Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03198/16.2BELRS
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
BANCO
PRINCIPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA
Sumário:I - A Contribuição sobre o Sector Bancário tem natureza jurídica de contribuição financeira;
II - As normas que aprovaram o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário em vigor no ano de 2014 não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, nem material, não violando os princípios constitucionais da legalidade, da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, da capacidade contributiva e da equivalência.
Nº Convencional:JSTA000P29614
Nº do Documento:SA22022062203198/16
Data de Entrada:09/28/2021
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………, S.A., com sede na Avenida ………, n.º ……, 1000-…… Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ………, recorre da sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial, por si deduzida, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3069201604004531, relativa ao ato de autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário referente ao exercício de 2014, datada de 30.06.2014, no valor de € 27.355.478,49.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

1.ª A douta sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente contra o ato de autoliquidação da CSB de 2014;

2.ª Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na qualificação do tributo como contribuição financeira;

3.ª A evolução de regime jurídico de tributação sectorial da Banca em Portugal foi a seguinte: em 2011 e 2012 vigorou no nosso ordenamento um regime extraordinário de tributação do sector bancário, a CSB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais; em 2013 e 2014, vigoraram em paralelo dois regimes distintos de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CSB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, e (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas; a partir de 2015, inclusive, vigoram em paralelo três regimes de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CSB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas, e (iii) as contribuições comunitárias cobradas pelo Fundo de Resolução;

4.ª Apenas as contribuições para o Fundo de Resolução (contribuições dos participantes, iniciais, periódicas e especiais) e as contribuições comunitárias (ex ante e ex post), pela sua estrutura, pressuposto e desígnio, são verdadeiras contribuições, não assim a CSB;

5.ª No relatório do Orçamento do Estado para 2011 refere-se que a CSB tem como propósito “(…) aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro (…) para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos (…)”, finalidades próprias dos impostos e não das contribuições financeiras, porquanto visam, por um lado, atingir a capacidade contributiva dos sujeitos passivos do sector financeiro e, por outro lado, desincentivar e penalizar a detenção de determinados instrumentos financeiros e passivos;

6.ª No âmbito da caracterização da natureza do tributo, também não releva a finalidade alegada pelo legislador de prevenção de riscos sistémicos, nem tão-pouco a criação do Fundo de Resolução, cuja afetação da receita ocorreu em momento posterior à extinção da relação jurídica;

7.ª Não se pode concluir por um perfil preventivo do tributo pela simples circunstância da incidência objetiva da CSB sobre o passivo pois a atividade bancária consiste, por natureza e definição, na receção de depósitos do público para a concessão de crédito, o que significa que a assunção de passivos é-lhe intrínseca;

8.ª O regime da CSB prevê uma incidência objetiva sobre o passivo de toda a espécie em balanço, não operando distinções em relação ao tipo de passivo e não atendendo ao perfil de risco das instituições de crédito, diferentemente das demais contribuições setoriais;

9.ª A base de incidência residual do tributo – instrumentos financeiros derivados – tão-pouco traduz uma dissuasão de comportamento avesso ao risco;

10.ª O desígnio primordial da CSB é o financeiro e não a prevenção de comportamentos, desde logo porque o imposto extraordinário, avulso e temporário aqui em causa, sempre foi exógeno (aplicado a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que o sujeito passivo possa adequar a sua atuação);

11.ª Porém, mesmo que os fins da extrafiscalidade estivessem de facto presentes na CSB, tal natureza pigouviana do imposto mais reforçaria a correspondente natureza fiscal, e não a natureza de contribuição;

12.ª Por outro lado, não é possível identificar na CSB a contraprestação de uma prestação pública específica porquanto: (i) a intervenção estatal para resgate de um banco, na era pré-resolução, não é juridicamente uma prestação que se possa dizer, com certeza, segura, e (ii) a estrutura do tributo, no caso particular da CSB 2012 e 2013, não reflete uma comparticipação nos potenciais encargos estatais com uma futura intervenção pública no sector bancário;

