Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:025/19.2BEPRT
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:RECLAMAÇÃO DA CONTA
RECURSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - O recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT possui natureza excepcional relativamente aos regimes consagrados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo normativo, como decorre da exclusão naquele primeiro dos pressupostos de valor da causa ou sucumbência previstos para o segundo.
II – A admissibilidade do recurso referido em I depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário.
III - Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus nºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que, ao abrigo dessa disposição não pode ser admitido o recurso do despacho que decidiu o incidente de reclamação da conta.
IV – Independentemente da legitimidade da parte (porque vencida no incidente) e de na sua interposição ter sido observado o prazo geral de interposição dos recursos, é inútil uma eventual convolação por o valor da taxa de justiça cujo pagamento se pretende discutir ser manifestamente inferior ao mínimo legalmente exigível para que possa ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P27583
Nº do Documento:SA220210428025/19
Data de Entrada:12/09/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO


1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com o despacho proferido a 24 de Setembro de 2020 pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pelo qual foi julgada improcedente a reclamação da conta de custas elabora na presente Impugnação Judicial, veio, ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Invocou, para sustentar a admissibilidade do recurso, a existência de contradição de julgados relativamente a várias decisões proferidas por tribunais de igual grau ao do tribunal a quo e, ainda, um acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo.

1.3 Tendo em vista a procedência do recurso, conclui as suas alegações com as seguintes conclusões:

«I. A interposição do presente Recurso é efetuada ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 280.º, do CPPT, que admite o direito ao Recurso por Oposição de Julgados, para o STA, das decisões que, relativamente à(s) mesma(s) questão(ões) de direito, perfilhem solução oposta “relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”, independentemente da alçada;

II. Relativamente à mesma factualidade e questão de direito, a Fazenda Pública identificou, pelo menos, quatro Despachos, já transitados em julgado, proferidos por tribunais do mesmo grau (que se juntam) e nos quais se decidiu em sentido oposto ao do Despacho agora recorrido (no sentido de que a teleologia da norma (n.º 3 do art.º 280.º do CPPT), não obsta a que se admita o recurso quando a decisão recorrida e as decisões fundamento não sejam Sentenças, vide Acórdão do STA, de 03-05-2017, proferido no processo 0141/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt);

III. Para além destes quatro Despachos que se juntam, identificou-se também o Acórdão proferido pelo STA, no processo n.º 0108/17.3BEPNF, em 30-10-2019, onde se perfilhou solução oposta à do Despacho agora recorrido;

IV. A questão apreciada no, aliás, douto Despacho de que se recorre, é a de saber se o valor solicitado à Fazenda Pública (€ 734,40), a título de taxa de justiça, pela secretaria do referido Tribunal, é ou não devido;

V. In casu, o Tribunal “a quo” decidiu que não assiste à Fazenda Pública o direito à dispensa do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a que se arroga;

VI. Não concorda a Fazenda com o assim decidido, dando aqui por reproduzidos, para efeitos de fundamentação do presente Recurso, a argumentação constante de várias decisões judiciais que perfilharam soluções contrárias à encontrada pelo Tribunal “a quo” e que se juntam com estas alegações de recurso;

VII. Mais se acrescenta, sempre com o devido respeito, que o Tribunal “a quo” labora em erro de julgamento de direito quando não decide pela procedência da reclamação da conta de custas da Fazenda Pública;

VIII. Atento o disposto no artigo 13.º, n.º 2, do RCP, com a redação que resultou do Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, que determina que, nos processos em que se aplica a Tabela I-A (como é o caso da presente impugnação judicial), a taxa de justiça que, até aí, era paga integralmente e de uma só vez, passou a ser paga em duas prestações de igual valor, e o disposto na alínea d), do artigo 14.º-A, do RCP, deve concluir-se que, in casu, a Fazenda Pública apenas deve suportar o valor de taxa de justiça correspondente à primeira prestação, uma vez que nos autos não se realizou diligência para inquirição de testemunhas (audiência final ou audiência de julgamento) e existiu, apenas, a fase dos articulados e a fase da sentença;

IX. No sentido de que não é devida a segunda prestação da taxa de justiça nos processos em que não foi realizada inquirição de testemunhas, para além das decisões proferidas pelos TAF´s/TT acima identificados, e cujas cópias se anexam, temos também o Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0108/17.3BEPNF, em 30-10-2019;

X. Na situação em apreço, o valor total exigido à Fazenda Pública, a título de taxa de justiça (€ 1 448,80) é, claramente, um valor excessivo e ilegal;

