Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02866/14.8BEPRT
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO
Descritores:PERDAS POR IMPARIDADE
Sumário:I - O artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, não se aplica às perdas por imparidade que podem ser reconduzidas ao artigo 35.º, n.º 2 do mesmo código.
II - Negação de provimento ao recurso.
Nº Convencional:JSTA000P32102
Nº do Documento:SA22024041002866/14
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO 1... SA, SOCIEDADE ABERTA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 5.05.2023, que julgou a impugnação judicial parcialmente procedente e, em consequência, decidiu anular a correção efetuada às perdas por imparidade em partes de capital classificadas como ativos financeiros disponíveis para venda, por considerar que a norma prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC não é aplicável nos presentes autos, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando a liquidação de IRC n.º ...43, na parte relativa às correções efetuadas às perdas por imparidade para títulos e participações financeiras constituídas ao abrigo das normas obrigatórias do Banco de Portugal, por considerar que a norma prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC não é aplicável nos presentes autos.
B. A questão, ora suscitada prende-se com a interpretação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, quer na sua redação primitiva (resultante da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro), quer na que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro.
C. A regulamentação específica para o sector bancário emanada pelo Banco de Portugal procura acautelar o exercício da atividade económica subjacente, reportando determinados factos e valores que devem encontrar-se evidenciados nas contas (contabilidade) das respetivas entidades, neste sentido, enquanto entidade reguladora da atividade bancária, o Banco de Portugal previu um conjunto de normas prudenciais que fixam as regras e padrões de comportamento a seguir pelos bancos com vista a assegurar a sua estabilidade económico-financeira, garantindo que os fundos de que os mesmos dispõem são aplicados sem nunca colocar em crise os níveis adequados e desejáveis de liquidez e solvabilidade.
D. Sucede que, para efeitos fiscais, as entidades bancárias, na qualidade de sujeitos passivos de IRC à semelhança dos demais, encontram-se abrangidas, nos mesmos termos, e com os mesmos efeitos, pelas normas de determinação do lucro tributável previsto no respetivo código.
E. Em observância do disposto no art. 101.º da CRP, atinente à proteção da estabilidade e solidez do sistema financeiro, o legislador fiscal já introduziu no diploma que rege o IRC as medidas que entendeu adequadas para cumprir tal desiderato, nomeadamente, a aceitação das imparidades em causa, as quais, como se sabe, não são elegíveis como gasto do período das outras entidades que não operam no sector em referência, assim, a invocada proteção da estabilidade e solidez do sistema financeiro concretiza-se, em sede fiscal, através de medidas de “discriminação positiva” constantes nomeadamente no art. 35.º, n.º 2 e no art. 37.º, aplicáveis apenas aos sujeitos passivos que operam neste determinado sector de atividade.
F. Todavia, não é por isso que se vê afastada a aplicação da disciplina prevista no art. 45.º, n.º 3 do CIRC sob a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, de facto, até pela sua inserção sistémica no código do IRC, se reconhece a sua aplicação obrigatória a todos os sujeitos passivos de IRC, afigurando-se-nos que, contrariamente ao alegado pela impugnante, a sua aplicabilidade dependerá, tão só, da circunstância das perdas ali elencadas se relacionarem com partes de capital e constituírem gastos do período para efeitos fiscais, e não do tipo de atividade prosseguida pelos sujeitos passivos.
G. Assim, é nossa opinião que, para além das perdas efetivamente realizadas, está, ainda, no espectro da lei, todas as demais perdas com partes de capital (e prestações suplementares), mesmo as potenciais, desde que admitidas em sede fiscal, já que o legislador não as excecionou para o efeito, por conseguinte, dir-se-á que quando as menos valias latentes não são elegíveis para efeitos de aplicação do art. 45º, nº 3, não é porque tenham natureza potencial, mas porque não são admitidas ab initio no resultado fiscal.
H. Com a adaptação do CIRC ao SNC o legislador adotou, como, de resto, já sucedia até aí, o tratamento fiscal dos factos conforme proposto pela ciência contabilística, mas somente quando não estivessem definidas regras fiscais próprias, em sentido mais restritivo ou até ampliador, concluindo expressamente que “A manutenção do modelo de dependência parcial determina, desde logo, que, sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das novas normas.
I. O direito fiscal adota, assim, as regras contabilísticas na convicção de que estas conduzem ao perfeito e completo apuramento do resultado económico da empresa, evidenciando sua “imagem verdadeira e apropriada”.
J. Contudo, a função fiscal impõe alterações pontuais e controladas a essa realidade económica de forma a tutelar, na plenitude, dimensões subjacentes ao interesse fiscal, designadamente, a prevenção da evasão fiscal e a condução da política económica através do imposto.
K. Na esteira do exposto, o modelo da dependência parcial acolhido pelo nosso sistema jurídico - tributário, assume o resultado contabilístico como base geral e ponto de partida para o apuramento do lucro tributável, no entanto, submete-o posteriormente a ajustamentos extra contabilísticos, positivos e negativos, devidamente previstos no código do IRC, tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal.
L. A lei fiscal prevê, deste modo, uma conexão formal, mas apenas parcial, entre a forma de apuramento da base tributável e o lucro apurado para efeitos contabilísticos, nestes termos, sempre que a lei fiscal disponha de outra forma, as regras veiculadas pelo direito contabilístico devem ser afastadas, no grau e dimensão ali previstas, para dar lugar às que emergem do direito tributário.
M. No caso das imparidades que devem ser obrigatoriamente relevadas na contabilidade da entidade bancária por força das normas prudenciais emanadas pelo Banco de Portugal, a suscetibilidade da sua dedução em sede fiscal não é automática, mas é antes o reflexo das regras de direito fiscal que determinam expressamente a sua aceitação, designadamente a constante do art. 35º, nº 2, inserido no capítulo próprio concernente à determinação do lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades residentes que exercem, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola.
N. Por outro lado, não tendo o legislador excecionado do âmbito de aplicação do art. 45º, nº 3, inserido neste mesmo quadro normativo atinente à determinação do lucro tributável, os sujeitos passivos de imposto que operam no sector bancário, não há como subsumir na letra da lei, no seu escopo ou finalidade, o propósito do legislador em não reconduzir a sua disciplina também à atividade bancária, conforme é pretensão da impugnante.
O. Assim sendo, a norma contida no n.º 2 do art. 35.º, respeitante à dedutibilidade das imparidades e provisões obrigatoriamente constituídas e evidenciadas na contabilidade das entidades bancárias, não tem como não se encontrar sujeita à limitação imposta pelo art. 45.º, n.º 3 do CIRC.
P. Consideramos, por isso, que no n.º 2 do art. 35.º do CIRC o legislador começa por definir o tipo das provisões e imparidades que aceita fiscalmente; no art. 37.º do CIRC impõe umas primeiras limitações (a esse tipo de provisões), e, no n.º 3 do art. 45.º do CIRC, impõe uma restrição adicional.
Q. Ou seja, tratando-se de perdas com imparidades em partes de capital constituídas ao abrigo de normas prudenciais destinadas especificamente à atividade bancária, a sua dedutibilidade para efeitos fiscais é admitida nos termos do n.º 2 do art. 35.º, mas vê-se circunscrita nos termos do n.º 3 do art. 45.º, o que implica a aceitação de apenas metade do seu valor.
