Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0340/09.3BESNT
Data do Acordão:06/08/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
AFECTAÇÃO DE BEM PARA VENDA
RENDIMENTOS EMPRESARIAIS
IMPOSTO DE MAIS VALIAS
MAIS VALIAS
Sumário:I – Um prédio rústico adquirido antes da vigência do Código do Imposto de Mais-Valias, mas que venha a ser objecto de loteamento após 1 de Janeiro de 1989 por iniciativa do próprio alienante, não se encontra excluído de tributação em IRS pelo n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro, que aprova o Código do IRS, por não possuir a natureza de rendimento da categoria G.
II – A afectação de um bem imóvel rústico da esfera privada para a esfera empresarial do sujeito passivo enquadra-se na categoria G, precede a qualificação da alienação do mesmo enquanto rendimento da Categoria B e é determinada pelo valor de mercado do bem afectado, à data da afectação.
III – A afectação de um bem imóvel rústico da esfera privada para a esfera empresarial do sujeito passivo configura um evento excluído de tributação à luz do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro, que aprova o Código do IRS, sempre que a aquisição do mesmo tiver sido efectuada antes da entrada em vigor deste Código.
Nº Convencional:JSTA00071475
Nº do Documento:SA2202206080340/09
Data de Entrada:07/17/2020
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:DL 442-A/88, DE 30/11, ART5 N1
CIRS ART33 ART45
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A………… e B…………, melhor identificados nos autos, vêm recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a fls. 277 a 320 do SITAF, que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2004, e respetiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 483.500,00.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 337 a 395 do SITAF;
i. O presente Recurso tem por objecto a Sentença proferida, em 27 de novembro de 2019, no processo de Impugnação Judicial acima identificado, que correu termos junto da 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o nº 340/09.3BESNT, contra a liquidação oficiosa de IRS do ano 2004 e a respectiva liquidação de Juros Compensatórios.
ii. Os ora Recorrentes imputaram, através da impugnação judicial, diversos vícios à liquidação oficiosa de IRS, os quis foram julgados improcedentes pela douta Sentença recorrida, a qual apenas reconheceu a inutilidade superveniente da lide relativamente à anulação, parcial, da liquidação de Juros Compensatórios, no valor de € 80.084,72;
iii. Conforme se deixou sublinhado nas presentes alegações de recurso, o presente recurso é apresentado perante a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que no presente recurso apenas se discute matéria de direito, ou seja, os ora Recorrentes entendem que a Sentença recorrida efectuou uma correta apreciação da matéria de facto, integrando nos factos dados como provados o elenco dos factos que eram relevantes para a boa decisão da causa, mas discordam frontalmente, da aplicação do direito aos factos dados como provados, uma vez que o Tribunal efectuou, manifestamente, uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados;
iv. Sem prejuízo do erro de julgamento relativo aos demais fundamentos apresentados na petição inicial, o erro de direito é especialmente evidente na interpretação e aplicação, por parte do Tribunal recorrido, do então artigo 32.º do CIRS a actual artigo 29.º do CIRS e, bem assim, uma interpretação que, no caso vertente, o tribunal efetua do regime de caducidade do direito à liquidação;
v. Relativamente à interpretação e aplicação do 32º do CIRS, actual artigo 29º do CIRS, ficou demonstrado – concebendo-se, sem conceder, que os rendimentos em causa se qualificam como rendimentos empresariais, o que, contrariamente ao que sustenta a Administração Tributária e agora a Sentença recorrida, a determinação do valor de mercado do prédio não dependia da declaração de início de actividade do Recorrente marido e da opção pelo regime de tributação de contabilidade organizada, registando o prédio em existências pelo mencionado valor de mercado, registando, posteriormente, todos os custos relacionados com a operação em causa, até à venda;
vi. Contrariamente ao que sustenta a Sentença entendeu, a lei não faz depender a aplicação da norma a que seja aberta qualquer atividade por parte do empresário ou, tão pouco, que este tenha contabilidade organizada. E uma vez que a Administração Tributária entendeu que se estava perante “uma atividade comercial”, encontrava-se vinculada a determinar, na agora na nova categoria que na Reforma de 2000 “fundiu” a categorias B, C e D, o rendimento líquido de acordo com as normas pertinentes;
vii. Acresce que, não podem os ora Recorrentes aceitar que a Sentença recorrida tenha aceite que o valor de aquisição do prédio seja apurado com recurso ao artigo 45°, n.º 1, do CIRS, ou seja, ao valor de liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações que, no caso, e como resulta da alínea w), da matéria de facto dada como provada, ascende a apenas € 351,61;
viii. Ora, como resulta da matéria de facto dada como provada, a Sentença deu como provado que o prédio rústico situado em ……… ou ……… (………), Azeitão, da freguesia de São Simão, Concelho de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º ………, e inscrito na matriz sob o n.° …… da Secção ….. foi adquirido, mortis causa, em 7 de fevereiro de 1964, por morte do pai do Recorrente marido e, posteriormente, em 4 de janeiro de 1986, por morte da sua mãe (cfr. alíneas a) e b) da matéria de facto dadas como provadas);
ix. Como é evidente, e resulta também dos factos dados como provados (cfr. alínea w da matéria dada como provado e que corresponde ao Relatório de Inspeção Tributária) a liquidação de SISA, no valor de €351,61 respeita ao imposto que foi liquidado no momento da entrada do prédio rústico para a esfera pessoal do Recorrente marido;
x. O artigo 32.º, n.º 2, do Código na redação em vigor à data dos factos, estabelecia que no caso de afetação de bens imóveis do património particular do empresário em nome individual ao ativo da sua empresa comercial ou industrial ou agrícola, silvícola ou pecuária, o valor de aquisição pelo qual os bens são considerados naqueles ativos corresponde ao valor de mercado à data da afetação do prédio à atividade empresarial;
xi. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a lei não impõe a abertura de atividade ou que o empresário tenha contabilidade organizada e, bem assim, que o bem seja registado nas suas “existências”, pelo que não pode o intérprete e aplicador da lei, por força do disposto no artigo 9º, n°s 2 e 3 do CC, considerar um pensamento legislativo que não tem o mínimo de correspondência na lei;
xii. No entanto, foi o que fez a Administração Tributária ao desconsiderar o prescrito na lei e ao exigir que o valor de mercado estivesse dependente da abertura de atividade e da opção pela contabilidade organizada, exigências que não encontram apoio na lei e, por isso, nunca poderiam ser aceites pela Sentença recorrida;
xiii Mais: perante a inexistência do procedimento que a Administração Tributária e a Sentença recorrida consideraram o adequado para determinar o valor de aquisição do prédio, a Administração Tributária recorreu ao disposto no artigo 45.º, n.º 1, do C e, consequentemente, ao valor liquidado a título de SISA para determinar o valor de aquisição do prédio, entendimento que nunca poderia proceder, pois corresponde ao valor de aquisição na esfera empresarial do Recorrente marido, mas antes ao valor de entrada, mortis causa, na esfera pessoal do Recorrente marido do, entendimento que não encontra qualquer apoio na lei;
xiv. Verifica-se, pois que a conduta da Administração Tributária originou a requalificação de mais-valias (categoria G), que não seriam tributadas ao abrigo do regime transitário consagrado no artigo 5º do DL que aprova o Código do IRS, em rendimento líquido da categoria B para o tributar. De facto a doutrina ao tempo salientou (MANUEL FAUSTINO, IRS, de Reforma em Reforma, Áreas Editora, 2003, no estudo IRS, Uma Década de Vigência, n.º 12) que o regime instituído pelo DL 14 1/92 visava, precisamente evitar essa requalificação, que considerava injusta;
xv. Na verdade, em nenhuma norma do Código, relativa à determinação do rendimento líquido da categoria B (na parte correspondente à anterior categoria C), se determina que possa invocar-se o n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRS para “determinar” o valor de aquisição dos ativos alienados;
xvi. Com efeito, a Administração Tributária, subordinada como está aos princípios da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição do confisco, na ausência dos livros de escrituração obrigatórios para a categoria G ou de contabilidade organizada, não pode ignorar que a única forma que lhe seria permitida para apurar o rendimento líquido, era a utilização de métodos indiretos, como resulta da alínea b) do nº 1 do artigo 87.º da LGT, ou seja, em caso de “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”;
xvii. E a “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”, determinam e justificam, nos termos da alínea a) do artigo 88º, a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável;
xviii. Por outro lado, errou claramente a decisão quando atribuiu ao nº 1 do artigo 45.º “caráter geral e abstrato”, uma vez que o n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRS, sistematicamente inserido nas Normas de Determinação da Matéria Coletável relativas à categoria G, aplica-se exclusivamente a esta categoria e nunca à categoria B;
xix. Como demonstrado, ambas as categorias têm uma natureza completamente distinta e da forma como as mais-valias nelas são tratadas. Considerar uma norma de determinação do valor de aquisição que exclusivamente se aplica na categoria G para determinar o “lucro” ou a “mais-valia” na categoria G é, no quadro já então vigente, requalificar mais-valias (categoria G, com todo os regime que lhe é aplicável), em rendimentos comerciais ou industriais, o que, por não ter qualquer base legal, é, obviamente ilegal;
xx. A Administração Tributária e Aduaneira e a sentença recorrida que a seguiu, não podia, pois, ter-se socorrido do artigo 45º, n.º 1, do CIRS para determinar o valor de aquisição do referido prédio, ou seja, não podia ter “inventado” um valor partindo do valor que serviu de base à liquidação de Imposto sobre as Sucessões e Doações e só serve para determinar mais-valias ou menos-valias no âmbito de “transmissões gratuitas”. A aplicação dessa norma foi claramente analógica. E não se diga que “é uma norma de determinação da matéria coletável”, porque pode ser aplicada por analogia. Este tipo de normas, mesmo que inseridas no capítulo referido, são normas integrantes do aspeto quantitativo do elemento objetivo da incidência e, consequentemente, insuscetíveis de analogia.
xxi. Aliás, a Administração Tributária nunca poderia ter apurado o valor do mercado do prédio com recurso ao imposto sobre Sucessões e Doações, uma vez que aquele valor apenas serviu de base à determinação do valor de aquisição do imóvel, mortis causa, em 1964 e 1986, não podendo, evidentemente, extrapolar-se que aquele valor de aquisição na esfera pessoal também é o valor de aquisição para a esfera empresarial;
xxii. Com efeito, aquela disposição legal só serve para determinar mais-valias ou menos-valias no âmbito de “transmissões gratuitas”, pelo que a aplicação dessa norma foi claramente analógica. E não se diga que “é uma norma de determinação da matéria coletável”, pelo que pode ser aplicada por analogia. Este tipo de normas, mesmo que inseridas no capítulo referido, são normas integrantes do aspeto quantitativo do elemento objetivo da incidência e, consequentemente, insuscetíveis de analogia;
xxiii. Acresce que, contrariamente ao sustentado pela Administração Tributária e agora pela Sentença recorrida, o valor de mercado do bem deveria ter sido determinado 1998 ou 1999 pois que, como se disse o preço acordado com a “C............” foi nessa altura de € 897.836,21, ou seja 5.035$00 por m2 (180.000 contos/35750 m2);
xxiv. Acresce que, contrariamente ao que sustentou a Administração Tributária, e que foi aceite acriticamente pela Sentença recorrida, a Administração Tributária dispunha de elementos fiáveis e corretos para determinar o valor de mercado do referido prédio, pois, um terreno ao lado e na mesma área e sem qualquer tipo de licenciamento de loteamento ao tempo da respetiva escritura não loteado foi vendido a 5.633$80 por m2 (cfr. alínea DD) da matéria de facto dada como provada);
xxv. Ou seja, como resulta da matéria de facto dada como provada, a Administração Tributária tinha o valor de transmissão, em 1999, de um prédio no mesmo local, mas sem qualquer infraestrutura, e que coincide com o valor do m2 pelo qual foi transmitido o prédio em análise e optou por considerar que o seu valor de aquisição era o valor tido em consideração para efeitos de Imposto sobre Sucessões e Doações do imóvel adquirido mortis causa em 1964 e 1986 pelo Recorrente marido, entendimento nunca poderia ser aceite porque resulta de uma errada interpretação e aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do CIRS;
xxvi. Na verdade, se tivesse apurado tal valor de mercado e se o mesmo tivesse sido levado em conta para efeitos de tributação, nada haveria a pagar em 2004, data da escritura, em sede de categoria B porque o valor de mercado ao tempo d para o património empresarial — valor estipulado no contrato promessa de compra e venda de 1999 celebrado com a “C............” - foi o mesmo valor que em 2004 foi tido em conta pelas partes na escritura de compra e venda dos lotes;
xxvii. Por outro lado, nada haveria a pagar em sede de mais-valias — categoria G - pois que mesmo que apurasse o valor da mais-valia (grosso modo o valor do bem para efeitos de imposto sucessório subtraído ao valor de mercado do bem em 1998 ou 1999) como imporia o artigo 10.º n.º 3 do CIRS acima referido, a mesma não seria tributada atento o regime transitório das mais-valias;
xxviii. Em conclusão: por força do disposto no artigo 32.º do CIRS e atual artigo 29.º do CIRS impunha-se que a Administração Tributária tivesse determinado o valor de entrada do prédio rústico na alegada atividade empresarial do Recorrente marido, sendo que dispondo de todos os elementos necessários a Administração Tributária e agora a Sentença recorrida recusaram aplicar a lei e consideram que o valor de entrada do bem na alegada atividade empresarial deveria ser obtido através do valor liquidado para efeitos de Imposto sobre Sucessões e Doações, o que é um erro na aplicação do direito que não pode ser admitido por este douto Supremo Tribunal Administrativo;
xxix. Sobre esta questão esclareceu Freitas Pereira, ilustre jurista e especialista em IRC, em artigo publicado na revista Ciência e Técnica Fiscal n.º 367, sob o título “Tratamento Fiscal da Transferência de Bens Imóveis entre o Património Privado e o Património Empresarial de uma Pessoa Singular” que “(...) E qual é esse valor (de entrada na esfera empresarial)? Julga-se que a solução adoptada, ainda que restrita a bens imóveis, é a mais adequada, ou seja fazer corresponder esse valor ao valor real actual à data da transferência dos bens para o património empresarial: o seu valor de mercado (cf. nº 2 do art. 32.º e alínea d) do nº 1 do art.º 32.º e alínea d) do n.º 1 do art.º 42.º do CIRS, na redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 141/92). A alternativa seria ter em conta os valores de aquisição desses bens à entrada no património pessoal do empresário, o que não permitiria que a valorização dos mesmos fornecesse uma imagem fiel do património empresarial. (...)“(Freitas Pereira, Ciência e Técnica Fiscal n.º 367, Julho-Setembro, 1992);
xxx. Esclarece ainda este ilustre autor que “Assim, aquele valor de mercado passa a ter uma dupla função:
a) Por um lado, para efeitos de apuramento do ganho não empresarial — da mais-valia ou menos-valia, é considerado como valor de realização (cf. alínea d) do nº 1 do art.° 42.° do CIRS, na redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 141/92];
b) Por outro lado, para efeitos de apuramento dos rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, é considerado como valor de aquisição (cf. nº. 2 do art° 32.° do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 141/92). (...) Há, assim, que apurar uma mais-valia ou menos-valia na data em que se opera a transferência de um bem imóvel do património privado para o património empresarial. Será, no entanto, razoável tributá-la com referência a esse momento já que a transferência não corresponde ainda a uma realização do ganho? Julga-se que não e, por isso, parece ajustada a solução do legislador de diferir essa tributação para um momento ulterior — o da alienação onerosa do ativo transferido ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições [alínea b), in fine, do n.º do art.º 10º do CIRS, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 141/92 (Freitas Pereira, Ciência e Técnica Fiscal nº 367, Julho-Setembro, 1992);
