Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01053/22.6BELSB
Data do Acordão:03/09/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
INSTITUTO
REGISTOS E NOTARIADO
ADVOGADO
Sumário:É de admitir revista sobre a questão de saber se apenas o advogado munido de procuração do respectivo interessado, pode solicitar informações relativas a processo de atribuição ou de aquisição da nacionalidade, face à sua importância fundamental, em termos de relevância jurídica e social.
Nº Convencional:JSTA000P30726
Nº do Documento:SA12023030901053/22
Data de Entrada:02/27/2023
Recorrente:INSTITUTO DE REGISTOS E NOTARIADO, I. P.
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Instituto dos Registos e Notariado, IP [IRN, IP] interpõe a presente revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Sul de 12.01.2022 que negou provimento ao recurso interposto na intimação para prestação de informação contra si requerida por AA.

Por sentença de 09.07.2022 o TAC de Lisboa julgou procedente a intimação requerida.

Desta decisão interpôs o Requerido, aqui Recorrente, apelação para o TCA Sul que pelo acórdão recorrido negou provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão da 1ª instância.

O Recorrente interpõe revista deste acórdão do TCA Sul alegando que a questão suscitada na revista preenche o requisito da relevância jurídica e social, e de necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações a Requerida pugna pela inadmissibilidade da revista ou pela sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na intimação, intentada ao abrigo do disposto no art. 104º do CPTA, veio a Requerente pedir a intimação do IRN, IP a prestar-lhe informação que havia solicitado em 11.04.2022, sobre se: 1) o processo nº …/2016, do sector da Índia se encontra pendente; 2) se existe(m) mandatário(s) constituído(s); e, 3) “em caso afirmativo, o nome e número da cédula profissional do(s) mandatário(s) constituído(s)”. Isto porque a Requerente é advogada, pelo que invocou o direito próprio à prestação dessa informação, previsto no art. 79º, nº 1 do EOA, e, igualmente invocou o interesse na prestação dessa informação, nos termos do disposto nos arts. 83º, nº 1 e 84º do CPA. Consignou que a informação requerida [nos pontos 2) e 3)] “se destina a dar cumprimento ao artº 112.º, n.º 2 do EOA”.

A sentença de 1ª instância julgou procedente o pedido de intimação do IRN, IP [que prestara já a informação de que o processo em causa se encontra pendente], concluindo o seguinte, «Com efeito, a Autora requereu a informação solicitada na qualidade de advogada, invocando o artigo 112.º do EOA (deveres recíprocos dos advogados), sendo que a informação solicitada reporta-se ao mandato forense (cfr. Probatório)
Conclui-se assim, que a Autora demonstra um interesse legítimo em aceder à referida informação procedimental (dado o procedimento administrativo estar em curso).
Assim sendo, constata-se que não ocorrem limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a “informação solicitada”.».

O TCA Sul, para o qual o IRN, IP apelou, confirmou esta decisão através do acórdão recorrido, expendendo que a Recorrida tinha direito a saber qual a identidade do advogado constituído, de acordo com a fundamentação constante de fls. 21 a 24 da sentença de 1ª instância, tendo em conta, nomeadamente, o disposto nos artigos 112º e 79º do Estatuto da Ordem dos Advogados. “O que se nos afigura correcto, uma vez que o Instituto tem conhecimento que a requerente é advogada e que a informação foi solicitada no âmbito dessa mesma actividade profissional, não decorrendo do referido Estatuto a obrigação de apresentar procuração forense para tal efeito (Cfr. art.º 79º do EOA).

Na sua revista o Recorrente alega, em síntese, que as instâncias fizeram uma interpretação errada dos factos e do direito aplicável, nomeadamente dos arts. 79º e 112º, nº 2 do EO, em violação do art. 85º do CPA. E que não tiveram em conta que o pedido de informação em causa nos autos com o conteúdo e nos moldes em que é solicitado: sem procuração, faz uma interpretação totalmente literal do disposto no art. 79º do EOA, porque se visa, supostamente, dar cumprimento ao art. 112º do mesmo Estatuto, o que “configura um abuso de direito sob a forma de exercício danoso inútil, o que não deverá ser admitido”.
Em caso em tudo semelhante ao dos autos esta Formação pelo recente acórdão de 09.02.2023, Proc. nº 0992/22.9BELSB decidiu o seguinte: «Feita esta apreciação preliminar e sumária, tal como nos compete, constatamos que, não obstante o sentido decisório dos tribunais de instância ser «idêntico», e à partida, a interpretação das normas legais que conduziu a «essa decisão» não se perfilar como desrazoável, o certo é que estamos perante questão eivada de alguma complexidade, desde logo pela necessidade de concatenação interpretativa de vários regimes jurídicos chamados à colação, e porque importará assegurar o «sentido de interpretação jurídica que deve prevalecer», num intuito esclarecedor do comportamento dos interessados, e mormente do próprio IRN, alegadamente vinculado a um parecer jurídico.
Encontra-se preenchido, assim, ao menos o requisito da «importância fundamental» da questão objecto da pretensão da revista, a qual, pela sua «relevância jurídica e social», justifica a admissão do pretendido recurso.»
Termos em que, é de admitir o recurso, justificando-se o afastamento da regra da excepcionalidade do recurso de revista.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 9 de Março de 2023. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.