Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0351/22.3BEAVR
Data do Acordão:03/09/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PROCESSO DISCIPLINAR
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Sumário:I - O princípio da presunção de inocência não inverte o ónus da prova em matéria disciplinar, e não dispensa o requerente de fazer prova de que estão preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 120.º do CPTA para que a eficácia da decisão punitiva possa ser suspensa.
II - Os tribunais não estão vinculados à prova produzida no procedimento disciplinar, podendo, e devendo, reapreciar o julgamento de facto realizado pela Administração em toda a sua extensão, quando seja alegada matéria de facto que justifique essa reapreciação.
Nº Convencional:JSTA00071687
Nº do Documento:SA1202303090351/22
Data de Entrada:01/27/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CRP ART35 N2 ART269 N3
CPA ART120 N1
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. AA - identificado nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 28 de setembro de 2022, que negou provimento ao recurso havia interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro, de 26 de julho de 2022, que julgou totalmente improcedente o presente processo cautelar proposto contra a UNIVERSIDADE DO PORTO, em que pede a suspensão da eficácia de despacho do respetivo reitor, de 22 de março de 2022, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

« O presente recurso de revista foi interposto contra o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28 de Outubro de 2022 p.p, que negou provimento ao recurso interposto contra a sentença que indeferira o pedido de suspensão da eficácia da decisão disciplinar que aplicara ao requerente a pena de demissão por entender não ter sido comprovado o fumus boni iuris.

A controvérsia da questão subjacente ao aresto em recurso começa desde logo por ser bem visível face às declarações de voto feitas por dois dos três juízes subscritores do acórdão, para além de ser verdadeiramente incrível que no século XXI, mais de quarenta anos decorridos sobre a consagração de um direito à tutela judicial efectiva e mais de 15 anos após a consagração de um princípio da igualdade das partes, um Tribunal de segunda instância continue a afirmar que não tem de “…fazer nova prova em Tribunal da verificação ou não dos pressupostos de facto da decisão punitiva” ou que continue a sustentar que “… o Tribunal não tinha de dar por como provados factos à margem da prova produzida no processo administrativo por que não é uma segunda instância administrativa nem pode decidir como se o fosse”.

Em qualquer dos casos,

Salvo o devido respeito, a decisão alcançada pelo Tribunal a quo é manifestamente errada, suscitando um conjunto de questões que, seja pela sua capacidade expansiva, seja pela sua relevância jurídica e social, seja pela necessidade de assegurar uma melhor aplicação do direito, justifica uma apreciação e uma pronúncia definitiva por parte do Venerando Supremo Tribunal Administrativo sobre as seguintes quatro questões:

a) – É compatível com o princípio constitucional da presunção da inocência que quem se presume inocente tenha de comprovar a aparência da sua inocência para evitar o início da produção de efeitos de uma pena disciplinar cuja execução imediata só e possível se houver uma presunção de culpabilidade?

b) – É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva e com o princípio da igualdade das partes (v. artº 6º do CPTA) que o Tribunal não permita a uma das partes provar os factos que alegara para fundamentar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos – designadamente que não praticara os comportamentos que lhe haviam sido imputados – que havia sido alegado para comprovar a aparência do bom direito e depois julgue não verificada a aparência desse direito com o argumento de que o processo instrutor aponta para que o arguido tenha praticado os comportamentos que lhe foram imputados?

c) - Qual a força probatória do processo instrutor, designadamente se é um documento que faz prova plena dos factos nele relatados ao ponto de tornar desnecessária a realização de qualquer outra prova legalmente admissível que tenha sido requerida e permita comprovar a aparência do bom direito?

d) – É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva ,com o princípio da presunção da inocência e com o disposto nos nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, que o Tribunal considere que o arguido não logrou demonstrar a aparência da sua inocência quando esse mesmo Tribunal não especificou nem deu por provado qualquer facto ou comportamento que que tivesse sido praticado pelo arguido e que pudesse indiciar a prática de um ilícito disciplinar?

Na verdade,

Julga-se que todas as questões sujeitas possuem uma inegável capacidade expansiva, justamente por em todos os processos cautelares de suspensão da eficácia de uma decisão punitiva se poder colocar a questão de se saber se em sede cautelar quem se presume inocente tem de demonstrar a aparência da sua inocência, se pode o Tribunal considerar não provada a aparência do bom direito quando nem sequer dá por provado qualquer facto que considere ter sido praticado pelo arguido ou qual o valor processual do processo disciplinar instrutor, designadamente se prevalece mesmo quando o arguido imputa ao acto punitivo o vício de violação de lei por erro nos pressupostos ou se, pelo contrário, nessa hipótese o Tribunal está vinculado a proceder à prova requerida para só depois, em função da mesma, poder aferir se há ou não a probabilidade elevada daquele vício ser julgado procedente.

Para além disso, todas as questões suscitadas possuem uma importância jurídica e social de enorme relevo, desde logo por contenderem com princípios e direitos constitucionalmente consagrados e que se assumem como estruturantes de um Estado de Direito democrático - como sejam os princípios da presunção da inocência e o direito à tutela judicial efectiva, consagrados os artºs 32º/10 e 268º/4 da Constituição -, pelo que importa que este Venerando Supremo Tribunal forneça um quadro referencial sobre a amplitude do princípio da presunção da inocência e a sua compatibilidade com a obrigação de o presumível inocente ter de ir demonstrar aquilo que já se presume para poder lograr obter tutela cautelar, assim como sobre o valor do processo administrativo e sobre a obrigatoriedade, à face do direito à tutela judicial efectiva, de se se apurarem em sede cautelar os factos que integram o vício de violação de lei por erro nos pressupostos que é alegado para fundamentar a aparência do bom direito.

Por fim, julga-se ainda que a presente revista é essencial para se proceder a uma melhor aplicação do direito, desde logo por a tese agora sufragada pelo Tribunal a quo estar em manifesta oposição quer com o decidido pelo STA como quer pelo próprio TCANORTE (v. Acº do STA de 29/10/2020, Proc. nº 0301/14.0BEBRG, Acº do TCANORTE de 15/7/2022, Proc. nº 653/21.6BEAVR e o Acº do TCASUL de 10/12/2019, Proc. nº 185/07.5BEBJA), razão pela qual a intervenção deste venerando Supremo Tribunal é absolutamente necessária para que sejam respeitados os mais elementares princípios e direitos constitucionalmente consagrados, particularmente os princípios da presunção da inocência, da igualdade das partes e o direito à tutela judicial efectiva.

