Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0292/08.7BEBJA
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ACTIVO
CONSÓRCIO
SUPRIMENTOS
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00071131
Nº do Documento:SA1202104290292/08
Data de Entrada:12/11/2020
Recorrente:EDIA – EMPRESA DE DESENVOLVIMENTO E INFRA-ESTRUTURAS DO ALQUEVA, S.A.
Recorrido 1:A............, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CPC ART33
DL 231/81 DE 1981/07/28 ART1
CC ART311 ART312 ART316 ART318
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………, S.A, melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A., peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 1.452.685,74€, correspondente à soma de 1.198.089,98€, respeitante a prejuízos e €254.595,76, relativa a juros vencidos, acrescida de juros vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Mais requer a A., nos termos do art.º 560º, nºs 1 e 2, do Código Civil (CC), que sejam capitalizados os juros vencidos há mais de um ano, bem como, sejam capitalizados os outros juros assim que perfizerem um ano, sobre todos se passando a contar novos juros.

Com a apresentação de PI aperfeiçoada, a Autora requereu a intervenção principal provocada da B............, S.A..


*

Por Despacho-Saneador do TAF de Beja foi, entre o mais, rejeitado o incidente de intervenção principal provocada e, consequentemente, foi absolvida a Réu da instância, por ilegitimidade activa da Autora.

*

Interposto recurso pela A. A............ para o TCAS, veio este, por acórdão proferido em 02.07.2020, a revogar o assim decidido em sede de 1ª instância, afirmando que, pese embora a existência de uma situação de litisconsórcio necessário, a excepção de ilegitimidade activa «era passível de suprimento por via da intervenção principal provocada (…)» e que «[c]onsequentemente, o requerimento … para a intervenção principal provocada … tinha de ter sido deferido» [arts. 28º, 325º, 326º, nº 1, al.- a), do anterior CPC - atuais arts. 30º, 33º e 318º, nº 1, al. a), do CPC/2013], porquanto «[d]os autos, designadamente da prova produzida, não resulta certo e ineludível que a B............ divirja da Autora relativamente ao objecto desta acção», já que diversamente «dos factos provados resulta que o consórcio apresentou à Ré, reclamação referente ao ressarcimento dos sobrecustos e que promoveu junto do INCI a tentativa de conciliação. Nada mais resulta provado nos autos, designadamente que a B............ divirja da Autora ou, sequer, que tenha assentido ou conformando-se com o auto de conciliação, aceitando-o expressamente» e que a «dedução do incidente de intervenção principal, como forma de resolver a dificuldade do autor em se apresentar em juízo juntamente com os seus associados, é também solução aplicável no processo administrativo» atenta admissão inserta no nº 8 do art. 10º do CPTA.

*

E é desta decisão do TCA Sul que a R/recorrente EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A., interpôs o presente recurso de revista, para o que alegou e apresentou as seguintes conclusões:

«1) O presente recurso vem interposto do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que considerou parcialmente procedente o recurso interposto pela ora recorrida A............ e considerou que a excepção de ilegitimidade activa, em sede de litisconsórcio necessário, é passível de suprimento por via da intervenção principal provocada” contrariando a decisão do TAF de Beja que considerou que, no caso em apreço, uma vez que a B............ se desinteressou do procedimento a ilegitimidade não podia ser suprida por intervenção principal provocada.

2) A A. ora recorrida, intentou a presente acção contra a Ré e alegando que a B............, depois do auto de não conciliação, não pretendeu continuar o procedimento, indicou-a como contra interessada.

3) Na sequência de despacho dando conta que não havia naquela acção figura de contrainteressada, numa segunda petição, pese embora, manter a sua legitimidade singular, a Autora requereu a intervenção principal da B.............

4) O que está em causa, é a questão de saber, se a ilegitimidade activa, em sede de litisconsórcio necessário, pode ou não ser suprida pela intervenção principal provocada, quando o chamado a intervir já não pode exercer, por si, o direito que é chamado a exercer, no caso em apreço, porque se desinteressou do seu exercício conforme declara quem requer essa intervenção e já passou o prazo para, por si, interpor a acção a que é chamado.

5) Nos termos do nº 1, do artº 150º, do CPTA, só excepcionalmente cabe revista dos acórdãos proferidos, em segunda instância pelos Tribunais Centrais Administrativos, admitindo tal recurso apenas quando esteja em causa uma questão de relevância jurídica ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

6) A jurisprudência tem-se debruçado sucessivas vezes sobre a questão do suprimento da legitimidade por via do chamamento através da intervenção principal provocada, mas em nosso entender nunca o fez numa situação que revista as vicissitudes e as singularidades deste caso.

7) A situação sub judice traz à colação elementos particulares relevantes, designadamente a apreciação do suprimento da ilegitimidade activa por via da intervenção principal provocada, em litisconsórcio necessário, quando o chamado já não tem condições para, por si, estar em juízo e quando é o próprio requerente que pretende a intervenção que afirma que ele perdeu o interesse em agir.

8) Uma pronúncia neste caso, deixaria a jurisprudência mais rica e assim contribuiria para a melhor aplicação do direito e enriquecimento da jurisprudência.

9) Termos em que, salvo melhor entendimento, deve considerar-se preenchido o pressuposto da relevância jurídica previsto no nº 1, do artº 150º, do CPTA.

10) Assim como se deve considerar preenchido o pressuposto da necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito previsto no nº 1, do artº 150º, do CPTA.

11) A Ré entende que a decisão do TAF de Beja não é merecedora da censura feita pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo e que essa censura resulta do facto de este não ter dado o devido relevo às especificidades e singularidades de que se reveste o caso em apreço.

