Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0295/17.0BELRA
Data do Acordão:05/04/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:MAIS VALIAS
AUMENTO DE CAPITAL
RESERVAS
Sumário:I - No aumento de capital por incorporação de reservas legais não há uma efetiva deslocação do património do sócio para o da sociedade.
II - No apuramento das mais-valias mobiliárias por alienação de quotas sociais é considerado o diferencial entre o valor da quota à data da constituição da sociedade e o valor da sua transmissão, desconsiderando-se o valor da quota decorrente do aumento do capital social entretanto ocorrido por incorporação de reservas legais.
Nº Convencional:JSTA000P29337
Nº do Documento:SA2202205040295/17
Data de Entrada:09/07/2021
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A………… e B…………, identificados nos autos, interpõem recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016 5003292937, respeitante ao ano de 2012, no valor a pagar de € 50.139,99, a que correspondeu a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016 00009553184, no valor a pagar de € 14.482,71, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
A) Considera o Tribunal a quo que “o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais valias, como acertadamente concluiu a AT, é o valor da quota à data da constituição da sociedade “C............, L.da, de € 28.000,00€, uma vez que a data e o valor resultante do ato de aumento de capital social da referida sociedade, por incorporação de reservas, não releva para efeitos de apuramento de mais valias, em conformidade com o disposto nos artigos 10º, nº1, al. b) e nº4, 43º, nºs 1 e 6, al. a) e 48º al. a), todos do CIRS, não vigorando, consequentemente, a tese defendida pelos impugnantes de que para apuramento da mais valia, apenas devem ser levados em consideração dois atos: o primeiro, o apuramento de capital por incorporação de reservas e o segundo, a escritura pública de cessão de quotas”.
B) Mais não considera que o aumento de capital social por incorporação de reservas não existe verdadeiro incremento patrimonial, uma vez que não há contrapartida no património de quem detém as participações.
C) Salvo o devido respeito que é muito, mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu.
D) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI201500374 ocorreu procedimento de inspecção tributária dirigida ao exercício de 2012, tendo resultado correcções sem recurso a métodos indirectos, nos termos do disposto no nº4 do artigo 65º do Código do IRS, apurando-se uma Mais-valia (rendimento líquido da categoria “G”) no valor de 54.405,59€, sujeita a taxa especial de 26,5%, prevista no nº4 do artigo 72º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).
E) Nesse seguimento foram emitidas:
- Liquidação nº 2016 5003292937 efectuada em sede de IRS relativo ao ano de 2012 resultando no valor a pagar de 50.137,99€;
- Demonstração de acerto de contas nº 2016 00009553184 efectuada na sequência da liquidação referida que resultou um valor a pagar de 14.482,71€.
F) Inicialmente era titular de uma quota de valor nominal de 28.000,00€, correspondente a 70% do capital social da referida sociedade (28.000,00€/40.000,00*100%).
G) Através da inscrição 2 – AP.54/20120620 – Provisória por Dúvidas, mas convertida em definitiva pelo averbamento AV.1-AP.12/20120718 registou-se o aumento do capital social da referida sociedade comercial no valor de 187.703,71€, pelo que o capital social após o aumento passou a perfazer o montante de 227.703,71€.
H) O referido aumento ocorreu por incorporação de reservas legais por ambos os sócios na proporção e em reforço das respectivas quotas.
I) Em consonância com o referido aumento, o impugnante A............ passou a ser titular de uma quota de valor nominal de 159.392,60€, correspondente aos mesmos 70% do capital social aumentado. (227.703,71€*70%).
J) Através de escritura de Cessões de Quotas, Renúncia e Nomeação de Gerentes, celebrada no Cartório Notarial de Torres Vedras, os impugnantes cederam a quota de que o impugnante A............ era titular na empresa C............, L.da, no valor nominal de 159.392,60€, pelo preço de 367.500,00€.