XI. Sendo o valor de taxa de justiça efetivamente devido pela Fazenda Pública, nestes autos, de apenas € 734,40 (valor correspondente à primeira prestação da taxa de justiça), e tendo esta entidade pago taxa de justiça neste montante, nenhum outro valor lhe pode ser exigido;

XII. In casu, a Fazenda Pública está legalmente dispensada do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça;

XIII. Assim, ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” perfilhou, no douto Despacho sub judice, solução oposta “relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças” (no caso, Despachos) de outros tribunais tributários;

XIV. O Tribunal “a quo” condenou a Fazenda Pública em custas pelo incidente, mas a referida condenação em custas não poderá manter-se na ordem jurídica;

XV. Ao determinar-se a total procedência deste recurso, bem como da reclamação da conta de custas aqui em causa, impõe-se a absolvição da Fazenda Pública do pagamento de qualquer importância a título de custas pelo incidente;

XVI. Salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a decisão aqui em apreço padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 14.º-A, alínea d), do RCP, e no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

1.4. A Impugnante, A…………, SA, doravante Recorrida, não obstante ter sido notificada da interposição do recurso e da sua admissão, não contra-alegou.

1.5. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer defendendo a não admissibilidade do recurso, por não se verificarem no caso concreto os pressupostos previstos no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, nos termos em que este Supremo Tribunal vem firmemente decidindo, nem ser admissível a sua convolação, atento o valor da prestação de taxa de justiça cujo pagamento se contesta, atento o preceituado, em especial, no artigo 31.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Sendo o recurso admitido, pugna pelo seu não provimento do recurso porque, tendo a dispensa prevista na al. d) do artigo 14º-A, do RCP em vista, no âmbito da impugnação judicial, as situações em que o juiz conhece imediatamente do pedido após a contestação da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo (nos termos do artigo 113º do CPPT), tal não sucedeu no caso vertente uma vez que as partes foram notificadas para alegações finais, que apresentaram, seguindo-se a vista dos autos ao Ministério Público e a sentença.

1.6. A Fazenda Pública, notificada do parecer do Ministério Público e para, querendo, em 10 dias se pronunciar a questão prévia aí suscitada, nada disse.

1.7. Inexistindo qualquer circunstância que obste à apreciação do recurso, cumpre decidir

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, face ao teor das conclusões de recurso apresentado e ao parecer do Ministério Público, são duas as questões a decidir. A primeira, saber se é admissível o presente recurso, atentos os requisitos consagrados no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, à luz do qual foi interposto. A segunda, sendo julgado admissível, saber se assiste razão à Recorrente quando invoca que o despacho recorrido padece de erro de julgamento de direito, decorrente de “má interpretação” e aplicação do preceituado na al. a) do artigo 14.-A do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1.O despacho objecto do presente recurso detém o seguinte teor:

Fls. 351/370 (do SITAF).

A Fazenda Pública veio, ao abrigo do art.º 33º, n.º 1, alínea a), do RCP, reclamar da conta de custas elaborada nos autos, sustentando que nada deve a título de taxa de justiça, porquanto já pagou a quantia de € 734,40 e está dispensada do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, nos termos do art.º 14º-A, alínea d), do RCP ou, pelo menos, nos termos da sua alínea b), por não ter existido nos autos a fase de inquirição de testemunhas.

A funcionária judicial responsável pela elaboração da conta pronunciou-se no sentido de que a taxa de justiça ali apurada é devida.

O Ministério Público também se pronunciou pelo indeferimento da reclamação da conta de custas.

Cumpre apreciar.

Considerando que inexiste um regime especial de custas aplicável ao processo tributário, valem aqui as regras gerais previstas nos art.ºs 527º a 541º do CPC, aplicáveis ex vi art.º 2º, alínea e), do CPPT, bem como o disposto no RCP, com as devidas adaptações, para que se façam valer no âmbito do processo tributário os princípios e as regras que o legislador previu nas referidas normas.

Dispõe o art.º 14º-A do RCP que não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, além do mais, nas:

- ações que não comportem citação do réu, oposição ou audiência de julgamento (alínea b));

- ações que terminem antes de oferecida a oposição ou em que, devido à sua falta, seja proferida sentença, ainda que precedida de alegações (alínea c));

- ações que terminem antes da designação da data da audiência final (alínea d)).