Refira-se, aliás, que no sentido da admissibilidade das questões colocadas na revista já se pronunciou a formação preliminar desde Venerando Supremo Tribunal, a qual, por acórdão de 18 de Novembro de 2021, entendeu que se justificava a admissão da revista a propósito das segunda e terceira questões agora suscitadas (v. Proc. nº 228/13.3BECBR).

Consequentemente,

Estão preenchidos os pressupostos tipificados na lei para a admissão do recurso excepcional de revista, uma vez que a decisão consubstanciada no Acórdão em recurso suscita um conjunto de questões que possuem uma capacidade expansiva e uma importância social e jurídica que justifica a sua apreciação e resolução por parte deste STA, incluindo para uma melhor aplicação do direito.

Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento e flagrante violação de lei processual e substantiva, particularmente dos princípios constitucionais da presunção da inocência, igualdade das pares e tutela judicial efectiva.

Com efeito,

10ª O aresto em recurso não só violou o disposto no nº 3 do artº 607º do CPC – que lhe impõe especificar os factos que considera provados e os que entende não terem sido provados -, como seguramente enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC, uma vez que não tendo especificado como provados os factos que eventualmente considerava terem sido praticados pelo arguido não podia afastar a presunção de inocência e considerar que o arguido que se presumia inocente não logrou provar a sua inocência e o consequente fumus boni iuris.

Para além disso,

11ª O aresto em recurso violou frontalmente o princípio constitucional da presunção da inocência, uma vez que o juiz cautelar só pode deixar de presumir o arguido inocente se na sentença cautelar der por provados quais os concretos comportamentos praticados pelo arguido, tendo na ausência da especificação de tais factos de continuar a presumir o arguido inocente e, como tal de considerar demonstrado o fumus boni iuris.

12ª Aliás, o nº 1 do artº 120º do CPTA tem de ser interpretado, sob pena de inconstitucionalidade por violação do princípio da presunção da inocência, no sentido de que sempre que em causa esteja a suspensão da eficácia de uma pena disciplinar o juiz tenha de considerar provável a procedência da pretensão a formular no processo principal, excepto se der por provados na sentença os factos que considera terem sido praticados pelo arguido.

Consequentemente,

13ª Não tendo o aresto em recurso especificado na factologia assente quais os concretos comportamentos que considerava estar provado terem sido praticados pelo arguido – o que é substancialmente diferente de se dizer quais eram os factos pelos quais foi acusado e punido -, muito naturalmente que não poderia deixar de funcionar o princípio da presunção da inocência e de julgar, em consequência, que estava sumariamente demonstrada a aparência do bom direito.

Por fim,

14ª Ao julgar não demonstrado o fumus boni iuris quando não permitiu ao arguido efectuar a prova dos factos integrantes do vício de violação de lei por erro nos pressupostos em que alicerçava a comprovação desse mesmo fumus boni iuris, o aresto em recurso não só impediu que quem se presume inocente pudesse provar a sua inocência, como violou frontalmente o princípio da igualdade das partes e o direito à tutela judicial efectiva, dos quais resulta que o processo administrativo instrutor não passa de um mero documento probatório que não tem força probatória plena nem isenta o Tribunal de permitir ao administrado realizar a prova os factos integrantes da sua pretensão, designadamente do vício de violação de lei por erro nos pressupostos em que alicerçava o seu fumus boni iuris.

15ª Neste mesmo sentido, vem-se pronunciando abundantemente a doutrina e a jurisprudência deste venerando supremo Tribunal e dos próprios tribunais centrais administrativos, ao salientarem que os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais e não podem deixar de proceder ao controlo da materialidade dos factos e à abertura de um período de prova sempre que seja invocado o vício de violação de lei por erro nos pressupostos como fundamento da pretensão anulatória ou para comprovação do fumus boni iuris (v. jurisprudência e doutrina citada no texto).

16ª Refira-se, aliás, que o nº 1 do artº 118º do CPTA não pode ser interpretado no sentido de conceder apenas uma mera faculdade ao juiz de, havendo factos controvertidos que seja necessário apurar para comprovar o preenchimento do fumus boni iuris ou do periculum mora, decidir discricionariamente se tal prova deve ou não ser realizada, justamente por tal interpretação conduzir à inconstitucionalidade material de tal norma por violação do direito à tutela judicial efectiva e dos princípio da igualdade das partes e da presunção da inocência, levando a que não se denegue a possibilidade do requerente demonstrar um dos pressupostos de que depende o decretamento da tutela cautelar e impossibilitando-o de demonstrar em sede cautelar a sua inocência (que não pode deixar de ser presumida).

17ª Consequentemente, não tendo o aresto em recurso dado por provado qualquer comportamento adoptado pelo arguido que comprove que praticou os actos pelos quais foi acusado e punido, não pode deixar de ser respeitado o princípio da presunção da inocência e considerar-se que estava demonstrada a aparência do bom direito, da mesma forma como o integral respeito pelo princípio da igualdade das partes e do direito à tutela judicial efectiva sempre determinaria, no mínimo, que o processo baixasse à 1ª instância para se permitir a prova dos factos alegados pelo requerente para sustentar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos e a consequente aparência do bom direito.»

3. A Recorrida UNIVERSIDADE DO PORTO contra-alegou concluindo, com relevância para presente decisão, que:

«(...)

Não estamos perante um caso em que lhe tenha sido denegado ou coartado o direito à defesa, antes foi o próprio recorrente que numa tentativa de se furtar ao exercício do poder disciplinar, entendeu não usufruir do seu direito de defesa no devido tempo, como decorre do processo disciplinar junto aos autos e ao qual o Tribunal recorrido não pode ficar indiferente.

Aliás,

Foi o próprio requerente quem no seu Requerimento Cautelar delimitou os factos que pretendia ver demonstrados por via testemunhal, os quais conforme decorre do seu Requerimento Inicial se cingiram apenas à verificação do requisito periculum in mora e não do fumus boni iuris, como igualmente se impunha, dado que os dois requisitos são de verificação cumulativa.