K) Resulta demonstrado que aumento do capital social da indicada sociedade deu-se por incorporação de reservas legais decorrente de lucros de exercícios que os sócios deliberaram não distribuir e decidiram levar a reservas legais, consequentemente, não só corresponde a um custo documentalmente comprovado, mas também a uma efectiva deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade.
L) O recorrente A............ não passou a ser titular de uma quota no valor nominal de 159.392,60€ através do documento consubstanciado no denominado pela AT de “Acordo” de Cessão de quotas, mas antes pelo acto de aumento de capital social referido supra, celebrado em data anterior.
M) O aumento de capital social encontra-se perfeitamente justificado pela incorporação de reservas legais, (conforme documentos contabilísticos que o suportam) decorrentes de lucros não distribuídos, ocorrendo uma efectiva deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade.
N) Com relevância para o caso em apreço importa reter que o aumento do capital social pode ser realizado por incorporação de quaisquer reservas disponíveis para o efeito, designadamente reserva livres ou legais. (Cfr. Artigo 91º nº1 do Código das Sociedades Comerciais).
O) Por essa via concretiza-se através de meios que já existiam na sociedade, verificando-se apenas uma alteração qualitativa pela sua transformação em capital social.
P) Por isso, passando o valor definitivamente a incorporar o capital da sociedade resulta a deslocação patrimonial dos sócios para a sociedade, uma vez que ficam impedidos de efectuar o seu levantamento, enquanto direito que têm em participar nos lucros, já que estes passam a integrar definitivamente o capital social da empresa. Tendo ocorrido, por essa via, um custo para o recorrente.
Q) Neste conspecto não é necessário efectuar qualquer demonstração do depósito dos meios necessários à constituição da reserva legal, uma vez que já existem na sociedade. No caso em apreço o aumento de capital social não se deu por entradas em dinheiro.
R) Temos um custo documentalmente provado de 159.392,60€ correspondendo também ao seu valor nominal na data da alienação, devendo ser este o valor a considerar para efeitos de apuramento de mais-valias.
S) Tendo sido corretamente indicado o referido valor de 159.392,60€ na respectiva declaração de rendimento modelo 3 relativa ao ano de 2012.
T) Ou seja, para efeitos de apuro do valor da quota transmitida, tendo em vista o apuramento de mais-valias, apenas deve ser levado em consideração dois actos, primeiro, o aumento de capital por incorporação de reservas legais devidamente sustentado nos documentos contabilísticos, e segundo, a Escritura Pública de Cessão de Quotas.
U) Pelo que jamais ocorreu uma mais-valia no montante de 54.405,59€ (cinquenta e quatro mil quatrocentos e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos).
V) Nos termos do disposto no artigo 44º do CIRS, para determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor da realização o valor da respectiva contraprestação.
W) Sendo que, nos termos do disposto no artigo 48º al. b) do CIRS, o valor de aquisição é o custo documentalmente provado, ou na sua falta o respectivo valor nominal.
X) Não tendo os sujeitos passivos, aqui recorrentes, violado qualquer norma tributária, designadamente, as que se referem no relatório de inspecção e decisão final em sede de Reclamação Graciosa, mencionados supra, deve ser anulada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e a liquidação objecto de impugnação ser anulada, bem como a respectiva demonstração de acerto de contas, no que diz respeito a IRS – 2012.
Y) Em consequência do que supra se disse deve ser anulada da liquidação adicional bem como as respectivas demonstrações de acerto de contas, efectuadas em sede de juros, no que diz respeito a IRS correspondente ao ano de 2012.
Z) No sentido, pronunciou-se o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, emitindo parecer no sentido da procedência da impugnação, por entender, e bem, que “De facto, em face dos documentos juntos, entendemos resultar demonstrado que o aumento do capital social realizado antes da cessão de quotas resultou da incorporação de reservas legais, devendo tal ser atendido para efeitos de determinação do valor de aquisição a ter em conta para a tributação das mais valias”.
