Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01046/12
Data do Acordão:02/14/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA tem natureza absolutamente excepcional. Daí que apenas seja admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou.
II - Destina-se a viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
III - Não assume aquela relevância fundamental nem se apresenta como clara a necessidade de admissão deste recurso, no quadro factual fixado pelas instâncias, a reapreciação da questão atinente a reparações efectuadas por força da “ garantia de bom funcionamento “ de bens de consumo e a sua tributação em IVA. Em especial ... a tributação, dos créditos e débitos ocorridos entre as entidades responsáveis pela garantia (vendedor, intermediários e produtor) para reembolso dos encargos e despesas decorrentes das ditas reparações. “
Nº Convencional:JSTA000P15304
Nº do Documento:SA22013021401046
Data de Entrada:10/08/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar sumária de admissibilidade – cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA-.

Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada agora com o acórdão do TCANorte que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional ordinário oportunamente interposto da sentença do TT de 1ª Instância do Porto pela Impugnante e ora Requerida, A……, Ld.ª, em substituição, julgou antes procedente aquela impugnação e, em consequência, anulou as impugnadas liquidações, com todas as consequências legais, incluindo a restituição das quantias paga, com direito aos peticionados juros indemnizatórios, dele veio requerer revista, nos termos do art.º 150º do CPTA.

Sustenta, em síntese e fundamentalmente, que se verificam os requisitos legais de admissibilidade do recurso de revista para eventual reapreciação da questão emergente do questionado julgado e que enunciou pela forma seguinte:

... estão em causa as reparações efectuadas por força da “ garantia de bom funcionamento “ de bens de consumo e a sua tributação em IVA. Em especial mostra-se controvertida a tributação, dos créditos e débitos ocorridos entre as entidades responsáveis pela garantia (vendedor, intermediários e produtor) para reembolso dos encargos e despesas decorrentes das ditas reparações. “

Uma vez que, alega, ... se mostra necessária uma definição clara e definitiva por esse Venerando Tribunal do regime jurídico-tributário aplicável àquelas reparações em sede de IVA. “

Pois “ ... entende também que o presente recurso é a via processual adequada para a obter, uma vez que a questão controvertida nos autos preenche inequivocamente os requisitos e condicionalismos previstos no art.º 150º do CPTA.”

Nesta sede, invoca ainda que “ ... as dificuldades e dúvidas suscitadas pelo caso vertente não são privativas deste... “ uma vez que “ ... a questão respeita a todos os fornecedores de bens de consumo e não apenas a um ou outro setor específico. “,

Para adiante concluir pela inequívoca possibilidade de expansão da controvérsia para lá dos limites do caso concreto e pela relevância social da questão controvertida.

Alega ainda, intentando demonstrar a necessária relevância jurídica da questão suscitada a “ Complexidade que resulta, no entender da Fazenda Pública, da circunstância do enquadramento em IVA das operações e movimentos decorrentes das reparações de garantia obrigar à análise do respectivo conteúdo económico e, não raras vezes, ao alheamento da sua efetiva natureza jurídica.( ... ) dificuldade ... patente no acórdão em recurso, em que o julgador, afirmando embora que o conceito de prestação de serviços “ é uma daqueles conceitos cujo sentido haverá que encontrar, em última análise, na substância económica do facto tributário “, acaba por privilegiar a natureza jurídica da operação, ao fazer depender o enquadramento da mesma do “ título “ mediante a qual a B…… AG assume a responsabilidade pela operação ”.

Adiante e no mais, persiste em manifestar a sua discordância com o sentido decidido perseguindo, em última análise, a revogação do sindicado julgado e a sua eventual substituição por outro que, porventura, dê acolhimento ao entendimento que sufraga.

A Impugnante e ora Requerida contra-alegou oportunamente sustentando a não verificação dos pressupostos de admissão do presente recurso excepcional de revista, mediante invocação de acórdão desta formação e Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que convenientemente identifica.

