Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0278/16
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRC
NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA
DEGRADAÇÃO EM FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL
Sumário:A falta de cumprimento da formalidade “aviso de recepção” prevista no artº 38º nº 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário degradou-se, no caso concreto, em não essencial, muito embora não tivesse sido observada no cumprimento do acto de notificação, devido a ter sido atingido o objectivo visado com a notificação (vide factualidade levada ao probatório) e que é o de levar ao conhecimento do respectivo destinatário o teor do acto notificado, possibilitando-lhe o uso dos meios contenciosos e administrativos que a lei coloca ao seu dispor.
Nº Convencional:JSTA000P22520
Nº do Documento:SA2201711150278
Data de Entrada:03/04/2016
Recorrente:A.......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1- Relatório:

A recorrente deduziu oposição à execução fiscal nº 2119201001033123 instaurada pelo serviço de finanças de Torres Novas por dívidas de IRC do ano de 2007.
Por sentença de 14/11/2015 foi julgada improcedente a oposição. Não se conformando apresentou recurso para este STA no qual apresentou alegações com as seguintes conclusões:

A) — Da matéria de fato provada não consta que a liquidação de IRC que está na origem da dívida exequenda resulte ou de entrega de declaração pela recorrente ou de procedimento inspetivo no âmbito do qual tenha sido feita previamente a notificação para efeitos de audição prévia.

B) — Deste modo, em 2010, tratava-se de liquidação cuja notificação teria de ter sido efetuada com carta registada com aviso de receção.

C) — Como a notificação da liquidação que está na origem da dívida exequenda foi efetuada com carta registada simples, o Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao ter aplicado o regime do n° 3 do artigo 38° do CPPT.

D) - Os atos e procedimentos apenas são válidos e eficazes desde que a forma pela qual é efetuada a respetiva notificação permita concluir, sem margem para dúvidas, que a referida notificação chegou à esfera da cognoscibilidade do seu destinatário.

E) — Não pode a Autoridade Tributária beneficiar da presunção da notificação prevista no artigo 39°, 1, do CPPT, por falta de cumprimento do procedimento previsto na Portaria 953/2010.

F) — A douta sentença incorreu em errado julgamento da matéria de direito, mais concretamente do nº 1 do artigo 39° do CPPT, conjugado com o n ° 1 do artigo 38° do CPPT e do n° 1 do artigo 342° do Código Civil

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, ordenando-se o arquivamento da execução.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte teor:

«1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 99 e seguintes do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou a oposição improcedente.

Invoca a oponente que a sentença recorrida padece do vício de erro de direito, por ter considerado aplicável o disposto no n°3 do artigo 38° do CPPT, quando se mostra aplicável o disposto no n°1 do mesmo preceito legal, e nessa medida ter dado como válida e eficaz a notificação efetuada pela Administração Tributária.

E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue a ação procedente.

2. A questão que se coloca consiste em saber se a decisão recorrida ajuizou corretamente ao ter dado a oponente como regularmente notificada da liquidação que deu origem à quantia exequenda e ter julgado improcedente a oposição.Na sentença recorrida deu-se como assente que a liquidação oficiosa de IRC no valor de €61.951,16 euros e respetivos juros compensatórios, que deram origem à quantia exequenda e resultante de correção de prejuízos indevidamente deduzidos, foram comunicados à oponente, em 17/09/2010, através de cartas postais registadas, que foram rececionadas em 20/09/2010.E tendo elegido como questão decidenda saber se a oponente foi ou não regularmente notificada do acto de liquidação que deu origem à quantia exequenda, o/a Mmo/a. Juiz “a quo” deu como verificada tal notificação e julgou improcedente a ação, por ter como fundamento apenas a respetiva falta.

Para se decidir pela improcedência da ação, o/a Mmo/a. Juiz “a quo” relevou o facto de a partir de 1 de Janeiro de 2005 todas as notificações de liquidações que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos de exercício do direito de audição são validamente realizáveis por correio registado simples. E nessa medida deu como regular a notificação efetuada por esse meio, uma vez que se mostrava comprovada a expedição e a sua receção, através da informação dos CTT constante do respetivo site e de que foram juntas cópias aos autos.

Da matéria de facto assente na decisão recorrida resulta que estamos perante liquidação oficiosa de IRC efetuada na sequência de correção da matéria tributável, por desconsideração de prejuízos considerados indevidamente deduzidos pela AT. Tendo essa desconsideração resultado de decisão de indeferimento de pedido de autorização para a sua dedução que foi notificada ao sujeito passivo, poderá considerar-se estarmos perante situação equiparável à notificação para efeitos de exercício do direito de audição, já que aquela decisão era suscetível de recurso. E assim sendo, mostrar-se-ia aplicável o disposto no nº3 do artigo 38º do CPPT e não o seu n°1. Ou seja, a notificação da liquidação seria efetuada através de carta registada, tal como ocorreu no caso concreto.