Ora, considerando que a impugnação judicial comporta uma fase (eventual, é certo) de inquirição de testemunhas, que é comparável à fase da audiência de julgamento a que alude a alínea b) do art.º 14º-A do RCP, conclui-se que não é aplicável, no caso em apreço, a dispensa do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça prevista na citada alínea b).

E também não se aplica a dispensa de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça prevista na alínea c) do art.º 14º-A do RCP, já que este preceito, no caso da impugnação judicial, tem em vista aquelas situações em que a Autoridade Tributária revoga o ato impugnado (nos termos art.º 112º do CPPT) antes da contestação, o que acarreta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide impugnatória.

Por outro lado, também não assiste à Fazenda Pública o direito à dispensa de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nos termos da alínea d) do art.º 14º-A do RCP, já que este preceito tem em vista, no âmbito da impugnação judicial, aquelas situações em que o juiz conhece imediatamente do pedido após a contestação da Fazenda Pública ou decorrido o respetivo prazo (nos termos do art.º 113º do CPPT), o que não sucedeu no caso vertente, pois que as partes ainda foram notificadas para alegações, que apresentaram, seguindo-se a vista dos autos ao Ministério Público e a sentença.

Assim sendo, é de concluir que não assiste à Fazenda Pública o direito à dispensa do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a que se arroga.

Finalmente, cumpre salientar que o douto acórdão do STA de 30/10/2019, tirado no processo 0108/17.3BEPNF, invocado pela Fazenda Pública em abono da sua tese, não se afigura transponível para o caso sub judice, na medida em que o processo ali em causa terminou por inutilidade superveniente da lide, antes da designação de data para inquirição das testemunhas, na sequência da revogação do ato impugnado (nos termos do art.º 112º do CPPT).

Improcede, assim, a presente reclamação.

Custas do incidente a cargo da Fazenda Pública, fixando-se a taxa de justiça em 0,5 U.C. (cfr. art.º 7º, n.º 4, do RCP a tabela II a este anexa).».

3.3. Fundamentação de Direito

3.3.1. O presente recurso jurisdicional, tem por objecto o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo que decidiu o incidente de reclamação da conta provocado pela ora Recorrente, inconformada com a exigência de pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça decorrente da conta de custas elaborada.

3.3.2. Em ordem a justificar a admissibilidade do presente recurso, interposto ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, convocou e apresentou a Recorrente cópia de quatro despachos proferidos por Tribunais Tributários de 1ª instância que decidiram em sentido contrário outros tantos incidentes de reclamação de contas. Ou seja, que decidiram, alegadamente em situações idênticas à dos presentes autos, não ser exigível pela inexigibilidade de pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça

Mais invocou, em abono da sua pretensão, a existência de um acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 30-10-2019 no processo n.º 108/17.3BEPFN, que, afirma, também decidiu precisamente em sentido oposto.

3.3.3. Incidindo a nossa atenção na questão da admissibilidade do presente recurso - suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, mas que sempre se imporia que apreciássemos por, como é sabido, o despacho de admissibilidade proferido pelo Tribunal a quo não nos vincular (artigo 641.º, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT) -, adiantamos, como defendido no douto parecer, que a nossa resposta é negativa. Ou seja, o presente recurso não deve ser admitido por não estarem verificados os pressupostos que o legislador, em ordem a essa admissão, estabeleceu no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT.

3.3.4. Para que fique claro porque assim o julgamos, importa sublinhar, o que a Recorrente não ignorará já que tem vindo a ser destinatária directa de vários acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal Administrativo em que esta questão tem sido decidida, que os pressupostos que hoje se encontram previstos no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, ao abrigo do qual este recurso se encontra interposto, são distintos dos que figuravam no n.º 5 do mesmo artigo 280.º do CPPT.

E que foi à luz desse quadro jurídico, entretanto revogado (com a entrada em vigor, a 16 de Novembro de 2019, da reforma operada Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro), que não aplicável a estes autos por o despacho impugnado ter sido proferido a 24-9-2020 (após a entrada em vigor da nova redacção atribuída ao artigo 280.º n.º 3 do CPPT), que foram proferidos os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que a Recorrente convoca nas suas alegações, para sustentar, para o que ora releva, a admissibilidade deste recurso.

