Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0100/22.6BALSB
Data do Acordão:03/09/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:SUBVENÇÃO A PARTIDO POLÍTICO
FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS
FINANCIAMENTO PÚBLICO
PRAZO PEREMPTÓRIO
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I - O nº 6 do artigo 17º da Lei nº 19/2003, de 20/6 (“Regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das campanhas eleitorais”), com a epígrafe “Subvenção política para as campanhas eleitorais”, ao dispor que «a subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais», estipula um prazo perentório, com a consequente perda do direito à atribuição da subvenção eventualmente devida, por caducidade, em caso de incumprimento do ónus da sua solicitação atempada, nesse prazo.
II – A previsão desse prazo, em termos continuadamente iguais nos últimos 29 anos - cfr. Lei nº 72/93, de 30/11 (nº 7 do artigo 27º), Lei nº 56/98, de 18/8 (nº 7 do artigo 29º, passando ao nº 9 do mesmo artigo 29º pela redação conferida pelo artigo 2º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14/8) e, finalmente, a atual Lei nº 19/2003, de 20/6 (nº 6 do artigo 17º) - não viola os direitos eleitorais e políticos reconhecidos pela CRP aos partidos políticos, coligações ou grupos de cidadãos eleitores, sendo a própria CRP que, no nº 6 do seu artigo 51º, estipula que «a lei estabelece as regras de financiamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto aos requisitos e limites do financiamento público».
Nº Convencional:JSTA00071686
Nº do Documento:SA1202303090100/22
Data de Entrada:07/21/2022
Recorrente:GRUPO DE CIDADÃOS ELEITORES-INDEPENDENTES POR ...
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

1. ”Grupo de Cidadãos Eleitores – Independentes por ... (IP...)”, interpôs a presente ação administrativa, neste Supremo Tribunal Administrativo, contra a ”Assembleia da República (AR)”, com vista a impugnar o Despacho do “Presidente da Assembleia da República (PAR)” de … que lhe indeferiu, com fundamento em extemporaneidade, requerimento de atribuição de subvenção estatal, formulado ao abrigo do disposto no art. 17º da Lei nº 19/2003, de 20/6, com base nos resultados eleitorais obtidos nas eleições autárquicas de 26/9/2021, que lhe permitiram a eleição de membros para a Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Freguesias do concelho de ... (cfr. p.i. a fls. 4 e segs. SITAF).

Refere, a final, que:

«(…) deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser anulado o ato administrativo que indeferiu a atribuição da subvenção pública da campanha eleitoral, prevista no artigo 17º da Lei nº 19/2003 de 20/06, na sua redação atual, consubstanciado pelo Despacho de Sua Excelência, o Senhor Presidente da Assembleia da República de 29/04/2022, e, sempre ser a Ré condenada a emitir o ato legalmente devido de atribuição ao A., da subvenção pública da campanha eleitoral, no âmbito das eleições autárquicas de 26 de setembro de 2021, com as legais consequências».

2. Devidamente citada, a Ré “AR” veio apresentar contestação, por exceção e por impugnação (cfr. fls. 42 e segs. SITAF).

Por exceção, invocando «a caducidade do direito do A. à subvenção pública para financiamento da campanha eleitoral pelo decurso do prazo de 15 dias a que alude o disposto no nº 6 do artº 17º da LFPPCE, a qual consubstancia uma exceção perentória de conhecimento oficioso, que determina a absolvição total do pedido, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3, do artº 576º e no artº 579º do CPC, ex vi do artº 1º do CPTA».

Por impugnação, sustentando que «em face do regime instituído, o prazo de 15 dias para requerer a subvenção estatal previsto no n.º 6 da norma legal, não pode, ao contrário do que sustenta o A., deixar de se considerar um requisito constitutivo do direito à subvenção. (…) O A. não fez prova de que exerceu o direito de que se arroga em prazo útil, nem apresentou justo impedimento que permita considerar válido o ato que foi praticado fora do prazo devido. Não o tendo feito, soçobra a causa de pedir, o que necessariamente conduz à improcedência do pedido formulado contra a Ré».

