Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0443/19.6BEBRG
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
DESPACHO LIMINAR
APENSAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 63.º do RGCO, o recurso, mesmo que existam excepções de que cumpra conhecer, só pode ser objecto de rejeição liminar se estiver fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma, pelo que a questão relativa às alegadas excepções deve ser apreciada em despacho a proferir nos termos do estatuído no artigo 64.º do RGCO ou na sentença.
II - Ao contrário do sustentado pela decisão recorrida, o pedido de apensação de processos pode e deve ser acolhido pelo tribunal, verificados os respectivos pressupostos legais, devendo a apensação ser ordenada, mesmo oficiosamente, no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64.º do RGCO.
Nº Convencional:JSTA000P27590
Nº do Documento:SA2202104280443/19
Data de Entrada:07/11/2019
Recorrente:A..............., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1.A…………….., Lda.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que decidiu rejeitar liminarmente o recurso que interpôs das 11 decisões do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo (processos de contra-ordenação nº 23482018060000101259, 23482018060000101267, 23482018060000101275, 23482018060000101291, 23482018060000103952, 23482018060000101305, 23482018060000105220, 23482018060000106790, 23482018060000106781, 23482018060000106811 e 23482018060000106803) de aplicação de coimas e custas, por falta de pagamento de taxas de portagem, veio interpor o presente recurso jurisdicional.

1.2. Após ter sido notificada da admissão do recurso, a Recorrente apresentou alegações que finalizou nos seguintes termos:

«1ª - O presente recurso tem por objecto a douta sentença do Tribunal Tributário de Braga que indeferiu liminarmente o recurso de contra-ordenação à margem identificado.

2ª - O recurso de contra-ordenação em causa, interposto ao abrigo do artº 80º do RGIT, incidia sobre 11 processos de contra-ordenação, instaurados todos no mês de Setembro de 2018, contra a mesma arguida e abrangendo a prática reiterada da mesma infracção, que a arguida pretende ver julgada como uma infracção continuada.

3ª - Este desiderato apenas será possível se os 11 processos de contra-ordenação em causa forem tratados como se de um só processo se tratasse, ou seja, se os ditos processos forem apensados para serem objecto de um só recurso.

4ª - A recorrente sustenta que as infracções em causa nos autos devem ser punidas como contra-ordenação continuada mediante a aplicação de uma só coima, por lhe ser globalmente mais favorável do que a aplicação de múltiplas punições individualizadas.

5ª - Defende a arguida, ora recorrente, que deve ser punida com uma só coima, correspondente à conduta mais grave que integra a continuação, nos termos do artº 79º, nº 1 do CPenal, por todas as contra-ordenações praticadas e por aplicação das regras da contra-ordenação continuada.

6ª - A douta sentença recorrida põe em causa o princípio da economia processual e de meios e acarreta entraves ao direito de defesa da Arguida, violando o disposto no artº 32.º, nº 10 da Lei Fundamental, extensível aos processos de contraordenação, por identidade de razão.

7ª - Por um lado a arguida seria obrigada a interpor 11 impugnações, todas iguais, tendo de suportar 11 taxas de justiça (11 x 102,00 = 1.122,00€).

8ª - Por outro lado, a arguida veria precludida a possibilidade de invocar perante o tribunal de recurso o seu interesse legítimo em ver a sua conduta julgada como infracção continuada, nos termos do disposto no artº 77.º do CPenal, aplicável subsidiariamente ex vi do artº 3.º, alínea b) do RGIT e artº 32.º do RGCO.

9ª - Assim, a douta sentença recorrida, acarreta para a arguida a recusa da apreciação do mérito das decisões administrativas de condenação, o que a torna recorrível.

10ª - A arguida está convencida de que nunca foi decidida questão idêntica nos TAF, em que se pede a apensação de vários processos de contra-ordenação a fim de permitir a interposição de uma única impugnação contra várias decisões de aplicação da coima.

11ª - Esta questão revela-se particularmente interessante para a Arguida, uma vez que tem pendentes no TAF de Braga outros recursos nas mesmas circunstâncias, sendo certo que a doutrina que for defendida no presente recurso jurisdicional poderá ser replicada naqueles recursos, assim se alcançando uma melhoria na aplicação do direito, o que a torna recorrível.