R. No que respeita à redação da norma ínsita no art. 45.º, n.º 3, é nossa opinião que o objetivo que presidiu à sua introdução no ordenamento jurídico – tributário, sobre o qual nos debruçaremos de seguida, permite concluir no mesmo sentido que temos vindo a defender, ou seja, de que é aplicável a todas as perdas apuradas com partes de capital que sejam elegíveis como componentes negativas do resultado fiscal do período nos termos das demais disposições do código do IRC.
S. Partilhando a reflexão que sobre esta matéria nos oferece as Lições de Fiscalidade – Vol I – Princípios Gerais e Fiscalidade Interna, coordenado por João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, na linha seguida pela doutrina dominante, percebemos que legislador afastou a dedutibilidade dos encargos elencados no então art. 42.º devido a razões que se prendiam com a necessidade de prevenir práticas abusivas, tendo em conta a própria natureza do imposto, ou ainda prosseguindo uma certa visão moralizadora do sistema, todavia, a introdução do n.º 3 neste art. 42.º, que traduziu uma menor ponderação, para efeitos fiscais, das perdas apuradas com partes de capital, visou essencialmente outro objetivo – a neutralidade – conforme também é comummente entendido.
T. De facto, o legislador pretendeu conferir às menos valias um tratamento mais aproximado do tratamento que era então concedido às mais valias cujo valor, em determinadas condições, podia influenciar o lucro tributável em apenas 50%.
U. Neste sentido, é legítimo pressupor, tal como proposto pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 85/2010, de 16 de Abril, que com a nova redação da norma formulada pela Lei n.º 60-A/2005, o alargamento do regime de não aceitação fiscal às outras perdas ou variações patrimoniais negativas com partes de capital e outras componentes do capital próprio, tivesse subjacente, citando o referido aresto,“…uma razão de interesse público…” com o intuito de “…obter uma mais justa e equilibrada repartição de encargos fiscais entre as diversas espécies de contribuintes, dado que o regime resultante do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, apenas se aplica, por definição, a contribuintes que tenham a natureza de pessoa colectiva ou afim”.
V. Assim, ainda que se admita, e se não conteste, a natureza preventiva que subjaz ao alargamento da base tributável conferida por esta nova redação, há que igualmente reconhecer uma opção do legislador orientada para a obtenção de receita fiscal através do esforço das pessoas coletivas.
W. Por outro lado, a esta medida também não terá sido indiferente a necessidade de uniformização do sistema fiscal, atinente a um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma a não distinguir, como até aí, apenas as resultantes da sua transmissão onerosa.
X. Entretanto, com a introdução do SNC aprovado pelo DL nº 158/2009, de 13/7, o código do IRC foi, como se sabe, sujeito a republicação operada pelo DL nº 159/2009, de 13/7, de modo a adaptar as regras de determinação do lucro tributável ao novo normativo contabilístico nacional.
Y. Ora, o legislador manteve inalterada a redação do n.º 3 do art. 42.º, sujeitando-a, tão somente, a renumeração (o art. 42.º passou a ser o art. 45.º), prosseguindo, por isso, no ordenamento jurídico – fiscal, a determinação que limita a aceitação das perdas, quaisquer perdas, com operações que envolvem partes de capital, a metade do seu valor.
Z. Tratando-se de valores efetivamente realizados, dado que o legislador não distinguiu a que partes de capital se referia quando a elas aludiu no n.º 3 do art. 45.º, é legítimo interpretar, numa matriz declarativa, que se referia a todas as partes de capital evidenciadas na contabilidade, ou seja, não só àquelas que se encontram qualificadas como investimentos financeiros (Classe 4 do PCSB e do SNC, suscetíveis de gerar mais ou menos valia na venda), como também às que se encontram qualificadas como instrumentos financeiros detidos para venda, como sucede in casu (Classe I do PCSB e do SNC)
AA. Se assim não fosse, teria, naturalmente, o legislador, ressalvado a diferença de tratamento que entendesse devida, o que não fez, nesta senda, a interpretação proposta pela Administração Fiscal permite, ao encontro do pensamento lógico e natural que se destaca na redação do legislador, a limitação da dedutibilidade, não só da perda apurada com a alienação de partes de capital qualificadas como investimentos financeiros (menos valia), como também da perda apurada com a alienação das partes de capital qualificadas como instrumentos financeiros detidos para venda.
BB. Por conseguinte, tratando-se de perdas efetivas resultantes da venda de partes de capital, desde que reconhecidas como gastos do período, elas são sempre elegíveis para efeitos de aplicação do disposto no art. 45.º, n.º 3 do CIRC, atendendo, como bem disse a impugnante, ao elemento literal da norma aferido pelo texto a que o legislador deu corpo.
CC. Na verdade, a interpretação sufragada pela Administração Fiscal não se sustenta apenas no elemento aferido da letra da lei, mas também no seu elemento teleológico, na perspetiva da técnica fiscal enquanto conjunto de métodos delineados para cumprir os desígnios do legislador, o tratamento fiscal similar concedido às operações que envolvem partes de capital, sejam menos valias ou quaisquer outras perdas, também se nos afigura perfeitamente coerente com a visão unificadora do sistema fiscal, mostrando-se ajustada ao fim prosseguido pelo legislador e à proteção do princípio da igualdade.
DD. Atendendo a que, tal como anteriormente referido, a perda efetiva resultante da alienação de investimentos financeiros somente é considerada no lucro tributável por metade do seu valor, por observância do disposto no art. 45.º, n.º 3, conforme é, na generalidade, pacificamente admitido, não faria sentido que na ratio da norma estivesse a limitação da dedução dessa perda efetiva, consubstanciada na alienação das partes de capital, e, no entanto, permitisse a dedução integral da perda potencial concretizada pela constituição ou reforço da sua imparidade, cujo objetivo é, tão-só, influenciar o resultado económico e fiscal com um determinado grau de precaução cujo verdadeiro efeito só irá verificar-se aquando da venda desses títulos.
EE. Conforme decorre do entendimento da Administração Fiscal, por observância do disposto no art. 45.º, n.º 3 do CIRC, o tratamento fiscal concedido às operações em que o sujeito passivo opta por alienar os títulos da empresa ou em que opta por manter os títulos na sua posse e constitui uma imparidade é idêntico, afetando o lucro tributável de ambos os sujeitos passivos, na mesma medida.
FF. De outra forma, no apuramento do lucro tributável, a perda efetiva (menos valia e perda efetivamente gerada na alienação dos títulos) teria metade da ponderação que a perda potencial (constituição da imparidade por força das normas prudenciais), o que implicaria que o legislador tivesse querido privilegiar o princípio da prudência (previsão de algo com elevada probabilidade de acontecer) em detrimento do princípio da realização (algo que efetivamente já aconteceu), tese que manifestamente não pode acolher-se.
GG. Em face de todo o exposto, acabamos inevitavelmente por concluir que, independentemente da forma que revistam, e do tipo de atividade económica que as gere, sempre que as perdas apuradas com partes de capital sejam admitidas fiscalmente como gastos do período, o seu valor tem necessariamente de sujeitar-se à restrição prevista no art. 45.º, n.º 3 do CIRC para efeitos da determinação do correspondente resultado fiscal, porque foi essa a vontade do legislador conforme expresso na lei.
HH. Em conclusão, e por tudo o quanto ficou dito, deverá o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, mantendo-se na sua totalidade a liquidação adicional, por não estar ferida de qualquer vício capaz de levar à sua anulação.
III. PEDIDO:
Requer-se a este Venerando Tribunal que mui doutamente julgue o presente recurso procedente.»