13.ª Diferentemente das posteriores contribuições para o Fundo de Resolução ou diferentemente das contribuições comunitárias, não existe na CSB qualquer pretensão de onerar em função de uma prestação pública específica, não existe qualquer pretensão de onerar em função do risco;

14.ª Em suma, desassociando a CSB daquilo que lhe não está associado (a criação e funções do Fundo de Resolução), como se impõe que se faça em termos jurídicos, não pode senão concluir-se que não é contrapartida de nenhuma prestação pública específica, mas antes se qualifica como imposto (tal como classificada pelo legislador orçamental);

15.ª No que concerne a violação da proibição da retroatividade da lei fiscal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, pois, não obstante reconhecer que a CSB “(…) incidirá sobre os passivos contraídos anteriormente (2013) (…)”, considera que para este efeito releva a aprovação das contas, e portanto, “(…) uma vez que as mesmas são aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição”, não há retroatividade. (cf. p. 28 da sentença recorrida);

16.ª No caso vertente, o facto tributário - facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência da taxa e que determina o nascimento da obrigação tributária – é a assunção/manutenção dos passivos e instrumentos financeiros derivados, num determinado período, e, ao contrário do que se refere na sentença recorrida, a aprovação das contas não forma parte do facto tributário, não assume, de acordo com o previsto no regime da CSB, o relevo jurídico de fazer eclodir a obrigação tributária;

17.ª O facto tributário é um facto da vida corrente que ocorre independentemente da sua quantificação (cf. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, 1981, p. 249 e 250), o qual, na situação da CSB, é a mera existência de passivo nas contas da sociedade, a 31 de dezembro;

18.ª O elemento objetivo do facto tributário é independente e necessariamente prévio ao objeto do imposto que, por sua vez, consubstancia a manifestação de riqueza/matéria coletável, e que já tem subjacente um cariz quantitativo;

19.ª A existência do passivo e a detenção dos instrumentos financeiros derivados configuram, de acordo com a norma de incidência objetiva [cf. artigo 3.º do regime jurídico da CSB], o facto tributário da CSB;

20.ª Os passivos apurados e registados no balanço de encerramento do exercício, in casu a 31 de dezembro, não podem ser modificados em momento posterior, pelo que, em momento algum, pode ser atribuída relevância para efeitos do facto gerador do imposto ao momento da aprovação de contas. De igual modo, a detenção de instrumentos financeiros derivados;

21.ª De facto, sendo o elemento objetivo do facto tributário o passivo, bem como a detenção de instrumentos financeiros, os quais não podem ser modificados após o encerramento do exercício, é pois evidente que a aprovação de contas não assume qualquer relevância para este efeito, configurando o mero cumprimento de uma formalidade;

22.ª A admitir-se que o facto gerador da CSB se verifica com a aprovação de contas, ter-se-ia de concluir, ad absurdum, pela possibilidade de o sujeito passivo, consoante a data escolhida para tal aprovação, eleger o momento da ocorrência do facto tributário;

23.ª Todavia, uma interpretação deste tipo conduz a um verdadeiro absurdo jurídico, porquanto admite que se o sujeito passivo não aprovar as contas, fica excluído da obrigação do tributo!

24.ª No que respeita à CSB de 2014 o facto tributário consolidou-se em 31.12.2013 com o encerramento do exercício, pelo que o artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, conjugadamente com a norma do artigo 3.º do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, ao determinar a incidência sobre exercício anual encerrado antes de 01.01.2014, configura uma situação de retroatividade em sentido próprio, ou em primeiro grau, a qual é pacificamente reconhecida como sendo o grau de retroatividade proibido pelo n.º 3 do artigo 103.º da CRP;

25.ª De referir que à conclusão supra, não se pode contrapor a qualificação jurídica da CSB, uma vez que, mesmo que se conclua que a CSB tem natureza de contribuição financeira, ainda assim, é aplicável a proibição da retroatividade da lei fiscal (cf. neste sentido, acórdão n.º 63/06, de 24.01.2006, o Tribunal Constitucional);