12) O TAF de Beja deu como assentes, entre outros, os factos A) a K) que aqui se dão por reproduzidos.

13) A decisão da primeira instância ponderou o deferimento da requerida intervenção principal provocada para suprir a ilegitimidade activa da autora, mas acabou por concluir pelo indeferimento com fundamento em que a B............, em face do auto de não conciliação, se desinteressou e no prazo de interposição não intentou a competente acção.

14) Entendeu o Tribunal a quo, que essas circunstâncias fariam com que a decisão de admitir o chamamento se traduzisse num acto inútil, uma vez que a chamada B............ não poderia estar em juízo porque não era parte legítima por não ter interesse em agir, nos termos do disposto no artº 55º do CPTA.

15) A aceitação do auto de não conciliação por parte da B............ determina a impossibilidade de se virem a repercutir na sua esfera jurídica outros efeitos que não sejam os decorrentes exactamente dessa aceitação.

16) A intervenção principal provocada no âmbito de consórcios externos não deve ser aceite para sanar todas as eventuais ilegitimidades, tem sido esse o entendimento da jurisprudência.

17) A exigência de procuração especial prevista no nº 2, do artº 14º do DL nº 231/81 de 28.07, no âmbito da representação em juízo, seria injustificada se a intervenção principal provocada sanasse todas as ilegitimidades.

18) Tal entendimento, aliás, tem sido afastado pela nossa jurisprudência, como é exemplo a decisão proferida pelo STA em 20.09.2011 no âmbito do proc. nº 0556/11, do qual resulta: “Do exposto resulta que, in casu, o apontado regime específico do contrato de consórcio externo leva a que a falta de interesse em demandar das três identificadas empresas consorciadas, determina a ilegitimidade da autora e que essa ilegitimidade não possa ser sanada com a intervenção principal provocada daquelas, pois que só na convergência real e actual da vontade das consorciadas a decisão da acção pode produzir o seu efeito útil normal”.

19) A possibilidade de sanar a ilegitimidade activa depende sempre da situação em concreto em apreciação, não existindo um direito abstracto e inelutável de um dos membros requerer a intervenção dos restantes numa qualquer demanda.

20) Na situação sub judice, é a própria Autora, nos termos em que configura o seu direito e a obrigação da Ré, que alega que a chamada não tem interesse em demandar a Ré pois desinteressou-se “não pretendeu continuar o procedimento”.

21) A não pretensão da chamada em demandar a Ré torna-a parte ilegítima nesta acção sem possibilidade de sanação, através do incidente do chamamento à demanda, pois que a presente acção é inútil para a chamada em face do seu desinteresse provado, sendo a utilidade da mesma para a chamada um pressuposto essencial para a admissão de um incidente de intervenção principal provocada.

22) E é em face deste enquadramento fáctico que o TAF de Beja concluiu pelo indeferimento da requerida intervenção principal provocada, uma vez que o chamamento seria um acto inútil.

23) A jurisprudência citada no acórdão recorrido, nomeadamente, a do STA, dá conta de ilegitimidade activa quando apenas um elemento do consórcio demanda e é inexorável quanto à sua ilegitimidade, admitindo apenas a intervenção principal provocada quando a tal não se opõe a natureza da relação jurídica.

24) A jurisprudência tem entendido que há ilegitimidade insanável por via de intervenção principal provocada na impugnação de actos administrativos em que esteja em causa a adjudicação de um contrato de empreitada quando há desinteresse de um dos consortes, porque não haveria obrigatoriedade de assinar o contrato e sendo a prestação infungível não podia ser realizada por outrem, havia inutilidade no chamamento.

25) Ora, pensamos que sem forçar, no caso em apreço, jamais seria possível apurar os alegados sobrecustos que a autora invoca sem a intervenção da sua consorciada que, segundo declara a própria autora, realizou 41,9% dos trabalhos da empreitada, sem que conste da PI, quais.

26) Jamais seria determinável se os sobrecustos ocorreram na parte da obra realizada pela autora, ou pela B.............

27) Termos em que, pese embora a diferente circunstância, ainda assim, a realização do direito não pode ocorrer sem a intervenção da consorciada, o qual já não pode acontecer, dado o seu desinteresse.

28) Termos em que, com a devida vénia, o acórdão recorrido, em nosso entender, não fez a boa aplicação do direito ao caso, uma vez que desconsiderou ou não valorou devidamente as circunstancias do caso concreto, que nos dispensamos de voltar a enunciar.

29) É esta questão, que deve demandar a atenção deste Tribunal Supremo para dizer se, na melhor aplicação do direito, devia ter-se cumprido, por via da intervenção principal provocada, a ilegitimidade neste caso concreto com as vicissitudes e singularidades que ele apresenta, como entendeu o acórdão do TCA Sul, ou se, pelo contrário, como entendeu o TAF de Beja se deve entender que as vicissitudes e singularidades que o caso apresenta são impeditivas de suprimento da ilegitimidade activa por via da intervenção principal provocada.

30) Ao decidir no sentido em que decidiu, em nosso entender, decidiu bem o TAF de Beja e o acórdão recorrido, ao admitir a intervenção principal provocada no caso em apreço, violou o artº 9º, o nº 1 do artº 55º, nºs 1 e 2 do artº 56 e, alínea b), do nº 3 do artigo, todos do CPTA e artigo 30º, nºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex-vi do artº 1º, e 42º do CPTA e artºs 57º e 255º do DL nº 55/99 de 02.03».


*

A autora/recorrida não apresentou contra alegações.

*

O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artigo 150º do CPTA], proferido em 19.11.2020.