1.2. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu parecer que se transcreve na parte relevante:
«(….)»
Afigura-se-nos, salvo melhor juízo, que a sentença recorrida decidiu acertadamente.
Como se refere na decisão arbitral do CAAD de 7.10.2014, proferida no processo 271/2014-T, podem alinhar-se argumentos recorrendo aos elementos sistemático, histórico e teleológico, no sentido de que não devem considerar-se incluídas no n.º 3 do art.º 45.º do CIRC as perdas por imparidade relativas a partes de capital, constituídas ao abrigo de normas gerais e abstratas emanadas do Banco de Portugal.
Parece-nos decisivo, no sentido de considerar o acertado de tal posição, a circunstância de o legislador prever no artigo 37.º do CIRC limitações específicas no que concerne à concreta dedutibilidade das perdas por imparidade e outras correções de valor contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores constituídas pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, daqui resultando que não foi intenção do legislador limitar a possibilidade de dedução de perdas por imparidade já definidas nos termos da lei pelas regras do Banco de Portugal.
Por outro lado, as perdas por imparidade não decorrem da vontade do sujeito passivo mas antes das normas regulamentares imperativas emitidas pelo Banco de Portugal, pelo que não se verificam quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um ato de vontade do sujeito passivo, sendo a sua volumetria objetivamente fixada.
Pelo exposto, concluímos que a sentença recorrida, no segmento decisório impugnado, fez correta aplicação dos preceitos legais ao caso, pelo que deve ser mantida.
4. Conclusão
Nestes termos, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida que julgou a impugnação judicial intentada pelo Banco 1... SA parcialmente procedente.»

Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. Fundamentação de facto
É o seguinte o probatório, com relevo para a decisão, fixado na sentença recorrida:
«1. Banco 1..., S.A., NIPC: ...34, aqui Impugnante, é uma instituição de crédito, coletado pelo exercício da atividade bancária, e enquadrado no regime geral do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativamente à atividade exercida pela sede, e no regime de isenção temporária no que se refere à atividade desenvolvida na sucursais financeiras exteriores na Zona Franca da Madeira e em Santa Maria - cfr. capítulo II.3.3 do relatório de inspeção tributária, de fls. 30 a 209 do Processo Administrativo apenso aos autos.

2. No exercício fiscal de 2011, o Impugnante registou na sua contabilidade provisões para imparidades no valor de € 1.653.360,18, correspondente ao saldo da conta de gastos NCA “7630100 - Perdas Imparidades/Provisões para Imparidade - Ativos financeiros disponíveis para venda - Títulos - Instrumentos de capital emitidos para residentes - Ações”, no valor de € 1.642.990,00 e da conta de gastos NCA ”7630300 - Perdas Imparidade/Provisões para Imparidade - Ativos financeiros disponíveis para venda - Títulos - Instrumentos de capital emitidos por não residentes - Ações”, no valor de € 10.370,18 - facto extraído e não contestado, do capítulo III.1.2 do relatório de inspeção tributária, de fls. 30 a 209 do Processo Administrativo apenso aos autos, e Anexo 1 do relatório, a fls. 82 verso, todas do Processo Administrativo apenso aos autos.

3. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...92, a Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), desencadeou procedimento inspetivo externo à Impugnante, de âmbito geral e com incidência ao exercício económico de 2011 – cfr. capítulo II.2 do relatório de inspeção tributária, de fls. 30 a 209 do Processo Administrativo apenso aos autos.

4. Em 30/12/2013, na sequência do procedimento inspetivo referido no ponto que antecede, foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, relatório de inspeção tributária, onde foram efetuadas várias correções de natureza meramente aritmética à matéria coletável de IRC do exercício económico de 2011, sendo as aqui impugnadas, constantes dos capítulos III.1.2, III.1.3, III.1.4 e III.1.5, no valor de € 5.376.907,76 – cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 30 a 209 do Processo Administrativo apenso aos autos.

5. As correções referidas no ponto que antecede resultaram da seguinte fundamentação inclusa no relatório de inspeção tributária, que dali se extrai:

“[…]

III. - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

(…)

III.1 - CORREÇÕES À MATÉRIA COLETÁVEL – IRC

(…)

III.1.2 - PERDAS POR IMPARIDADE EM PARTES DE CAPITAL CLASSIFICADAS COMO ATIVOS FINANCEIROS DISPONÍVEIS PARA VENDA (N.º 3 DO ARTIGO 45.º DO CIRC)

€ 826.680,09

O Banco 1..., S.A., possui uma carteira de investimentos, para os quais, em termos de reconhecimento e mensuração, utiliza as regras contabilísticas estabelecidas, nomeadamente na IAS9 [9Normas Ias - Normas Internacionais de Contabilidade (International Accounting Standard - IAS] 39 “Instrumentos Financeiros - Reconhecimento e Mensuração”10 [ 10Como entidade bancária que é, o Banco 1... esta sujeito a regras de supervisão do Banco de Portugal, conforme decorre do regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro. Através do Aviso n.º 1/2005, conjugado com a Instrução n.º 23/2004, este determinou a adoção das IAS pelos Bancos, com as exceções aí identificadas, nas quais não estão incluídos os instrumentos financeiros aqui em apreço].