Não sendo por demais referir que, o princípio da presunção da inocência em sede disciplinar não tem “o mesmo peso que tem no âmbito do direito criminal, em virtude do diferente alcance ablativo das sanções cominadas e da diferente ressonância social das infrações” (Cfr. Acórdão n.º 123/2018 do Tribunal Constitucional).

Assentando o presente processo maioritariamente em prova documental, foi usada a prorrogativa prevista no artigo 118.º do CPTA, considerando desnecessária a realização da prova testemunhal requerida por referência à factualidade indicada pelas partes e consequente delimitação da mesma (Nesse sentido, confronte-se o Acórdão do TCAN datado de 19/03/2021, no âmbito do Processo nº 01085/20.9BEBGR).

Sendo que,

10º Ainda que a prova testemunhal requerida pelo requerente tivesse sido atendida, sempre a mesma estaria votada ao insucesso porquanto as testemunhas por si arroladas não estavam indicadas para responder/fazer prova de que o requerente cumpriu as suas funções de docente no período da pandemia e que as frases e expressões imputadas na Acusação nunca foram por si proferidas ou estão totalmente descontextualizadas (Cfr. Requerimento Inicial – Prova testemunhal).

Ora,

11º Como muito bem refere o acórdão recorrido, “em matéria de facto a regra é a do ónus das partes na alegação e prova e no procedimento cautelar colhem-se apenas indícios de factos e não se faz prova dos factos”,

Sendo que,

12º A Apreciação em sede de processo cautelar é por definição uma apreciação sumária e sintética.

13º Estamos perante uma decisão provisória e a mesma não tem o grau de exigência de apuramento fáctico proposto pelo recorrente, sob pena de se subverter a existência das providências cautelares.

Por outro lado, e salvo o devido respeito,

14º O recorrente fez um uso indevido da jurisprudência citada, a qual não tem aplicação nos presentes autos, não existindo qualquer contradição de julgados, que importasse uma decisão para melhor aplicação do direito.

Com efeito,

15º No que se refere ao citado Acórdão do STA datado de 29-10-2015, proferido no âmbito do Processo nº 014/12:
O mesmo provém da apreciação de uma ação (administrativa) especial, em segundo grau de jurisdição, a propósito da aplicação dos artigos 87.º e 90.º do C.P.T.A., os quais não têm aplicação no âmbito de uma providência cautelar, dada a natureza da mesma;

16º No que se refere ao Acórdão do STA datado de 29-10-2020, proferido no Processo nº 0301/14.0BEBRG:
Também o mesmo provém da apreciação de uma ação (administrativa especial, em segundo grau de jurisdição, a propósito da reapreciação da prova testemunha, o qual não tem aqui cabimento em sede da presente providência cautelar, atento o disposto no artigo 118.º do C.P.T.A.

17º No que se refere ao Acórdão do TCAN datado de 15-07-2022, proferido no âmbito do Processo n.º 00653/21.BEAVR:
Apesar do mesmo provir de recurso jurisdicional de uma providência cautelar, versa sobre a necessidade de valorização da prova testemunhal em detrimento das regras de experiência comum, daí que no referido acórdão se refira que “não se pode recursar à parte sobre a qual impende o ónus de prova a possibilidade de a provar”.

Sendo que,

18º Tal entendimento não colhe nos presentes autos, porquanto foi próprio recorrente quem delimitou os factos sobre os quais pretendia que as suas testemunhas respondessem, ainda que, a mera circunstância de ter sido requerida pelas partes, em sede de processo cautelar, a produção de prova testemunhal, não implica que o Tribunal a quo esteja adstrito à realização da respetiva diligência de inquirição de testemunhas, na medida em que nos procedimentos cautelares a produção de prova para além da já produzida nos articulados é excecional e depende do livre-arbítrio do juiz na consideração da sua necessidade.

19º No que se refere ao Acórdão do TCAS datado de 10-12-2019, proferido no âmbito do Processo nº 185/07.5BEBJA:
O dito acórdão provém da apreciação de uma ação (administrativa especial, em segundo grau de jurisdição, a propósito da abertura do período de produção de prova previsto nos artigo 87º e 90º do CPTA, o qual não tem aqui cabimento em sede da presente providência cautelar, atento o disposto no artigo 118º do C.P.T.A.;

Por fim,

20º No que se refere ao Acórdão do STA, datado de 18-11-2021, proferido no âmbito do Processo nº 0228/13.3BECBR:
O mesmo admite preliminarmente o recurso de revista – do qual ainda não há decisão – em sede de apreciação de uma ação (administrativa) especial, a propósito da prolação do despacho saneador que considerou não existirem factos controvertidos com relevância para a decisão da boa causa, o qual, naturalmente, não tem aplicação em sede de providência cautelar.

Pelo que, salvo o devido respeito,

21º Não se verificam preenchidos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista excecional.

Sem conceder,

22º O acórdão recorrido analisou com todo o rigor exigível e de forma fundamentada as diversas questões que lhe foram suscitadas, não podendo fazer tábua rasa do processo disciplinar

23º E atenta a natureza e a provisoriedade da tutela cautelar, apreciou toda a prova requerida e pertinente, não olvidando que as partes apresentaram-se nos autos em posição de igualdade,

24º Inexistindo qualquer ofensa à presunção de inocência do recorrente, à igualdade das partes e do direito à tutela judicial efetiva

25º A subsistir o entendimento do recorrente de que o Tribunal errou na apreciação da prova, não fixando os factos da Acusação quando o devia fazer, estar-se-ia então perante um erro na apreciação da prova, o que, salvo o devido respeito, não é admissível em sede de revista, como decorre do nº 4 do artigo 150º do CPTA

26º Da leitura do processo administrativo resulta que os pressupostos fácticos da decisão estão suficientemente discriminados

27º Assentam nos elementos probatórios obtidos até ao momento,

28º E o juízo prudencial provisório formulado é compatível com esse acervo revelado nos autos,

Sendo que,

29º A decisão provisória comporta um nível de exigência da fundamentação suficiente e adequado ao tipo de procedimento em causa.