*

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

*

Notificados os sujeitos processuais do parecer do Ministério Público, veio a recorrente pronunciar-se no sentido já antes perfilhado em sede de alegações.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto fixada nos autos é a seguinte:

«A) Em 2004-05-13, a Ré lançou o concurso público internacional n° 3/2004 para a execução da "Empreitada de tratamento de fundações e de implementação do Plano de Observação do Aproveitamento de Pedrógão do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva", mediante anúncio, no Diário da República, III Série, n° 112 - cfr. doc. 1 junto com a PI;

B) O local de execução da obra incluída na Empreitada é o Rio Guadiana, a 23 km a jusante da Barragem de Alqueva, próxima da povoação de Pedrógão, concelho da Vidigueira, distrito de Beja - cfr. doc. 1 junto com a PI;

C) A A. concorreu à execução da Empreitada associada à empresa B............ S.A., tendo-lhe sido adjudicada a identificada empreitada - cfr. doc. 2 junto com a PI;

D) Em 2004-12-06, a A. e a B............, constituíram-se em Consórcio Externo em Regime de Responsabilidade Solidária - cfr. doc. 2 junto com a PI;

E) Nos termos da cláusula sexta do contrato de consórcio, a participação de cada uma das empresas no consórcio e no contrato de Empreitada é a seguinte: A………… - 58,1%; B............ - 41,9% - cfr. doc. 2 junto com a PI;

F) Em 2004-12-29, entre a Ré o consórcio adjudicatário foi celebrado o Contrato de Empreitada: cfr. doc. 3 junto com a PI;

G) Em 2006-06-30, o consórcio adjudicatário apresentou à Ré reclamação referente ao ressarcimento dos sobrecustos que considera resultantes dos condicionalismos verificados até Novembro de 2005 - cfr. doc. 6 junto com a PI;

H) Em 2007-02-01, o representante da Dona de Obra nesta empreitada e Director Coordenador de Infra-estruturas Primárias e de Energia, concluiu:

“...face ao que tudo precede, (...) os factos invocados no documento não são da responsabilidade da EDIA e, portanto, é jurídica e contratualmente indevida a pretensão do Consórcio de ser ressarcido de eventuais sobrecustos decorrentes daqueles factos.”- cfr. Doc. 7 junto com a PI;

I) Em 2007-08-14, o consórcio adjudicatário promoveu junto do INSTITUTO DE CONSTRUÇÃO E DO IMOBILIÁRIO - INCI, a tentativa de conciliação prévia à presente acção, nos termos do art. 260° do DL n° 59/99 - cfr. Doc. 8 junto com a PI;

J) Em 2008-07-02, foi lavrado auto de não conciliação - cfr. Doc. 8 junto com a PI;

K) Em 2008-08-05, a A. deu entrada neste Tribunal à presente acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, onde indicou como Contra-interessada a B............, S.A., tendo, após aperfeiçoamento da PI, requerido a intervenção principal daquela empresa consorciada, nos termos do disposto no art. 325° n° 1 do CPC - cfr. fls. 6 a 240, 243, 247 a 282».


*

II.2 - O DIREITO

Conforme supra se deixou enunciado, no TAF de Beja foi, entre o mais, rejeitado o incidente de intervenção principal provocada e, consequentemente, foi absolvida a Ré da instância, por ilegitimidade activa da Autora.

E foi-o considerando-se a jurisprudência deste STA firmada nos acórdãos de 08.06.2004 [Proc. nº 0489/04] e de 02.11.2010 [Proc. nº 0216/08] não admitindo o incidente de intervenção principal mercê de «o desinteresse indemnizatório da B............, S.A., consubstanciado no facto de aquela empresa consorciada não ter, oportunamente (vide invocados art. 56º do CPTA e art. 255º do DL n.º 59 /99), pretendido continuar o procedimento (o que resulta assente, recorde-se, face à sua conformação perante o auto de não conciliação, face ao expressamente referido na PI e, sobretudo, por não existir notícia de interposição de acção idêntica por parte desta), tendo-se consignado para tanto:

«Decorre dos autos e o probatório elege que existindo, como existe, um consórcio externo adjudicatário, estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário activo, o que, desde logo, se sinalizou, convidando a A. a aperfeiçoar a sua P.I. à luz do disposto no artº 325º do CPC ex-vi artº 42º do CPTA.

Sobre tal questão, em sede de contestação, pronunciou-se a Ré, sublinhando que mesmo que a intervenção principal provocada da outra empresa consorciada fosse susceptível de suprir a ilegitimidade activa resultante da instauração da acção somente pela A., o facto é que, no caso concreto, tal não pode suprir as consequências da aceitação, por banda da B............, S.A., do não pagamento por parte da Ré, pois há muito que expirou o prazo de caducidade previsto no artº 255º do RJEOT, o que obsta à possibilidade de actuação conjunta em juízo e se repercute na legitimidade da própria A.

(…)

Da factualidade assente resulta que a B............, S.A., conjuntamente com a ora A. apresentou à Ré uma reclamação referente a sobrecustos, a qual foi indeferida e motivou, por parte das empresas consorciadas, a promoção da (frustrada) tentativa de conciliação extrajudicial junto do INCI – cfr. als A) a K).

Resulta também dos autos que a A. visando obter a condenação da Ré no pagamento da indemnização que considera devida pelos prejuízos referentes aos sobrecustos, na proporção de 58/1% (vide. doc. nº 8 versus pedido na PI), intentou a presente acção contra a Ré e contra a B............, S.A., ainda que numa primeira fase, na qualidade de contra interessada, requerendo, depois, a sua intervenção principal provocada, expressamente referindo que aquela empresa consorciada não pretendeu continuar o procedimento – cfr. als. A) a K) supra, intróito da PI de fls. 6 a 240, artº 80º e intróito, artº 14º a 21º e artº 92º todos da P.I..