De todas as formas, a observância da formalidade do uso de aviso de receção imposta no n°1 do artigo 38° do CPPT pode ser suprida por outro meio probatório que comprove o receção da correspondência por parte do sujeito passivo destinatário. E no caso concreto dos autos, a Mma. Juiz “a quo” deu como comprovada tal receção com base nos elementos constantes no serviço postal, factualidade esta que não foi contestada pela oponente. Assim sendo e independentemente de se entender que seria exigida outra formalidade na notificação da oponente, tendo sido dado como assente que a correspondência foi expedida em 17/09/2010 e por aquela rececionada no dia 20/09/2010, temos que concluir que o fim visado pela lei foi atingido, ou seja, que o teor do acto foi levado ao conhecimento do destinatário.

Entendemos, assim, que não se verifica a invocada falta de notificação da liquidação que sirva de fundamento à inexigibilidade da dívida invocada pela oponente (cfr., neste sentido, acórdão do STA de 29/10/2014, processo n°01619/13 e demais jurisprudência ali citada – acórdãos de 16/05/2012, proc. nº 01181/11 e de 01/102014, proc. nº 01450/13).

Em face do exposto afigura-se-nos que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença da 1ª instância.»

2- FUNDAMENTAÇÃO:
Matéria de facto dada como provada na decisão do TAF de Lisboa:

1. Em 27/1/2009, a impugnante requereu ao “Ministro das Finanças e da Administração Pública (…) a manutenção da utilização dos prejuízos fiscais acumulados” não obstante a alteração da titularidade de grande parte do capital social, nos termos do requerimento constante de fls. 15 a 20 dos atos em suporte de papel.

2. Em 12/7/2010 a Subdirectora Geral por subdelegação de poderes emitiu o despacho de indeferimento do pedido, nos termos constantes da informação n.º 974/10 a fls. 24 a 28 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com fundamento na intempestividade do pedido formulado.

3. Em 29/7/2010, a impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio pelo Serviço de Finanças de Santarém do ofício n.º 4855, dirigido ao oponente, para comunicação da decisão de indeferimento identificada no ponto que antecede (cf. ofício e aviso de recepção a fls. 29 e 30 dos autos).

4. Em 13/9/2010 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2010 8310004806, no valor de EUR 61.951,16, relativa ao ano de 2007 e respectiva demonstração de compensação (cf. print a fls. 58 e 59 dos autos).

5. Em 17/9/2010 foram enviados ao impugnante por carta postal registada o documento de liquidação através do registo n.° RY51 1319876PT e o documento de compensação através do registo n.º RY51 1272153PT, recepcionados em 20/9/2010 conforme documento de dados de emissão a fls. 60 e impressão do sitio dos CTT constante de fls. 61 a 63, todas dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

6. Em 10/11/2010 o Serviço de Finanças de Torres Novas, emitiu a certidão de divida n.º 2010/770024, em nome da A………., SA, por divida de IRC no valor de EUR 61.95116, cuja data limite para pagamento voluntário terminou em 20/10/2010 (cf. cópia da certidão de autuação a fls. 11 dos autos).

7. Em 10/11/2010 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º2119201001033123, para cobrança da divida de IRC identificada no ponto que antecede (cf. cópia da autuação a fls. 10 dos autos).

8. Em 17/11/2010 a oponente procedeu à recepção do aviso de recepção que acompanhou o envio postal registado para a morada “Zona Industrial dos Riachos — Este Riachos 2350-…… Riachos” do ofício constante a fls. 12 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, com o assunto: “CITAÇÃO proc. n.º 2119201001033123”.

9. Em 17/12/2010 a presente oposição à execução fiscal deu entrada no Serviço de Finanças de Torres Novas (cf. carimbo a lis. 3 dos autos).

3- DO DIREITO:

A questão apreciada na sentença de 1ª instância consistiu em saber se a oponente foi notificada da liquidação de IRC efectuada em 2010, referente ao ano de 2007. Aferiu a mesma decisão se a notificação da liquidação adicional de IRC teria que ser realizada por carta registada com aviso de recepção, ou se bastaria, a expedição de comunicação registada.

E, analisada a legislação, concluiu que após 01.01.2005 (data da entrada em vigor da Lei n° 55-8/2004, de 30 de Dezembro), nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 38.° do CPPT as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos de direito de audição, são efectuadas por mera carta registada.