Por fim,

30º A questão que o recorrente pretende ver reapreciada nesta sede é a mesma que se apresenta também como central na e para o juízo e a solução definitiva e global do litígio a dar na ação principal.

Pelo que,

31º Mostrando-se a questão/pretensão apreciada em sede cautelar em dois graus de jurisdição de forma absolutamente clara e irrepreensível e em estreita sintonia com a jurisprudência do STA (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 10-11-2022, proferido no âmbito do Processo n.º 01286/22.5BEPRT).

32º Em sede de ação principal há-de iniciar-se e seguir-se um novo ciclo de decisões sobre elas no quadro principal, não se justificando submeter à análise da decisão recorrida para este Supremo.

Por todo o exposto,

33º Nenhum vício pode ser assacado ao acórdão recorrido».

4. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 12 de janeiro de 2023, considerando «que ante as questiones juris em discussão nos autos e que se mostram colocadas na presente revista, mormente a em torno do âmbito e dos limites dos poderes de controlo jurisdicional por parte do juiz administrativo quanto à prova procedimental produzida em sede de processo disciplinar e do que em sede de processo cautelar constitui a prova processual admissível e suas implicações em sede cautelar em termos da realização do direito à tutela jurisdicional efetiva, temos que as mesmas revestem de relevância jurídica dada a importância fundamental que assumem atentas as implicações que aportam não só na esfera dos sujeitos e dos entes que se mostrem envolvidos, mas, igualmente, no e para o funcionamento da justiça administrativa, na tramitação/preparação/instrução e julgamento dos processos judiciais cautelares/principais que tenham por objeto decisões disciplinares punitivas, revestindo a sua elucidação de complexidade/dificuldade, desde logo indiciada pelo voto de vencido aposto no acórdão recorrido, questões que se mostram suscetíveis de ressurgir ou de poderem ser repetidas e recolocadas em casos futuros».

5. Notificado para o efeito, o Ministério Público deu parecer no sentido «de julgar improcedente o presente recurso de revista» – artigo 146.º/1 do CPTA.

6. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo - artigo 36.º/1/f e 2 do CPTA.


II. Matéria de facto

7. As instâncias deram como indiciariamente provados os seguintes factos:

«A) O Requerente, foi, desde 13.05.2001, Professor Auxiliar da Faculdade de ... da Universidade do Porto, exercendo as suas funções em regime de exclusividade.

B) Em 24.01.2021, BB, estudante da Licenciatura em Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, dirigiu uma mensagem de correio eletrónico a CC, ... da Licenciatura e Mestrado em Ciências da Comunicação desta última faculdade, através do qual expôs, entre o mais, o seguinte:

Depois da reunião da Comissão de Acompanhamento da LCC, na segunda-feira passada, ao dizer que precisaríamos de provas concretas para sustentar as queixas graves que apresentamos sobre o Prof. Doutor AA, os alunos decidiram organizar-se e redigir duas queixas formais aos docentes em questão. O documento relativo ao Prof. AA tem 115 assinaturas do 2º e 3º ano da Licenciatura. Tal como indica no primeiro parágrafo dos documentos, peço que reencaminhe este email para a ... da FLUP, Prof. Doutora DD, a Prof. Doutora EE, na pessoa de ... da Comissão de Ética da FLUP, e o Prof. Doutor FF, na pessoa de ... do Conselho Pedagógico da FLUP. Acreditamos que a dimensão e gravidade das queixas que apresentamos justificam o envolvimento destes órgãos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e por isso, no melhor espírito democrático em dia de Eleição Presidencial, expomos as nossas preocupações e esperamos que justiça possa ser feita. Não servirá de muito aos que já terminaram as Unidades Curriculares, mas nestes documentos encontra 308 assinaturas de estudantes que querem melhorar esta Instituição de Ensino e melhorar a situação das gerações de Ciências da Comunicação que estão por vir. (cfr. fls. 6 a 7 do processo administrativo).

C) Em anexo à mensagem aludida na alínea anterior, BB procedeu ao envio de um documento, do qual se extrai, além do mais, o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 8 a 12 do processo administrativo).

D) Em 25.01.2021, CC reencaminhou esta mensagem e respectivo anexo para a Directora da Faculdade da Letras da Universidade do Porto (cfr. fls. 6 do processo administrativo).

E) Em 26.01.2021, a Directora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto reencaminhou a mensagem e respectivo anexo, “para conhecimento e eventual instauração de processo de averiguações”, ao Diretor da Faculdade de ... da Universidade do Porto (cfr. fls. 5 e 6 do processo administrativo).

F) O Director da Faculdade de ... da Universidade do Porto, em 28.01.2021, com referência aos documentos que antecedem, proferiu o despacho n.º ...21, do qual se extrai o seguinte:

(…) é suficientemente clara a existência de matéria factual para instaurar o competente Processo Disciplinar ao Professor Doutor AA, por estarem em causa, em abstrato, violação de deveres imputados aos trabalhadores, previstos no artigo 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual preconizada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março), bem como outros que deverão ser apurados, sem prejuízo de eventual apuro em matéria criminal.

Nomeio como instrutor a Sociedade de Advogados ―A... -, na pessoa do Dr. GG, Advogado, ao abrigo do artigo 1.º, alínea a) do Despacho n.º ...18, de 3 de julho de 2018, publicado no Diário da República n.º 162/2018, Série II de 2018-0823, em consonância com o artigo 108.º da LGTFP.

Considerando que:

(…)

Em reunião de Conselho Cientifico de 17 de janeiro de 2020, para o ano letivo 2020/2021, foi deliberado a seguinte distribuição de serviço docente ao Professor Doutor AA:

... (...) I Semestre – Licenciatura em ... – 3 turmas – 4H50 · ... (...) – II Semestre – Licenciatura em ... – 2 turmas – 6H00 · ... (...) – II Semestre – Lic. ... – 2 turmas – 6H00

Os factos relatados, em abstrato, violam deveres de prossecução do interesse público, de zelo, de obediência e de lealdade, previstos nos artigos 73.º, n.º 1 e 2, alíneas a), e), f) e g) da Lei Geral do Trabalho em funções públicas, com infração punível com sanção disciplinar de suspensão ou superior.