26.ª No que respeita à violação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, também não assiste razão ao Tribunal, porquanto, apesar de o tributo em apreço ter sido discutido a nível europeu, o regime jurídico da CSB em nada coincide com as conclusões obtidas a nível internacional, as quais, visavam soluções a longo prazo;

27.ª A CSB foi criada para alcançar o equilíbrio orçamental, tendo a receita sido alocada ao orçamento do estado, configurando receita geral do Estado e não ficando afeta à prevenção de crises futuras;

28.ª A CSB não previu um período de adaptação e a entrada em vigor do regime jurídico ocorreu in totum;

29.ª A Recorrente, viu-se, a partir de 2011, confrontada com o pagamento de um novo imposto com o qual não podia razoavelmente contar, com referência ao período (passado);

30.ª Por outro lado, atendendo à existência de alternativas viáveis do mesmo tipo e que permitiam obter a mesma receita sem infringir a Constituição, designadamente a consideração do período de referência subsequente à entrada em vigor da nova lei, deveria ter concluído o Tribunal a quo que as disposições sindicadas não passam o teste da necessidade;

31.ª Como referido, no caso vertente o facto tributário consolidou-se em 31.12.2013 com o encerramento do exercício de 2013, pelo que, tendo as normas em apreço entrado em vigor em 01.01.2014, tal configura uma compressão das expectativas legítimas da Recorrente e, por conseguinte, colide com o princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, ínsito no artigo 2.º da CRP;

32.ª E esta conclusão quanto à violação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica não é abalada pelo facto de se poder concluir pela qualificação da CSB como contribuição financeira, uma vez que este princípio também é aplicável às contribuições (cf. neste sentido, o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 135/2012, de 07.03.2012);

33.ª No que concerne a violação do princípio da legalidade, o Tribunal a quo sustenta que, quer o âmbito de incidência objetiva, quer as taxas, se encontram determinados no regime da CSB, razão pela qual este princípio não se mostra violado;

34.ª A base de incidência objetiva da CSB encontra-se prevista no artigo 3.º do regime da CSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, cuja vigência foi prorrogada para 2014 pelo artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, todavia, este preceito legal não prevê qualquer detalhe sobre o que deve entender-se por passivo e instrumentos financeiros para efeitos de CSB, não contendo a densificação suficiente da incidência objetiva, enquanto elemento essencial do imposto;

35.ª A determinação da base de incidência objetiva da CSB só é tornada possível por via do artigo 4.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março;

36.ª Deste modo, o artigo 3.º do regime da CSB é materialmente inconstitucional, na medida em que o mesmo não define, como se impõe na lei constitucional, todos os aspetos essenciais do novo imposto, designadamente a incidência objetiva do imposto e, por seu turno, o artigo 4.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março é organicamente inconstitucional na medida em que inova sobre a base de incidência de um imposto;

37.ª A taxa da CSB encontra-se prevista no artigo 4.º do regime da CSB, aprovado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para 2014 pela Lei n.º 83-C/2013, prevê no n.º 1 que “A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea a) do artigo anterior varia entre 0,01 % e 0,07 % em função do valor apurado.” e no n.º 2 que “A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea b) do artigo anterior varia entre 0,000 10 % e 0,000 30 % em função do valor apurado.”

38.ª O intervalo de taxas fixado no preceito legal não se afigura razoável, pois, tal intervalo de décimas traduz-se em milhões de euros de coleta, o que não pode deixar de ser relevado neste âmbito;

39.ª As taxas aplicáveis, em sede de CSB, vieram a ser determinadas no âmbito do artigo 5.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, que na redação aplicável prevê “1 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea a) do artigo 3.º é de 0,07 % sobre o valor apurado. 2 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea b) do artigo 3.º é de 0,000 30 % sobre o valor apurado.”;

40.ª O Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de aceitar que a Assembleia da República estabeleça apenas intervalos de taxas, todavia, exige-se (i) a existência de um princípio constitucional que justifique a limitação do princípio da legalidade e, por outro lado (i) que o intervalo de taxas se afigure razoável;