Termina, referindo que:
«(…) deve a exceção invocada ser julgada procedente ou, em caso negativo, deve a ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a entidade requerida».

3. A Autora veio, na sequência, apresentar réplica (cfr. fls. 84 e segs. SITAF), defendendo que não se verifica a caducidade, invocada pela Ré, do seu direito à requerida subvenção pública, pugnando, assim, pela improcedência da exceção.

4. Foi oportunamente proferido despacho saneador (cfr. fls. 111/112 SITAF), onde se reconheceu a competência deste tribunal (STA) em razão do autor do ato impugnado (“PAR”), se consideraram verificados os pressupostos processuais relativos às partes, bem como a inexistência de nulidades processuais.

Mais se considerou constarem já dos autos todos os factos e elementos relevantes para o conhecimento do mérito da ação, através das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e da documentação junta aos autos com tais articulados.

E aí se expressou não terem sido alegadas exceções dilatórias, e se consignou que:

«(…) para além de estar em causa invocação de exceção perentória (cuja eventual procedência acarreta a absolvição do pedido), referente, pois, ao mérito da causa, e não exceção dilatória (tendente a eventual absolvição da instância), verifica-se que, no presente caso, a apreciação e decisão da exceção perentória invocada confunde-se, “in totum”, com a apreciação e decisão do mérito da causa, uma vez que o ato de indeferimento que vem impugnado se fundamentou, precisamente, na caducidade do requerimento de atribuição da subvenção pública.
Aliás, por tal motivo, a Ré repete, na sua contestação por impugnação, o que antes contestara por exceção; e, pelo mesmo motivo, o Autor repete, na réplica, os fundamentos da impugnação antes explanados na sua p.i.

(…) Os autos prosseguirão para oportuno conhecimento do mérito da ação (equivalente, no caso, ao mérito da exceção perentória invocada), tendo em consideração a especificidade do julgamento neste STA, em conferência (cfr. arts. 17º nº 1 do ETAF e 27º nº 1, “a contrario”, do CPTA)».

Declarou-se, decorrentemente, não haver lugar à realização de audiência final, nem à produção de alegações finais.

Foi fixado à causa o valor de 43.197,35€.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em Conferência.


II. Das questões a decidir

6. Cumpre apreciar e decidir se o ato impugnado sofre do vício de ilegalidade, que a Autora lhe assaca, ao ter indeferido a subvenção estatal com fundamento na extemporaneidade do seu requerimento por parte do Autor. Isto é, cumpre apreciar a correção deste fundamento de indeferimento em face do legalmente previsto no nº 6 do art. 17º da Lei nº 19/2003, de 20/6 que dispõe que «a subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais».


III. Fundamentação

III.A. Fundamentação de facto

7. Considera-se provada, com relevância para a decisão da causa, a seguinte matéria de facto (por acordo das partes, e ainda pelo teor dos documentos abaixo referidos):

1) O Autor é um Grupo de Cidadãos Eleitores que foi candidato às Eleições Autárquicas de 26 de setembro de 2021, no concelho de ....

2) Nas referidas eleições autárquicas, o Autor apresentou candidaturas aos seguintes órgãos autárquicos: Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Freguesias do concelho de ....

3) O Autor obteve resultados eleitorais que lhe permitiram a eleição de membros para aqueles órgãos, cfr. se colhe do teor do Mapa Oficial nº ... da Comissão Nacional de Eleições, onde constam os resultados oficiais das Eleições Autárquicas de 26 de setembro de 2021 (cfr. doc. 1 junto com a p.,i.): designadamente, 2 Vereadores da Câmara Municipal e 5 Membros da Assembleia Municipal, o que corresponde, respetivamente, a 26,56% e 24,55% dos votos em cada sufrágio.

4) No âmbito da campanha eleitoral o Autor despendeu a quantia de €43.197,25.

5) O valor das receitas provenientes da angariação de fundos foi de €1.100,00;

6) Com fundamento no artigo 17º da Lei nº 19/2003 de 20 de junho, na sua redação atual, em 24 de janeiro de 2022, o Autor requereu junto da Ré a atribuição de subvenção pública à campanha eleitoral, instruindo o requerimento com os competentes documentos (cfr. doc. nº 3 junto com a p.i).