O alarme instalado na Universidade do Porto, nomeadamente na Faculdade de Letras, pelo facto de as condutas relacionadas estarem, em abstrato, relacionadas com o incitamento ao ódio e discriminação.

O Despacho Reitoral n.º ... da Universidade do Porto em que foi aplicado ao Professor Doutor AA uma sanção de suspensão por 30 dias, por condutas relacionadas com a mesma temática, mas em contexto diferente.

A presença e o exercício das funções docentes do Professor Doutor AA não se revela conveniente ao bom funcionamento das unidades curriculares em causa e ao apuramento da verdade.

Determino:

Ao abrigo do disposto no artigo 211.º da LGTFP, a suspensão preventiva ao Professor Doutor AA, com efeitos a 15 de fevereiro de 2021 e pelo prazo máximo de 90 dias, sem perda de retribuição. (…).

(cfr. fls. 3 e 4 do processo administrativo).

G) Em 29.01.2021, foi remetido ao Requerente, um ofício assinado pelo Diretor da Faculdade de ... da Requerida, a dar-lhe conhecimento do despacho que antecede (cfr. fls. 13 do processo administrativo).

H) Na mesma data, o secretariado daquela Faculdade, remeteu uma mensagem de correio eletrónico ao Requerente, a dar-lhe conhecimento do indicado despacho (cfr. fls. 27 do processo administrativo).

I) Em 01.02.2021, foi, pelo indicado Instrutor, dado início ao procedimento disciplinar (cfr. fls. 1 e 2 do processo administrativo).

J) Em 03.02.2021, a sociedade de advogados “A...” remeteu ao Requerente, por carta registada, com aviso de recepção, a comunicação do início do procedimento disciplinar (cfr. fls. 13 e 15 do processo administrativo).

L) A carta que antecede veio devolvida com a indicação de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 41 e seguintes do processo administrativo).

M) Com data de 12.02.2021, o Director da Faculdade de ... da Universidade do Porto emitiu “Aviso” para publicação em Diário da República (cfr. fls. 28 e 41 do processo administrativo).

N) Em 15.02.2021, o indicado Instrutor exarou a seguinte cota no processo:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

O) Nesta mesma data, o secretariado da Faculdade de ... da Universidade do Porto remeteu uma mensagem de correio eletrónico ao Requerente a dar-lhe conhecimento do aviso a que se reporta a alínea m) (cfr. folhas 26 e seguintes do processo administrativo).

P) Em 01.03.2021, e sob o assunto “Recurso ao Despacho N. ...21 do Exmo. Sr. diretor da ...”, o Requerente dirigiu ao Reitor da Universidade do Porto uma mensagem de correio eletrónico, do qual se extrai o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 68 do processo administrativo).

Q) Na sequência da mensagem aludida na alínea anterior, o Diretor da Faculdade de ... da Universidade do Porto proferiu o despacho n.º ...21, datado de 02.03.2021, do qual se extrai o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 71 do processo administrativo).

R) Em 03.03.2021, o secretariado da Faculdade de ... da Universidade do Porto dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao Requerente, dando-lhe conhecimento do despacho aludido na alínea que antecede (cfr. fls. 72 do processo administrativo).

S) Na mesma data, o secretariado da Faculdade de ... da Universidade do Porto remeteu ao Requerente, carta registada, com aviso de recepção, contendo o despacho em questão (cfr. fls. 72 e 73 do processo administrativo).

T) Em 09.03.2021, foi publicado, em Diário da República, o aviso de 12.02.2021. (cfr. fls. 89 do processo administrativo).

U) Na mesma data, o Instrutor do processo disciplinar, dirigiu uma mensagem de correio eletrónico à Directora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto solicitando-lhe o “envio dos resultados dos inquéritos pedagógicos realizados nos anos letivos 2018/2019 e 2019/2020 à unidade curricular ... - ... e ao respectivo docente, incluindo eventuais comentários que os estudantes possam ter escrito” (cfr. fls. 93 do processo administrativo).

V) Em 22.03.2021, o secretariado da Faculdade de ... da Universidade do Porto comunicou ao indicado Instrutor que a carta registada com aviso de recepção de 03.02.2021 foi devolvida (cfr. fls. 146 do processo administrativo).

X) Em 19.04.2021, foi publicado, em Diário da República, o Aviso nº ...21, o qual apresentava, entre o mais, o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 210 do processo administrativo).

Z) Em 27.04.2021, o referido Instrutor requereu ao Diretor da Faculdade de ... da Universidade do Porto, “se digne conceder a prorrogação de prazo não inferior a 120 dias para a conclusão das diligências de instrução, tendo em conta que impende sobre o Instrutor o dever de analisar com rigor toda a prova trazida para os autos” (cfr. fls. 222 e 248 do processo administrativo).

AA) Em 03.05.2021, o Diretor da Faculdade de ... da Universidade do Porto, com referência ao requerimento que antecede, exarou o seguinte despacho: “Deferido” (cfr. fls. 222 e 248 do processo administrativo).

BB) Em 19.05.2021, o Instrutor remeteu ao Requerente, carta registada, com aviso de recepção, comunicando-lhe a necessidade de proceder à sua inquirição e designando, para o efeito, o dia 26.05.2021, pelas 10h30m (cfr. fls. 223 e 224 do processo administrativo).

CC) Nesta data, o Requerente não compareceu à aludida inquirição, tendo o Instrutor exarado a seguinte cota no processo:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] cf. fls. 225 do processo administrativo).

DD) Em 31.05.2021, a carta aludida em …) veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 230 do processo administrativo).

EE) Em 01.06.2021, o instrutor dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao Diretor da Faculdade de ... da Universidade do Porto solicitando-lhe que diligenciasse, junto dos serviços competentes, no sentido de obter a disponibilização: (I) do processo disciplinar instaurado ao Requerente no ano de 2015; e de (II) certidão do registo disciplinar referente ao mesmo (cfr. fls. 226 do processo administrativo).