xxxi. O que significa que, por força do então artigo 32.º, n.º 2, do CIRS e atual artigo 29.º do CIRS tem de ser apurado o valor de mercado do prédio no momento em que o imóvel é afeto à atividade empresarial do sujeito passivo, valor esse que evidentemente terá de ser apurado com base nos elementos em dispor da Administração Tributária conforme demonstrado foi transmitido um prédio rústico pelo mesmo valor o m2, no mesmo local e no mesmo período — não podendo, pois, a Administração Tributária socorrer-se do valor tido em consideração para liquidação do Imposto sobre Sucessões e Doações que serviu de base ao apuramento do valor do imóvel quando entrou, mortis causa, na esfera pessoal do Recorrente marido;
xxxii. Não restam, pois, quaisquer dúvidas quanto erro de julgamento da Sentença recorrida, pelo que mesmo que se entendesse que o rendimento obtido deverá ser qualificado como mais-valias e não como rendimentos empresarias, o IRS sempre teria que ter sido apurado tendo em conta o artigo 32.°/29º do CIRS sendo certo que a conclusão seria a mesma, ou seja, não haver imposto a pagar.
xxxiii. Com relevo para a apreciação da caducidade do direito à liquidação ficou demonstrado que a partir da celebração, em 19.11.1999, do contrato promessa de compra e venda entre a sociedade “C............” e o Recorrente marido, esta sociedade e os seus representantes legais passaram a tratar de todos os assuntos relacionados com o processo de loteamento, designadamente, no que respeita à constituição de hipotecas/prestação de garantias junto da CMS, alteração do projeto de loteamento de 54 para 52 lotes, com diferente n.º e tipologia de habitações e diferentes equipamentos, suportando os custos com os projetos necessários à nova licença e obtenção do alvará, bem como os relacionados com os projetos de infraestruturas, limitando-se o Recorrente marido a viabilizara atividade realizada pelos sócios da sociedade promitente adquirente, designadamente, assinando a necessária documentação;
xxxiv. Mais: ficou demonstrado nos autos que a partir da celebração do contrato-promessa, a sociedade “C............” celebrou, na qualidade de promitente vendedora, diversos contratos-promessa que tinham por objeto os lotes resultantes do “processo de loteamento camarário 7.9.9 19” (cfr. alínea i) da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida), o que não deixa quaisquer dúvidas quanto à transmissão da posse do prédio para a esfera “C............” a partir da celebração do contrato-promessa de compra e venda;
xxxv. Aliás, na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada no processo n.º 934/09.7BEALM reconheceu que todos os custos relativos ao processo de loteamento foram suportados pela “C............”, pelo que como é evidente foi esta entidade e não os ora Recorrentes que desenvolveram uma atividade de caráter comercial, decisão esta que afasta, em absoluto, o entendimento de que os rendimentos que foram obtidos pelos ora Recorrentes se enquadráveis na categoria G e não na categoria B, pois, atividade comercial foi sempre desenvolvida pela “C............” e não pelos Recorrentes;
xxxvi. Acresce que, em 26.10,2004, quando foi celebrada escritura pública de compra e venda entre os ora Recorrentes e a sociedade “C............” já se encontrava pago integralmente até 2000 um valor correspondente a 75% do preço total acordado de Esc. 1S0.000.000$00, valor este que coincide com o valor do contrato promessa de compra e venda, o que demonstra que os ora Recorrentes apenas pretenderam transmitir um prédio herdado que havia valorizado pelo mero efeito do decurso do tempo (cfr. alínea r) da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida);
xxxvii. Não restam, pois, quaisquer dúvidas que, contrariamente ao decidido pela Sentença recorrida, em face da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida, os Recorrentes transferiram, com o contrato-promessa de compra e venda, para a “C............”, todos os riscos e vantagens da posse dos bens não tendo os Recorrentes mantido a posse do imóvel nem o controlo efetivo sobre o mesmo, o que conduziu inclusivamente a que a sociedade “C............” celebrasse, na qualidade de promitente vendedora, diversos contratos-promessa que tinham por objeto os lotes resultantes do “processo de loteamento camarário 7.9.919”, o que não deixa quaisquer dúvidas quanto à posse, por parte da sociedade “C............”, do referido prédio a partir da celebração do contrato-promessa de compra e venda;
xxxviii. Assim sendo, deverá concluir-se que o prazo de caducidade de 4 anos, previsto no artigo 45º, n.º 1, da LGT, deverá ser contado a partir de 1999, data da celebração do contrato promessa de compra e venda com tradição do prédio e não em 2004, ano em que foi celebrado o contrato definitivo, concluindo-se, pois, que em 29 de dezembro de 2008, data em que foi emitida a liquidação oficiosa de IRS, já havia, evidentemente, caducado o direito à liquidação do imposto;
xxxix. No que respeita à tese sempre defendida pela Administração Tributária e aceite pela Sentença recorrida de que estamos perante uma atividade de natureza empresarial, categoria B do IRS, importa sublinhar que ficou demonstrado na petição inicial e, mais uma vez, através das presentes alegações de recurso que a valorização do prédio não resultou da atividade, por parte dos Recorrentes, de exploração de loteamentos e venda de lotes e que, portanto, não estamos perante n da Categoria B, mas antes perante mais-valias;
xl. Com efeito, ficou demonstrado nos presentes autos que o 1.º Recorrente adquiriu o prédio transmitido à “C............”, por efeito de sucessão, mortis causa, através de partilha de herança, em 1964 por morte de seu pai e em 1986, por morte de sua mãe.
xli. Acresce que, o loteamento apenas foi requerido pelo 1.º Recorrente porque assim o impunha e impõe ainda a legislação, ou seja, o requerimento escrito que inicia procedimento de licença de loteamento tem que ser efetuado por titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão;
xlii. Não pode, pois, aceitar-se as conclusões do acórdão proferido no processo n.º 0580/15, de 24 de fevereiro de 2016, citado pela Sentença recorrida, uma vez que, no caso dos autos, e como resulta da matéria de facto dada como provada o Recorrente marido não desencadeou um longo e complexo procedimento de urbanização do prédio adquirido mortis causa;
xliii. O loteamento não influiu no valor de venda, uma vez que o Recorrente marido fixou o valor de venda em 19 de novembro de 1999, data em que foi celebrado o contrato promessa de compra e venda (cfr. alínea D) dos factos dados como provados), sendo que em 2004, e mesmo após a emissão do alvará de loteamento n.º 5/2004, o valor pelo qual foi celebrada escritura de compra e venda se manteve inalterado face ao contrato promessa de compra e venda (cfr. alínea P) dos factos dados como provados), o que demonstra que não foi o loteamento que valorizou o prédio, mas o facto de o mesmo ter passado a incluir uma zona urbanizável nos termos do PDM ainda antes do contrato promessa facto que não estando provado decorre necessariamente do facto constante da alínea C) dos factos provados, uma vez que não legalmente possível um loteamento numa zona não urbanizável;
xliv. O que significa que o Recorrente marido limitou-se a submeter um projeto de futuro loteamento (cfr. alínea C) dos factos dados como provados) com vista a destacar uma parte do seu terreno sendo que tal projeto de loteamento nem sequer foi aproveitado pela “C............”;
xlv. Como demonstrado nos autos, o alvará do loteamento aprovado foi o obtido poucos dias antes da escritura, ou seja, 5 anos após a celebração do contrato promessa, sendo que foi a “C............” quem de facto elaborou, promoveu e suportou financeiramente o projeto. Isto ainda que, nominativamente, continuasse a constar o nome do Recorrente marido no procedimento (cfr. alínea P) dos factos dados como provados);
xlvi. Mais: foi a “C............” quem vendeu lote a lote, aí sim em situação semelhante à que é referida no acórdão que o Tribunal a quo considerou para consagrar a atividade de comerciante (cfr. para prova do referido atente-se, em especial, as alíneas 1, L) e P) da matéria de facto dada como provada);
xlvii. A venda operada pelo Recorrente marido operada pela escritura foi uma venda não lote a lote mas sim uma venda por atacado, ou seja, todos os lotes de uma vez à C............. Isso mesmo resulta da escritura pública a que se refere o facto dados como provados na al. Q);
xlviii. Em qualquer caso, tem também de salientar-se que no referido Acórdão resulta da situação de facto dada como provada que a Administração Tributária aplicou, no caso, o regime simplificado, de onde resultou que o rendimento líquido foi determinado pelo coeficiente de 0,20 sobre as vendas, o que, de algum modo, “atenuou” a requalificação de mais-valias isentas em rendimento comercial totalmente tributável. Neste caso, a avidez da Administração Tributária nem esse caminho (perfeitamente ao seu alcance) seguiu. E se o tivesse seguido talvez houvesse menos um litígio nos tribunais tributários portugueses;
xlix. Conclui-se, pois, que a Sentença procura fundamentar o enquadramento dos rendimentos obtidos pelos Recorrentes em jurisprudência que nem sequer apresenta identidade com os presentes autos quanto ao seu enquadramento de facto, o que evidentemente invalida depois as suas conclusões, em especial, a conclusão de que estamos perante rendimento empresariais enquadráveis na categoria B do IRS, quando o rendimento obtido pelos Recorrentes é enquadrável nas mais-valias, as quais não eram sequer tributadas;
l. Com efeito, por força do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efetuado depois da entrada em vigor do C!RS, i.e., 1 de Janeiro 1989;
li. Este fundamento não foi apreciado pelo Tribunal a quo em face da conclusão de que estávamos perante rendimentos empresariais e não mais-valias, conclusão essa que estando errada deverá determinar, por força do disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, a sua apreciação por parte deste Tribunal de recurso;
lii. Assim sendo, deverá reconhecer-se que na data de aquisição de metade do terreno remonta a 1964 e, de acordo com o disposto no artigo 2° § 1° do Código de Imposto de Mais-valias, quando a aquisição for anterior à sua entrada em vigor, isto é, 1 de junho de 1965, o ganho proveniente da venda de bens não estava sujeito a tributação, pelo que se alcança a seguinte conclusão intercalar: o rendimento proveniente da transmissão de (ao menos) metade do terreno não pode ser tributado por mais-valias, em virtude de o dito terreno ter sido adquirido antes da entrada em vigor do Código de Imposto de Mais-Valias e do CIRS;
liii. Acresce que, no que respeita à restante metade do terreno em causa, a mesma foi adquirida por partilha de herança por morte da mãe do 1º Recorrente, em 4 de Janeiro de 1986, ou seja, já depois da vigência do Código do Imposto sobre Mais-Valias;
liv. Ora, como ficou demonstrado nos presentes nulos, por força do art. 5° do Decreto-Lei n 442-A/88, de 30 de Novembro, os proveitos que não eram objeto de incidência do Imposto de mais-valias, só ficam sujeitos a IRS caso a aquisição dos bens que ora se transmitem ocorresse na vigência do C ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 1989;
lv. Ora, tendo a tradição e transferência da posse do terreno ocorrido com a celebração do contrato-promessa de compra e venda, altura em que o terreno constava como rústico e, logo, os rendimentos resultantes da venda de não estavam sujeitos a tributação, de acordo com o código de Imposto de Mais-Valias;
lvi. Deste modo, conclui-se que também o rendimento proveniente da venda da restante metade do terreno rústico em causa não está sujeito a tributação em sede de IRS, nomeadamente, em sede de ganhos qualificados como mais-valias;
lvii. Acresce que, mesmo que se entendesse que o que importa é apurar a natureza dos prédios à data do contrato-promessa de compra e venda, em 1999 ou mesmo da escritura, em 2004, esclarece a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, de forma firme e reiterada, por força do disposto no art. 5.º n.º 1 do DL 442-A/88, de 30 de Novembro que, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos rústicos que foram atribuídos antes da vigência do CIRS e se mantinham com essa natureza no momento da sua entrada em vigor, ou seja importa apenas aferir a natureza do prédio em 1 de janeiro de 1989 (cfr. Acórdãos dc 9/11/05, 29/03/06, 12/12/06, 6/6/07 e 13/2/07, nos recursos n.º 733/05, 1213/05, 1100/05, 179/07 e 763/07, in ww.dgsi.pt).
lviii. Ora, no caso em apreço, o terreno cm causa foi adquirido como terreno agrícola e era terreno agrícola à data da entrada em vigor do CIRS, pelo que é de concluir que, em face do disposto no art.° 5.° do Decreto-Lei n.º 442-A/88, os ganhos obtidos com a sua transmissão não se inserem no âmbito de incidência do IRS;
lix. Os Recorrentes exerceram o seu direito de audição prévia conforme resulta das als. O) e V) da matéria de facto dada como provada;
lx. Na sua impugnação, os ora Recorrentes trouxeram para o procedimento novos elementos suscetíveis de alterar as correções propostas, nomeadamente, o facto de o Fisco ter desrespeitado o disposto no artigo 29.° (antigo artigo 32.°) do CIRS, sendo que em parte algum do relatório final de Inspeção se considera ou rebate a posição então apresentada numa clara violação do artigo 60.º da LGT;
lxi. Uma vez que a Sentença nada refere sobre esta matéria é evidente a omissão de pronúncia, em violação do artigo 60.° da LGT, sendo que se tivesse sido apreciado, com toda a probabilidade não teria sido emitida qualquer liquidação;
lxii. Acresce que a Sentença não entrou no detalhe que lhe impunha o esmero e cuidado tido pelos ora Recorrentes na especificação e sustentação de todas e cada uma das ofensas ao direito de audição prévia;
lxiii. Com efeito, a Sentença recorrida desvaloriza a relevância da apresentação do contrato promessa com reconhecimento de assinaturas, elemento este que evidentemente é demonstrativo de que o contrato promessa foi, efetivamente, celebrado e que, portanto a posse foi transmitida para a “C............”;
lxiv. Com efeito, não pode aceitar-se que a Sentença se limite a invocar que a posse não é determinada exclusivamente pelo contrato promessa com as assinaturas reconhecidas, elemento este que acompanhado dos demais elementos demonstram que a posse foi efetivamente transmitidas para a “C............”, a qual adquiriu a posse do prédio, tomando todas as diligências para o desenvolvimento do loteamento. Assim sendo, não podem os Recorrentes aceitar o entendimento da Sentença que desvaloriza um elemento fundamental demonstrativo da posse;
lxv. Também não se pode aceitar que a Sentença embora tenha dado com provado que a “C............” - cfr. alínea N) da matéria de facto dada como provada - diligenciou no sentido da conclusão do loteamento, nomeadamente, prestando garantias exigidas e apresentando os projetos de infraestruturas, demonstrando-se que os ora Recorrentes nada fizeram para valorizar o referido prédio, não suportando qualquer custo com o processo de loteamento, pelo que também neste ponto andou mal a Sentença recorrida;
lxvi. A notificação recebida não permite uma cabal defesa na medida em que deixava em aberto o montante das correções que o Fisco se propunha fazer a respeito do ano de 2004, ou seja, a notificação não era clara, nem quanto ao fundamento dos pressupostos de facto e de direito, nem quanto ao pressuposto do quantum que esteve sempre em aberto até à notificação do relatório final de inspeção;
lxvii. Acresce que ao notificar para o exercício do direito de audição prévia, sem que até então tivesse sido apreciado e decidido o procedimento de prova efetiva do preço do imóvel transmitido à C............, suscitado em 24.05.07, não estavam os Recorrentes em condições de se aperceber das correções visadas e, o que é mais grave, do montante implicado, pelo que o ato de liquidação então projetado não estava em condições de permitir a sua notificação aos contribuintes para efeitos do exercício de audição prévia;
lxviii. No caso em apreço esse condicionamento é ainda mais relevante na medida em que os valores inicialmente fixados pelo Fisco eram quase 5 vezes superiores ao valor efetivo e real da compra e venda, o que, a ir por diante, redundaria, mais do que numa tributação abusiva, numa situação mais grave do que um confisco já que para além de se perder todo o valor do bem ainda haveria imposto em montante igual;
lxix. Acresce referir que o projeto de decisão era obscuro quando remetia indiscriminadamente para os anexos II a IX, sem que referisse em moldes claros e expressos o que pretendia fundamentar com cada um dos documentos adjuntos pelo Fisco, o que motivou que os Recorrentes apenas tenham feito incidira sua defesa prévia sobre documentos expressamente referidos nas pags. 7,8,9 e 10 do projeto de decisão, sobre as quais a Administração Tributária também não se pronunciou. Ao manter a mesma fundamentação inicial sem rebater os acima referidos pontos, além de violar o artigo 60.° da LGT, violou igualmente os seus deveres de fundamentação clara, expressa e acessível, o que inquina igualmente a liquidação ora impugnada;
