorrida não se manifestou no sentido da inadmissibilidade da impugnação por erro processual – como, mesmo a admitir-se em abstracto tal convolação, a mesma se revelaria inútil, atento o efeito desejado e, acabaria ainda, por tudo o acima visto, por apenas poder versar sobre a quantia do saldo entre a primeira e a segunda liquidações de Imposto do Selo, no valor de apenas € 1.525,00.
Por todo o exposto, mais não resta do que indeferir o presente recurso.


III. CONCLUSÕES
A “contradição entre os fundamentos e a decisão”, que se encontra prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e que é geradora de nulidade da sentença, apenas se verifica nos casos em que se constate a existência de um vício real na lógica-jurídica que presidiu à construção da decisão judicial.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao presente recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.