41.ª No caso vertente não se verifica qualquer princípio constitucional que legitime a compressão do princípio constitucional da legalidade, como se verificava nas situações sobre as quais o Tribunal Constitucional já se debruçou, designadamente, no acórdão n.º 57/95, de 16.02.1995, e n.º 711/2006, de 29.12.2006;

42.ª Por outro lado, o intervalo de taxas fixado pelo legislador parlamentar não confere um mínimo de certeza quanto à determinação do quantitativo do tributo, uma vez que deixa por clarificar a abrangência qualitativa da base de incidência e fixa um intervalo absolutamente desrazoável, permitindo uma elevação desde um mínimo até ao seu dobro ou quíntuplo, sem qualquer indicação de critérios de orientação na opção de fixação do concreto quantitativo da taxa;

43.ª A título exemplificativo, se o montante da base de incidência prevista na alínea a) do artigo 3.º do regime da CSB for de € 100.000.000,00, a coleta a determinar nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da CSB poderá variar no ano de 2014 entre € 10.000,00 [€ 100.000.000,00 x 0,01%] e € 70.000,00 [€ 100.000.000,00 x 0,07%];

44.ª O artigo 4.º do regime da CSB é materialmente inconstitucional, na medida em que não define as concretas taxas de imposto e o artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, é organicamente inconstitucional na medida em que inova sobre a base de incidência de um imposto;

45.ª A respeito da violação do princípio da igualdade, entendeu o Tribunal a quo que à CSB, porque se trata de verdadeira contribuição, regida pelo princípio da equivalência, não tem porque aplicar-se o princípio da capacidade contributiva enquanto critério uniforme de tributação;

46.ª Entende a Recorrente que, face ao carácter meramente financeiro da CSB, a qual visa aumentar a carga tributária do sector para, alegadamente, nivelá-la com a dos demais contribuintes, encerra arbítrio aplicar este adicional de imposto de acordo com um critério distinto do aplicável aos demais contribuintes e não coincidente com o da capacidade contributiva;

47.ª Como refere o Tribunal Constitucional, não pode uma determinada norma colher legitimidade e justificação na proclamação do objetivo de reforma do sistema e, simultaneamente, configurar-se como uma medida extraordinária e de vigência transitória (cf. Acórdão n.º 862/2013, de 19 de dezembro de 2013);

48.ª A igualdade na distribuição dos sacrifícios exigiria, no entender da Recorrente, que os impostos extraordinários, os adicionais, as derramas ou sobretaxas especiais, se aplicassem a todos de acordo com a capacidade contributiva;

49.ª A CSB, desrespeitando a generalidade e o critério da capacidade contributiva ao qual todos os impostos devem obedecer, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade fiscal resultante do artigo 13.º da CRP;

50.ª Por último, ainda que se classificasse a CSB como uma verdadeira contribuição, no que não se concede, sempre esta incorreria em violação do princípio da equivalência;

51.ª Sendo verdadeira contribuição, impunha-se que houvesse uma relação entre o tributo e a prestação estadual provável, designadamente modulando a carga tributária em função dos maiores ou menores riscos, tal como sucede nas demais figuras tributárias específicas do sector bancário;

52.ª A CSB é o único tributo, dos específicos do sector bancário, que não atende à proporção/rácio de capital próprio das instituições de crédito, à respetiva situação de solvabilidade;

53.ª A CSB não foi criada para capitalizar um Fundo de Resolução; a CSB é o único tributo, dos específicos do sector bancário, que não foi criada em acompanhamento de um regime de resolução bancária e com o fito de capitalizar um Fundo de Resolução;

54.ª Assim, tem-se por afetado o princípio da equivalência por desproporcionalidade stricto sensu quando o legislador opta por um tributo extraordinário, não prospetivo, descomprometido com qualquer modulação em função do perfil de risco, sem afetação prévia da receita à prossecução de uma finalidade específica, tendo presente que era perfeitamente possível conformar de outra forma a contribuição de modo mais respeitador da “equivalência prestação/contraprestação” e o legislador disso tinha plena consciência;

55.ª Em face do exposto, não poderá deixar de se considerar que o normativo do artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, conjugadamente com os artigos 2.º, 3.º e 4.º do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, padecendo por isso de inconstitucionalidade material;

56.ª Deste modo, não pode a decisão recorrida manter-se, devendo ser revogada e substituída por decisão de procedência integral da impugnação, com o consequente reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT;

57.ª Por fim, requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 616.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, a reforma da sentença quanto a custas, uma vez que, no entender da Recorrente, estão verificados os pressupostos previstos no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, pelo que deverá ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela impugnação judicial.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse determinada a anulação da sentença recorrida e do ato de autoliquidação sub judice nos termos peticionados.