lxx. No âmbito do procedimento, foi ainda violado o n.º 3 do artigo 101º do CPA, uma vez que com o projeto de decisão foi apresentada cópia da deliberação da CMS referente à aceitação da garantia bancária de execução de obras de urbanização;
lxxi. Acontece que, essa garantia (hipoteca), segundo os Recorrentes apuraram junto da CMS era uma hipoteca sobre um terreno certamente da propriedade da “C............” ou pelo menos, tal imóvel não é dos Recorrentes nem o foi alguma vez, razão pela qual os Recorrentes requereram que a Administração questionasse a Conservatória do Registo Predial de Setúbal sobre a titularidade de tal terreno pois entendiam e entendem que era fundamental para a verdade material uma vez que, como então se disse, nunca os Recorrentes prestaram ou pediram quaisquer garantias ou desenvolveram qualquer atividade comercial;
lxxii. Contudo, mais uma vez a Sentença nada refere quanto a esta questão, violando, mais uma vez, o seu dever de pronúncia;
lxxiii. Acresce que, em sede de audição prévia foi solicitado, no que ao Alvará de Loteamento n.º 5/2004 respeita, que a administração fiscal juntasse cópia integral do mesmo, o que nunca foi feito. O mesmo se diga quanto ao pedido de junção da circular da DSIRS, datada de 14-09-1992 e, sobretudo, dos respetivos pressupostos de facto — despachos etc. - em que a mesma possa ter assentado, que também nunca foram juntos apesar de os ora Recorrentes o terem solicitado em sede própria;
lxxiv. Por fim, no que concerne às cópias dos documentos alegadamente contabilizados como custos pela C............, disseram em sede de audição prévia no procedimento de inspeção os Recorrentes que não os tinham nem tinham que ter. O facto de haver custos da C............ é natural e apenas confirma o que sempre disseram os Recorrentes. Sobre isto, nada disse também o Fisco, nem agora a Sentença recorrida, uma vez que mais em clara omissão de pronúncia;
lxxv. Contrariamente ao que sustenta a Sentença recorrida, não colhe este entendimento de que não se mostra necessário o exercício do direito de audição prévia à quantificação do imposto, uma vez que este valor corresponde ao valor declarado pela compra e venda.- € 897.484,39, pois, evidentemente, haveria sempre lugar a direito de audição;
lxxvi. Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 31º do CIRS, em caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor definitivo que servir de base à liquidação do imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ou que serviria no caso de não haver lugar a essa liquidação, é este o valor a considerar para efeitos da determinação do rendimento tributável;
lxxvii. Porém, essa presunção não é de aplicar se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto devendo essa prova fazer-se de acordo como procedimento previsto no artigo 129.° do Código do IRC, com as necessárias adaptações;
lxxviii. No n.º 5 do artigo 129.º do C refere-se que o procedimento em causa rege-se pelo disposto nos 2 artigos 91.º e 92.º da LGT, com as necessárias ad sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei;
lxxix. De acordo com o n.º 4 do artigo 86º, na impugnação do ato tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por busco acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, o que não sucedeu no caso em apreço;
lxxx. Em 24 de Maio de 2007, o 1º Recorrente apresentou prova (cópias de cheques) de quanto recebeu efetivamente pela venda do terreno 1 lotes o montante de €. 897.836,21 e solicitou que fossem investigadas as suas contas bancárias para o período de 1998 a 2008, o que nunca foi feito ou, o que seria mais grave e reprovável em termos de conduta; foi feito confirmando-se as alegações dos recorrentes...
lxxxi. A reunião de peritos leve lugar em 12 de Dezembro de 2008, não tendo havido acordo entre os peritos, uma vez que o perito do 1° Recorrente entendia que o valor tinha de ser o de € 897.836,21, ou seja, o valor efetivamente recebido e passível de comprovação através de levantamento do sigilo bancário e, por seu turno, o perito da Administração Tributária, sem aludir aos cheques ou solicitar — que se saiba informação bancária, entendia que o valor em causa devia ser o apurado em sede do processo de inspeção que deu origem à liquidação ora impugnada;
lxxxii. Porém, como se pode constatar no ponto 2.3 do relatório de inspeção e do respetivo Capítulo III, não se especificou para efeitos de exercício de audição prévia a quantificação do imposto, não se permitindo nessa fase ao contribuinte saber em quanto ficaria aumentada a sua matéria coletável;
lxxxiii, Se bem que se tenham referido valores concretos na pág. 32 do mesmo relatório de inspeção, o certo é que logo em seguida se instalava a dúvida sobre o montante correto tendo em conta o desfecho que pudesse vir a ter o procedimento de prova do valor. Ora esse, como se viu, veio a assentar nas conclusões da inspeção...
lxxxiv, Ora, não é por acaso que a lei manda suspender a emissão de qualquer liquidação até que tal procedimento esteja findo. Com efeito, a Administração Tributária deveria ter-se abstido de notificar o contribuinte para um processo de inspeção aos rendimentos de 2004 e, muito menos para se pronunciar sobre um projeto de ato cujos limites a própria Administração Tributária desconhecia nessa altura, não podendo evidentemente os Recorrentes descortinar os contornos de uma liquidação que a própria Administração Tributária desconhecia;
lxxxv. Assim sendo, não houve lugar a um verdadeiro procedimento de prova do preço efetivo já que neste foi adotado o valor a que chegara abusivamente a inspeção e o que é ainda mais esdrúxulo é que o relatório final de inspeção se funda quanto ao valor de venda no montante a que se chegou no procedimento de prova efetiva do preço, pelo que a única conclusão clara é a de que a liquidação impugnada padece de falta de fundamentação de facto no que tange ao valor em que assenta. A incongruência é manifesta;
lxxxvi. Verifica-se, pois, que a Administração Tributária apenas teve a preocupação de salvaguarda emissão da liquidação de IRS até 3 de dezembro de 2008, ou seja, no prazo de 4 anos após 31 de dezembro de 2004, ano da celebração contrato de compra e venda e no qual considera, erradamente, como demonstrado, ter ocorrido o facto gerador do IRS;
lxxxvii. Através da sua atuação, a Administração Tributária violou, frontalmente, o direito de audição prévia dos ora Recorrentes, o qual não foi exercido nos termos legais pelos ora Recorrentes por culpa exclusivamente imputável à Administração Tributária que sobrepôs o seu interesse (necessidade) de emissão da liquidação até 31 de dezembro de 2008 à lei quando esta consagra, expressamente, o direito de audição prévia à emissão da liquidação.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir Parecer com o seguinte conteúdo:
“1 – A………… e B………… vêm recorrer da douta decisão proferida nos autos, a fls. e segs, que julgou improcedente a impugnação deduzida pelos recorrentes, mantendo a liquidação efectuada em sede de IRS. Decisão com a qual se não conformam. Para tanto, alegam nos termos conclusivos que constam de fls., e, no essencial e em síntese, entende que a decisão “a quo” peca por de erro de julgamento na medida em que deveria ter sido decidida em sentido contrário, mostrando-se violado o disposto no artigo 32º, do CIRS (actual artigo 29º do mesmo diploma legal), por erro de interpretação e aplicação do direito. Pugnam os recorrentes no sentido de que os rendimentos tributados não são de qualificar como rendimentos empresariais, por acto ocasional, mas antes enquadram-se no conceito de mais-valias, dada a transmissão “mortis causa” do bem em controvérsia e que deu causa à liquidação, não devendo tais rendimentos ser tributados atento o regime transitório referente a mais-valias que se lhe aplicava, no caso. Entendem, ainda, que a haver direito a liquidação, o mesmo se mostrar precludido aquando da liquidação por ocorrência da caducidade, pois o facto gerador da liquidação – a celebração da escritura pública de compra e venda ocorreu em 26.10.2004 – é o marco a partir do qual se deve atentar para a contagem do prazo de liquidação. Entendem, ainda, estar a decisão eivada do vício de omissão de pronúncia. Pede, a final, a revogação da decisão com as consequências daí decorrentes.
2 – Não houve contra-alegações.
3 – Da análise da matéria controvertida, entendemos que o presente recurso deverá improceder. Em 1º lugar, a decisão sob recurso não peca de nenhum dos vícios que a fira de nulidade, desde logo, o de omissão de pronúncia. Todas as questões colocadas em juízo foram devidamente apreciadas e decididas, excepto as que se degradaram com o conhecimento das outras questões. A douta sentença mostra-se correcta. Fez uma criteriosa análise da matéria de facto e correcta se mostra a sua subsunção jurídica. Está devidamente fundamentada, apoiando-se em pertinente jurisprudência dos tribunais superiores, a saber deste STA, que a propósito cita, face às questões colocadas. As questões fulcrais da matéria em questão mostram-se devidamente tratadas e fundamentadas quer seja a natureza dos rendimentos objecto da tributação – rendimentos integrados na categoria B, dados os factos assentes no probatório não questionados, dados como provenientes de actos isolados referentes a actividade comercial e industrial – quer seja a questão da caducidade com o subjacente decurso do prazo decorrente de uma posse precária que os recorrentes pretendem fazer valer para obterem o desiderato por si pretendido. Questões que se mostram adequadamente tratadas e com apoio jurisprudencial.
4 – Emite-se, assim, parecer no sentido da improcedência do presente recurso com a manutenção da decisão recorrida.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 277 a 320 e seguintes do SITAF:
A) Em 07.02.1964 o impugnante marido adquiriu por sucessão mortis causa, por óbito do seu pai, 50% da propriedade do prédio rústico situado em ……… ou ……… (………), Azeitão, da freguesia de São Simão, Concelho de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º ………, e inscrito na matriz sob o n.º …… da Secção …… – facto não controvertido.
B) Em 04.01.1986, o impugnante marido adquiriu por sucessão mortis causa, por óbito da sua mãe, os restantes 50% da propriedade do prédio identificado em A) – facto não controvertido.
C) Em 16.03.1998 o impugnante marido requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Setúbal (CMS) “a aprovação do projecto de loteamento da área urbanizável do prédio rústico” identificado em A), com vista à respetiva venda – cf. cópia do requerimento a fls. 204 do PAT apenso e informações e proposta da CMS a fls. 205 a 209 do PAT apenso e depoimentos das testemunhas D…………, E…………, F………… e G………….
D) Com data de 19.11.1999, foi assinado um documento pelos ora impugnantes e pelos representantes legais da sociedade “C............ Sociedade Imobiliária, Lda.”, com epígrafe “contrato-promessa de compra e venda”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual o primeiro declarou prometer vender ao segundo o prédio identificado em A) dos factos assentes, documento que foi registado no 2.º Cartório Notarial do Barreiro, com as assinaturas reconhecidas – cf. cópia do referido documento a fls. 351 a 353 do processo administrativo tributário (PAT) apenso.
E) Resulta do documento a que se refere a alínea que antecede, além do mais, o seguinte:
a. que “[o] prédio será vendido com o licenciamento de loteamento para 54 lotes devidamente aprovado pela Câmara Municipal de Setúbal, conforme requerimento nº 2189/98, nas reuniões efectuadas, respectivamente, em 16 e 30 de Março de 1999” (cláusula terceira);
b. que “os 1ºs outorgantes apresentaram já na Câmara os projectos de infraestruturas” (cláusula quarta);
c. que “[o] preço da compra e venda ora prometida é o de Esc180.000.000$00” (cláusula quinta);
d. que “[t]odos os encargos com a urbanização e o loteamento, e designadamente com o destaque […] serão da exclusiva responsabilidade da 2ª outorgante” (cláusula sexta);
e. que “[a] 2ª outorgante obriga-se a efectuar o pagamento de todas as taxas e licenças que forem devidas [...] bem como se obriga a entregar na Câmara Municipal de Setúbal e em quaisquer outras entidades interessadas, toda a documentação requerida […]” (cláusula sétima);
f. “A 2ª outorgante fica desde já autorizada a efectuar à sua custa, no prédio prometido vender todas as obras e benfeitorias que desejar, as quais ficam desde já a fazer parte integrante do respectivo prédio” (cláusula oitava);
g. “Os 1ºs outorgantes obrigam-se a colaborar com a 2ª outorgante em tudo o que for necessário para a obtenção final do loteamento e do seu registo na Conservatória […]” (cláusula décima);
h. “No caso de os 1ºs outorgantes se recusarem à outorga da escritura definitiva, deverão restituir à 2ª outorgante os sinais recebidos em dobro, e pagar-lhe todas as benfeitorias efectuadas ao abrigo do disposto na cláusula 8ª” (cláusula décima primeira). – cf. cópia do referido documento a fls. 351 a 353 do PAT apenso.
F) A partir da celebração do contrato-promessa referido nas alíneas que antecedem, a sociedade promitente compradora, “C............”, através dos seus sócios gerentes, D………… e H…………, passou a tratar de todos os assuntos relacionados com o processo de loteamento, designadamente no que respeita a constituição de hipotecas/prestação de garantias junto da CMS, alteração do projeto de loteamento de 54 para 52 lotes, com diferente n.º e tipologia de habitações e diferentes equipamentos, suportando os custos com os projetos necessários à nova licença e obtenção do alvará, bem como os relacionados com os projetos de infraestruturas, limitando-se o impugnante marido a viabilizar a atividade realizada pelos sócios da sociedade promitente adquirente, designadamente assinando a necessária documentação – depoimentos das testemunhas D…………, H…………, I………….
G) O processo de loteamento identificado em C) foi sempre identificado e conhecido como “obras de loteamento do Dr. A…………” ou “52 lotes A…………” – depoimentos das testemunhas I………… e G………….
H) A sociedade “C............” só tinha interesse na aquisição da parte urbanizável do prédio identificado em A) no caso de o projeto de loteamento ser aprovado – depoimentos das testemunhas D………… e H…………, gerentes da sociedade adquirente.
I) Após a celebração do contrato-promessa referido em D) e E) a sociedade “C............” celebrou, na qualidade de promitente vendedora, diversos contratos-promessa que tinham por objeto os lotes resultantes do “processo de loteamento camarário 7.9.919” – cf. fls. 345 a 350 do PAT apenso e fls. 123 a 222 dos autos.
J) Por requerimento de 16.01.2004, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o próprio sócio gerente da sociedade “C............”, H…………, entregou na CMS as plantas de síntese, fazendo referência ao “dossier 7.9.919/98” – cf. fls. 343 do PAT apenso.
K) Em diversos documentos relativos ao processo de loteamento, os sócios da sociedade “C............”, não obstante dirigirem os requerimentos à Câmara Municipal de Setúbal em nome do impugnante marido, indicavam como morada de contacto a de D…………, sócio gerente da sociedade “C............” – cf. fls. 342 e 343 do PAT apenso e depoimento da testemunha D………….
L) Em 06.04.2000 deu entrada Câmara Municipal de Setúbal um requerimento em nome do Impugnante marido, na qualidade de proprietário do prédio referido em A), com vista à substituição do projeto de loteamento de 54 para 52 lotes – cf. fls. 211 do PAT apenso, correspondente ao Anexo IV ao Relatório de Inspeção Tributário (RIT).
M) Em 11.10.2000 deu entrada Câmara Municipal de Setúbal um requerimento em nome do Impugnante marido, na qualidade de proprietário do prédio referido em A), com vista à substituição da planta de síntese de loteamento em cumprimento do determinado por despacho do órgão instrutor do referido processo de loteamento – cf. fls. 213 do PAT apenso (Anexo IV ao RIT).
N) Por deliberação de 01.09.2004 a Câmara Municipal de Setúbal, não vendo nisso inconveniente, aceitou as garantias bancárias apresentadas pela “C............” em substituição da hipoteca anteriormente aprovada, conforme requerido pela referida sociedade em nome do proprietário do terreno objeto de loteamento, o ora impugnante marido – cf. docs de fls. 140 e 155 do PAT apenso
O) Em 14.09.2004 foi formalizado, entre a Câmara Municipal de Setúbal e o Impugnante marido, o contrato de urbanização referente à operação de loteamento urbano do prédio referido em A) – cf. fls. 242 a 244 do PAT apenso (Anexo VII RIT).
P) Em 29.09.2004 foi emitido o alvará de loteamento n.º 5/2004, requerido pelo impugnante marido, em nome do próprio, relativo ao prédio supra descrito em A) dos factos assentes – cf. fls. 160 a 163 do PAT apenso.
Q) Em 26.10.2004 foi celebrada escritura pública de compra e venda entre os ora impugnantes e a sociedade “C............ Sociedade Imobiliária, Lda.”, através da qual os primeiros declararam vender à segunda, pelo preço de € 897.836,00, já recebido, “cinquenta e dois lotes de terreno” relativos ao prédio descrito em A) dos factos assentes, “identificados no documento complementar” – cf. fls. 164 a 202 do PAT apenso (Anexo II ao RIT).