Alega, em síntese e fundamentalmente, que

nestes autos do que verdadeiramente se trata é de um caso de reparações de garantia concedida aos adquirentes de viaturas automóveis, garantia esta concedida nas condições específicas ou particulares estabelecidas para o caso concreto do relacionamento da ora recorrida, os seus concessionários (vendedores ao público) e a empresa alemã construtora das viaturas da marca B……. (a designada B…… AG), e da qualificação ou não como prestação de serviços sujeitas e tributadas em IVA das quantias pelas quais a recorrida foi reembolsada pela B……AG. “,

Que “ ... o que está em causa não é uma relação de garantia da viatura alienada pelo vendedor (concessionário) ao consumidor final (cliente) mas sim e tão só o relacionamento entre o produtor (a B……AG), o importador (a recorrida) e o vendedor (concessionário). O consumidor final da viatura é absolutamente estranho a esta relação ...

E daí que a questão suscitada não possa assumir, assim, a invocada relevância social e jurídica excepcional, que exige o art.º 150º do CPTA... “,

Pois, ao contrário do alegado pela Requerente, o questionado relacionamento pode assumir diversos contornos ou realidades que as partes livremente contratualizaram e que, por isso, não reveste a natureza de um relacionamento uniforme nem muito menos igual ... que exija uma pronúncia uniformizadora deste Supremo Tribunal ...

E que também se não justifica a requerida intervenção deste Tribunal Superior “... para a melhor aplicação do direito pois não vemos ou conhecemos que haja controvérsia que justifique tal intervenção, até porque não nos parece que, in casu, se esteja em presença de tarefa de complexidade jurídica “superior ao comum” ou, ainda, “ da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis. “

Salientando a final que “ o douto acórdão recorrido não violou disposição legal alguma, pelo que deve manter-se na ordem jurídica. Aliás, ... , o que se nos afigura é que a Fazenda Pública veio lançar mão deste recurso de revista, que é excepcional, porque, simplesmente, não foi do seu agrado o que doutamente decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte ....

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, chamado a pronunciar-se - cfr. parecer de fls. 288 e 289 -, opinou pela admissão do requerido recurso de revista pois, em seu esclarecido entender, a questão decidenda parece revestir relevância jurídica e social , de importância fundamental.

Uma vez que ... o tipo de reparações em causa nos autos é frequente e habitual e contende, com todos os ramos de actividade económica e não apenas com o ramo automóvel e daí a capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, havendo um interesse jurídico, no plano prático, na definição tributária deste tipo de situações.

Concluindo, a final, que “ a admissão do recurso parece claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pois verifica-se a possibilidade real de repetição de um número indeterminado de casos futuros e a consequente uniformização do direito.”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Vejamos então, como cumpre - cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -, se, in casu, se verificam ou não os pressupostos de admissibilidade.

A jurisprudência das duas Secções deste Supremo Tribunal Administrativo (contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjectiva “ Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito. “, vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o carácter estritamente excepcional deste recurso jurisdicional de revista,

Pois que se não trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,

Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E, no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

Já no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há-de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável,

Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios… .

( Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011 processos n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, e processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário ).

Esta jurisprudência, que vem sendo reiterada, pacífica e uniformemente acolhida por esta formação da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, não poderá deixar de, aqui e mais uma vez, lograr acolhimento, designadamente, no que concerne ao preenchimento dos conceitos indeterminados utilizados pelo legislador.

Ora, neste domínio e no caso presente, não pode deixar de acolher-se o entendimento sufragado pela Requerida que, com o apoio jurisprudencial que convoca e perante a situação processual subjacente, conclui antes pela não verificação dos necessários requisitos legais de admissão do requerido recurso de revista excepcional e, consequentemente, pela sua não admissão, assim se mantendo o douto acórdão recorrido.

Com efeito e mau grado o apoio que logrou recolher do Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal é antes seguro que, não só a Requerente não logrou demonstrar a verificação daqueles requisitos legais, tal como os vem caracterizando e definindo a jurisprudência, como os mesmos se não verificam ocorrer no ajuizado caso dos presentes autos.

O questionado acórdão do TCANorte, proferido em recurso jurisdicional oportunamente interposto pela Impugnante e agora Requerida, A……., SA, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pelas razões de facto e de direito que bem discriminadamente aponta, houve por bem conceder provimento ao recurso que apreciava e, em consequência, revogar a decisão recorrida e, em substituição, anular as liquidações impugnadas, com todas as consequências legais.