A Recorrida não contra-alegou.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, foram com vista ao Ministério Público, que lavrou douto parecer, concluindo nos seguintes termos:

«(…)

Nestes termos, com os fundamentos expostos, deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida e deferida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça».

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.


◇◇◇

2. Na douta sentença recorrida foram relevados e julgados provados os seguintes factos: «(...)

1) Em 30/06/2014, a Impugnante apresentou a declaração modelo 26 referente à contribuição sobre o setor bancário respeitante ao ano de 2014 (cfr. docs. 1 junto Tribunal Tributário de Lisboa 3 com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) Para efeitos do tributo a autoliquidar, a Impugnante considerou os passivos relevantes com referência ao período compreendido entre 01/01/2013 e 31/12/2013.

3) Em resultado daquela declaração, a Impugnante autoliquidou, a título de contribuição sobre o setor bancário, com respeito ao exercício de 2014, o valor de € 27.355.478,49, procedendo ao respetivo pagamento. (cfr. docs. 1 junto à p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

4) A Impugnante apresentou reclamação graciosa.

5) Em 26/07/2016 foi elaborada a Informação com o n.º 230-AIR1/2016, no sentido do indeferimento da reclamação. (cfr. fls. 51 e ss dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6) Em 26/08/2016, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia.

7) Em 30/08/2016 foi elaborada a Informação com o n.º 272-AIR1/2016, no sentido do indeferimento da reclamação.

8) O projeto de decisão de indeferimento foi convertido em definitivo por despacho de 31/08/2016.

9) Pelo ofício de 31/08/2016, da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da revisão oficiosa relativa ao ano de 2014 (cfr. docs. 2 junto à p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


◇◇◇

3. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa do ato de autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário referente ao exercício de 2014, no valor de € 27.355.478,49.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, por entender que a sentença recorrida padece dos seguintes vícios: [1.º)] erro de julgamento na qualificação do tributo como contribuição financeira [conclusões “2.ª” a “14.ª”]; [2.º)] erro de julgamento da questão da violação da proibição da retroatividade fiscal [conclusões “15.ª” a “25.ª”]; [3.º)] erro de julgamento da questão da violação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica [conclusões “26.ª” a “32.ª”]; [4.º)] erro de julgamento da questão da violação do princípio da legalidade [conclusões “33.ª” a “44.ª”]; [5.º)] erro de julgamento da questão da violação do princípio da igualdade [conclusões “45.ª” a “49.ª”]; [6.º)] erro de julgamento da questão da violação do princípio da equivalência [conclusões “50.ª” a “55.ª”].

Na análise e no julgamento de todas as questões suscitadas na alegação destes vícios, a Mm.ª Juiz a quo alinhou, globalmente, com o entendimento firmado no Acórdão desta Secção, de 19 de junho de 2019 (processo nº 02340/13.1BEPRT), tirado em julgamento ampliado do recurso, realizado ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e onde se concluiu que «[t]endo a Contribuição sobre o Setor Bancário natureza jurídica de contribuição financeira, não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroatividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respetiva autoliquidação, ainda que referente ao ano de 2011, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses princípios».