R) À data da celebração da escritura pública referida na alínea que antecede encontrava-se pago, desde o ano 2000, 75% do valor acordado para a compra e venda – facto não controvertido e cf. 150 a 152 no cotejo com fls. 322 a 324.
S) Em 11.10.2004, foi apresentado em nome do Impugnante marido, na qualidade de proprietário do referido prédio loteado, a declaração Modelo 1 para efeitos de inscrição dos 52 lotes de terreno para construção (Prédio Novo) acompanhada do respetivo alvará – cf. fls. 188 a 202 do PAT apenso (Anexo II ao RIT).
T) Em 04.10.2005, os ora Impugnantes apresentaram declaração de rendimentos Mod.3, em sede de IRS, relativa ao ano de 2004, com os anexos A, F e H, da qual resultou, em 26.10.2005, a liquidação do respetivo imposto, apurando-se reembolso no valor de € 422,92 – cf. fls. 381 e 424 do PAT apenso.
U) Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI200804233, de 01.09.2008, os ora impugnantes foram alvo de uma ação de inspeção por parte dos serviços da Administração Tributária, “relativamente ao exercício de 2004, e teve origem na sequência da petição apresentada pelos contribuintes supra identificados, nos termos do artº 129º do CIRC, por remissão do artº 31º-A nº 6 do CIRS – procedimento próprio para prova do preço efectivo da transmissão – relativamente à alienação de 52 lotes de terreno para construção urbana, sitos em AZEITÃO, freguesia de S. Simão, concelho de Setúbal, advenientes de um prédio rústico, adquirido pelos sujeitos passivos, por sucessão hereditária, em 1964 e 1986, inscritos na matriz sob os artigos …… a …… – cf. o ponto 2.2. do Cap. II do RIT a fls.79 e sgts. do PAT apenso.
V) Os Impugnantes foram notificados do projeto de correções em relação à inspeção identificada na alínea que antecede e exerceram o direito de audição nos termos constantes e fls. 292 e sgts. do PAT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cf. 292 e sgts. do PAT apenso.
W) Em 16.12.2008 foi elaborado o Relatório Final de Inspeção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como os respetivos documentos anexos, superiormente sancionado por despacho de 22.12.2008, e do qual se retira, além do mais, o seguinte:
“[…]
2.3 - Caracterização Geral dos Sujeitos Passivos/Enquadramento Fiscal […]
Relativamente à operação em análise - alienação de 52 lotes de terreno para construção - o rendimento resultante da alienação dos mesmos, não foi declarado pelos sujeitos passivos, para efeitos fiscais. Quando do início do procedimento de inspecção, foram questionados sobre o facto, nomeadamente o sujeito passivo B – Srª D. B………… - declarou que:
“Não foram declarados, porque foi herdado antes de 1989, pelo que se encontrava fora do regime de incidência de imposto. Contudo a Administração Fiscal tem conhecimento do valor real da transacção desde que foi realizada a 1ª reclamação sobre a avaliação dos mesmos” - (Termo de declarações junto como Anexo X, a fls 1 a 23).
Todavia, ao longo do presente relatório, demonstraremos que, por se considerarem os rendimentos em causa, afectos ao exercício de uma actividade de natureza comercial, constituem os mesmos, rendimentos da categoria B de IRS, nos termos do disposto na alínea g) do nº 1 do artº 4º do Código do IRS, a declarar no Anexo C da Mod 3.
[…]
2.4 – Diligências Efectuadas /Conclusão das mesmas:
[…]
Por sua vez, confirmou-se também a contabilização, por parte da sociedade adquirente, no período compreendido entre o contrato promessa de compra e venda - 1999.11.19 - e a data de aquisição - 2004.10.26 -, de documentos relativos a despesas efectuadas com a urbanização dos 52 lotes de terreno para construção que, atendendo aos factos supra relatados, somos de parecer consubstanciarem despesas suportadas por conta dos alienantes, a data, legítimos proprietários do prédio, como comprovam todos os requerimentos, apresentados/emitidos, à/pela Câmara Municipal de Setúbal, nomeadamente o respectivo alvará de loteamento.
No mapa que se junta ao presente relatório como ANEXO VIII apresentam-se relacionados os documentos de suporte aos referidos custos, contabilizados na sociedade "C............", no período compreendido entre Novembro de 1999 e 26 de Outubro de 2004 […]. Para justificar a contabilização, de documentos de custos de conta da entidade vendedora, na “C............” ouviu-se em Termo de Declarações, integra o presente relatório, como ANEXO VIII, fls 30 a 40, o sócio gerente Sr. D…………, o qual afirmou:
“... que sempre julgou que após a assinatura do Contrato de Promessa de Compra e Venda, do referido prédio, e conforme o mesmo estabelece, todas as despesas seriam pagas pela "C............" e os custos daí resultantes, seriam suportados pela referida sociedade. Mais informa que, as despesas de infra estruturas, contabilizadas como custos durante aquele período, constituíram trabalhos acessórios, com vista às ligações das infra estruturas dos 52 lotes designadamente, esgotos fluviais.” Quanto aos custos relacionados com as alterações aos projectos, refere o mesmo que: “A sua contabilização como custos, deve-se ao facto de a "C............" ter solicitado essas alterações à Câmara Municipal de Setúbal, ainda que em nome do Sr. Dr. A………… e ter procedido ao pagamento dos mesmos, razão pela qual, contabilizou-os como custos da referida urbanização”.
[…]
2.4.1. - Na operação económica em análise, qual a data, em que se deve considerar verificada a transmissão?
2.4.1.1. - Quanto à questão da definição da data em que deve ter-se como verificada a transmissão do prédio, para efeitos de registo contabilístico, é aplicável a Directriz Contabilística n.º 26 (DC 26) da Comissão de Normalização Contabilística (CNC).
Estando em causa uma transmissão de um bem, valerá o que está estabelecido no ponto 5.1. dessa directriz, cujo primeiro parágrafo passamos a transcrever:
“- O rédito proveniente de bens deve ser reconhecido quando tiverem sido satisfeitas todas as seguintes condições:
a) a entidade tenha transferido para o comprador todos os riscos e vantagens significativos da posse dos bens;
b) a entidade não retenha envolvimento continuado num grau usualmente associado com a posse, nem o controlo efectivo sobre os bens vendidos;
c) a quantia do rédito possa ser mensurada com fiabilidade;
d) for provável que fluam para a entidade benefícios económicos associados com a transacção, e
e) os custos incorridos ou a incorrer, respeitantes à transacção, possam ser mensurados com fiabilidade.” Relativamente à solução estabelecida na alínea a), diz-se ainda no ponto 5.1 da DC 26:
A determinação de quando uma entidade transferiu os riscos e vantagens significativos da posse, para o comprador, exige um exame das circunstâncias em que se efectuou a transacção. Na maioria dos casos:
“A transferência dos riscos e vantagens da posse, coincide com a transferência do título legal, ou com a transmissão da posse para o comprador.”
E, mais adiante, na mesma directriz contabilística é referido que:
“Se uma entidade retiver apenas um risco insignificante de posse, a transacção é uma venda e reconhece-se o rédito”.
2.4.1.2 - Quanto à questão da definição da data, em que deve ter-se como verificada a transmissão do imóvel, para efeitos fiscais, é aplicável o disposto na legislação civil e fiscal.
[…]
Porém, no que se refere ao IRC e, às actividades empresariais do IRS (face à remissão operada através do artº 32º do CIRS) não existe no CIRC, disposição fiscal que conduza à separação do momento em que se verifica a transmissão fiscal daquele em que se verifica a transmissão civil. Tal facto, leva-nos a concluir que, para efeitos de IRC, só existe transmissão, para efeitos civis e tributários, quando da celebração de escritura pública. Todavia, a lógica contabilística e fiscal, no IRC, é diferente.
Segundo os princípios contabilísticos definidos no nº 4 do POC, nomeadamente, princípio da especialização económica dos exercícios: “Os proveitos e custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam” – princípio da especialização económica dos exercícios, e, princípio da substância sobre a forma:
“As operações devem ser contabilizadas atendendo à sua substância e à realidade financeira e, não apenas, à sua forma legal.”
Em termos fiscais, de acordo com o disposto na alínea a) do nº 3 do artº 18º do CIRC (aplicável na situação em análise, por remissão do artº 32º do CIRS), para efeitos de aplicação do princípio da especialização económica dos exercícios os proveitos relativos a vendas, consideram-se em geral realizados e, os correspondentes custos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade.
2.4.1.1 - Conclusão.
No caso em apreço verificam-se duas circunstâncias que levam a concluir que não foram transferidos para o adquirente (C…………) todos os riscos e vantagens significativas da posse do imóvel, a saber:
a) Não ocorreu a tradição (posse) com o contrato promessa de compra e venda […]
b) Não foi passada procuração ao adquirente, conferindo-lhe poderes para a obtenção final do loteamento e do seu registo na Conservatória, apesar de o CPCV, através da cláusula Décima, colocar essa hipótese. Face ao exposto, permite-nos concluir que:
I - A transmissão do imóvel ocorreu apenas, quando juridicamente operada, isto é, com a outorga da escritura pública de compra e venda do direito de propriedade: 2004.10.26, data em que os lotes de terreno passaram para a posse do adquirente, face à sua contabilização, na correspondente conta de mercadorias (face à actividade exercida "Compra e Venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim");
II - O objecto da alienação em causa, foi a venda de um prédio urbano, tal como é definido no art° 6º, n° 1 al. c) e n° 3, ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
III - As despesas pagas e contabilizadas como custos no "C............" no período compreendido entre Novembro de 1999 e 26-10-2004, relativas à urbanização dos 52 lotes, no montante global de € 358 010,54, consubstanciam, no caso em apreço, despesas por conta de terceiros, ou seja, por conta do legítimo proprietário o Sr A…………, facto pelo qual, deveria o adquirente (igualmente na qualidade de prestador de serviços) ser ressarcido pelo proprietário, o que não se verificou.
[…]
III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas ao rendimento tributável
3.1 - Enquadramento fiscal da operação económica, relativa à alienação de 52 lotes de terreno para construção, descrita Capítulo anterior.
[…]
Quando da entrega da declaração de rendimentos Mod. 3, os sujeitos passivos não declararam quaisquer rendimentos resultantes da transmissão dos lotes de terreno para construção, porque são de opinião que os ganhos obtidos com a transmissão dos mesmos, porque resultam do prédio rústico, adquirido por sucessão hereditária, em data anterior (1964 e 1986) à entrada em vigor do Dec. Lei 442-A/88 que aprovou o CIRS, não estão sujeitos a tributação, atendendo a que a situação em causa consiste num ganho classificado de mais valias e, assim afastado de tributação nos termos do regime transitório, consignado no art° 5º do citado Dec. Lei.
Porém, não é essa a opinião da Administração Fiscal, face à fundamentação que se segue:
Posteriormente à entrada em vigor do Imposto sobre o Rendimento, porque se tornava necessário esclarecer algumas dúvidas e fixar doutrina uniforme acerca do enquadramento jurídico-tributário dos ganhos obtidos com a venda de terrenos para construção, integrada numa actividade de exploração de loteamentos, foi o assunto submetido a apreciação do Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, que, por despacho de 18 de Agosto de 1992, sancionou o seguinte entendimento, através da Circular 16, da DSIRS, datada de 14-09-1992:
“A venda de terrenos precedida de uma operação de loteamento na medida em que pressupõe uma prática intencional de actos de valorização dos mesmos, retira aos ganhos assim obtidos a natureza fortuita caracterizadora dos ganhos de mais valias, configurando, um ou mais actos de natureza comercial, a enquadrar na categoria C, alin. a) n° 1 do art° 3º do CIRS.
Consequentemente, desde que a exploração de loteamentos, incluindo a venda de lotes de terreno para construção pelo proprietário do terreno, tenha ocorrido já na vigência do CIRS, fica sujeita a este imposto, nos termos referidos, ainda que anteriormente no domínio do revogado CIMV, tenha sido pago o encargo de mais valias.”
À data da transmissão - Outubro de 2004 - os rendimentos resultantes da actividade de natureza empresarial, são de enquadrar na categoria B de rendimentos face à alteração da determinação do rendimento tributável, em sede de tributação em IRS, resultante da Reforma Fiscal operada através da Lei 30-G/2000 de 29/12 (Orçamento de Estado para 2001). Atendendo-se que, a valorização do prédio através da operação de loteamento, seguida da sua venda, não se confunde com ganhos fortuitos, caracterizadores das mais valias, evidenciando outrossim, uma actividade económica intencional, dirigida à obtenção de um lucro e, tanto mais que, no caso em concreto, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, em Novembro de 1999, o sujeito passivo já detinha o licenciamento do loteamento, requerido pelo próprio - Sr. A………… - e aprovado pela entidade competente - Câmara Municipal de Setúbal - em Março de 1999, não restam dúvidas de que os ganhos adquirem a natureza comercial, susceptível de produzir rendimentos sujeitos a IRS, no âmbito da categoria B e, enquadrados no âmbito da al. g) do nº 1 do artº 4º do CIRS.
Assim, porque se trata de rendimentos da categoria B, não tem aplicação o disposto no nº 3 do artº 10º do CIRS, bem como o regime transitório consagrado no artº 5 o do Dec. Lei n° 442-A/88 de 30 de Novembro, considerando-se assim os ganhos obtidos, integralmente, sujeitos a tributação quando da escritura definitiva, em 2004.11.26, face ao disposto no ponto 2.4 do capítulo anterior.
[…]
Todavia, e a referida tributação, excluída por força do disposto no nº 3 do referido artº 3º do CIRS, por considerar rendimentos provenientes de actos isolados, os que, não representando mais de 50% dos restantes rendimentos do sujeito passivo, quando os houver, não resultem de uma prática previsível ou reiterada.
No caso em apreço, o rendimento global declarado, pelos sujeitos passivos, na declaração de rendimentos mod 3, do exercício de 2004, foi de € 66 270,97. Logo, a tributação dos ganhos obtidos, como decorrentes de um “Acto Isolado”, fica excluída, por forca do disposto no nº 3 do artº 3º do CIRS.
[…]
Dado o facto do sujeito passivo não ter procedido ao registo do início da actividade e, consequentemente, não ter optado por contabilidade organizada, restaria como forma de determinação do rendimento obtido, a do Regime Simplificado, opção a excluir, pelo facto de o valor dos rendimentos no exercício, ultrapassar largamente o valor limite referido no nº 2 do artº 28º do CIRS.
Neste caso específico, a inclusão do sujeito passivo no Regime de Contabilidade Organizada (RCO) faz-se por condição, ou por exigência legal (artº 117º do CIRS) em virtude de, face ao disposto no artº 28º nº 2 (a contrário) e nº 3 do CIRS, ficar o mesmo excluído do regime simplificado.
3.2 - Determinação do rendimento do exercício de actividade empresarial A determinação dos rendimentos comerciais, com base na contabilidade, é feita aplicando as regras estabelecidas no CIRC, com as limitações estabelecidas no artº 33º do CIRS (artº 32º do CIRS).
Não dispondo o sujeito passivo de contabilidade organizada que permita à Administração Fiscal aferir os encargos suportados, socorremo-nos de elementos que dispomos para o efeito.
[…]
3.2.1 - Custos a Considerar
Desta forma, serão aceites como custos fiscais os que, comprovadamente forem indispensáveis para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto (artº 23º do CIRC). Dos elementos que dispomos, considerar-se-ão como custos:
a) O valor de aquisição
Porque o prédio subjacente ao loteamento foi adquirido, pelos sujeitos passivos (50% em 1964 e os restantes 50% em 1986), a título gratuito, segundo o disposto no artº 45º do CIRS, considera-se valor de aquisição, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto sobre sucessões ou doações (redacção anterior [à] Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, OE 2007), que segundo cálculos efectuados, será de € 351,61 (Esc. 70.491$83), apurado nos seguintes termos:
[…]
Por sua vez, através do documento de cobrança da contribuição Autárquica, emitida em nome do anterior proprietário, reportada a 1997, exibido pelo sujeito passivo, na pessoa do seu representante legal, Sr. E…………, verifica-se que o valor tributável fixado relativamente a este artigo (em escudos), foi de: 294.784$00(€ 1.470,38).
Como este valor se refere à área de 149.500 m2, e a área vendida (objecto de loteamento), foi de 35 750 m2 obtemos, por proporção, o valor de aquisição, correspondente à referida área loteada de € 351,61 conforme cálculos que se seguem:
€ 1.470,38 ---------------- 149.500 m2
X ---------------------- 35.750 m2
X = €351,61