Com fundamento nas alterações legais operadas pela última grande reforma processual e tendo em conta a nova divisão de competências e o espírito que presidiu à mesma reforma, é hoje jurisprudência firme [como se constata dos múltiplos julgamentos que vem sendo proferidos desde a prolação do acórdão proferido a 28-10-2020 no processo n.º 279/18.1BEMDL, integralmente disponível em www.dgsi.pt, que nos dispensamos de identificar por se encontrarem todos eles integralmente disponíveis no mesmo site] que não é admissível recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, de despachos proferidos em incidentes de reclamação da conta de custas elaborados nos processos.

Repetindo e acolhendo aqui integralmente o que deixamos dito no referido acórdão de 28-10-2020, em processo julgado pela formação que subscreve este julgamento, é antes de mais relevante atentar o que prescreve a norma em que a Recorrente fundou este recurso (artigo 280.º, n.º 3 do CPPT) que se transcreve integralmente:

«Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário.»

A simples leitura deste preceito permite que se extraiam de imediato dois tipos de conclusões.

Por um lado, que se conclua que estamos perante uma regulamentação excepcional, quer porque o legislador destacou que o meio de reacção neste normativo acrescia aos demais recursos “previstos na lei processual civil e administrativa”, quer porque o legislador, antes mesmo de enunciar os pressupostos de que dependia a admissibilidade desse recurso, vincou claramente que a sua admissão não dependia “do valor da causa e da sucumbência”. Foi, de resto, com este carácter de excepcionalidade que a doutrina e a jurisprudência desde sempre o conformaram.

Por outro, que se identifique o objectivo do legislador processual fiscal com a consagração deste recurso excepcional como sendo o de regular de forma especial a sindicância do julgamento de direito de determinadas decisões judiciais, ou seja, das decisões que, sem que ocorra uma alteração do quadro jurídico vigente, vêm a perfilhar uma solução de direito oposta à vertida em mais de três sentenças proferidas pelo mesmo ou outro tribunal tributário.

A opção legislativa pela consagração deste recurso, que se afasta de forma impressiva dos critérios ou pressupostos de admissibilidade estabelecidos para os recursos jurisdicionais ordinários e que apresenta também acentuadas particularidades (formais e substantivas) relativamente aos pressupostos exigíveis para a admissão de recurso de uniformização de jurisprudência (cfr. artigo 284.º do CPPT), tem, no entanto, de comum com o último recurso referido constituir uma via de concretização do princípio constitucional de igualdade de tratamento imanente ao princípio da justiça constitucionalmente consagrado em situações concretas que o legislador entendeu serem dignas de especial necessidade de protecção.

Sendo há muito reconhecido que os critérios de admissibilidade do recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT são idênticos aos requisitos globais para o conhecimento dos recursos interpostos com fundamento em oposição de acórdãos que antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/19, de 17-9, estavam consagrados no artigo 284.º, n.º 1 do CPPT, (Neste sentido, vide, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 11 c) ao artigo 280.º, pág. 422, e anotação 5 ao artigo 284.º, pág. 466; na jurisprudência, por todos, acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29-5-2019, processo n.º 17/16.3BEAVR, integralmente disponível em www.dgsi.pt.) há que concluir, porque a revogação do regime de recurso previsto naquele último artigo e as alterações de redacção introduzidas pela citada Lei n.º 118/19 ao artigo 280.º do CPPT não apontam noutro sentido, (Era a seguinte a redacção do n.º 5 do artigo 280.º do CPPT antes da entrada em vigor da lei n.º 1118/19, de 17 de Setembro: “A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.”) que a admissibilidade do recurso interposto à luz do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário.

Ora, ainda que não seja discutível que a questão de direito suscitada em todas as “decisões” invocadas pela Recorrente é a mesma – exigibilidade ou não de pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça nas situações em que não há lugar a produção de prova testemunhal e que solução oposta foi proferida em idêntico quadro de regulamentação jurídica (artigo 14-A do RCP), é também inquestionável que as “decisões” convocadas em recurso (em número capaz de justificar o pressuposto exigido) não assumem a qualidade de sentenças.

Efectivamente, constituindo todas as “decisões” invocadas (cujas cópias constam dos autos) despachos relativos a incidentes de reclamação de conta, não parece ser discutível que não possuem formalmente a natureza de sentenças.

É verdade que esses despachos constituem decisões de incidentes e, nessa medida, conhecem do mérito da questão aí colocada.

Porém, salvo o devido respeito, não foi para este tipo de decisões (despachos), que o legislador previu o recurso excepcional do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.

