Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0808/10
Data do Acordão:12/07/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
PRAZO
MATÉRIA COLECTÁVEL
DETERMINAÇÃO DE LUCRO TRIBUTÁVEL
Sumário: I – O regime simplificado de determinação do lucro tributável, previsto no artigo 53.º do Código do IRC, tem carácter facultativo e não obrigatório - sob pena de violação da disposição constitucional de que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa).
II – A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos nomeadamente na declaração de início de actividade [alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do Código do IRC].
III – A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável tem validade por um período de três exercícios, nos termos do n.º 8 do artigo 53.º do Código do IRC (aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 30 de Dezembro).
Nº Convencional:JSTA000P12438
Nº do Documento:SA2201012070808
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou não provada e improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação de IRC, respeitante ao ano de 2007, dela vem interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. O Tribunal a quo interpretou as normas conjugadas dos n.°s 1, 2, 7, 8 e 9 do art. 53.° do CIRC no sentido de, independentemente da opção pelo enquadramento no regime geral aquando da declaração de início de actividade, o contribuinte ficar automaticamente enquadrado no regime simplificado de determinação do lucro tributável, quando, entretanto, em algum dos três exercícios após o início de actividade, obtiver rendimento tributável inferior a € 149.639,37.
II. De acordo com uma correcta interpretação das normas conjugadas dos n.°s 1, 2, 7, 8 e 9 do art. 53.° do CIRC, deve entender-se que a opção pelo enquadramento no regime geral aquando da declaração de início de actividade é válida para os três exercícios seguintes ao início de actividade, independentemente de em algum destes exercícios o rendimento tributável ser inferior a € 149.639,37.
III. Ao interpretar as normas conjugadas dos n.°s 1, 2, 7, 8 e 9 do art. 53.° do CIRC conforme referido sob Conclusão I e não conforme referido sob Conclusão II o Tribunal a quo errou na respectiva interpretação.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a sentença deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da procedência da impugnação judicial, sufragando-se, para o efeito, na jurisprudência desta Secção do STA.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. A Administração Fiscal procedeu à liquidação de IRC n° 2008 2310337269, relativa ao ano de 2007, no valor de 9 342.25 €, com data limite de pagamento em 17.09.2008;
2. A impugnante iniciou a sua actividade em 11.12.2006 (fls. 45 a 47 dos autos);
3. A impugnante na declaração de início de actividade assinalou a opção pelo regime geral de determinação de lucro tributável e indicou como volume de negócios previsível de 40000.00€ mensais perfazendo 480 000.00 € ano (fls.54 a 60 dos autos);
4. A impugnante apresentou o modelo 22 do IRC, relativo ao exercício de 2007, obteve proveitos no valor de 103 466.21 €;
5. A Administração Fiscal enquadrou a impugnante no ano de 2007, no regime simplificado;
6. Em 01.10.2008 a impugnante deduziu a impugnação judicial.
3 – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se a Recorrente deve ser tributada segundo o regime simplificado ou o regime geral de IRC, relativamente ao ano de 2007.
A Recorrente, quando apresentou a declaração de início de actividade, em 2006, indicou € 480.000,00 como valor estimado do volume anual de negócios.
Nesse ano, porém, o montante dos proveitos declarados pela Recorrente foi de € 103.466,21 (Embora este facto não tenha sido incluído no probatório, é dado como assente na sentença recorrida, a fls. 80), não atingindo, assim, o valor de € 149. 639,37, referido no art. 53.º, n.º 1, do CIRC, na redacção dada pelo DL n.º 198/2001, de 3 de Julho.
A Administração Tributária, sem que a Recorrente tivesse efectuado opção explícita por tributação nos termos do regime simplificado, fixou a matéria tributável de 2007 de harmonia com as regras deste regime.
Na sentença recorrida, entendeu-se que a declaração de proveitos em montante inferior ao valor de 149,639,37 euros, determina o automático enquadramento no regime simplificado, dado que não veio expressar a sua opção pelo regime geral.
Vejamos se lhe assiste razão.
4 – Como se escreveu no acórdão desta Secção do STA de 11/3/09, in rec. nº 831/08, em que o Relator é o mesmo, “de acordo com os termos do artigo 53.º do Código do IRC, na redacção da Lei nº 30-G/2000, de 30 de Dezembro, é permitido aos sujeitos passivos optar pelo apuramento do lucro tributável de acordo com as regras definidas para o regime simplificado de tributação.
Este regime é aplicável aos sujeitos passivos de IRC residentes que satisfaçam, cumulativamente, os seguintes pressupostos: a) exerçam, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola; b) não estejam isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação; c) não estejam obrigados à revisão legal de contas; d) apresentem no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total de proveitos inferior a 149.639,37 € (cerca de 30.000 contos); f) não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável.
No exercício do início da actividade, o enquadramento faz-se em conformidade com o volume de proveitos estimados para um ano de actividade.
O regime simplificado só é aplicável quando os sujeitos passivos não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro, previsto nos artigos 17.º a 46.º do Código do IRC.
A opção pelo regime geral deve ser formalizada: na declaração de início de actividade; ou na declaração de alterações referida nos artigos 110.º e 111.º do Código do IRC, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime – cf. a alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do Código do IRC.