b) Custos considerados necessários à obtenção dos Proveitos
Como já se referiu anteriormente, no período compreendido entre o CPCV (Novembro de 1999) e a escritura de compra e venda (Outubro de 2004), o adquirente suportou despesas, por conta do proprietário do terreno, que mais não são que "obras em edifício alheio”.
[…]
As obras efectuadas nos referidos terrenos, correspondem a "Benfeitorias" tal como o próprio CPCV as designa na cláusula 8ª, e porque, necessárias e úteis para o seu proprietário, as quais são integradas no terreno de sua propriedade […].
Face ao supra exposto, vamos considerar que as despesas suportadas pelo adquirente, - C............ - no valor total de € 358.010,54, o foram por conta do(s) proprietário(s) do prédio e, consequentemente, se revelam necessários à obtenção dos proveitos resultantes da actividade empresarial exercida pelos sujeitos passivos em análise.
3.2.2 – Proveitos resultantes da actividade económica
Considerando que, os proveitos são os resultantes do valor do contrato (escritura de compra e venda) acrescidos dos encargos considerados relevantes para que o bem se apresente no estado em que se encontra e, que, vão onerar o valor do bem objecto de contrato (encargos considerados necessários à obtenção dos proveitos) obtemos o seguinte valor:

[IMAGEM]