Trata-se de um acórdão tirado em julgamento ampliado do recurso nos termos do artigo 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e que, por isso, teve em vista assegurar a uniformidade da jurisprudência. Trata-se também de um acórdão votado por unanimidade e cujo entendimento foi reiterado em toda a jurisprudência que se lhe seguiu, como se alcança, designadamente, dos acórdãos deste Supremo Tribunal de 3 de julho de 2019 (processos n.ºs 02132/14.9BELRS e 02135/15.6BEPRT), de 11 de julho de 2019 (processos n.ºs 02666/16.0BELRS, 03125/16.7BELRS, 02133/14.7BELRS, 0837/15.6BELRS e 0251/14.0BEFUN), de 4 de setembro de 2019 (processos n.ºs 02130/14.2BELRS e 02456/16.0BELRS), de 11 de setembro de 2019 (processo n.º 02697/13.2BEPRT), de 18 de setembro de 2019 (processo n.º 02883/16.3BELRS), de 25 de setembro de 2019 (processo n.º 0498/12.4BELRS), de 30 de outubro de 2019 (processo n.º 1270/14.2BELRS), de 27 de novembro de 2019 (processo n.º 02867/16.1BELRS), de 17 de dezembro de 2019 (processo n.º 02708/16.0BEPRT), de 5 de fevereiro de 2020 (processos n.ºs 02631/16.8BELRS, 02923/12.5BELRS e 02993/15.4BELRS), de 12 de fevereiro de 2020 (processo n.º 02273/16.8BELRS), de 6 de maio de 2020 (processo n.º 02921/17.2BEPRT), de 17 de junho de 2020 (processos n.ºs 02051/13.6BELRS, 02356/14.9BELRS e 02381/15.2BELRS), de 28 de outubro de 2020 (processos n.ºs 0224/14.3BEPRT e 02015/18BEPRT), de 18 de novembro de 2020 (processo n.º 01006/18.9BEPRT) de 2 de dezembro de 2020 (processos n.ºs 02016/18.1BEPRT, 02517/15.3BEPRT, 02518/15.1BEPRT), de 3 de fevereiro de 2021 (processo n.º 02194/14.9BEPRT), de 10 de março de 2021 (processo n.º 03522/15.5BESNT) de 12 de maio de 2021 (processos n.ºs 02643/16.1BELRS e 03197/12.3BEPRT), de 23 de junho de 2021 (processo n.º 02359/14.3BEPRT) e de 6 de outubro de 2021 (0782/20.3BEPRT).

A especial autoridade da formação, o objetivo de uniformidade da jurisprudência visado com o julgamento ampliado e a reiteração do seu teor nas decisões subsequentes justificam, por si só, que a posição ali firmada seja também adotada no presente recurso.

De salientar que o referido acórdão também analisou as questões de legalidade e de constitucionalidade da Portaria n.º 121/2011, de 30/03, tendo concluído, no seu ponto 4.4.2., que «se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico (base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento), cumprindo o escopo regulamentar prescrito no próprio regime jurídico da CSB». Decisão, que, pelas razões já aduzidas, aqui se reitera também, desta feita por mera remissão para o teor do citado aresto, ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Não se procedendo à junção do referido acórdão por se encontrar disponível para consulta, em redação integral, em www.dgsi.pt.

Importa, assim, negar provimento ao recurso.

Quanto ao pedido de reforma da sentença quanto a custas (ver a conclusão “57.ª”), pondera-se que, embora as questões suscitadas não sejam, em si mesmas, de complexidade menor, já tinham sido jurisdicionalmente apreciadas, o que permitiu a remissão parcial para o respetivo conteúdo fundamentador. Entende-se, pois, que o montante da taxa de justiça devido é manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe. Razão porque este pedido deve ser deferido.

Por idêntica razão se justifica a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça nesta instância (artigo 6.º n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).


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4. Conclusões

I - A Contribuição sobre o Sector Bancário natureza jurídica de contribuição financeira;

II - As normas que aprovaram o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário em vigor no ano de 2014 não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, nem material, não violando os princípios constitucionais da legalidade, da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, da capacidade contributiva e da equivalência.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, em reformar a decisão recorrida no segmento das custas dela passando a constar: «custas pela Impugnante, com dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça».

No mais se negando provimento ao recurso.

A Recorrente suportará as custas do presente recurso na medida do seu decaimento (6/7) e com dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça que seja devido.

Lisboa, 22 de junho de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.