12ª - Foram violados os artigos 25.º, 28.º e 29.º do CPPenal e 64.º do RGCO e, ainda, o artigo 77º do CPenal, subsidiariamente aplicáveis às contra-ordenações tributárias, bem como o artigo 32.º, nº 10 da Lei Fundamental, extensível às contra-ordenações.

13ª - Deverá, pois, o presente recurso ser admitido e, uma vez concedido o respectivo provimento, determinar-se a revogação da douta sentença recorrida bem como a apensação de processos tal como foi requerida pela Recorrente, seguindo-se os demais termos até final.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, a Excelentíssima Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso e ordenada a baixa dos autos para aí prosseguirem a sua tramitação.

1.5 Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. Tendo por referência o quadro supra e o teor das conclusões apresentadas, conclui-se que é apenas uma a questão a decidir, a saber, se o despacho pelo qual o Tribunal a quo rejeitou liminarmente o recurso apresentado, dirigido a 11 decisões de aplicação de coimas e custas decorrentes da falta de pagamento de taxas de portagem, entendendo que devia ter sido interposto por cada uma dessas decisões um recurso autónomo e paga a correspondente taxa de justiça, padece de erro de julgamento.

3. A decisão recorrida tem o seguinte teor:

«A…………, LDA, NIPC …….., com sede na Avenida ……………., nº …-…, Viana do Castelo, interpôs o presente recurso das decisões do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo que nos processos de contra-ordenação nº 23482018060000101259, 23482018060000101267, 23482018060000101275, 23482018060000101291, 23482018060000103952, 23482018060000101305, 23482018060000105220, 23482018060000106790, 23482018060000106781, 23482018060000106811 e 23482018060000106803, lhe aplicaram coimas e custas, por falta de pagamento de taxas de portagem.

Pelo Magistrado do Ministério Público foram os autos presentes a juízo, considerando-se tal acto como acusação, nos termos do disposto no artigo 62º, nº 1 do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO), aplicável ex vi artigo 3º, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), tendo o mesmo promovido que “…não obstante o recorrente devesse apresentar um recurso para cada um dos processos, razões de economia e celeridade processual impõem, a nosso ver, que seja aceite a interposição de um único recurso para todos os processos…”..

Por despacho de 20/03/2019 foi a arguida convidada para: “(…) vir aos autos indicar qual dos processos de contra-ordenação pretende ver apreciado no presente recurso, sob pena de, não o fazendo, serem os presentes autos objecto de rejeição liminar” (cfr. despacho e notificação de fls. 392-393 e 394 do SITAF).

Regularmente notificada, a arguida apresentou o requerimento de fls. 397-399 do SITAF, no qual considera que o Serviço de Finanças já procedeu à apensação dos processos contra-ordenacionais, e, caso assim se não entenda, requerendo a apensação judicial dos processos de contra-ordenação.

Cumpre apreciar e decidir liminarmente.

Compulsados os autos, verifica-se que a arguida cumulou, na mesma petição inicial, recursos de contra-ordenação de decisões de aplicação de coima em onze processos de contra-ordenação não apensados entre si.

Sucede que as alegações de recurso devem reportar-se apenas a um processo de contra-ordenação, ou seja, não se podem cumular nas mesmas alegações de recurso pretensões relativas a vários processos de contra-ordenação, a não ser que estes tenham sido anteriormente apensados ou caso a autoridade administrativa tenha proferido uma única decisão em relação aos vários processos de contra-ordenação, não cabendo ao Tribunal proceder à apensação de processos administrativos de contra-ordenação, mas tão-só, se for o caso, de recursos de contra-ordenação.

Ora, resulta dos autos que os processos de contra-ordenação supra identificados não foram apensados pela autoridade administrativa, tendo sido proferida uma decisão de aplicação de coima para cada um deles.