O facto de os sujeitos passivos, não declararem os referidos rendimentos, na declaração de rendimentos Mod. 3, apesar de sujeitos a IRS, no âmbito da categoria B, nos termos do disposto na al. g) do nº 1 do artº 4 o do CIRS, resulta para o próprio uma vantagem patrimonial indevida, uma vez que, subtraiu do rendimento colectável apurado /declarado, o montante de € 897.484,39.
Em resultado desta omissão, procedem os Serviços de Inspecção Tributária, à correcção do Rendimento colectável apurado, relativamente ao(s) sujeito(s) passivo(s) A…………, NIF ………, e B…………, NIF ………, como se demonstra no quadro seguinte:

[IMAGEM]

[…]
No caso em análise, porque o sujeito passivo accionou o mecanismo do artº 129º do CIRC/artº 31º-A nº 6 do CIRS, e ate ao momento não foi o mesmo objecto de análise, o valor do rendimento colectável corrigido, apurado na sequência do presente procedimento de inspecção, é o supra referido, de € 914.573,13.
[…]
VIII - Direito de Audição / Fundamentação Os sujeitos passivos foram notificados, pessoalmente, na pessoa de procurador nomeado pelos próprios - Sr. E………… - para exercerem o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do Relatório, nos termos dos Artºs 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), mediante o Ofício n° 092971 de 2008.12.02. O direito de audição foi exercido, tempestivamente, por escrito, cuja petição, deu entrada nestes serviços, a 12 de Dezembro de 2008 […]
[…] contrariamente ao alegado através do exercício de direito de audição, a fundamentação de facto e de direito existe, é clara, suficiente e congruente, tal como se demonstrou no Projecto Relatório e continuamos a demonstrar a partir de então.
[…]
Ao considerarem os requerentes, que na sequência do procedimento de inspecção, seriam notificados, no âmbito do projecto relatório conclusões, da correcção ao imposto, fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação quanto à base ou pressupostos, bem como quanto aos objectivos do “Procedimento de inspecção”.
[…]
Face ao supra explanado, julgamos ter esclarecido que o objectivo do procedimento de inspecção não é apurar o "quantum" do imposto, nem tão pouco as correcções ao imposto, mas tão somente as correcções ao rendimento colectável/matéria sujeita a imposto.
Na sequência do procedimento de inspecção, apenas se apura/notifica, correcções ao imposto, em sede de IRS e/ou IRC, no caso de as omissões e/ou inexactidões detectadas, estarem sujeitas a tributação autónoma, ou se referirem a retenção de imposto, efectuadas e não entregues nos cofres do Estado, que não é o caso. Logo, o "quantum" correspondente ao imposto resultante da correcção proposta, é da competência da Direcção de Serviços de Liquidação e Cobrança do IRS, que oportunamente, notificará os sujeitos passivos, após conclusão, sancionamento e notificação aos sujeitos passivos, do actual procedimento de inspecção. […]
De facto refere-se a fls 33 e 34 do Projecto Relatório, notificados aos requerentes e, reitera-se neste preciso momento que, o valor do rendimento colectável corrigido, na Sequência deste procedimento inspectivo, é de € 914.573,13, facto que, por ter sido accionado, pelos mesmos, o mecanismo dos artºs 31º-A do CIRS e 129º do CIRC, poderá ser susceptível de alteração se, quando da análise / decisão do mesmo, concluírem pelo seu indeferimento parcial ou total, podendo a Adm. Fiscal, proceder então, se for o caso, à referida liquidação adicional, tomando por base o valor resultante da decisão do mesmo.
[…]
Alegam também os requerentes que não foi dado conhecimento aos mesmos dos procedimentos desencadeados junto de outras entidades, não se indicando, quando da notificação do exercício de direito de audição, hora e local para analisar o processo na íntegra.
De referir que, mais uma vez, a Adm. Fiscal não comunga da mesma opinião dos requerentes, já que ao longo do projecto de relatório foi dado conhecimento dos procedimentos inspectivos junto das diversas entidades intervenientes no acto tributário, com o objectivo de cruzamento e recolha de elementos, juntando-se como anexo ao mesmo, cópia dos documentos, fiscalmente relevantes, que serviram de base ao apuramento do valor proposto a correcção.
[…]
De facto, quando do exercício de direito de audição, quer no explanado anteriormente, quer nas alegações expostas de fls 6 a 27, os requerentes limitam-se a fazer, tal como eles próprios o classificam: “comentários críticos”, com o objectivo de desmontar a tese da AF, assente na ideia que os requerentes desenvolveram uma actividade comercial.
Acontece que o relatado no projecto relatório e, reiterado no presente relatório conclusões, não é uma tese, mas um facto tributário (transmissão onerosa de terrenos para construção) cujo rendimento resultante, porque obtidos por pessoas singulares, está, nos termos do disposto nos artºs 4º nº 1 al. g) e 28º, ambos do CIRS e, artºs 17º a 23º do CIRC, por remissão do artº 32º do CIRS, sujeito a imposto (IRS) cuja descrição dos factos, fundamentação e quantificação da situação tributária dos sujeitos passivos, foi devidamente elencada quer no projecto, quer no actual relatório, pelo que, concluem estes serviços que, quer o argumentado, quer os documentos carreados ao processo, quando do exercício de direito de audição, não constituem elementos novos, susceptíveis de alterar o montante das correcções projectadas/notificadas.
Senão vejamos […]
Independentemente da alteração do projecto inicialmente previsto, a verdade é que o alvará foi emitido em nome do 1º requerente, como proprietário dos lotes de terreno para construção, que foi o mesmo que apresentou a declaração Mod.1 […] para além de todas as intervenções relatadas de fls 9 a 14, até ao momento da escritura de compra e venda a qual, legalmente, representa a vontade das partes e a transmissão efectiva.
[…]
Com o disposto nas normas invocadas, pretende-se reiterar uma vez mais que, apesar de os requerentes pretenderem fazer crer, que a operação económica em causa, não tem subjacente um acto tributário, susceptível de tributação, alegando que o que foi vendido foi uma parcela do terreno rústico, no mesmo estado em que a recebeu por partilha de herança, antes da entrada em vigor do CIRS, cuja valorização foi temporal, continua e fortuita, originando uma mais valia que face ao disposto no regime transitório - art° 5º do DL 442-A/88 de 30/11 - e, consequentemente, não se apresenta sujeito a tributação. Porém, não acolhe a Administração Fiscal a mesma interpretação dos factos, cujos fundamentos, quer sob a perspectiva factual, quer jurídico/fiscal, foram abundantemente explanados ao longo do presente relatório, pelo que somos de parecer que os elementos carreados ao processo, não justificam a alteração às correcções inicialmente propostas, no montante global de € 897.484,39, nem tão pouco, um segundo direito de audição, como é sugerido na petição, uma vez que a informação contida no projecto do relatório, e que motivou a imputação de custos e proveitos à actividade empresarial dos Requerentes, corresponde à documentação recolhida junto da "C............", por se considerarem benfeitorias realizadas nos terrenos (classificadas como tal no CPCV, itens 8 o e 11 junto como Anexo II) no total de € 358.010,54 e, contabilizada pela "C............ʺ ainda que indevidamente, como custos da sua actividade, que como tal, face à análise dos factos relatados e fundamentados ao longo do relatório, integram não só valor de realização da operação tributável, resultando o valor dos Proveitos, no montante de € 1.255.846,54 (apurado a fls 31 do Relatório) como, simultaneamente, constituem custos, da actividade económica em análise, resultando a correcção ao rendimento tributável no montante de € 897.484,39, conforme cálculos constantes do ponto 3.2 de fls 27 a 32.
[…] – cf. o RIT a fls. 79 e sgts. do PAT apenso, cujo teor e respetivos documentos anexos aqui se dão por integralmente reproduzidos.
X) Em 23.12.2008, no âmbito do procedimento de “prova do preço efectivo na transmissão de imóveis”, na ausência de acordo dos peritos, cujos laudos aqui se dão por integralmente reproduzidos, foi fixada a matéria coletável considerando o determinado pela inspecção tributária no procedimento respectivo e que se traduz em:
Proveitos - € 1.255.846,54
Custos - € 358.362,15
Rendimento Líquido da categoria B - € 897.484,39 – cf. docs. de fls. 56 a 71 dos autos.
Y) Ato impugnado: Em 29.12.2008, com base nas conclusões da ação de inspeção a que se referem as als. U) e W), foi emitida a liquidação de IRS n.º 2008 5004719535, relativa ao ano de 2004, que apurou imposto no valor de € 353.029,40 e juros compensatórios de € 130.470,68, resultando a pagar, após compensação com a liquidação referida em T), o total de € 483.922,92 – cf. docs. de fls. 51 a 53 dos autos.
Z) Ato impugnado: Os juros compensatórios referidos na alínea que antecede, no montante de € 130.470,68, resultam da aplicação da taxa de 4%, no período de 01.05.2005 a 16.12.2008, ao valor dos rendimentos da categoria B apurados em sede de inspeção tributária, no montante de € 897.484,39 – cf. doc. de fls. 52 dos autos e fls. 432 do PAT apenso.
AA) Em 30.03.2009 os serviços da Administração Tributária precederam à anulação parcial da liquidação de juros compensatórios referidos na alínea que antecede, pelo montante de € 80.084,72 – cf. fls. 434/435 do PAT apenso.
BB) O impugnante marido é médico de profissão, encontrando-se atualmente reformado e a impugnante mulher é doméstica – facto não controvertido e resultante do depoimento das testemunhas D…………, E………… e F………….
CC) O impugnante marido, apesar de ser proprietário de vários terrenos, não se dedicou, com caráter de regularidade, à valorização e venda dos mesmos ou qualquer outra atividade profissional para além da medicina – facto não controvertido e resultante do depoimento das testemunhas D…………, E………… e G………….
DD) Para além do terreno dos ora impugnantes, em janeiro de 1999 foi vendido pelo irmão do ora impugnante, J…………, por idêntico preço/m2, à sociedade “K………… Empreendimentos Imobiliários, S.A.”, um prédio rústico, urbanizável, também sito no ………, freguesia de S. Simão – cf. doc. de fls. 334 a 338 do PAT apenso, depoimento da testemunha D………….
EE) Em 26.02.2015 foi apresentada a presente impugnação judicial – cf. fls. 2 dos autos.