Que assim é, resulta desde logo, a nosso ver, da letra deste preceito que expressamente estabelece que a oposição de decisões se revela em sentenças, impedindo que o âmbito de aplicação do preceito se estenda a despachos de incidentes, por, em conformidade com o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil (CC), não haver correspondência destes com a letra do citado n.º 3 do artigo 280.º do CPPT.

Acresce que, na unidade do sistema jurídico e nas circunstâncias em que este preceito com a nova redacção se manteve no ordenamento jurídico-processual tributário, não é possível ter outro entendimento.

Desde logo, porque o legislador fiscal não ignorava que, por força do artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP, só há recurso da decisão/despacho que decide a reclamação da nota justificativa em um grau se o valor da nota justificativa for superior a 50 UC. Note-se que não nos referimos ao valor da causa ou de sucumbência, pois como deixámos dito antes, o legislador excluiu-os de pressupostos de admissibilidade do recurso em causa, antes nos reportamos ao valor da nota justificativa.

Seria, no mínimo, estranho que o legislador que, para efeito de recurso ordinário, não atribui relevo jurídico a uma decisão de reclamação da nota justificativa quando esta não excede o valor de 50 UC, viesse a reconhecer a essa decisão valor jurídico suficiente para constituir objecto de recurso excepcional para o Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.

Por outro lado, também se não pode olvidar que o regime consagrado no Regulamento foi revisitado pelo legislador no mesmo ano em que surgiu a reformulação do artigo 280.º do CPPT (conforme resulta do artigo 5.º da Lei n.º 27/19, de 28-3, que procedeu à décima terceira alteração do RCP), não tendo sido a norma que ora se analisa (artigo 26.º-A), objecto de qualquer alteração.

Portanto, a nosso ver, a unidade do sistema jurídico também impõe o entendimento de que este tipo de despacho não cabe no artigo 280.º n.º 3 do CPPT.

Diga-se por fim, que a última reforma processual tributária, na parte respeitante aos recursos jurisdicionais, foi determinada por um objectivo de apreciação das competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com o firme propósito de libertar este Tribunal dos recursos relativos a questões consideradas de menor importância, em termos idênticos aos anteriormente reconhecidos ao Supremo Tribunal de Justiça e à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., respectivamente, artigos 678.º do CPC e 151º do CPTA). (Cfr. Despacho da Ministra da Justiça de 13-10-2016 (cuja publicação em Diário da República não logramos encontrar) e a “ Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, disponível para consulta em https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/proposta_de_lei_n.o_168-xiii_-_cppt_cpta_et_al.pdf)

E embora seja certo que com esse objectivo se visava a criação de condições adequadas ao exercício da primordial função que deve estar reservada àquela Secção – de orientação e uniformização da jurisprudência tributária - e que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT teve em vista precisamente a uniformização de decisões, é evidente que também se tem de reconhecer que o legislador considerou que apenas as decisões contidas em sentenças (citado n.º 3 do artigo 280.º) ou em acórdãos (conforme artigo 284.º também do CPPT) revestiam dignidade suficiente para assumir a qualidade de “questão carecida de uniformização de decisões”.

Em suma, o legislador não considerou que a existência de meros despachos de incidentes, que decidam em sentido oposto questão de mérito incidental assumam relevância bastante para poderem ser objecto do recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.

Entender o contrário seria, aliás, admitir que o legislador simultaneamente legislou em sentidos opostos, ou seja, enquanto, nas situações de recurso per saltum, restringia significativamente as competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo a decisões de mérito da causa (n.º 1, do artigo 280.º do CPPT), contrariamente, permitia que fossem susceptíveis de recurso jurisdicional quaisquer despachos proferidos pelos tribunais fiscais em sentido oposto, bastando para tanto mais de três despachos em sentido oposto, qualquer que fosse a sua natureza ou valor, desta forma vulgarizando um recurso que o legislador manifestamente quis que fosse excepcional (cfr. n.º 3, in fine, do artigo 9.º do CC)

Note-se que a redacção do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT foi modificada de forma a harmonizá-la com o regime geral dos recursos e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 118/19, designadamente com a introdução no processo fiscal do critério da sucumbência e com a restrição da admissibilidade do recurso per saltum no contencioso tributário às situações em que a decisão proferida conhece do mérito da causa (artigo 280.º, n.º 1 do CPPT), passando ainda a impor que, nas situações em que ocorra oposição com decisões de tribunais superiores, incluindo do Supremo Tribunal Administrativo, essa oposição se tenha de verificar relativamente a mais de três decisões. («iii) Recurso per saltum: restringiu-se a aplicabilidade do recurso per saltum no contencioso tributário, previsto no n.º 1 do artigo 280.º, através da exclusão do seu âmbito das questões processuais, nomeadamente a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo, entre outros, assumindo o STA como um verdadeiro tribunal de cúpula da jurisdição administrativa, limitando o recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para além do já admitido requisito da fundamentação exclusivamente em matéria de direito, às situações em que a decisão proferida for de mérito» - cfr. “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, integralmente disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/proposta_de_lei_n.o_168-xiii_-_cppt_cpta_et_al.pdf)