De facto, pese embora a arguida no seu requerimento de fls. 397-399 do SITAF afirme que os onze processos de contra-ordenação se encontram apensados, remetendo para a juntada e despacho de sustentação constantes de fls. 79 a 83 dos autos (correspondente à numeração de fls. 124-128 do SITAF), compulsado o teor desses documentos, dúvidas não subsistem de que o Serviço de Finanças não procedeu à apensação dos processos de contra-ordenação, como se pode ler expressamente no ponto 2 do “despacho de sustentação”: “A recorrente começa por referir a apensação dos processos, no entanto não existe no Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) nem no Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGCO), aplicável subsidiariamente na situação em apreço de conformidade com o disposto na alínea b) do artº 3º do RGIT, norma legal que preveja a apensação de processos de contra-ordenação, não podendo por isso merecer deferimento qualquer pretensão que nesse sentido seja formulada”. (sublinhado e negrito meus).

Como tal, a arguida deve apresentar tantas petições iniciais quantos os processos de contra-ordenação que decorreram autonomamente, podendo o Tribunal, verificados os requisitos legais, proceder à apensação dos recursos de contra-ordenação.

No que se refere à apensação, prevê a lei (cfr. artigos 24º e seguintes do CPP) e também a jurisprudência que, em determinadas circunstâncias, a entidade administrativa pode efectuar a “apensação” dos processos de contra-ordenação (apensação na fase administrativa, constituindo um único processo) ou então, já na fase judicial, pode e deve o juiz efectuar a apensação dos recursos de contra-ordenação, a qual deve ter lugar no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho (cfr. artigo 29º, nº 2 do CPP). Neste sentido, cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 04/03/2015, processo nº 01396/14, de 11/03/2015, processo nº 01557/14 e de 09/09/2015, processo nº 070/15.

O que a lei não prevê e nem a jurisprudência refere é a possibilidade de ser o próprio arguido a decidir apresentar um único recurso para decisões proferidas em processos de contra-ordenação não apensados, como que ficcionando que os processos estão apensados entre si ou que se trata de um único processo, como que chamando a si uma competência que a lei pretende que seja exclusiva da entidade administrativa (na fase administrativa) e posteriormente, na fase judicial, do Tribunal.

Salienta-se ainda que a jurisprudência actual e supra citada refere que ao juiz incumbe, mediante o preenchimento de certas circunstâncias, efectuar a apensação de processos - leia-se, de processos judiciais, ou seja de recursos de contra-ordenação – nada referindo quanto à obrigação de o juiz efectuar a apensação de processos de contraordenação, o que bem se compreende, uma vez que a apensação de processos de contraordenação incumbe exclusivamente ao órgão da administração, na fase administrativa.

De facto, recursos de contra-ordenação não podem nem devem ser confundidos com processos de contra-ordenação.

Ou seja, caso os processos de contra-ordenação não tenham sido apensados na fase administrativa, não cabe ao Tribunal escolher qual das decisões administrativas de aplicação de contra-ordenação vai ser apreciada nos presentes autos, pelo que, foi a arguida convidada a indicar qual dos processos de contra-ordenação pretende ver apreciado no presente recurso, sob cominação expressa de rejeição liminar, ao que esta não acedeu, mantendo o pedido de apensação de processos de contraordenação não apensados administrativamente e cujo recurso de impugnação foi apresentado numa só petição.

Assim, a promoção apresentada pelo Ministério Público - de aceitação de um único recurso para os onze processos de contra-ordenação - não pode ser acolhida pelo Tribunal.

De facto, não estando os processos de contra-ordenação apensados, a cada decisão de fixação de coima deverá corresponder uma petição de recurso, apresentada nos termos do disposto nos artigos 80º do RGIT e 59º do RGCO.

Assim, tendo sido proferidas onze decisões em diferentes processos de contra-ordenação que não estavam apensados entre si, a arguida tinha de apresentar uma petição de recurso para cada decisão, sendo instaurados, autuados e distribuídos onze recursos de contra-ordenação e só depois é que o juiz, perante uma multiplicidade de processos judiciais (em que o infractor era o mesmo), que lhe foram distribuídos a si, ou aos outros juízes do mesmo Tribunal, é que iria averiguar e decidir da possibilidade de ordenar a apensação de todos os recursos àquele que fosse o determinante da competência por conexão.