7) O requerido pelo Autor foi objeto de indeferimento por Despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, proferido em 29/04/2022, com fundamento na extemporaneidade do peticionado.

8) O ato que indeferiu a pretensão do Autor foi notificado em 21/06/2022 (cfr. doc. 2 junto com a p.i.).

9) A Ré havia, antes, emitido um projeto de indeferimento do requerido pelo Autor, com fundamento na extemporaneidade/caducidade, ou seja, em que tal requerimento havia sido apresentado para além do prazo de 15 dias referido no nº 6 do artigo 17º da Lei nº 19/2003, de acordo com o qual o prazo havia terminado em 22/12/2021, dado que os resultados eleitorais haviam sido publicados em 29/11/2021 (cfr. teor do doc. nº 4 junto com a p.i);

10) Este projeto de indeferimento foi notificado ao Autor para exercer o direito de Audiência Prévia.

11) O Autor, em 07/04/2022, exerceu o direito de audiência prévia, expondo as razões e fundamentos, alegando a falta de fundamento daquele projeto de decisão (cfr. doc. nº 5 junto com a p.i.).

12) A Ré manteve a projetada decisão de indeferimento da pretensão do Autor, ou seja, indeferiu-lhe a atribuição da subvenção pública à campanha eleitoral autárquica de 2021.

13) Como consta do Despacho de indeferimento da atribuição ao Autor da solicitada subvenção pública, entendeu a Ré verificar-se a caducidade do direito, porquanto, o prazo de 15 dias fixado no nº 6 do artigo 17º da Lei nº 19/2003, na sua redação atual, findou em 22/12/2021.

14) E no entendimento vertido naquele Despacho, tendo o Autor apresentado o requerimento em 24/01/2022, já aquele prazo havia decorrido.

15) O Autor interpôs a presente ação impugnatória em 20/7/2022 (cfr. fls. 1 SITAF).


III.B. Fundamentação de direito

8. Conforme se disse (cfr. ponto 6 supra) a questão a decidir na presente ação resume-se a saber se o ato impugnado sofre do vício de ilegalidade, que a Autora lhe assaca, ao ter indeferido a subvenção pública, por si requerida, com fundamento na extemporaneidade do requerimento, em face do legalmente previsto no nº 6 do art. 17º da Lei nº 19/2003, de 20/6.

O art. 17º da Lei nº 19/2003, de 20/6 (“Regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das campanhas eleitorais”), com a epígrafe “Subvenção pública para as campanhas eleitorais”, dispõe, no seu nº 6, que «a subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais».

Como os resultados da campanha eleitoral em questão foram oficialmente publicados em 29/11/2021, o prazo de 15 dias, referido naquele preceito legal, findou em 22/12/2021.

Tendo o Autor requerido a subvenção apenas em 24/1/2022, o despacho ora impugnado indeferiu a sua atribuição, com fundamento na extemporaneidade do pedido, ou seja, por ter o Autor requerido a mesma após 22/12/2021, termo final do prazo de 15 dias legalmente previsto para o efeito.

9. O Autor não discute que requereu a atribuição da subvenção após o decurso dos 15 dias seguintes ao anúncio oficial dos resultados da campanha eleitoral em questão.

Porém, alega que esse prazo de 15 dias, previsto no aludido preceito legal, não é um prazo perentório que importe a caducidade do direito à obtenção da subvenção.