FF) Em 14.06.2021, o secretariado da Faculdade de ... da Universidade do Porto remeteu ao instrutor cópia da declaração de registo disciplinar respeitante ao Requerente, de cujo teor se extrai, com interesse, o seguinte: “consultado o processo individual de AA […] consta a sanção disciplinar de suspensão graduada em 30 dias, entre 17 de fevereiro e 18 de março de 2017” (cfr. fls. 235 e 236 do processo administrativo).

GG) Em 27.07.2021, o instrutor deu por concluídas as diligências de instrução (cfr. fls. 240 do processo administrativo).

HH) Com esta mesma data, o instrutor subscreveu um documento que identificou como “Relatório do Instrutor”, do qual se extrai o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 241 a 274 do processo administrativo).

II) Em 29.07.2021, foi, pelo Diretor da Faculdade de ... da Universidade do Porto, proferido despacho de concordância em relação ao teor do relatório aludido na alínea anterior (cfr. fls. 241 do processo administrativo).

JJ) Com esta mesma data, o Instrutor deduziu acusação no processo disciplinar, da qual se extrai, entre o mais, o seguinte:

[IMAGEM]

[restante imagem que aqui se dá por reproduzida] (cf. fls. 275 a 300 do processo administrativo).

LL) Em 30.07.2021, foi remetida ao Requerente, carta registada, com aviso de recepção, contendo a cópia da acusação aludida na alínea anterior, com o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 301 e 302 do processo administrativo).

MM) Na mesma data, foi remetida à Comissão de Trabalhadores da Universidade do Porto, por carta registada, com aviso de recepção, cópia da acusação (cfr. fls. 303 e 304 do processo administrativo).

NN) Em 12.08.2021, a carta de 03.07.2021 veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 306 do processo administrativo).

OO) Na mesma data, a carta aludida em mm), veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 308 do processo administrativo).
(cfr. fls. 305, do processo administrativo).

PP) Em 26.10.2021, foi publicado, em Diário da República, o Aviso nº ...21, o qual apresentava o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 309 a 311 e 313 do processo administrativo).

QQ) Em 09.12.2021, o Instrutor do processo, deu por concluídas todas as diligências de instrução (cfr. fls. 317 do processo administrativo).

RR) Com data de 14.12.2021, o Instrutor elaborou um documento que identificou como “Relatório do Instrutor”, do qual se extrai o seguinte: “[imagem que aqui se dá por reproduzida]

SS) Na mesma data, o relatório aludido na alínea anterior foi remetido ao Reitor da Requerida e ao Diretor da Faculdade de ... desta Universidade, que o receberam nesta mesma data (cfr. fls. 357, 358 e 378 do processo administrativo).

TT) Em 20.12.2021, o Diretor da Faculdade de ... da Universidade do Porto, dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao secretariado da Reitoria, pelo qual lhe comunicou que: “Considerando: 1) os fundamentos da decisão de abertura do Processo Disciplinar a que se refere o presente Relatório; 2) o facto de o referido processo ter sido conduzido de modo a apurar os dados relevantes e, forçosamente, assegurar os direitos do docente; 3) o facto de o docente ter prescindido de apresentar a sua visão pessoal dos factos; 4) a conclusão a que, fundamentadamente, chega o Instrutor; Nada tenho a opor à proposta de sanção formulada tal como consta do “Relatório do Instrutor”(cfr. fls. 357 do processo administrativo).

UU) Em 21.12.2021, o Reitor da Requerida remeteu à Comissão de Trabalhadores da Universidade do Porto, cópia integral do procedimento disciplinar instaurado ao Requerente, para que, no prazo de 5 dias úteis, pudesse juntar ao processo parecer fundamentado (cfr. fls. 359 do processo administrativo).

VV) A indicada Comissão não se pronunciou (cfr. fls. 362 a 372 do processo administrativo.

XX) Em 04.01.2022, foi elaborada uma informação pelos Serviços de Apoio Jurídico da Requerida de cujo teor se extrai, entre o mais, o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 362 a 372 do processo administrativo).

ZZ) Sobre a informação aludida na alínea anterior recaiu despacho do Reitor da Requerida, datado de 11.01.2022, com o seguinte teor: “Ao Senado da UP para pronúncia” (cfr. fls. 362 do processo administrativo).

AAA) Em 19.01.2022, em reunião do Senado da Requerida, foi deliberado, por 52 votos a favor e 6 contra, “dar parecer favorável à proposta do instrutor do processo disciplinar de aplicação de sanção disciplinar de despedimento do Professor Doutor AA, docente da Faculdade de ... da Universidade do Porto” (cfr. fls. 381 do processo administrativo).

BBB) Em 25.01.2022, o Reitor da Requerida, proferiu um despacho intitulado “Projeto de Decisão Final sobre Processo Disciplinar”, do qual se extrai o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

CCC) Em 26.01.2022, foi remetida, ao Requerente, carta registada, com aviso de recepção, concedendo-lhe o prazo de 10 dias úteis para se pronunciar em sede de audiência prévia quanto à referida proposta de decisão final (cfr. fls. 382 e 385 do processo administrativo).

DDD) Em 08.02.2022, a carta aludida na alínea anterior veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 383 e 384 do processo administrativo).

EEE) Em 14.02.2022, o Requerente dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao Reitor da Requerida, sob o assunto “Pedido de declaração de nulidade do despacho nº ...22, de 11 de fevereiro do diretor da ...”, com, entre o mais, o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 481 a 483 do processo administrativo).

FFF) Na mesma data, o Requerente remeteu ao Reitor da Requerida, carta registada, com aviso de recepção, da qual se extrai o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 481 a 483 do processo administrativo).

GGG) Em 21.02.2022, em resposta à mensagem de correio eletrónico acabada de referir, foi remetida ao Requerente carta registada, com aviso de recepção, com o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 480 do processo administrativo).

HHH) Na mesma data, em resposta à carta de 14.02.2022, foi enviado ao Requerente o ofício n.º ...22, o qual apresenta, entre o mais, o seguinte o teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 488 a 490 do processo administrativo).

III) Em 25.02.2022, foi publicado em Diário da República o aviso a que se reporta a alínea anterior, aí se fixando o prazo de 10 dias úteis para o Requerente, querendo, se pronunciar quanto à proposta de despacho final do processo disciplinar (cfr. fls. 1045).