Fê-lo, importa sublinhá-lo, por unanimidade dos seus julgadores e no declarado pressuposto de que a AT não lograra reunir, como lhe competia, indicadores suficientes de que subjacentes às referidas notas de crédito estariam verdadeiras prestações de serviços, efectuados pela ora Recorrente, por si ou através dos seus concessionários, à B…… AG.
Assim sendo, as liquidações impugnadas estão viciadas de erro sobre a existência de pressupostos suficientes para qualificar estas operações como verdadeiras prestações de serviços.

E, para assim decidir, operou bem perfunctória apreciação/ponderação da factualidade subjacente e consequente subsunção desta e da situação singular apurada ao direito aplicável - art.º 4º do CIVA -, convocando, ainda e com oportunidade, a jurisprudência uniforme do Tribunal de Justiça das Comunidades e a opinião concordante de dois bem conceituados autores.

Assim, ao contrário do sustentado pela Requerente e à míngua de alegação conveniente, não pode deixar de concluir-se que as questões jurídicas concretamente dirimidas pelo tribunal a quo se lhe apresentaram isentas das invocadas dúvidas e/ou dificuldades e sem integrar ou consubstanciar qualquer controvérsia jurisprudencial ou doutrinária,

Controvérsia que os autos não evidenciam, nem a alegação da Requerente demonstra.

É porém certo que o sentido do questionado julgado é diverso daquele que o tribunal a quo sindicava e jurisdicionalmente revogou.

E os autos mostram também que o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância, ali recorrido, sustentara também opinião/parecer diverso – cfr. fls. 221 e 222 -.

E mostram mais, agora, também a discordância da Administração Tributária.

Nada disto porém pode surpreender. Essa é antes a bem salutar característica da controvérsia processual que sempre se desenvolve no domínio das questões submetidas a apreciação e decisão judiciária.

E a discordância com o sentido do decidido, por si só, embora susceptível de legitimar/motivar recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, revela-se antes e para o efeito jurídico processual que cumpre - admissibilidade da revista excepcional
( que o legislador quis bem contido nos estritos limites que lhe definiu – art.º 150º do CPTA - ) - manifesta e processualmente ineficaz.

Acresce que, bem ao contrário do invocado pela Requerente, compulsado o controvertido aresto, se não vislumbra que os Senhores Juízes Desembargadores que o subscreveram tivessem tido, para decidir, de efectuar operações de natureza lógica e actividade exegética de dificuldade superior à comum,

Nem se vê como a concreta situação factual dos autos, tal como se mostra definida, agora de forma definitiva e insindicável – art.º 150º n.º 3 e 4 do CPTA -, possa, como sustenta a Requerente, com apoio, aliás, do Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, revelar-se susceptível de capacidade de expansão para além daqueles seus estreitos limites,

Assim se revelando, antes, bem fantasiosas e porventura inconsequentes as invocadas referências a repetições em todos os ramos da actividade económica ou, nas palavras da Requerente, “ ... a questão respeita a todos os fornecedores de bens de consumo e não apenas a um ou outro setor específico.

Acresce, para o efeito que cumpre - admissão da requerida revista - que a invocada capacidade de expansão da controvérsia, se controvérsia houvesse, ainda assim, só relevaria efeito útil e legitimador se a apontada decisão judicial se revelasse ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, em termos de poder qualificar-se como susceptível de integrar “erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada …”, ou, no mínimo, passível de suscitar dúvidas fundadas emergentes de divisões de correntes jurisprudenciais ou doutrinais.

Ora, como vem de demonstrar-se, nada disto se verifica ocorrer no ajuizado caso dos presentes autos.

Não é, assim, caso de lançar mão da válvula de segurança do sistema viabilizado pelo requerido, especial e extraordinário meio processual de recurso jurisdicional de revista consagrado pelo invocado art.º 150º do CPTA.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta formação – art.º 150º n.º 5 do CPTA – da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir a requerida revista.

Custas pela Recorrente Administração Tributária.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013. - Alfredo Madureira (relator) - Dulce Neto - Valente Torrão.