Efetivamente, alega o Autor, em sustentação da sua tese da ilegalidade do ato de indeferimento que aqui impugna (e como justificação do “ato devido”, de atribuição da subvenção pública, que peticiona) que:

- «não resulta da citada disposição legal que o prazo de 15 dias, para requerer a atribuição da subvenção pública, é um dos elementos constitutivos do direito à mesma, antes e apenas o direito depende da obtenção dos resultados eleitorais» (artigo 30º da p.i.);

- «não resulta da lei e designadamente do citado artigo a consequência ou sanção para o incumprimento do referido prazo; (…) a caducidade do direito à subvenção não tem caráter automático, aliás, se assim fosse, sempre tal efeito preclusivo teria de estar determinado de forma taxativa, o que não sucede» (artigos 31º e 32º da p.i.);

- «o A. preencheu e preenche estes requisitos legais [substantivos]; que se diga são os únicos de que depende a atribuição da subvenção pública» (artigos 38º e 39º da p.i.);

- «o não cumprimento do prazo estabelecido (…) não constitui fundamento autónomo de revogação desse direito; em conformidade com o regime da Lei nº 19/2003, a revogação do direito à subvenção pública não opera de forma automática e está sujeita a declaração da Administração, a proferir no âmbito de um procedimento em que seja garantida ao interessado a audiência prévia» (artigos 41º e 42º da p.i.);

- «a economia do referido diploma aponta inequivocamente no sentido de não estar a Administração vinculada a extinguir a subvenção pública da campanha eleitoral, dispondo de margem para apreciar a oportunidade da atribuição (…)» (artigo 44º da p.i.);

- «inexistem razões de legalidade ou de mérito contrários ao interesse público; (…) a R. não avaliou e nem sequer invocou qual o interesse público subjacente ao indeferimento»» (artigos 48º e 50º da p.i.);

- «ao não ter decidido dessa forma, a Administração criou um prejuízo elevado para o A. atenta a despesa contraída» (artigo 53º da p.i.,);

- «assim sendo, (…) a declaração de caducidade da subvenção pública revela-se inoportuna e desproporcionada; a Administração (…) podia e devia optar por não revogar o direito à subvenção pública requerida» (artigos 59º e 60º da p.i.);

- «ao não ter atuado nesta conformidade, a Administração não observou os princípios que enformam a atividade administrativa, designadamente o da legalidade, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e do interesse público» (artigo 61º da p.i.);

- «a Administração não podia olvidar o que decorre do artigo 10º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, que expressa o seguinte: “o povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição”» (artigo 64º da p.i.);

- «a regra geral de designação dos titulares dos órgãos eletivos da soberania, das regiões autónomas e do poder local assenta no sufrágio direto, secreto e periódico, regendo-se as campanhas eleitorais pelos princípios da liberdade de propaganda, de igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, da imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas e da transparência e fiscalização das contas eleitorais (artigo 113º, nºs 1 e 3, da CRP)» (artigo 68º da p.i.);

- «a igualdade de oportunidades das diversas candidaturas implica que todos os partidos disponham de meios suficientes para chegar aos cidadãos e que estes possam escolher entre eles de forma esclarecida» (artigo 69º da p.i.);

«a decisão em causa (…) viola o disposto nos artigos 17º da Lei nº 19/2003, 4º, 6º, 7º 8º e 9º do CPA e 9º al. b), 10º, 13º, 51º e 266º da CRP» (artigo 78º da p.i.).

10. Como defende a Ré “AR” na sua contestação, o Autor não tem razão quando afirma que o prazo de 15 dias (posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais) estipulado no nº 6 do art. 17º da Lei nº 19/2003, de 20/6, não é um prazo perentório, que acarreta, se não cumprido, a caducidade do direito ao requerimento e obtenção da subvenção pública que seja devida.

Este prazo de 15 dias vem sendo previsto, nos mesmos termos, continuamente, desde 1993, nas Leis nºs 72/93, de 30/11 (nº 7 do art. 27º), na seguinte Lei nº 56/98, de 18/8 (nº 7 do art. 29º, passando ao nº 9 do mesmo art. 29º, pela redação conferida pelo art. 2º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14/8) e, finalmente, no atual nº 6 do art. 17º da Lei nº 19/2003.

Na verdade, uma interpretação conforme aos ditames do art. 9º do C.Civil, obriga a dotar de sentido útil a disposição legal de que “a subvenção é solicitada em 15 dias”. E o sentido útil só pode ser o do ónus de cumprimento desse estipulado prazo, sob pena de perda do direito à atribuição da subvenção.