JJJ) Em 07.03.2022, a carta de 21.02.2022 veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 477 a 479 do processo administrativo).

LLL) Em 08.03.2022, o ofício de 14.02.2022 veio devolvido pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 560 do processo administrativo).

MMM) Em 09.03.2022, o Requerente remeteu ao Reitor da Requerida, resposta da qual se extrai o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 503 a 556 do processo administrativo).

NNN) Em 22.03.2022, o Reitor da Requerida proferiu despacho no processo disciplinar em causa, da qual se extrai o seguinte:

[IMAGEM]

(cfr. fls. 562 a 571 do processo administrativo).

OOO) Em data não apurada, através do ofício nº ...22, foi remetida ao Requerente a decisão aludida na alínea anterior (cfr. fls. 573 do processo administrativo).

PPP) Em 05.04.2022, o ofício aludido na alínea anterior veio devolvido pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 575 e 576 do processo administrativo).

QQQ) Em 06.04.2022, o Requerente dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao secretariado da Reitoria, questionando se o Reitor da Requerida já havia dado “resposta às suas alegações e requerimento em Audição Prévia” e, em caso afirmativo, qual a resposta (cfr. fls. 591 e 592 do processo administrativo).

RRR) Em 11.04.2022, em resposta à mensagem aludida na alínea anterior, e também através de correio eletrónico, aquele secretariado comunicou ao Requerente, que:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 591 do processo administrativo).

SSS) Em 18.04.2022, aquele secretariado dirigiu nova mensagem de correio eletrónico ao Requerente comunicando-lhe que:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 593 do processo administrativo).

TTT) Em 21.04.2022, foi publicado, em Diário da República, o Despacho nº ...22, o qual apresentava o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. fls. 595 do processo administrativo)».



III. Matéria de direito

8. Antes de conhecer do mérito de presente recurso, importa conhecer da nulidade que vem imputada ao acórdão recorrido.
Alega o Recorrente que «o aresto em recurso não só violou o disposto no nº 3 do artº 607º do CPC – que lhe impõe especificar os factos que considera provados e os que entende não terem sido provados - , como seguramente enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC, uma vez que não tendo especificado como provados os factos que eventualmente considerava terem sido praticados pelo arguido não podia afastar a presunção de inocência e considerar que o arguido que se presumia inocente não logrou provar a sua inocência e o consequente fumus boni iuris».
Compulsados os autos, verifica-se, no entanto, que o acórdão recorrido especificou detalhadamente os fundamentos de facto que justificam a sua decisão, pelo que é manifesto que o Recorrente não tem qualquer razão.
O que o acórdão recorrido não fez, como pretendia o Recorrente, foi produzir nova prova sobre os factos que conduziram à sua incriminação, tendo considerado suficiente aquela que foi feita no procedimento disciplinar. Prova essa, diga-se, que o Recorrente não requereu, nem ofereceu nos autos, nomeadamente por entender que não o devia fazer à luz do princípio da presunção de inocência.
Ora, o Recorrente não pode pretender que a interpretação que faz do alcance do princípio da presunção de inocência em matéria disciplinar, e que não foi seguida pelo acórdão recorrido, constitua, simultaneamente, fundamento da sua nulidade e do seu erro de julgamento.
O tribunal a quo entendeu que não cabe, no presente processo, fazer nova prova dos pressupostos de facto da decisão punitiva, pois é o Recorrente que tem o ónus de «abalar a firmeza» daquele ato, «em termos de se concluir ser provável que se venha a demonstrar no processo principal existir erro nos pressupostos de facto da decisão punitiva». O que, de acordo com o seu critério, o Recorrente não fez.
À luz da sua ratio decidendi, os fundamentos de facto especificados pelo acórdão recorrido são, pois, suficientes para considerar que não se encontra verificado o requisito do fumus boni iuris, exigido pelo n.º 1 do artigo 120.º do CPTA para que possa ser decretada a suspensão da eficácia do despacho punitivo impugnado.

9. A questão de fundo que se discute no presente recurso, é, pois, a da determinação do conteúdo do princípio da presunção de inocência em matéria disciplinar no âmbito das relações jurídicas de emprego público.
Mais especificamente, a questão controvertida é a de saber se, no contencioso disciplinar, o princípio da presunção de inocência impõe ao tribunal que faça nova prova sobre a culpabilidade do arguido, ou se, pelo contrário, o mesmo se pode bastar com a prova feita no procedimento disciplinar que não tenha sido contraditada em juízo.
O Recorrente pretende que, presumindo-se a sua inocência, não se lhe pode exigir que tenha que demonstrar que é inocente para que se considere verificado o requisito do fumus boni iuris. Em sua opinião, o princípio da presunção de inocência impõe uma inversão do ónus da prova, cabendo, assim, à entidade pública demandada a prova de que a sua pretensão não fará vencimento na ação principal.
Partindo dessa premissa, o Recorrente interpela o Tribunal nos seguintes termos:

«a) – É compatível com o princípio constitucional da presunção da inocência que quem se presume inocente tenha de comprovar a aparência da sua inocência para evitar o início da produção de efeitos de uma pena disciplinar cuja execução imediata só e possível se houver uma presunção de culpabilidade?

b) – É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva e com o princípio da igualdade das partes (v. artº 6º do CPTA) que o Tribunal não permita a uma das partes provar os factos que alegara para fundamentar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos – designadamente que não praticara os comportamentos que lhe haviam sido imputados – que havia sido alegado para comprovar a aparência do bom direito e depois julgue não verificada a aparência desse direito com o argumento de que o processo instrutor aponta para que o arguido tenha praticado os comportamentos que lhe foram imputados?

c) - Qual a força probatória do processo instrutor, designadamente se é um documento que faz prova plena dos factos nele relatados ao ponto de tornar desnecessária a realização de qualquer outra prova legalmente admissível que tenha sido requerida e permita comprovar a aparência do bom direito?

d) – É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva, com o princípio da presunção da inocência e com o disposto nos nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, que o Tribunal considere que o arguido não logrou demonstrar a aparência da sua inocência quando esse mesmo Tribunal não especificou nem deu por provado qualquer facto ou comportamento que que tivesse sido praticado pelo arguido e que pudesse indiciar a prática de um ilícito disciplinar?»