Ponderou depois que resultando da matéria de facto provada que a Administração Tributária remeteu à oponente a liquidação de IRC e nota de compensação, por carta registada simples, expedidas em 17/9/2010 e entregues em 20/9/2010, cujo número de objecto” na informação dos CTT coincide com os números de registo dos dados de emissão dos documentos no serviço de finanças (ponto n.º 5 dos fatos provados) e que tais actos de liquidação foram remetidos para o domicílio fiscal do oponente considerando-se a notificação efectuada no primeiro dia útil a seguir ao terceiro dia após a data de registo pelo que considerou que a oponente foi validamente notificada da liquidação subjacente à divida exequenda, o que determinou o julgamento de improcedência da oposição.

Quid Juris?

A decisão nas circunstâncias concretas do caso que factualmente não são questionadas mostra-se acertada.

Estamos perante uma liquidação oficiosa de IRC efectuada na sequência de correcção da matéria tributável, por desconsideração de prejuízos considerados indevidamente deduzidos pela AT. E, essa desconsideração resultou de decisão de indeferimento de pedido de autorização para a sua dedução que foi notificada ao sujeito passivo.

O quadro legal a considerar é o seguinte:

110º do CIRC que dispõe:

«1. Nos casos de liquidação efectuada pela Direcção Geral dos impostos, o sujeito passivo é notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação.

2 A notificação a que se refere o número anterior é feita nos termos do Código de Procedimento Tributário.»

Artigo 36°, nº 1 do CPPT, que dispõe que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.

Artº 38° do CPPT que estabelece no seu nº 1: “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências”

E, que no seu nº 3 consigna:

“As notificações não abrangidas pelo nº 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada”.

A lei n° 55-8/2004, de 30 de Dezembro que entrou em vigor em 1.1.2005 veio no entanto consignar que todas as notificações de liquidações que dimanem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos de exercício do direito de audição, são validamente realizáveis por correio registado simples.

Na ponderação deste quadro legal Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 38º do CPPT no 1º volume do seu CPPT comentado e anotado edição de 2001 a fls. 371 e 372 na anotação 3 sob o título “Notificações a efectuar por carta registada com aviso de recepção”, escreve:

“Estabelece-se no nº 1 deste artigo que as notificações se fazem por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.

Este artigo reporta-se às notificações a efectuar nos procedimentos tributários e não nos processos judiciais tributários.

Como actos e decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes devem considerar-se não só aqueles que efectivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.

Assim, deverão ter essa qualificação os actos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter.

Serão, pois, de efectuar por carta registada com aviso de recepção, entre outras e em princípio, as notificações de actos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária (‘) e as de actos que recusem o reconhecimento de benefícios fiscais. (). No entanto, são excepção a esta regra, sendo efectuadas por carta registada, as seguintes notificações: a partir de 1-1-2001, data da entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, as notificações das liquidações relativas a IRS (3); e, a partir de 1-1-2005, data da entrada em vigor da Lei n° 55-8/2004, de 30 de Dezembro, essas e todas as notificações de liquidações que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções á matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição. (…).»

A recepção da referida liquidação oficiosa foi dada como provada no ponto 5 do probatório afirmando-se que a correspondência foi expedida em 17/09/2010 e por aquela (a ora recorrente) recepcionada no dia 20/09/2010.

Considerou, correctamente, a decisão recorrida que devia ser considerado o disposto no nº 3 do artigo 38º do CPPT e não o seu n°1. Ou seja, que a notificação da liquidação devia ser efectuada através de carta registada, (sem aviso de recepção) tal como sucedeu efectivamente.

É que a decisão de desconsideração de prejuízos declarados pela ora recorrente, considerados pela AT indevidamente deduzidos, (sendo que essa desconsideração resultou de decisão de indeferimento do pedido de autorização para a sua dedução), foi notificada ao sujeito passivo (vide factos 1 a 3 do probatório), o que se tem por adquirido.

Aqui chegados é oportuno e essencial referir que a falta da formalidade “aviso de recepção” do artº 38º nº 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário se degradou em não essencial, por se tratar de formalidade legal que muito embora não tivesse sido observada no cumprimento do acto de notificação, devido a ter sido atingido o objectivo visado com a notificação e que é o de levar ao conhecimento do respectivo destinatário o teor do acto notificado, possibilitando-lhe o uso dos meios contenciosos e administrativos que a lei coloca ao seu dispor. (neste sentido o Ac. do STA de 29/10/2014 rec. 01619/13 no qual o ora relator interveio como Juiz Adjunto).

Nestes termos, e sem necessidade de mais e diferentes considerações, é de concluir que a oponente foi validamente notificada da liquidação subjacente à divida exequenda, pelo que a oposição não pode deixar de improceder por não merecer procedência o fundamento invocado de inexigibilidade da dívida decorrente da falta de notificação da liquidação.

4- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente

Lisboa 15 de Novembro de 2017. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Francisco Rothes.