Desde logo, o nº 1 do art. 17º em questão refere que o direito a uma subvenção pública é conferido «nos termos previstos nos números seguintes». E, nos termos estabelecidos nos números seguintes, para além das condições ou pressupostos substantivos de atribuição das subvenções, inclui-se, no nº 6, a condição procedimental da sua “solicitação em 15 dias”.

E, como refere a Ré “AR”, dispõe o nº 2 do art. 298º do C.Civil (“Prescrição, caducidade e não uso do direito”) que: «Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição».

Ora, a tese do Autor, de que o incumprimento do prazo de 15 dias em questão não acarreta a caducidade do direito à subvenção estatal, para além de contrariar este preceito legal do C. Civil, levaria a que o direito à atribuição de subvenções estatais, por parte dos partidos ou de grupos de cidadãos ou de outros candidatos – referidos no nº 1 do art. 17º da Lei nº 19/2003 –, só se extinguisse no prazo de prescrição de 20 anos (nos termos do art. 309º do C.Civil).

Mas esta solução – a que leva a tese do Autor - ditaria como inútil a estipulação do prazo de 15 dias constante daquele nº 6 do art. 17º (o que contraria, como dissemos, as regras interpretativas ínsitas no art. 9º do C.Civil). E, além de tornar inútil esse preceito, levaria a uma solução inconsequente face à unidade do regime de atribuição das subvenções estatais – veja-se a previsão de vencimento de juros de mora no caso de incumprimento pela “AR” do prazo de 60 dias previsto no nº 8 do mesmo art. 17º; e com o nº 1 do art. 27º que prevê prazos curtos para o encerramento e entrega à “Entidade das Contas e Financiamentos Políticos” das contas de cada campanha eleitoral.

Por outro lado, como pertinentemente alega a Ré “AR”, «a subvenção pública corresponde a uma despesa do Estado, a qual se subordina e rege por regras de disciplina orçamental próprias de despesa pública. Carece de previsão orçamental, inscrita em orçamento próprio, em anos em que ocorram atos eleitorais, cuja justificação de cada rúbrica, os seus termos e modo de cumprimento assentam em regras e prazos próprios com vista à correta execução orçamental. A incerteza no momento do pagamento, que resultaria de uma leitura do prazo como de não caducidade, criaria a possibilidade de serem efetuados pagamentos, a título de subvenção, em anos sem previsão orçamental para o efeito, o que em termos de contas públicas não seria desejável, e representaria para o devedor Estado um acrescido encargo financeiro, tanto mais elevado quanto mais aquele se protelasse no tempo, que o legislador quis evitar com a fixação de um prazo de 15 dias para solicitar a subvenção. Não será difícil antever o que representaria para o Erário Público, a contas com significativas verbas, se, em eleições autárquicas, as diversas forças políticas (partidos políticos, coligações ou grupos de cidadãos eleitores dos órgãos das autarquias locais) concorrentes elegíveis para a subvenção pública se apresentassem a fazer a solicitação da subvenção em momentos desencontrados, apenas por si definidos e segundo critérios de oportunidade e de interesse próprios, fora do calendário eleitoral e, porventura, da legislatura» (artigos 61º a 63º da contestação).

11. Assente que o prazo de 15 dias fixado no nº 6 do art. 17º da Lei nº 19/2003 constitui um prazo perentório, cujo incumprimento acarreta a extinção do direito à atribuição da subvenção estatal eventualmente devida, toda a argumentação desenvolvida pelo Autor perde relevância decisiva.

Liminarmente, sempre careceria de sentido a afirmação do Autor de que o ato de indeferimento impugnado seria ilegal por ter procedido a uma “revogação” do seu direito à subvenção (para mais, sem o devido procedimento e audiência prévia do Autor). Como é óbvio, o ato que vem impugnado não procedeu a qualquer “revogação”, tendo-se limitado a indeferir a subvenção requerida por ter constatado (no que não é contraditado pelo Autor) que a mesma fora solicitada fora do prazo de 15 dias para o efeito legalmente estipulado.

Efetivamente, a caducidade é uma forma de repercussão no tempo nas situações jurídicas que, por lei ou por contrato, devam ser exercidas dentro de certo tempo; expirado o respetivo prazo, sem que se verifique o exercício, verifica-se “extinção”.