Vejamos então.

10. Não existem dúvidas de que o princípio da presunção de inocência estabelecido no número 2 do artigo 32.º da Constituição das República Portuguesa (CRP) para o processo criminal também se aplica no domínio disciplinar da função pública, quer por força do número 10 daquele mesmo artigo, quer, sobretudo, por força do número 3 do seu artigo 269.º.
Isso não significa, no entanto, que a sua aplicação se faça, neste âmbito, com a mesma intensidade que no domínio criminal, pois como já tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal Constitucional, o princípio da presunção de inocência não tem, nos demais processos sancionatórios, tanto contraordenacionais como disciplinares, «o mesmo peso axiológico que têm no âmbito criminal, em virtude do diferente alcance ablativo das sanções cominadas e da diferente ressonância social das infrações» - cfr. Acórdão do TC n.º 123/18; v. também os Acórdãos do TC n.ºs 526/2015 e 541/2020, todos publicados em www.tribunalconstitucional.pt.

11. Também não existem dúvidas de que, daquele princípio, e dos demais direitos de audiência e defesa que a Constituição confere ao arguido, decorre que os tribunais não estão vinculados à prova produzida no procedimento disciplinar, podendo, e devendo, reapreciar o julgamento de facto realizado pela Administração em toda a sua extensão, como este Supremo Tribunal Administrativo, aliás, já afirmou no seu Acórdão de 11 de março de 2021, proferido no Processo n.º 0301/14.0BEBGR.
É certo que, no domínio cautelar, em que estamos, a prova é, por definição, perfunctória, mas tal não obsta que o requerente possa carrear para o processo factos suficientes para demonstrar, ainda que de forma indiciária, que a decisão punitiva enferma de erro nos seus pressupostos de facto, e assim preencher o requisito do fumus boni iuris exigido pelo número 1 do artigo 120.º do CPTA.
Mas não foi isso que o Recorrente fez nos presentes autos, limitando-se a afirmar genericamente que, no processo disciplinar, não foi feita prova suficiente da sua culpabilidade, sem, contudo, apresentar ou requerer, no processo judicial, os meios de prova necessários para que o juiz possa formar a convicção de que, muito provavelmente, aquele juízo administrativo não se poderá manter.

12. Ora, o presente processo é cautelar de uma ação de impugnação, pelo que não tem, nem pode ter, a estrutura acusatória que o Recorrente pretende que deva ter. Trata-se de uma ação que visa controlar a legalidade da decisão punitiva, pelo que, necessariamente, o ónus da prova da sua ilegalidade é do respetivo autor.
Na verdade, as ações impugnatórias subordinam-se ao princípio do dispositivo, pelo que a presunção de inocência do arguido não inverte o ónus da prova, nem implica um reexame – uma reapreciação global – de toda a matéria que foi objeto de apreciação no procedimento disciplinar, mas apenas um controle da legalidade da decisão punitiva, na exata medida dos fundamentos da sua impugnação.

13. O que o Recorrente questiona, no fundo, são os próprios fundamentos do sistema de administração executiva, quando aplicado ao direito disciplinar da função pública, dado que o seu entendimento da aplicação do princípio da presunção de inocência, neste domínio, apenas é compatível com um sistema em que o poder punitivo não pertence à Administração, mas aos Tribunais, ou um sistema em que as decisões punitivas da Administração não são eficazes enquanto não forem confirmadas por uma decisão judicial transitada em julgado ou, pelo menos, um sistema em que a impugnação das decisões punitivas suspenda automaticamente a respetiva eficácia.
Mas não é, e não tem de ser, assim.
As decisões punitivas da Administração não gozam de uma presunção de legalidade, e os tribunais gozam de poderes de plena jurisdição no controle da sua legalidade, mas isso não diminui o seu poder de autotutela declarativa e executiva em matéria disciplinar, nem a tal obriga o princípio da presunção da inocência.
O princípio da presunção de inocência, recorde-se, não se projeta sobre o direito disciplinar com a mesma intensidade que se projeta sobre o direito criminal, e não impede que a Administração exerça o poder punitivo, e que promova a execução das decisões que a esse respeito vier a tomar, respeitadas que sejam as garantias de audiência e defesa impostas pelo número 3 do artigo 269.º da CRP. É, aliás, isso que decorre do princípio da responsabilidade disciplinar dos funcionários e agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções, que decorre do no número do artigo 271.º da CRP.

14. Do exposto resulta, também, que a estrutura do processo de impugnação de decisões punitivas, e das respetivas providências cautelares, não ofende os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da igualdade entre as partes, previstos nos artigos 6.º e 7.º do CPTA, tanto mais que, como já se notou, os tribunais gozam de plenos poderes para reapreciar o julgamento de facto realizado pela Administração em toda a sua extensão, podendo, não apenas anular ou declarar a nulidade daquelas decisões, como, inclusive, determinar provisoriamente a suspensão da sua eficácia, se se verificarem os requisitos estabelecidos na lei para o efeito. Desde que os autos contenham a matéria de facto que permita decidir nesse sentido.
Daí que as demais interpelações feitas pelo Recorrente a este Supremo Tribunal Administrativo não façam sentido, na medida em que o mesmo não alegou factos novos, nem contraditou os existentes, em termos suficientes para abalar a convicção do tribunal a quo de que, muito provavelmente, a sua pretensão não será procedente no julgamento que, a final, será proferido no processo principal.
Ou seja, nem o tribunal a quo, nem o tribunal de primeira instância, impediram o Autor, ora Recorrente, de provar os factos alegados para demonstrar a verificação do alegado vício de erro nos pressupostos de facto da decisão punitiva. Limitaram-se a considerar que o mesmo não alegou quaisquer factos, ou factos suficientes, para fazer essa prova.

15. Assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que o acórdão recorrido não ofendeu os princípios da presunção de inocência do arguido, da tutela jurisdicional efetiva e da igualdade de armas entre as partes processuais, pelo que o presente recurso não pode proceder.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso, e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente. Notifique-se

Lisboa, 9 de março de 2023. - Cláudio Ramos Monteiro (relator) – José Francisco Fonseca da Paz - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.