Nesta conformidade, tendo sido deduzido um único recurso para vários processos de contra-ordenação que não se encontram apensados, verifica-se a falta de observância dos requisitos formais previstos naquele artigo 59º do RGCO, estando a sanção prevista no artigo 63º, nº 1 do RGCO, aplicável ex vi artigo 3º, alínea b) do RGIT, que estipula que: “(…) o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso (…) sem respeito pelas exigências de forma.”.

Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12/07/2018, processo nº 02760/17.0BEBRG, em cuja fundamentação, à qual aderimos, podemos ler: “(…) De facto, conforme se conclui na sentença, o juiz pode proceder à apensação de recursos de contra-ordenação, mas já não à apensação de processos de contra-ordenação, pois essa apensação teria que ser ordenada na fase administrativa e não na fase judicial.

Neste contexto, é evidente não ter existido qualquer omissão de pronúncia, mas até uma pronúncia expressa sobre o pedido de apensação de processos de contra-ordenação; não tendo cabimento falar-se da verificação de qualquer nulidade.

De todo o modo, à semelhança do que se encontra expressamente previsto para outros meios processuais e em nome do princípio transversal “pro actione”, ocorrendo, como no caso, uma cumulação ilegal de recursos de contra-ordenação, a solução deverá ser a de o tribunal providenciar pela sanação da irregularidade desses recursos. A sanação directa pelo tribunal, que se poderia aventar criando com base na petição dos recursos cumulados um recurso de contra-ordenação para cada processo de contra-ordenação, será inviável por a autonomização dos recursos implicar a indicação de um valor próprio em cada um deles e ser exigível em cada um deles o pagamento de uma taxa de justiça inicial autónoma. Por isso, terá de ordenar-se a sanação da irregularidade da cumulação, designadamente através da formulação de um convite ao recorrente para proceder à indicação de um dos recursos que pretenda ver apreciado por referência a um processo de contraordenação, sob pena de indeferimento liminar ou absolvição da instância em relação a todos os pedidos formulados. A escolha de um dos recursos terá como corolário a absolvição da instância em relação às pretensões formuladas nos outros, mas, quer nos casos em que haja absolvição da instância em relação a todas as pretensões, quer naqueles em que ela deva ocorrer apenas em relação aos não escolhidos para objecto do processo inicial de recurso de contra-ordenação, o recorrente poderá apresentar novos recursos, em novo prazo a contar do trânsito em julgado da decisão, considerando se estes apresentados na data da entrada do primeiro para efeitos de tempestividade de apresentação, no prazo previsto para a prática inicial do acto.

E sendo assim, havemos de concluir que, no caso presente, embora não sendo viável a cumulação dos recursos apresentadas pela recorrente, tal inviabilidade (considerada pela sentença recorrida como excepção dilatória inominada insanável) não implica, porém, só por si, a imediata rejeição liminar, antes devendo o Tribunal providenciar pela sanação da irregularidade dos recursos assim deduzidos, nomeadamente, no caso, convidando a recorrente para proceder à indicação do recurso que pretenda ver apreciado por referência a um dos nove processos de contra-ordenação, sob pena de rejeição liminar em relação a todos os pedidos formulados.(…)”.

Concluímos, portanto, que o requerimento de recurso não preenche os requisitos de forma previstos no artigo 59º do RGCO, devendo ser liminarmente rejeitado nos termos previstos no artigo 63º, nº 1 do RGCO, aplicável ex vi artigo 3º, alínea b) do RGIT».

4. Apreciando.

4.1. Conforme resulta dos pontos 1. e 2. do presente acórdão, a Recorrente pretende ver reapreciada e revogada a decisão do Tribunal administrativo e Fiscal de Braga que indeferiu liminarmente o recurso, no entendimento de que se verifica uma ilegal cumulação de recursos nos termos do estatuído nos artigos 3.º/b) e 80.º do RGIT e 59.º e 63.º/1 do RGCO.