Assim, em face dessa constatação “de facto”, não tinha o Presidente da “AR” qualquer margem de apreciação decisória, a não ser indeferir a atribuição da subvenção requerida, sob pena de infringir – aí, sim – a lei.

Note-se que não está em causa se o Autor preenchia, ou não, os requisitos substantivos, legalmente estabelecidos para o direito à atribuição da subvenção pública que requereu. O que aqui releva é a circunstância, constatada e afirmada no despacho impugnado, como fundamento do indeferimento, da extemporaneidade desse requerimento, em incumprimento do requisito legal, procedimental, da sua solicitação no prazo de 15 dias após a declaração oficial dos resultados eleitorais.

12. Igualmente como consequência do caráter perentório do aludido prazo legal de 15 dias, irrelevam todas as considerações que o Autor elabora quanto às razões de mérito ou de interesse público que, a seu ver, imporiam uma decisão, contrária, de deferimento da subvenção por si requerida. É que, impondo-se à Ré “AR” a decisão de indeferimento, que tomou, em face do legalmente estipulado, em exercício vinculado de legalidade, não tinha a mesma qualquer margem de discricionariedade para ponderação no sentido do pugnado deferimento - sob pena, repete-se, de atuação ilegal.

Pela mesma razão, carece de sentido e de relevância, as imputações de “inoportunidade” ou de “desproporcionalidade” que o Autor assaca ao indeferimento, tendo em conta que outra decisão era legalmente interdita à Ré.

Face à imperatividade da solução legal, apenas há que escrutinar o ato impugnado, de indeferimento, sob o prisma da legalidade, não sendo ao caso aplicáveis ponderações – como entende o Autor – de outros princípios que enformam a atividade administrativa, designadamente o da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e do interesse público – já tidos em conta pela lei na solução que aqui impõe vinculadamente, diferentemente do que ocorreria numa situação em que concedesse à Administração exercício de poderes discricionários.

13. Não tem também razão o Autor quando afirma que, em consequência da decisão que impugna, de indeferimento da subvenção que requereu, «a Administração criou um prejuízo elevado para o A. atenta a despesa contraída».

Estando legalmente previsto um prazo para o requerimento à “AR” da subvenção pública devida – aliás, como se disse, em termos iguais desde há pelo menos 29 anos (desde o DL nº 72/93) -, a inevitável consequência do incumprimento desse prazo legal, traduzida na não atribuição da subvenção, apenas se deve a quem não cumpriu o ónus de atempadamente a requerer, nos termos legais, e não à Administração, a qual, perante tais circunstâncias, apenas a podia ter indeferido.

Por esta mesma razão, não procede a imputação de violação do princípio da igualdade ou de discriminação face a outras candidaturas que tenham cumprido o referido ónus de atempadamente terem solicitado a devida subvenção.

E, por outro lado, a estipulação legal desse prazo, incumprido pelo Autor, não infringe os direitos eleitorais e políticos das candidaturas, designadamente de partidos, de coligações de partidos ou de grupos de cidadãos eleitores, contrariamente ao defendido pelo Autor com apelo aos arts. 10º, 51º ou 113º da CRP, pois que tais direitos podem ser submetidos, sem erosão, a requisitos procedimentais legalmente estipulados, desde que não equivalham a uma supressão desses direitos – o que, no caso da previsão deste prazo legal, não ocorre. Aliás, é a própria CRP que, no nº 6 do art. 51º (invocado pelo Autor), prevê que «a lei estabelece as regras de financiamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto aos requisitos e limites do financiamento público».

Assim, é de concluir que, contrariamente ao alegado pelo autor, o ato impugnado não viola “o disposto nos arts. 17º da Lei nº 19/2003, 4º, 6º, 7º, 8º e 9º do CPA e 9º al. b), 10º, 13º, 51º e 266º da CRP”.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

- Julgar improcedente a presente ação.

Custas pelo Autor.

D.N.

Lisboa, 9 de março de 2023. – Adriano Cunha (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.