Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0353/23.2BELSB
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
DOCUMENTOS
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
PEDIDO
ESCLARECIMENTO
Sumário:I - Não se justifica admitir revista se a questão fundamental versada nos autos que é a da violação das regras específicas do presente procedimento, por a proposta da Recorrente não ter dado cumprimento ao prescrito no art. 15º, nº 2, als. g), l) e p) do programa do concurso, tendo como consequência a exclusão da proposta, nos termos do art. 146º, nº 2, al. d), do CCP e art. 24º, nº 1, al. a) do PP, aparenta ter sido bem decidida pelo TCA, através de uma fundamentação consistente, coerente e plausível, ao entender que com a sua proposta a Recorrente não juntou os documentos relativos à indicação do prazo de entrega dos bens, o programa de manutenção e assistência técnica periódica e a declaração de consentimento de utilização dos dados relativos à Recorrente, fornecidos no âmbito do procedimento, o que determinava a exclusão da proposta apresentada pelas Autora.
II - Como igualmente não se afigura que o acórdão tenha incorrido em qualquer erro, muito menos ostensivo, quanto ao que decidiu sobre a (não) aplicação dos princípios jurídicos que a Recorrente considerava terem sido violados, no caso concreto, e à aplicação do art. 72º, nº 2 do CCP.
Nº Convencional:JSTA000P32019
Nº do Documento:SA1202403140353/23
Recorrente:A..., S.L. – SUCURSAL EM PORTUGAL
Recorrido 1:HOSPITAL DIVINO ESPÍRITO SANTO DE PONTA DELGADA, EPE E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A..., SL – Sucursal Em Portugal (doravante A...), Autora na presente acção de contencioso pré-contratual que intentou contra o Hospital Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE, indicando como contra-interessada (CI) B..., SA, interpõe revista, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 19.12.2023, que negou provimento ao recurso jurisdicional que interpôs, confirmando a decisão recorrida que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada.
Fundamenta a admissibilidade da revista na circunstância de se estar perante questão de relevância jurídica fundamental.

Em contra-alegações a Contra-interessada/Recorrida defende a inadmissibilidade da revista ou a respectiva improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente acção administrativa de contencioso pré-contratual a Autora formulou os seguintes pedidos:
- A anulação do acto de adjudicação do contrato de aquisição de consumíveis para a realização de vitrectomia, cirurgia da catarata e angio OCT com capacidade de angiografia fluoresceínica, com colocação de equipamentos da Entidade Demandada;
- exclusão da proposta apresentada pela concorrente B..., SA (Suc. Portugal);
- admissão e consequente adjudicação da proposta apresentada pela Autora.

O TAC de Lisboa por sentença de 06.07.2023 julgou improcedente a acção intentada pela A., por ter considerado que a proposta apresentada por esta não foi instruída com todos os documentos exigidos no Programa do Procedimento (art. 15º, nº 2, als. g), l) e p) do PP), importando a sua falta a exclusão da proposta, nos termos determinados no art. 24º, nº 1, al. a) do PP e do disposto no art. 146º, nº 2, al. d) do CCP. E que, contrariamente ao defendido pela A., o júri não tinha de a ter convidado a juntar os indicados documentos, de forma a regularizar a proposta, por se tratar de documentos relativos a termos ou condições de execução do contrato não submetidos à concorrência. Não admitindo o art. 72º, nº 2 do CCP (na redacção dada pelo DL nº 111-B/2017, de 31/8), conjugado com o art. 70º, nº 2, al. b), ambos do CCP, a sua junção a título de prestação de esclarecimentos.

A Autora interpôs apelação desta decisão, tendo o TAC Sul através do acórdão recorrido negado provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Em síntese, considerou o acórdão recorrido que, “A aplicação das regras que constam do art.º 72.º, n.º 2 e do art.º 146.º, n.º 2, al. d), ambos do CCP, não deixam qualquer margem de decisão à entidade adjudicante. Desde que se verifique a previsão dessas normas, a entidade adjudicante deve excluir a proposta. Não pode optar por convidar a concorrente a regularizá-la. (…). A opção efectuada pelo legislador (introduzida no CCP pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto) é clara ao considerar que devem ser excluídas as propostas que não apresentem alguns dos termos ou condições relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência.
O que não deixa margem para aplicação dos princípios invocados pela Recorrente. A ponderação que a Recorrente pretende ver efectuada já resulta da opção tomada pelo legislador. Decidir de forma diversa equivaleria a praticar um acto próprio da função legislativa.”.

Na presente revista a Recorrente alega que pretende ver discutida a questão de saber se, num concurso público, quando o programa do concurso exige a apresentação de determinados documentos juntamente com a apresentação da proposta, que dizem respeito a aspectos não submetidos à concorrência, o concorrente não logo esses documentos (ou uma parte deles) na proposta, o júri deve excluir obrigatoriamente a proposta ou deve convidar o concorrente a apresentar os mesmos para salvaguardar a maior concorrência possível no procedimento concursal em causa.
Diremos, desde já que a revista não deve ser admitida.
De facto, a questão fundamental versada nos autos e, portanto, no acórdão recorrido, é a da violação das regras específicas do presente procedimento, por a proposta da Recorrente não ter dado cumprimento ao prescrito no art. 15º, nº 2, als. g), l) e p) do programa do concurso, tendo como consequência a exclusão da proposta, nos termos do art. 146º, nº 2, al. d), do CCP e art. 24º, nº 1, al. a) do PP.
Ora, esta questão (tal como as restantes submetidas à apreciação do Tribunal recorrido) aparenta ter sido bem decidida pelo TCA, através de uma fundamentação consistente, coerente e plausível, ao entender que com a sua proposta a Recorrente não juntou os documentos relativos à indicação do prazo de entrega dos bens, o programa de manutenção e assistência técnica periódica e a declaração de consentimento de utilização dos dados relativos à Recorrente, fornecidos no âmbito do procedimento, o que determinava a exclusão da proposta apresentada pelas Autora.
Como igualmente não se afigura, no juízo sumário que a esta Formação cabe fazer, que tenha incorrido em qualquer erro, muito menos ostensivo, quanto ao que decidiu sobre a (não) aplicação dos princípios jurídicos que a Recorrente considerava terem sido violados, no caso concreto, e à aplicação do art. 72º, nº 2 do CCP.
Aliás, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência deste STA, nomeadamente no Ac. de 07.05.2015, Proc. nº 01355/14 e os arestos nele indicados [a qual referindo-se mais concretamente à aplicação do art. 72º do CCP, tem igualmente relevância para a solução da questão essencial dos autos], bem como com a doutrina que indica, pelo que não se justifica a reapreciação por este Supremo Tribunal.
Assim, visto que as instâncias decidiram as questões em discussão de forma consonante, quanto à interpretação dos pertinentes normativos do CCP e das normas do concurso (programa do procedimento), tudo indicando que o acórdão recorrido decidiu com acerto, está excluída a necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito.
Ao que acresce que as concretas questões, pelos termos como as mesmas se mostram enunciadas, não possuem um grau de dificuldade superior ao normal para este tipo de controvérsia, não se afigurando com particular relevância jurídica e social ou especial complexidade, sem que a possibilidade de replicação justifique postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de Março de 2024. - Teresa de Sousa (relatora) – Maria do Céu Neves – Fonseca da Paz.