II.2 – De Direito
I. Vem o presente Recurso interposto da decisão do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial intentada pelos impugnantes, ora Recorrentes, da liquidação oficiosa de IRS, relativa ao ano de 2004, e respectivos juros compensatórios no montante total de € 483.500,00.
Para se decidir pela improcedência da impugnação judicial, entendeu o Tribunal a quo, em síntese que a venda de lotes de terreno precedido de uma operação de loteamento junto da Câmara Municipal de Setúbal, pressupõe vontade/intenção por parte dos recorrentes de valorizar os respectivos prédios, configurando um acto de natureza comercial ou industrial, susceptível de gerar rendimentos sujeitos a IRS.
Nessa medida, entendeu ainda a sentença recorrida ancorando-se nos vários arestos dos Tribunais Superiores que cita, que “…a venda dos lotes, depois de obtido o respetivo Alvará, completa-se o conjunto de factos que permitem afirmar que o loteamento foi levado a cabo para mais tarde serem vendidos os lotes e percebidos os recursos financeiros que a valorização do terreno lhes permitiu obter no mercado imobiliário, o que consubstancia uma atividade que visou obter lucros, podendo, consequentemente, afirmar-se a sua comercialidade…”. Em conformidade, qualificou os rendimentos da venda, portanto, como um ato isolado de comércio, gerador de rendimentos da Categoria B (ou mais-valias comerciais, se se preferir), e não perante rendimentos de mais-valias, subsumíveis à categoria G.
Concluiu, ainda, a sentença julgar improcedente a pretensa errónea quantificação da matéria coletável, designadamente por violação do artigo 32.º, n.º 2 do CIRS (na redação em vigor à data dos factos) e do artigo 104.º, n.º 2 da CRP.
E, por fim, julgou improcedentes mais alguns vícios alegados, designadamente vícios de falta de fundamentação e vícios de violação de regras procedimentais.

II. Discordando do assim decidido, vêm os recorrentes interpor recurso para esta instância, alegando que a sentença recorrida, ao aderir à fundamentação da FP, enferma de evidente erro de julgamento quanto à questão de Direito, muito em especial porque violou o preceituado no artigo 32.º, n.º 2 do CIRS vigente à data dos factos.
Sustentam, em síntese, que os rendimentos em causa caem sob a alçada da categoria G por não estarem relacionados com qualquer actividade comercial, apesar da operação de loteamento ou seja no seu entender não houve intenção de valorizar o imóvel adquirido por via sucessória. O loteamento em causa, não influiu no valor da venda visto que esse valor já estava fixado desde 19/11/1999, data em que foi celebrado o contrato de compra e venda, o que valorizou o prédio foi o facto de este passar a estar numa zona urbanizável nos termos do PDM – antes do respectivo contrato de promessa.
Mais invocam que o ganho obtido se devesse exclusivamente à normal valorização do prédio rústico pelo decurso do tempo e por este se ter tornado urbanizável em virtude da alteração do PDM.
Acresce, ainda segundo os Recorrentes, o facto de que o prédio rústico em causa ter sido adquirido como terreno agrícola antes da entrada em vigor do CIRS, pelo que é de concluir que os ganhos obtidos com sua a transmissão, não se inserem no âmbito de incidência do IRS, face ao disposto no artigo 5.º do DL n.º 442-A/88.

III. Ora, comecemos por sublinhar que, perante a amplitude de vícios imputados à liquidação de IRS objecto da impugnação de que ora se recorre, era de elementar dever que a Recorrente procedesse a respectiva identificação e autonomização dos mesmos, pela respectiva ordem de prioridade.
Assim, analisadas as conclusões das alegações de recurso formuladas pelos impugnantes, ora Recorrentes, que delimitam o âmbito e objecto do recurso, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes, uma vez graduadas por ordem de apreciação:
- se a sentença recorrida padece de alguma omissão de pronúncia, geradora de nulidade da mesma;
- se a liquidação sob recurso enferma de vício de violação de lei por erro na qualificação quanto aos ganhos obtidos pela venda dos lotes de terreno e se estes estão sujeitos a IRS pela Categoria B, de acordo com o disposto nos arts. 3.º, n.º 2, al. c) e 4.º, n.º 1, al. g), ambos do CIRS;
- se os ganhos em causa se encontram abrangidos pelas normas transitórias de incidência negativa do Código do IRS;
- se a liquidação sob recurso enferma de vício de violação de lei por erro na quantificação do rendimento colectável e da subsequente coleta, por desrespeito do disposto no artigo 32.º do Código do IRS;
- se ocorreu a caducidade do direito de liquidar o imposto;
- se houve violação do artigo 60.º da LGT – direito de audição prévia.

IV. Ora, atenta a sequência de questões acima colocada, comecemos por analisar se se verifica na sentença recorrida o vício de omissão de pronúncia, gerador da nulidade da mesma.
E, já o adiantamos, não assiste qualquer razão à Recorrente a este respeito.
De facto, são três as alegadas omissões de pronúncia viciadoras da sentença, a saber
– a respeito do artigo 60.º da LGT – por suposta preterição devida do correto exercício pela AT do direito de audição prévia, no seguimento de factos alegados pela ora Recorrente;
– a propósito do suposto desrespeito pela AT de uma diligência considerada devida pelos Recorrentes relativa à obtenção de certos documentos reputados úteis à descoberta da verdade;
– a respeito da questão da consideração de custos incorridos pela sociedade C............, dos quais a Recorrente não possuía documentação nem devia possuir.
Na verdade, todas estas supostas omissões de pronúncia imputadas à sentença têm em comum o facto de serem, pressupostamente, imputadas igualmente à AT, no âmbito do procedimento inspectivo conducente à liquidação; ou seja, trata-se de questões de natureza jurídica ou probatória e que, apesar de então esgrimidas pela Recorrente, a AT considerou irrelevantes para a fixação do sentido decisório conducente à liquidação impugnada.
Ora, a não resposta da AT a todos os argumentos ou pedidos esgrimidos pelo Recorrente em sede do iter inspectivo relativos a debate acerca de prova ou ilações a extrair de elementos de prova não implica que o Tribunal se deva sobre eles pronunciar, sob pena de omissão de pronúncia. E assim é, muito em especial, se as conclusões extraídas pela AT (e pela sentença recorrida, que chegou a idênticas conclusões) demonstram a refutação das posições esgrimidas pela Recorrente.
Foi o que se passou no caso.
Com efeito, ao concluir que o facto tributário teve lugar no momento da escritura pública de compra e venda (2004) e não no momento do contrato-promessa de compra e venda (1999) – por a este faltar uma cláusula de tradição da posse (facto consolidado e que, como a Recorrente bem sabe, não pode nesta instância ser contestado) –, o Tribunal recorrido (como também fez a AT) está a assumir que os argumentos de facto e Direito arguidos pela Recorrente a este respeito não têm estribo (seja a questão dos custos da sociedade C............, seja a questão das diligências junto da Conservatória do Registo Predial de Setúbal). E está, por isso, a responder implicitamente no sentido de que aqueles argumentos e elementos de Prova (produzidos ou requeridos) não foram decisivos na formação da opinião do Tribunal.
Por fim, dizer apenas, quanto ao argumento relativo à aplicação do artigo 32.º do Código do IRS ao presente caso, que não falta pronúncia da sentença recorrida a respeito do mesmo. E dizer ainda que é, a este respeito, irrelevante o facto de a AT não ter considerado na audição prévia a validade do argumento apresentado, optando por solução interpretativa distinta. Tal não é susceptível de viciar a sentença recorrida.
A este respeito, recorde-se o que este Supremo Tribunal já teve oportunidade de esclarecer no acórdão constante do Processo n.º 39/14, de 9 de Março de 2022: “Só há nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.” (disponível em www.dgsi.pt, sublinhado nosso).