No que concerne aos investimentos que qualifica como “Ativos financeiros disponíveis para venda” relevados contabilisticamente na conta do balanço NCA “18 - Ativos financeiros disponíveis para venda”, o Banco 1... avalia regularmente se existe evidência objetiva de que um ativo financeiro, ou grupo de ativos financeiros, apresentar sinais de imparidade.

Desta forma, atende às recomendações contabilísticas da IAS 39 “Instrumentos Financeiros - Reconhecimento e Mensuração”, para os instrumentos financeiros classificados como Ativos financeiros disponíveis para venda e às recomendações prudenciais estabelecidas na Instrução n.º 7/2005, por força do disposto na alínea b) do número 1º do Aviso n.º 3/95, ambos do Banco de Portugal.

Para os ativos financeiros que apresentam sinais de imparidade, é determinado o respetivo valor recuperável, sendo o valor das perdas por imparidade registadas contabilisticamente por contrapartida de resultados11 [11Decorre do parágrafo 6 da IAS n.º 36 (ou Norma Internacional de Contabilidade n.º 36) - Imparidade de Ativos - que se deve entender “perda por imparidade”, como sendo “a quantia pela qual a quantia escriturada de um activo ou unidade geradora de caixa excede a sua quantia recuperável”] (gastos/perdas do exercício, influenciando assim o resultado liquido contabilístico apurado no exercício).

Neste sentido, o Banco constituiu, no que se refere aos Instrumentos de Capital - Partes de Capital” classificados contabilisticamente como “Ativos financeiros disponíveis para venda”, no exercício de 2011, provisões para imparidades no valor de € 1.653.360,18 - [montante correspondente ao saldo da conta de gastos NCA “7630100 - Perdas Imparidades/Provisões para Imparidade - Ativos financeiros disponíveis para venda - Títulos - Instrumentos de capital emitidos para residentes - Ações” (€1.642.990) e de conta de gastos NCA ”7630300 - Perdas Imparidade/Provisões para Imparidade - Ativos financeiros disponíveis para venda - Títulos -Instrumentos de capital emitidos por não residentes - Ações” (€10.370,18).

[…] »


3. Fundamentação de direito

A questão que importa resolver é a de saber se as perdas por imparidade quando constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Banco de Portugal enquadráveis nos artigos 35.º e 37.º do CIRC, (na versão aplicável ao exercício de 2011), podem, na determinação do lucro tributável, ser deduzidas na sua totalidade, ou se, tal como sustenta a recorrente nos termos do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, serão consideradas apenas em metade do seu valor.

Para dar resposta à questão essencial que se coloca impõe-se que se faça um enquadramento da situação sob análise.

Importa, em primeiro lugar, perceber que a determinação do lucro tributável, não obstante ter na sua base a contabilidade, impõe a esta, frequentemente, correções e adaptações, pelo que nem tudo que é custo ou perda em termos contabilísticos o será em termos fiscais. Consequentemente, o que pode ser uma perda em termos contabilísticos pode não ser reconhecida, ou apenas parcialmente, em termos fiscais. Domina, portanto, um modelo da dependência parcial entre fiscalidade e contabilidade para apuramento do lucro tributável.