Ora, o incidente de intervenção principal provocada tem em vista fazer participa na acção pendente a empresa consorciada por, conjuntamente com a A. integrar a relação jurídica controvertida, pois, participando, como participam, ambas as empresas no consórcio externo adjudicatário participam, na respectiva proporção, nos direitos e obrigações que decorrem do contrato de Empreitada – cfr. artº 28º e 324º e segs do CPC ex vi artº 42º do CPTA e als. A) a K) supra.

Seria portanto o momento de proferir despacho no sentido da admissão da intervenção principal provocada, não fora dar-se o caso, como sucede na situação em concreto, que a ordenar-se tal admissão, incorrer-se-ia na prática de um acto inútil, a que o tribunal deve obstar – cfr. als. A) a K), artº 137º do CPC ex vi artº 42º do CPTA e Acs. do STA de 2004.06.08 in proc. nº 0489/04 e de 2010.11.02, in proc. nº 0216/08…

Na verdade, o desinteresse indemnizatório da B............, S.A. consubstanciado no facto de aquela empresa consorciada não ter, oportunamente (vide invocados artº 56º do CPTA e artº 255º do DL nº 59/99 de 02.03), pretendido continuar o procedimento (o que resulta assente, recorde-se, face à sua conformação perante o auto de não conciliação, face ao expressamente referido na P.I. e, sobretudo, por não existir notícia de interposição de acção idêntica por parte desta) fundamenta a rejeição do presente incidente de intervenção principal provocada – cfr als. A) a K) supra, artº 137º do CPC ex vi artº 42º do CPTA, artº 56º do CPTA e artº 255º do DL nº 59/99 de 02.03, artº 514º, nº 2 do CPC ex vi artº 42º do CPTA e fls. 685; artº 80º de fls. 6 a 240 e artº 92º de fls. 247 a 282, e Acs do STA de 2004.06.08, in proc. nº 0489/04 e de 2010.11.02, in proc. nº 0216/08.

Em face do que antecede, a A. efectivamente, carece de legitimidade activa, já que, atendendo à relação jurídico-administrativa de que o litígio dimana, ela não é titular, por si mesma, de interesse directo e pessoal no provimento da acção, exigindo-se o litisconsórcio necessário activo, o que, atento o supra aduzido, não se mostrou susceptível de suprimento e prejudica o conhecimento de tudo o demais suscitado – cfr. als. A) a K) supra, artºs 28º, nº 1, 137º do CPC, artº 89º, nº 1, al. h), do CPTA e artº 494, al. e), artº 495º e artº 288º, nº 1, al. d), do CPC ex vi artº 42º do CPTA, artº 56º do CPTA e artº 57º e artº 255º do DL nº 59/99 de 02.03 e Acs. do STA de 2004.06.08, in proc. nº 0489/04 e de 2010.11.02, in proc. nº 0216/08.

Nestes termos, rejeito o incidente de intenção principal provocada e consequentemente, por falta de legitimidade activa, absolvo a Ré da instância».


*

Por sua vez, o acórdão recorrido proferido pelo TCA Sul, que revogou o despacho do TAF de Beja e determinou a baixa dos autos para ser deferido o incidente de intervenção principal provocada, consignou o seguinte discurso fundamentador:

«Conforme factualidade apurada, a A............ concorreu à execução da “Empreitada de Tratamento de Fundações e de Implementação do Plano de Observação do Aproveitamento de Pedrogão do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva” associada à B............, em consórcio externo, em regime de responsabilidade solidária. Foi nessa mesma qualidade que lhe foi adjudicada a empreitada.

Logo, como se decidiu no despacho saneador, ora recorrido, ocorria aqui uma situação de litisconsórcio necessário activo, que era passível de suprimento por via da intervenção principal provocada da B.............

Porém, no despacho recorrido entendeu-se, também, que era inútil proceder ao suprimento da excepção, porque da matéria factual apurada resultava que a B............ não tinha pretendido continuar o procedimento relativo à tentativa de conciliação extrajudicial junto do INCI. Entendeu a decisão recorrida que o desinteresse da B............ “consubstanciado no facto de que aquela empresa não ter, oportunamente (…) pretendido continuar o procedimento (o que resulta assente, recorde-se, face à sua conformação perante o auto de não conciliação, face ao expressamente referido na PI e, sobretudo, por não existir notícia de interposição de acção idêntica por parte desta) fundamenta a rejeição do presente incidente de intervenção principal provocada”.

Ora, é nesta parte que não acompanhamos a decisão recorrida.

Decorre dos factos provados que a A............ e a B............ respondiam solidariamente perante o Dono da Obra.

Assim, estando estas empresas em consórcio, como vem sendo pacificamente defendido pela jurisprudência, ocorre aqui um litisconsórcio necessário activo – cf. entre vários os Acs. do STA n º 1367/03, de 06/08/2003, nº 54/04, de 02/03/2004, nº 489/04, de 08/06/2004, nº 402/08, de 24/09/2008, nº 216/08, de 02/11/2010, do TCAN nº 01262/10.0BEBRG, nº 18/03/2011, nº 00239/12.6BEMDL, de 20/02/2015 e nº 00235/13.6BEVIS, de 15/03/2019. Na doutrina, vide, CALDEIRA, Marco – “Um por todos…” ou “Juntos até que a morte os separe”? – Agrupamentos e litisconsórcio no contencioso pré-contratual, in CJA, Braga, Cejur, nº 107, Set/Out. 2014, pp. 8-22; SOUSA, Miguel Teixeira de - Estudos sobre o Novo Processo Civil. 2ª ed. Lisboa: Lex, 1997, pp.167-168.