Ou seja, as circunstâncias em que este tipo de recurso foi mantido na ordem jurídica não permitem que seja outra a interpretação a dar à norma contida no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT.

3.3.5. Foi, pois, com base nesta fundamentação, que se conclui, como ora se conclui, que não é de admitir o recurso jurisdicional interposto ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, por falta de verificação dos seus pressupostos.

3.3.6. A questão que agora temos que enfrentar é a de saber se o despacho que decidiu o incidente de reclamação da conta, por ser recorrível nos termos gerais – uma vez que nem constitui um despacho de mero expediente nem foi proferido no uso de um poder discricionário (artigos 152.º, n.º 4 e 630.º do CPC), permite que se decida pela convolação do recurso, em conformidade com o preceituado nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT.

3.3.7. Efectivamente, sendo há muitos anos, uniforme o entendimento na doutrina e na jurisprudência (quer da jurisdição comum quer, o que ora nos importa relevar, da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativa, que perfilhamos), que deve incluir-se nesse dever de convolação por “erro na forma de processo” as alterações ditadas pela indevida utilização do meio processual “reclamação para a conferência” em vez do meio processual recurso, bem assim, as correcções processuais decorrentes da utilização de um determinado tipo de recurso em vez de outro, se a tal não obstarem os pressupostos processuais de cujo preenchimento depende essa convolação [neste sentido, a título exemplificativo, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa, “Código de procedimento e de Processo Tributário”, anotação ao artigo 280.º, n.º 5 (actual n.º 3 do mesmo normativo), volume IV, Áreas Editora, página 422; na jurisprudência, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18-6-2008, processo 1145/06, in DR, I Série, de 29-09-2008; de 14-10-2010 e de 26-6-2014, proferido no processo n.º 1831/13, estes últimos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt] há, pois, que aferir se, in casu, estão verificados os pressupostos exigíveis para essa convolação

3.3.8. Ora, considerando que a Recorrente ficou vencida e interpôs o recurso antes de decorrido o prazo de 30 dias, há que concluir pela verificação dos pressupostos de legitimidade (artigos 280.º e 631.º, respectivamente do CPPT e CPC) e tempestividade (cfr., artigos 281.º e 282.º, n.º 1 do CPPT).

3.3.9. Acontece, porém, que o artigo 31.º, n.º 6 do RCP dispõe que que só é admissível recurso da decisão que decide o incidente de reclamação, em um grau, se o montante exceder o valor de 50 UC, isto é, só é admissível recurso se esta tiver um valor superior a € 5.100 [€102 x 50 - por força do determinado no artigo 210.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2020, que estipulou que “Em 2020, mantém-se a suspensão da actualização automática da unidade de conta (UC) prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2019.”).

3.3.10. No caso, correspondendo o valor do montante cuja legalidade de pagamento se pretende discutir a € 734,40 (cfr. fls. 105 a 113), há que concluir que não está verificado o pressuposto de admissibilidade previsto no artigo 31.º, n.º 6 do RCP e, consequentemente, que é inútil a convolação por nós equacionada.

Em conclusão:

I - O recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT possui natureza excepcional relativamente aos regimes consagrados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo normativo, como decorre da exclusão naquele primeiro dos pressupostos de valor da causa ou sucumbência previstos para o segundo.

II – A admissibilidade do recurso referido em I depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário.

III - Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus nºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que, ao abrigo dessa disposição não pode ser admitido o recurso do despacho que decidiu o incidente de reclamação da conta.

IV – Independentemente da legitimidade da parte (porque vencida no incidente) e de na sua interposição ter sido observado o prazo geral de interposição dos recursos, é inútil a convolação quando o valor da taxa de justiça cujo pagamento se pretende discutir é inferior ao mínimo legalmente exigível para que o recuso possa ser admitido.

4. DECISÃO

Em face de tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, não admitir o recurso interposto pela Fazenda Pública.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique

Lisboa, 28 de Abril de 2021. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.