O legislador, no artigo 23.º do CIRC, no âmbito dos custos ou perdas relevantes para a determinação do lucro tributável elenca várias especificações, incluindo uma referência às perdas por imparidade em termos genéricos. Vindo depois, num momento subsequente, no artigo 35.º sob a epígrafe Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis, limitar a relevância das imparidades admitidas em termos contabilísticos e acolhidas de forma genérica no artigo 23.º, àquelas que forem relevantes em termos fiscais; ou seja, unicamente àquelas relativamente às quais se reconhece a possibilidade de serem consideradas na determinação do lucro tributável.

A configuração do que é uma imparidade fiscalmente dedutível, é, por conseguinte, uma opção claramente fiscal, que vai para além da base contabilística, e reveste uma especificidade que a sobrepõe a disposições mais gerais, como o próprio artigo 23.º ou outras disposições que se refiram a imparidades num plano mais geral.

Entre as restritas situações em que o legislador fiscal admite uma imparidade ser considerada relevante em termos fiscais encontram-se as perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, quando constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Banco de Portugal, pelas entidades sujeitas à sua supervisão, destinadas à cobertura de risco específico de crédito e de risco-país e para menos-valias de títulos e de outras aplicações.

Decorre, com efeito, do artigo 35.º, n.º 2, do CIRC que apenas podem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade destinadas à cobertura de risco específico de crédito e de risco-país e para menos-valias de títulos e de outras aplicações, e somente estas, dentro dos limites do artigo 37.º do CIRC.

Verifica-se, portanto, que é o legislador fiscal a determinar não só o tipo de imparidade que releva em termos fiscais, como os exatos termos em que é considerada. Isto para limitar a maior margem que, no âmbito das provisões e imparidades contabilísticas, há, para em nome da prudência, acautelar perdas de ocorrência provável que não têm uma natureza efetiva, mas meramente potencial; com os inerentes riscos em termos de abuso.

Constata-se, neste enquadramento, que o regime fiscal das imparidades e provisões está perfeitamente delimitado na Subsecção IV do CIRC. Ficando para a subsecção V que se segue e que inclui o artigo 45.º, n.º 3 do CIRC, a fixação do regime de outros encargos, que não, subentenda-se, os regulados anteriormente. Isso decorre, aliás, claramente da sistemática do CIRC e da letra da lei que se refere expressamente a outros encargos. Logo, o regime aí prescrito não se aplicará às perdas por imparidade que, como acabámos de assinalar, têm um regime específico prescrito em uma subsecção autónoma.

Um paralelo com as imparidades por créditos de cobrança duvidosa que são igualmente reguladas de forma precisa no âmbito da subsecção IV, imparidades e provisões, no artigo 36.º do CIRC, onde são fixadas percentagens muito precisas para as deduções que proporcionam, revela-se muito sugestivo. Também relativamente a esses créditos chocaria abertamente com a letra, especialidade e dinâmica do preceito, sujeitar uma ponderação assumidamente precisa, em termos da percentagem do crédito que pode ser deduzida, a uma subsequente limitação em metade do valor dessa percentagem.

Surge, portanto, como seguro que as perdas por imparidade, constantes da subsecção IV, estão claramente fora do escopo do artigo 45.º do CIRC. Não podendo o simples facto de haver uma identidade entre o primeiro vocábulo da formulação «perda por imparidade» e as perdas referidas no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, que tenham a mesma natureza, e, por conseguinte, possam ser abrangidas de forma conjunta por esta disposição. Isto é, uma coisa é a perda por imparidade, algo de potencial e latente e por isso reconhecido de forma precisa, através de uma norma especial; outra coisa distinta serão as perdas efetivas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

Mesmo que persistissem dúvidas, a letra da lei, a sistemática e o propósito dos preceitos levam ao afastamento da possibilidade de sobrepor o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC às perdas por imparidade do artigo 35.º do CIRC. Dado que a limitação das condições em que essas perdas podem ser relevantes resulta de uma disposição que especificamente a elas se refere: o artigo 37.º. Constituiria um desafio à boa técnica legislativa e coerência do próprio CIRC que essas limitações fossem desconsideradas, complementadas ou condicionadas através de uma restrição adicional, prevista para situações distintas que nada têm que ver com as perdas por imparidade. À revelia do facto de as perdas por imparidade se traduzirem num conceito perfeitamente preciso e que não tem outra aproximação às situações reguladas no 45.º que não a partilha do vocábulo perda, embora num contexto diverso.