Conforme artº 9º, nº 1 do CPTA e 30º, nºs 1 e 2,do CPC, tem legitimidade para figurar como A. na acção quem tem interesse directo em demandar, exprimindo-se tal interesse pela utilidade derivada da procedência da acção. Não havendo indicação legal diversa, os titulares do interesse relevante são os sujeitos da relação controvertida, "tal como é configurada pelo autor".

Nos termos do art.º 32º, nº 1, do CPC, se “a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade". Nos termos do art.º 32º, nº 2, do CPC, "É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado".

A exigência de uma pluralidade de partes para uma mesma relação material controvertida, que caracteriza o litisconsórcio necessário, pode derivar de imposição legal, de convenção (das partes) ou da natureza da relação material controvertida.

No caso, a indicada exigência de todos os membros do consórcio figurarem como AA. da presente acção decorre da natureza da relação jurídica controvertida.

O consórcio não tem personalidade jurídica, pois é um mero contrato pelo qual diferentes empresas acordam, temporariamente, o exercício consertado - e não comum - de uma dada actividade, frente a terceiros – cf. artºs 1º, 2º e 19º do Decreto-Lei nº 231/81, de 28/07, que regula o contrato de consórcio - cf. a este propósito, VENTURA, Rui “Primeiras Notas sobre o Contrato de Consórcio”, in Revista da Ordem dos Advogados, 1981, A. 41, pp. 609-649.

Estipulam os artºs 1º e 2º do Decreto-Lei nº 231/81, de 28/07, o seguinte:

“Artigo 1.º (Noção) Consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte.”

“Artigo 2.º (Objecto) O consórcio terá um dos seguintes objectos:

a) Realização de actos, materiais ou jurídicos, preparatórios quer de um determinado empreendimento, quer de uma actividade contínua;

b) Execução de determinado empreendimento;

c) Fornecimento a terceiros de bens, iguais ou complementares entre si, produzidos por cada um dos membros do consórcio;

d) Pesquisa ou exploração de recursos naturais;

e) Produção de bens que possam ser repartidos, em espécie, entre os membros do consórcio.”

Nos termos do artº 5º, nº 2, do referido diploma, “o consórcio diz-se externo quando as actividades ou os bens são fornecidos directamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, com expressa invocação dessa qualidade”.

Determinam também os artºs. 16º e 19º do Decreto-Lei nº 231/81, de 28/07, o seguinte: “Artigo 16º (Repartição dos valores recebidos pela actividade dos consórcios externos)

1 - Nos consórcios externos cujo objecto seja o previsto nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, cada um dos membros do consórcio percebe directamente os valores que lhe forem devidos pelo terceiro, salvo o disposto nos números seguintes e sem prejuízo, quer da solidariedade entre os membros do consórcio eventualmente estipulada com o terceiro, quer dos poderes conferidos a algum daqueles membros pelos outros.

2 - Os membros do consórcio podem estabelecer no respectivo contrato uma distribuição dos valores a receber de terceiros diferente da resultante das relações directas de cada um com o terceiro.

3 - No caso do número anterior e no respeitante às relações entre os membros do consórcio, a diferença a prestar por um destes a outro reputa-se recebida e detida por conta daquele que a ela tenha direito nos termos do contrato de consórcio.

4 - O regime do número anterior aplica-se igualmente no caso de a prestação de um dos membros do consórcio não ter, relativamente ao terceiro, autonomia material e por isso a remuneração estar englobada nos valores recebidos do terceiro por outro ou outros membros do consórcio.”

“Artigo 19º (Relações com terceiros)

1 - Nas relações dos membros do consórcio externo com terceiros não se presume solidariedade activa ou passiva entre aqueles membros.

2 - A estipulação em contratos com terceiros de multas ou outras cláusulas penais a cargo de todos os membros do consórcio não faz presumir solidariedade destes quanto a outras obrigações activas ou passivas.

3 - A obrigação de indemnizar terceiros por facto constitutivo de responsabilidade civil é restrita àquele dos membros do consórcio externo a que, por lei, essa responsabilidade for imputável, sem prejuízo de estipulações internas quanto à distribuição desse encargo.”

Assim, porque o consórcio não tem personalidade jurídica – nem judiciária – terão de figurar em juízo para defesa dos direitos decorrentes do contrato em que foi parte o consórcio - mormente do direito de indemnização por trabalhos prestados pelo consórcio - todas as empresas que acordaram os termos daquele contrato.

Na verdade, não estando na acção todos os membros do consórcio, o resultado desta não forma caso julgado para todos, não os vincula, tornando-se, por isso, um acto inútil. Ou seja, não estando na acção todos os membros do consórcio, a sentença que venha a ser proferida não compõe definitivamente o litígio, não produzindo o seu efeito útil normal.

Por conseguinte, ocorrendo litisconsórcio necessário, uma das partes interessadas não pode figurar sozinha em juízo, sob pena de ilegitimidade.

Em suma, a A............, enquanto empresa em consórcio com a B............, não poderia figurar sozinha como A. nesta acção, mas teriam de ser AA. na acção ambas as empresas que celebraram o contrato de consórcio.

Logo, está certa a decisão recorrida quando julgou que a A............ era parte ilegítima para figurar, sozinha, como A.

Porém, como se aduz no recurso, verificando-se a excepção de ilegitimidade activa, o suprimento da excepção poderia ser feito através da indicada intervenção principal provocada. Intervindo a B............ na acção, fica sanada a correspondente ilegitimidade.