Uma vez efectuada a opção pelo regime geral, a mesma é válida por um período de 3 exercícios, findo o qual caduca, excepto se for renovada através de uma declaração de alterações no prazo referido – cf. o n.º 8 do artigo 53.º do Código do IRC.
Não sendo exercida a opção pela aplicação do regime geral e verificando-se os requisitos de enquadramento no regime simplificado, este regime é aplicado automaticamente por um período de 3 exercícios, sendo prorrogado por iguais períodos. Caso o sujeito passivo não pretenda ver prorrogada a aplicação do regime simplificado, deverá comunicar a opção de transitar para o regime geral, mediante declaração de alterações, no prazo mencionado.
O regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade. Temos deste modo uma daquelas situações em que a lei atribui relevância à vontade do contribuinte e em que este pode optar pelo regime que considera mais favorável – cf. Saldanha Sanches, Fiscalidade, Julho/Outubro de 2001.
No regime simplificado o contribuinte será tributado com base num lucro normal – que será o resultante da aplicação de indicadores de base técnica definidos para os diferentes sectores da actividade económica – cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, p. 551.
A tributação segundo o regime simplificado é facultativa, sendo colocada na disponibilidade do sujeito passivo a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º do Código do IRC. A opção feita na declaração de início de actividade pela aplicação do regime geral releva para os três exercícios seguintes (n.º 7 do referido artigo 53.º), ainda que esse regime já resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial – cf. o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-5-2008, proferido no recurso n.º 10/08.
E o certo é que o regime simplificado de tributação de IRC, previsto no artigo 53.º do Código do IRC, é de carácter facultativo, e, por isso, não contende com o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real fundamentalmente – cf. o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-2-2007, proferido no recurso n.º 959/06”.
No caso em apreço, segundo o probatório, a impugnante, ora recorrida, «iniciou a sua actividade em 11/12/06 (fls. 45 a 47 dos autos)»; «a impugnante na declaração de início da actividade assinalou a opção pelo regime geral de determinação de lucro tributável»; « indicou como volume de negócios previsível de 40.000.00 € mensais perfazendo 480.000.00 € ano (fls.54 a 60 dos autos); «A impugnante apresentou o modelo 22 do IRC, relativo ao exercício de 2007, obteve proveitos no valor de 103 466.21 €»; «A Administração Fiscal enquadrou a impugnante no ano de 2007, no regime simplificado».
Perante este comportamento declarativo, feito no início de actividade, em 2006, em que se “opta pelo regime geral de determinação do lucro tributável”», é válida a opção da impugnante, ora recorrida, pelo regime geral de determinação do lucro tributável relativamente ao exercício, aqui em causa, do ano de 2007.
“Com efeito e como se viu, uma vez efectuada a opção pelo regime geral, a mesma é válida por um período de 3 exercícios, sendo certo que o regime simplificado só é aplicável quando os sujeitos passivos não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro.
Pelo que não tem fundamento o enquadramento, que a Administração Fiscal fez, da impugnante, ora recorrida, no regime simplificado para efeitos de determinação do lucro tributável relativamente ao exercício do ano de 2007.
Estamos, deste modo, a dizer, e em resposta ao thema decidendum, que a determinação do lucro tributável de IRC da impugnante, ora recorrida, em relação ao exercício do ano de 2007, não deve ser operada de acordo com as regras definidas para o regime simplificado de tributação.
…E, então, havemos de convir que o regime simplificado de determinação do lucro tributável, previsto no artigo 53.º do Código do IRC, tem carácter facultativo e não obrigatório – sob pena de violação da disposição constitucional de que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa).
A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos nomeadamente na declaração de início de actividade [alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do Código do IRC].
A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável tem validade por um período de três exercícios, nos termos do n.º 8 do artigo 53.º do Código do IRC (aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 30 de Dezembro) ”.
De resto, mesmo que a recorrente tivesse estimado, na declaração de início de actividade, proveitos inferiores a € 149.639,37, não havia qualquer obstáculo a que fosse tributada pelo regime geral, pois, como resulta da parte final do nº 1 do referido artº 53º, mesmo os contribuintes que estivessem em condições de serem tributados pelo regime simplificado, podiam optar por afastar este regime.
Assim, tem de se concluir que foi ilegal a actuação da Administração Tributária ao determinar da matéria tributável de IRC da recorrente no ano de 2007 segundo as regras do regime simplificado.
Neste mesmo sentido, pode ver-se, também, os Acórdãos desta Secção do STA de 18/6/08, in rec. nº 205/08, que ali foi seguido de perto; de 26/11/08, in rec. nº 733/08; de 10/12/08, in rec. nº 874/08; de 22/4/09, in rec. nº 1.114/08 e de 14/7/10, in rec. nº 268/10.
5 – Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e, em consequência, anular o acto de liquidação impugnado, por vício de violação de lei.
Custas pela Fazenda Pública, apenas na 1.ª instância, fixando-se a procuradoria em 1/8, uma vez que neste Supremo Tribunal Administrativo não contra-alegou.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2010. - Pimenta do Vale (relator) – Jorge Lino - Casimiro Gonçalves.