Portanto, no plano puramente abstrato surge-nos como evidente que o artigo 45.º, n.º 3, tem como objeto de aplicação situações totalmente diversas das perdas por imparidade, não se sobrepondo a elas.

É importante referir que até à Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, o artigo 33.º, equivalente ao artigo 35.º, permitia que, para efeitos fiscais, se deduzissem todas as provisões (termo que abrangia o que hoje é objeto das imparidades) que tivessem sido constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal e que se encontrassem legalmente obrigadas a constituir, sem distinções. A partir dessa data, todavia, o artigo (na altura 33.º) passou a excluir a provisão de riscos gerais de crédito. Isso sem prejuízo de o artigo 7.º desse diploma (Lei n.º 30-G/2000), uma norma transitória, prever que «o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 33.º do Código do IRC aplica-se às provisões constituídas a partir da entrada em vigor desta lei, sendo ainda aceites como encargo dedutível nos exercícios de 2001 e 2002, 50% do valor das variações positivas das provisões para riscos gerais de crédito que não ultrapassem o montante imposto genérica e abstractamente pelo Banco de Portugal para as instituições que se encontrem sujeitas à sua supervisão». Essa consideração de 50% do valor decorria, contudo, de uma norma transitória e não da aplicação de uma qualquer norma que limitasse a dedução de perdas, pelo que ainda que perdure esta reminiscência não pode ser feita daí qualquer extrapolação que leve à sujeição das imparidades permitidas no âmbito dos artigos 35.º e 37.º do CIRC ao artigo 45.º, n.º 3 do mesmo código.

Na redação do artigo 35.º (que sucedeu após renumeração ao 33.º) aplicável ao exercício em questão (2011) a restrição é ainda maior, apenas se permitindo a dedução para efeitos de determinação do lucro tributável, dentro das várias imparidades impostas pelo Banco de Portugal:

«a) Para risco específico de crédito;

b) Para riscos gerais de crédito;

c) Para encargos com pensões de reforma e de sobrevivência;

d) Para menos-valias de títulos e imobilizações financeiras;

e) Para menos-valias de outras aplicações;

f) Para risco-país;

g) Para imparidade em aplicações sobre instituições de crédito;

h) Para imparidade em títulos e em participações financeiras;

i) Para imparidade em activos não financeiros.»

(Aviso nº 3/2005, publicado no DR, I Série-B, nº 41, de 28-02-2005)

especificamente das que se refiram a perdas por imparidade destinadas à cobertura de risco específico de crédito e de risco-país e para menos-valias de títulos e de outras aplicações.

Falta, todavia, determinar, no caso concreto, se as perdas por imparidade que foram contabilizadas pela recorrida estão cobertas pelo âmbito do artigo 35.º, n.º 2 do CIRC.

Analisada a factualidade provada e apesar de não haver uma correspondência milimétrica entre a terminologia usada no probatório (perdas por imparidade em partes de capital classificadas como ativos financeiros disponíveis para venda/«Títulos - Instrumentos de capital … - Ações”) e a da lei (perdas por imparidade destinadas à cobertura de menos-valias de títulos e de outras aplicações) entendemos que as partes de capital correspondem a títulos ou outras aplicações, o que aliás não foi contestado pela recorrente, pelo que essas imparidades poderiam ser, nos termos do artigo 35.º, n.º 2, consideradas na determinação do lucro tributável.

Essa circunstância combinada com o facto de o artigo 45.º, n.º 3, de acordo com o exposto, não se aplicar às perdas por imparidade que podem ser reconduzidas ao artigo 35.º, n.º 2 do CIRC, implicaria que tivessem de ser consideradas integralmente.

4. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de abril de 2024. – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.