Como refere o Ac. do TCAN nº 01262/10.0BEBRG, nº 18/03/2011, para uma situação totalmente similar: “Em face desta doutrina e jurisprudência, com a qual se concorda, a recorrente carece efectivamente de legitimidade, já que, considerando a relação jurídico-administrativa configurada na acção, ela não é titular, por si mesma, de interesse directo e pessoal na procedência da acção, exigindo-se o litisconsórcio necessário activo previsto no nº 2 do art. 28º do CPC.

Mas será que a ilegitimidade activa poderia ser sanada com a intervenção provocada dos restantes membros do agrupamento?

(…) Seria contrário aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça (arts. 2º e 7º do CPTA) se não existissem remédios eficazes e eficientes que facultassem ao litisconsorte o recurso à via judicial em caso de recusa ou desinteresse dos demais litisconsortes.

Numa situação destas, a possibilidade do autor demandar e requerer a citação dos litisconsortes que não querem agir, já foi defendida na doutrina como um dos possíveis “remédios” para sanar a ilegitimidade activa. Assim entendia, por exemplo, Palma Carlos que, após analisar as várias soluções que a doutrina de então propunha e de afastar a intervenção de terceiros, por ser totalmente inconciliável com o requisito da unidade de interesse do litisconsórcio obrigatório, considerava que «se algum dos litisconsortes activos não quiser propor a acção, aquele que quiser agir estará, por si, em condições de propô-la, mas terá de chamar a juízo não só os titulares de interesse oposto, mas também o seus próprios litisconsortes, que ficarão processualmente numa posição semelhante à dos réus, in jus vocati, embora quanto à acção e ao direito que se faz valer tenham a posição de sujeitos activos» (cfr. Ensaio sobre o litisconsórcio, Lisboa, 1956, pág. 242).

Perante a formulação dos actuais artigos 28º e 325º do CPC, a doutrina e jurisprudência consideram que a solução exacta é provocar a intervenção dos contitulares do interesse do autor; Miguel Teixeira de Sousa diz que a forma como uma parte pode ultrapassar a recusa dos demais interessados em proporem, conjuntamente com ela, a acção é intentá-la sozinha e, simultaneamente, requerer a intervenção principal, como autores, dos demais interessados (cfr. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 168 e jurisprudência aí citada); Lebre de Freitas observa justamente que, “embora a exigência da lei ou do negócio jurídico seja de intervenção dos vários interessados, é suficiente para garantir a integração do litisconsórcio necessário que tenha lugar a sua citação para intervirem”, acrescentando mesmo, a propósito, que “o requerimento de intervenção principal é o único meio que o autor tem ao seu alcance para assegurar o litisconsórcio activo, quando quem com ele deveria estar associado não quer propor a acção (artºs 269º e 325º, nº 1)” (CPC Anotado, Vol. I, pág. 58); e em idêntico sentido se pronunciam Antunes Varela, J. Miguel Beleza e J. Sampaio Nora no Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 166, nota 1.

Nos termos do art. 325º do CPC, qualquer das partes pode assim chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (nº 1), devendo o autor do chamamento alegar a causa do mesmo e justificar o interesse que através dele pretende acautelar (nº 3).

E nos termos do art. 320º do mesmo diploma e para que o terceiro possa ser chamado: a) tem que ter, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos do art. 27º e 28º do CPC; b) ou deve poder coligar-se com o autor nos termos do art. 30º do CPC.

No caso vertente, a situação subsume-se na previsão da alínea a), pois a autora invoca relativamente aos chamados uma situação de litisconsórcio necessário, nos termos do artº 28º nº 2 do CPC, já que afirma que a intervenção se impõe para que haja legitimidade activa e também para que a acção tenha e produza o seu efeito útil normal.

A dedução do incidente de intervenção principal, como forma de resolver a dificuldade do autor em se apresentar em juízo juntamente com os seus associados, é também solução aplicável no processo administrativo. Se no domínio da LPTA havia alguma controvérsia sobre a admissibilidade desse tipo de intervenção, no âmbito do CPTA parece haver unanimidade em admitir-se em termos genéricos a intervenção de terceiros, nos mesmos termos que o processo civil.

Assim, consideram Aroso de Almeida e Vieira de Andrade que lêem no nº 8 do artigo 10º uma «previsão genérica», de aplicação subsidiária do regime de intervenção de terceiros do CPC (cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais administrativos, 2ª ed. pág. 66 e A Justiça Administrativa, 10ª ed. pág. 290, respectivamente).”

Dos autos, designadamente da prova produzida, não resulta certo e ineludível que a B............ divirja da A............ relativamente ao objecto desta acção. Diversamente, dos factos provados resulta que o consórcio apresentou à Ré reclamação referente ao ressarcimento dos sobrecustos e que promoveu junto do INCI a tentativa de conciliação. Nada mais resulta provado nos autos, designadamente que a B............ divirja da A............ ou, sequer, que tenha assentido ou conformado-se com o auto de conciliação, aceitando-o expressamente.

No que concerne à PI, nela é apenas afirmado pela A. e ora Recorrente, A............, que a B............ “não pretendeu continuar o procedimento”, após a não conciliação (cf. artºs 79.º e 80.º da PI inicial). Já na PI aperfeiçoada – que inclui o pedido de intervenção principal provocada da B............ – é reafirmado pela A. A............ que a B............ subscreveu o procedimento de conciliação, que assinou a acta da 1.ª reunião da Comissão, o Auto de Não Conciliação e que terá um interesse idêntico à A. em prosseguir esta demanda.

Ou seja, a decisão recorrida pressupôs a conformação da B............ pelo simples facto desta empresa não ter regido judicialmente daquele auto.