V. Impõe-se, de seguida, indagar da qualificação dos rendimentos aqui em causa, à luz das categorias do Código do IRS, porquanto a tributação em sede deste imposto é assumidamente analítica e não sintética, com prejuízo da igualdade no tratamento entre as várias modalidades de rendimentos.
Ora, a este respeito, é neste momento jurisprudência firme deste Supremo Tribunal a qualificação dos rendimentos derivados da alienação de terrenos para construção precedidos de atos conducentes ao loteamento (v.g., pedido de licenciamento de loteamento) pelo próprio vendedor como rendimentos da Categoria B.
Tal qualificação deriva da tomada de iniciativa empresarial ou comercial por parte do alienante, a qual impede que a alienação do terreno para construção possa configurar-se como um rendimento de mais-valias, abrangido pela Categoria G (Incrementos Patrimoniais) do Código do IRC; o rendimento em causa não pode mais qualificar-se como um rendimento passivo (um “windfall gain”), enquadrável na Categoria G, precisamente por ter sido objecto de uma iniciativa de valorização e promoção do mesmo por parte do sujeito passivo. E, enquanto rendimento ativo, é abrangido pela Categoria B, ainda que enquanto “rendimento de ato isolado”.
É o que nos recorda o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Março de 2019, onde se pode ler: “Se a actividade dos comproprietários de dois prédios rústicos anteriormente à venda dos lotes de terreno resultantes daqueles imóveis se limitou à apresentação do pedido de licenciamento de loteamento (não se comprovando a realização de qualquer actividade de urbanização dos prédios, com a realização de infra-estruturas urbanísticas, que permita inferir a intenção dos comproprietários se associarem em ordem a prosseguirem uma actividade económica), os ganhos resultantes daquela venda dos lotes devem considerar-se como rendimentos obtidos com a prática de acto isolado de comércio e, por isso, a serem tributados na esfera jurídica dos comproprietários, como rendimentos empresariais, subsumíveis à categoria B para efeitos de IRS [cfr. art. 3.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea h), do CIRS].”; e, em 9 de Setembro de 2015, podia igualmente ler-se, em acórdão lavrado no Processo n.º 810/14: “Os ganhos com a venda de terrenos, no seguimento das respectivas operações de loteamento, enquadram-se no conceito de rendimento proveniente de actividade comercial, ainda que o loteamento tenha resultado de uma actividade ocasional do loteador (impugnante).” (disponíveis em www.dgsi.pt, sublinhado nosso)
Também por aqui andou bem a sentença recorrida, como se vê, quando sublinhou que: “Ou seja, ainda que, após a celebração do contrato-promessa de compra e venda tenham sido, no essencial, os sócios da sociedade “C............” quem diligenciou junto da CMS no sentido da conclusão do processo de loteamento, tendo procedido à realização das necessárias obras relacionadas com infraestrutura, suportando os custos inerentes, apresentando requerimentos em nome do ora impugnante marido (por vezes, alegadamente, com a sua assinatura feita por mão de outrem), tal circunstancialismo não afasta a configuração de uma atividade industrial (impulso do impugnante marido com vista à operação de loteamento e disponibilidade, ao longo do processo, com vista à respetiva conclusão, como promotor do mesmo) seguida de uma atividade comercial, consubstanciada na venda de parte do prédio rústico, já sem essa natureza, por ter sido transformando em urbano por via da operação de loteamento.” Nada, pois, a apontar a tal respeito.

VI. Importa, de seguida, apreciar do alegado erro de Direito imputado à sentença recorrida na parte respeitante à aplicação da norma transitória do Código do IRS, constante do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou aquele Código.
Ora, sob a epígrafe “Regime transitório da categoria G”, aí se estabelece, no que interessa ao presente caso: “1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.
Para afastar a aplicação desta norma, concluiu a sentença recorrida que, pese embora o terreno em causa tivesse sido adquirido enquanto “terreno rústico” (em 1964 e 1986, respectivamente) e tivesse mantido essa condição à data da entrada em vigor do Código do IRS, o facto de, por ato imputável ao impugnante (pedido de licenciamento), tais terrenos terem, no fim da década de 90 e previamente à alienação, passado a qualificarem-se como “terrenos para construção” impediria, sem mais, a aplicação de um tal dispositivo.
Ora, andou mais uma vez bem a sentença recorrida a este respeito.
Contrariamente – como veremos – ao que fez quando considerou, sem atenção ao enquadramento sistemático da respectiva norma, como aplicável à Categoria B o disposto no artigo 45.º do Código do IRS (nitidamente destinado a regular situações da Categoria G), a este respeito foi rigorosa e considerou inaplicável àquela Categoria B o disposto neste regime transitório – claramente disposto e pensado para a categoria G.
Na verdade, além do argumento não irrelevante no sentido da não aplicação que se traduz na epígrafe daquele artigo, basta atender ao respectivo teor para se ter por assente que os factos tributários aqui excluídos de tributação são aqueles que vêm elencados no artigo 10.º do Código do IRS (Mais-Valias). E a referência feita nesse artigo do Diploma Preambular ao Código do Imposto de Mais-Valias (IMV) – diploma que, precisamente, primeiro previu a tributação dos ganhos ocasionais pela alienação de ativos não correntes – mais aponta nesse sentido.
Ora, pese embora uma leitura literal desta norma de Direito Transitório parecesse apontar em sentido contrário, vimos como a qualificação do ganho aqui em causa reconduz o mesmo à Categoria B, o que inviabiliza a aplicação do artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro: tal regime transitório apenas tem validade para as mais-valias da Categoria G e não para as mais-valias comerciais da Categoria B.

VII. E idêntica conclusão se impõe retirar de um outro facto enunciado pela Recorrente, ainda a respeito do regime transitório do Código do IRS.
Respeita ao facto de metade do imóvel transmitido em 2004 ter sido adquirido mortis causa em 1964, ou seja, antes da própria vigência do Código do Imposto de Mais-Valias (IMV), de 1965.
Ora, numa primeira análise, um tal facto não parece irrelevante, porquanto no Diploma preambular que aprova aquele Código do IMV (Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965), se estabelece no respectivo artigo 2.º/§ 1 que: “Art. 2.º …
§ 1.º Os ganhos a que respeita o n.º 1.º do artigo 1.º do código [terrenos para construção] só ficam sujeitos a imposto quando o terreno tiver sido adquirido após a data deste diploma.
Quer dizer, tais ganhos nunca poderiam ser sequer sujeitos a imposto á luz do Código do IMV, à luz da respectiva legislação; e, por isso, nunca o seriam à luz do Código do IRS que faz pressupor – como condição mínima de tributação – a admissibilidade da respectiva tributação à condição de o Código do IMV prever a tributação daquele evento. E não prevê.
Porém, este raciocínio – perfeitamente válido para a Categoria G – não é válido para rendimentos da Categoria B, como vimos.
Não tem, pois, razão o Recorrente, apesar do rigor técnico da argumentação.

VIII. Por último, importa saber se a liquidação sob recurso enferma de vício de violação de lei por erro na quantificação do rendimento colectável e da subsequente coleta, por desrespeito do disposto no artigo 32.º do Código do IRS.
Ora, entendemos que assim é.
Sustenta o Recorrente que o artigo 32.º do Código do IRS (actual artigo 29.º) era aplicável aos factos. E com absoluta razão. Senão, vejamos.
Desde logo, não vislumbramos como se pode falar de uma actividade empresarial que tem por objecto um bem imóvel sem se explicar como o bem entra para a esfera empresarial do sujeito passivo. Cabe, pois, fixar um momento para tal afectação (em última análise, o ano em que se promoveu o licenciamento do loteamento – e, em seguida, fixar um valor de mercado para o mesmo (mais não seja, por aproximação com o valor de transacções registadas nessa data).
E a AT não o faz – não fixando, designadamente, um valor para essa afectação – limitando-se, antes, a considerar como valor de aquisição do terreno para construção alienado os valores históricos de aquisição considerados para aquisições gratuitas, aplicando directamente o artigo 45.º do Código do IRS.
Ora, não se pode dar este salto lógico.
Previamente à determinação do ganho da Categoria B pela alienação de um imóvel, esse mesmo imóvel carece de ser deslocado da esfera privada para a esfera empresarial. A AT não o fez.
Em paralelo, esta afectação carece de ser acompanhada de um valor para a mesma. E a AT não o fez.
Isso significa que a formação do ganho (latente) da categoria G resultante da afectação não foi, pura e simplesmente, considerado. E isso é extraordinariamente relevante porque, como veremos, esse ganho se encontra excluído de tributação, precisamente pelo regime transitório que acabámos de referir.

IX. Que a AT não tem fundamento para a prática que adotou – e confirmando que o artigo 33.º (actual artigo 29.º) do Código do IRS é indiscutivelmente aplicável ao presente caso – é algo demonstrado pela redacção actual dada ao actual artigo 29.º do Código do IRS, pela alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro: “No caso de afetação de quaisquer bens do património particular do sujeito passivo à sua actividade empresarial e profissional, o valor de aquisição pelo qual esses bens são considerados corresponde ao valor de mercado à data da afetação, com exceção dos bens imóveis, em que o valor de aquisição corresponde ao valor do bem à data em que este foi adquirido pelo sujeito passivo, de acordo com as regras previstas nos artigos 45.º ou 46.º, consoante o caso.” (sublinhado nosso).
Quer dizer, até à salvaguarda feita por meio de tal alteração legislativa, impunha-se que a AT determinasse a data da afectação do bem imóvel em causa da esfera privada para a esfera empresarial do sujeito passivo e, nesse cálculo, levasse em consideração o valor de mercado do bem afectado, à data da afectação.
A aplicação do artigo 45.º do Código do IRS, tal como fez a AT, não tinha, como hoje fica inquestionavelmente demonstrado por força da alteração legislativa levada a cabo, qualquer cabimento legal. A sua aplicação foi, por isso, ilegal.

X. Este caminho trilhado pela AT tem consequência sérias, viciando a liquidação aqui em causa, por força não só do valor tributado na Categoria B (sujeito a tributação e excluído do regime transitório, como vimos), mas igualmente por força da exclusão de tributação da Categoria G, associada à afectação ocorrida muito após 1989.
Na verdade, uma tal afectação encontra-se, igualmente nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Diploma Preambular, claramente excluída de tributação, bastando recordar a redacção daquela norma de Direito Transitório: “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes [prédios rústicos] a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.” (sublinhado nosso).
Assim, e sendo o valor do acréscimo patrimonial associado a uma tal afectação excluído de tributação, os ulteriores ganhos produzidos na Categoria B e sujeitos a imposto teriam de ser completamente reconsiderados.
Daqui decorre, como inevitável, a conclusão de que todo o cálculo do rendimento tributável realizado pela AT se encontra comprometido, viciando irreparavelmente a liquidação.
O que significa que a quantificação dos rendimentos líquidos qualificados como pertencentes à Categoria B e a subsequente liquidação de IRS se mostram indevidamente calculados, afectando assim a legalidade da mesma.

XI. Fica, atento o acima concluído, prejudicado o conhecimento das demais questões, reconhecendo-se razão à Recorrente e anulando-se a liquidação de IRS impugnada, na sua totalidade, por não poder este Supremo Tribunal, tratando-se de uma liquidação de IRS, corrigir a mesma nem substituir-se, a tal respeito, à AT.


III – CONCLUSÃO

I – Um prédio rústico adquirido antes da vigência do Código do Imposto de Mais-Valias, mas que venha a ser objecto de loteamento após 1 de Janeiro de 1989 por iniciativa do próprio alienante, não se encontra excluído de tributação em IRS pelo n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro, que aprova o Código do IRS, por não possuir a natureza de rendimento da categoria G.
II – A afectação de um bem imóvel rústico da esfera privada para a esfera empresarial do sujeito passivo enquadra-se na categoria G, precede a qualificação da alienação do mesmo enquanto rendimento da Categoria B e é determinada pelo valor de mercado do bem afectado, à data da afectação.
III – A afectação de um bem imóvel rústico da esfera privada para a esfera empresarial do sujeito passivo configura um evento excluído de tributação à luz do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro, que aprova o Código do IRS, sempre que a aquisição do mesmo tiver sido efectuada antes da entrada em vigor deste Código.


IV – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso e anular a liquidação impugnada.


Custas pela Recorrida, com isenção de Taxa de Justiça pelo facto de não ter apresentado Contra-Alegações nesta instância de recurso.


Lisboa, 8 de Junho de 2022. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.