4.2. A leitura da petição inicial não permite que existam dúvidas quanto ao facto de a Recorrente, como ficou exarado no despacho recorrido supra transcrito, apresentado um só recurso contra onze decisões de aplicação de coimas, cujos processos aí identifica. Nem, como também o processado revela e a Meritíssima Juíza não deixou de salientar, que a ora Recorrente pensava que tais processos já tinham, na fase administrativa a seu pedido, sido apensados e que, posteriormente, quer a Recorrente quer o Magistrado do Ministério Público requereram que, a confirmar-se que aquela apensação não tinha sido determinada, fosse ordenada pelo Tribunal a quo.

4.3. Sublinhamos desde já que, como é sabido, esta Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, de forma assaz frequente, a apreciar recursos jurisdicionais com semelhante ou idêntico circunstancialismo de facto e de direito.

4.4. A leitura desses arestos permite concluir com relativa facilidade que está, pelo menos desde 2015, firmada jurisprudência no sentido de que os despachos de rejeição liminar que vêm sendo produzidos com idênticos fundamentos aos convocados no que ora se avalia não podem subsistir na ordem jurídica. (Neste sentido, entre outros, os acórdãos de 2-03-2019 (processo n.º 01895/17.4BEBRG), de 14-10-2020 (processo n.º 268/17.3), de 17.6-2015 (processo 06/2015), de 28-10-2015 (processo 137/15 e processo 069/15), de 15-11-2017 (processo n.º 6/17), todos integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt)

4.5. Sublinham-se, nesse sentido, nos mencionados acórdãos, dois fundamentos conexionados com a interpretação e aplicação do quadro jurídico pertinente, também invocado no despacho recorrido, que não foram e deviam ter sido atendidos.

4.6. O primeiro, é o de que, nos termos do disposto no artigo 63.º do RGCO, o recurso, mesmo que existam excepções de que cumpra conhecer só pode ser objecto de rejeição liminar se estiver fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma pelo que a questão relativa às alegadas excepções deve ser apreciada em despacho a proferir nos termos do estatuído no artigo 64.º do RGCO ou na sentença.

No caso, como se explicitou no acórdão de 20-3-2019 (processo n.º 1895/17.4BEBRG, em situação, incluindo despacho, em todo idêntica ao presente), o despacho recorrido rejeitou o recurso ao abrigo de despacho de saneamento do processo, que só está previsto no artigo 311.º do CPP e que não tem aplicação em sede do processo de contra-ordenação tributária, uma vez que a tramitação do recurso está, expressamente, regulada no RGIT e RGCO.

4.7. O segundo fundamento que este Supremo Tribunal Administrativo tem simultaneamente convocado para revogar todos os despachos que, em situação idêntica ou muito similar, decidiram no sentido do despacho recorrido, é o de que, distintamente do que ficou assumido pela Meritíssima Juíza, o pedido de apensação de processos – seja requerido pela parte, seja requerido ou promovido pelo Ministério Público – pode e deve ser acolhido pelo Tribunal, se verificar que os pressupostos para o efeito estão verificados. E que, mesmo na ausência desse pedido, desde que verificados os exigíveis pressupostos, cumpre ao tribunal, oficiosamente, determinar essa apensação, no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64.º do RGCO.

4.8. Ou seja, em vez de rejeitar liminarmente o recurso, o que o Tribunal a quo devia era ter apreciado e decidido a requerida apensação dos processos de contra-ordenação ou ordená-la oficiosamente e, após, determinado os subsequentes termos processuais que no caso se impusessem.

4.9. Em conclusão:

- O recurso, mesmo que existam excepções de que cumpra conhecer, só pode ser objecto de rejeição liminar nos termos do disposto no artigo 63.º do RGCO, se estiver fora de prazo ou não estiverem respeitadas as exigências de forma, pelo que a questão relativa às alegadas excepções só deve ser apreciada em despacho a proferir nos termos do estatuído no artigo 64.º do RGCO ou na sentença.

- O pedido de apensação de processos pode e deve ser acolhido pelo Tribunal, verificados os respectivos pressupostos legais, devendo ser oficiosamente determinada no despacho liminar ou, não o sendo nesta fase, em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64.º do RGCO.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para os efeitos definidos no ponto 4.8. deste acórdão.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 28 de Abril de 2021 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.