Não se pode acompanhar tal juízo.

Como já se disse, no caso, verificava-se uma excepção de ilegitimidade activa, mas esta excepção era passível de suprimento por via da intervenção principal provocada pela B.............

Consequentemente, o requerimento da A............ para a intervenção principal provocada pela B............ tinha de ter sido deferido.

Ao não deferir tal pedido, a decisão recorrida errou.

Devem, pois, os autos baixar à 1.ª instância para ser deferido o incidente de intervenção principal provocada da B............ e para prosseguirem os autos, se tal nada mais obstar».


*

Cumpre decidir:

Resulta da leitura da decisão proferida no TAF de Beja e na do ora acórdão recorrido, que não constitui dissídio nos autos, nem na presente revista, a questão da ilegitimidade activa da Autora (em que está em causa uma acção de indemnização, resultante da execução da obra, mais concretamente pelos prejuízos referentes aos sobrecustos, na proporção de 58,1%, que era a proporção detida pela autora no consórcio).

Com efeito, tendo a mesma concorrido à execução do contrato de empreitada identificado nos autos, associada ou em consórcio externo com a B............, S.A, em regime de responsabilidade solidária e tendo sido nesta qualidade que foi adjudicada a empreitada, é manifesto que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário activo, pelo que a autora não pode estar sozinha na demanda – cfr. artº 28º, nº 2 do CPC [actual artº 33º].

Questão diferente e que mereceu respostas divergentes nas instâncias, consiste em saber se é possível haver suprimento desta excepção de ilegitimidade activa, por via do incidente de intervenção principal provocada da B............, S.A. sendo que é a própria autora a afirmar que a intervenção se impõe para que se sane a ilegitimidade activa e para que a acção tenha e produza o seu efeito útil normal [cfr. petição corrigida, por ser a única que pode ser tida em consideração].

A decisão proferida no TAF de Beja, elegeu como fundamentos, para o indeferimento da intervenção principal provocada (e consequentemente para a alegada não prática de um acto inútil) o desinteresse indemnizatório por parte da B............, consubstanciado no facto desta não ter pretendido continuar o procedimento – face à alegada “conformação” perante o auto de não conciliação – e, sobretudo, por não existir notícia de interposição de acção idêntica por parte da B............, sendo que estes argumentos, não constituem factos provados, mas apenas resultam da alegação da autora, em sede de petição inicial.

Não cremos, pois, que esta decisão de mostre conforme ao direito, como bem se refere no acórdão recorrido, cuja fundamentação é de manter.

Com efeito, no caso sub judice, a exigência de todos os membros do consórcio figurarem como AA. na acção, resulta da relação jurídica controvertida, em que o “chamado” tem em relação ao objecto da causa, um interesse igual à da autora, sendo que a noção de consórcio se encontra definida no artº 1º do DL nº 231/81 de 28.07: «Consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte».

Resulta do disposto nos artigos do actual Código Civil [que não diverge em relação à anterior redacção], relativos a esta matéria, o seguinte:



Artigo 311.º

Intervenção de litisconsorte


Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.



Artigo 312.º

Posição do interveniente


O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.



Subsecção II

Intervenção provocada


Artigo 316.º

Âmbito


1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

(…)



Artigo 318.º

Oportunidade do chamamento


1 - O chamamento para intervenção só pode ser requerido:
a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º;
b) Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 316.º, até ao termo da fase dos articulados;
c) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 316.º e no artigo anterior, na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito.
2 - Ouvida a parte contrária, decide-se da admissibilidade do chamamento.

Artigo 319.º

Termos em que se processa


1 - Admitida a intervenção, o interessado é chamado por meio de citação.

2 - No ato de citação, recebem os interessados cópias dos articulados já oferecidos, apresentados pelo requerente do chamamento.

3 - O citado pode oferecer o seu articulado ou declarar que faz seus os articulados do autor ou do réu, dentro de prazo igual ao facultado para a contestação, seguindo-se entre as partes os demais articulados admissíveis.

4 - Se intervier no processo passado o prazo a que se refere o número anterior, tem de aceitar os articulados da parte a que se associa e todos os atos e termos já processados.


*

Também, não se desconhece a jurisprudência proferida neste Supremo Tribunal, (e referenciada nos autos) quanto à impossibilidade de fazer funcionar, no caso de litisconsórcio necessário, a intervenção principal provocada, de molde a sanar a ilegitimidade activa, quando estão em causa consórcios em que todos os consorciados têm de intervir, no âmbito do procedimento respeitante aos contratos de empreitada (adjudicação e execução).

Porém, a construção do acórdão do STA de 20.09.2011, in proc. nº 0556/11, que aborda uma situação mais próxima à dos presentes autos [ou seja, foi igualmente formulado um pedido indemnizatório por danos causados no decorrer da empreitada] parte da constatação de, naquele caso, estar provado que as sociedades consorciadas da autora divergiam dela quanto à pretensão anulatória deduzida em juízo.

Ora, no caso dos presentes autos, isso não sucede, ou pelo menos não sucede ainda. Temos apenas a mera alegação da autora de que a B............, S.A. se terá desinteressado do procedimento depois da tentativa de conciliação extra judicial (frustrada) junto do INCI e que não há notícia de que a mesma tenha intentado qualquer acção judicial com os fundamentos que servem a presente acção, ou seja, não teria interesse em agir, por ter aceitado aquele acto [sendo que quanto à caducidade do direito de acção, não é este o momento próprio para analisar a sua verificação ou não].

Ou seja, não se mostra provada a existência de divergências internas entre os dois membros do consórcio, quanto ao objecto (causa de pedir e pedido), formulado na presente acção [como sucede no acórdão do STA supra referido] não sendo suficiente a mera alegação da Autora, que aliás até entra em contradição, quando a final, acaba por requerer a intervenção principal da B.............

Com efeito, tais alegações, são manifestamente insuficientes para afastar a admissibilidade da intervenção principal da B............, quando ainda não se sabe sequer quais os argumentos que a mesma apresentará, caso seja admitida a intervenção, sem esquecer igualmente que a decisão quanto ao mérito da causa, nada tem a ver com as questões processuais que ora se analisam.

Por outro lado, seria efectivamente contrário aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça (artºs 2º e 7º do CPTA), que não existissem soluções jurídicas e eficientes que facultassem ao litisconsorte o recurso à via judicial em caso de recusa ou desinteresse dos demais litisconsortes.

Igualmente não seria legítimo sujeitar um integrante de um consórcio, que se sente prejudicado e por isso pretende ser indemnizado nos danos sofridos, à vontade e bel-prazer de outro ou outros integrantes, em propor acção; daí que a única via de que dispõe é o chamamento a juízo – intervenção principal provocada – alegando a causa do mesmo e justificando o interesse que através dele pretende acautelar [como fez a autora] sob pena de não ver acautelada a tutela judicial efectiva e ver preterido o seu direito.

Também, neste sentido, apontam Aroso de Almeida e Vieira de Andrade ao considerarem no nº 10 do artº 10º do CPTA, uma «previsão genérica», de aplicação subsidiária do regime de intervenção de terceiros do CPC – cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pág. 66 e A Justiça Administrativa, 10ª ed., pág. 290,

Igualmente a recente jurisprudência do TJUE [pese embora, baseada em factos não rigorosamente iguais aos dos presentes autos] não afasta a fundamentação acolhida no acórdão recorrido.

Veja-se a Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21.12.1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, alterada pelo artº 41º da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18.06.1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, cujo artº 1º tem a seguinte redacção:

«1. Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas 71/305/CEE, 77/62/CEE e 92/50/CEE(13), as medidas necessárias para garantir que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, novamente, no nº 7 do artigo 2º, com o fundamento de que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos públicos ou as regras nacionais que transpõem esse direito».

A interpretação desta norma foi sofrendo alguma evolução.

Assim, no Processo C-129/04, em sede de decisão prejudicial, o TJUE declarou que o artº 1º da Directiva 89/665/CEE deveria ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, segundo o direito nacional, só o conjunto de membros de um consórcio que não dispõe de personalidade jurídica que, enquanto tal, tenha participado num procedimento de adjudicação de um contrato público, e ao qual não tenha adjudicado o referido contrato, pode interpor recurso da decisão de adjudicação e não unicamente um dos seus membros a título individual.

Porém, em processos da mesma natureza, já se decidiu de forma diferente.

Veja-se a propósito os Processos C-145/08 e C-149/08, onde já se declarou diferentemente, no seguinte sentido:

a) «A possibilidade, para cada um dos membros de um agrupamento, de pedir ao juiz competente que lhe seja concedida uma indemnização dependerá (ou não) da circunstância de todos os outros membros do agrupamento pretenderem interpor recurso de anulação, quando o prejuízo sofrido pelos membros do agrupamento, a título individual, pela não adjudicação do contrato, pode ser diferente em função do grau de despesas em que os membros incorreram para efeitos de participação nesse contrato, podendo o interesse de cada um dos membros do agrupamento em pedir a anulação de uma decisão ser diferente e podendo perguntar-se se, neste contexto processual, o princípio da protecção jurisdicional efectiva estabelecido na Directiva 89/665/CEE é salvaguardado;

b) a possibilidade de, inicialmente, o recurso em causa ter sido interposto pelo agrupamento enquanto tal e pelos seus sete membros, na Quarta Secção do Symvoulio tis Epikrateias e esta formação de julgamento declarar inadmissível o recurso relativamente ao agrupamento e a quatro dos seus membros, pelo facto de o seu advogado não estar por eles devidamente mandatado para o efeito e, relativamente aos três restantes membros do agrupamento, remeteu o processo, atendendo à sua importância, ao plenário desse órgão jurisdicional, aplicando-se a jurisprudência até então assente, segundo a qual era também admissível o recurso interporto por determinados membros de um agrupamento».

Ou seja, nestes processos o TJUE declarou que:

«o direito da União, em particular o direito à protecção jurisdicional efectiva, opõe-se a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, interpretada no sentido de que os membros de um consórcio, proponente num processo de adjudicação de um contrato público, são privados da possibilidade de pedir, a título individual, uma indemnização pelos danos que sofreram individualmente em consequência de uma decisão adoptada por uma autoridade, diferente da entidade adjudicante, envolvida nesse processo em conformidade com as normas nacionais aplicáveis e, que pode ter influência sobre o desenrolar deste processo».

Cremos, pois, que o direito da União Europeia, designadamente, o supra referido, não se afasta da interpretação feita, no caso concreto, no acórdão recorrido, no sentido de ser possível o suprimento da excepção de ilegitimidade activa da autora, por preterição de litisconsórcio activo necessário, por via da intervenção principal provocada da sua consorciada B............, S.A,.

Atenta a configuração do caso concreto, patenteia-se, portanto, a ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio activo necessário (artigo 33º CPC), suprível pela intervenção (no caso, provocada) da consorciada não demandante.

E deste modo, impõe-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.


*

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.


Lisboa, 29 de Abril de 2021

[A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3º do DL nº 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Cláudio Ramos Monteiro e Conselheiro José Veloso].
Maria do Céu Dias Rosa das Neves