AA) Estando as liquidações dos impostos feridas de ilegalidade, devia o Tribunal a quo ter decidido pela anulação das liquidações adicionais de IRS referente ao ano de 2012. Como assim não aconteceu, violou o disposto nos artigos 10º, nº1, al. b) e nº4, 43º, nºs 1 e 6, al. a), 44º e 48º al. a), todos do CIRS e artigo 91º nº1 do Código das Sociedades Comerciais.
NESTES TERMOS E COM O MUITO QUE DOUTAMENTE SERÁ SUPRIDO, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, COMO É DE JUSTIÇA!

1.2. A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, assim fundamentando:
(….)
III. Análise do Recurso.
A questão que se vem suscitada pelos Recorrentes consiste em saber se para efeitos de apuramento das mais-valias mobiliárias com a transmissão da quota social, há ou não que atender no caso concreto ao aumento do capital social por incorporação de reservas legais.
Resulta dos autos e da matéria de facto fixada na sentença recorrida que aquando da constituição da sociedade “C…………, Lda.”- 2009 -, o Recorrente marido ficou detentor de uma quota social no valor de € 28.000,00 euros, correspondente a 70% do valor do capital social. Posteriormente, no decurso do ano de 2012 a sociedade procedeu ao aumento do capital social através da “incorporação de reservas legais por ambos os sócios na proporção e em reforço das respetivas quotas”, ficando o Recorrente marido a deter uma quota no valor de € 159.392,60 euros.
Mais resulta que no mesmo ano de 2012 a quota do Recorrente marido foi alienada pelo valor de € 367.500,00 euros.
No apuramento das mais-valias mobiliárias que deram origem ao ato de liquidação adicional, a AT considerou o valor diferencial entre o valor da quota à data da constituição da sociedade – € 28.000,00 – e o valor da sua transmissão - € 367.500,00 -, desconsiderando o valor da quota decorrente do aumento do capital social, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº6 do artigo 43º do CIRS.
Os Recorrentes dissentem desse entendimento, por considerarem que o aumento do capital social por incorporação de reservas legais corresponde “a uma efectiva deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade”, por estarmos perante lucros que poderiam ter sido distribuídos pelos sócios.
Todavia não lhe assiste qualquer razão. Desde logo porque não há qualquer deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade, uma vez que tendo o resultado líquido obtido no exercício de 2011 sido convertido em reservas legais nunca chegou a sair do património da sociedade (vg. por distribuição de dividendos) e este não sofreu qualquer alteração. Por outro lado e como se deixou exarado na sentença recorrida, na previsão da norma da alínea a) do nº6 do artigo 43º do CIRS, «o Legislador foi coerente com o princípio do rendimento acréscimo que caracteriza o IRS, bem como com o princípio da capacidade contributiva que caracteriza todo o sistema fiscal: se a sociedade distribui lucros, o sócio e sujeito passivo de IRS, é tributado em sede de categoria E, rendimentos de capitais; se a sociedade opta por reforçar o capital, retendo os lucros, o sócio será apenas tributado aquando da alienação da sua quota».
Entendemos, assim, que o tribunal “a quo” fez uma correta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 6, al. a), e 48.º, al. b), todos do CIRS, motivo pelo qual a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pelos Recorrentes.
Assim sendo, afigura-se-nos que se impõe a confirmação do julgado e a improcedência do recurso.

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, resultam provados os seguintes factos:

1) Através da AP. 33/20091222, “Insc. 1”, foi registada a “Constituição de sociedade e designação de membros de órgãos sociais” da firma “C............, Lda.”, NIPC ………, com a natureza jurídica de sociedade por quotas, com um capital social de € 40.000,00, divido em duas quotas, uma de € 12.000,00, pertencente a D…………, contribuinte fiscal n.º ………, e uma de € 28.000,00, pertencente a A............, contribuinte fiscal n.º ………, aqui Impugnante – (cfr. “Certidão Permanente” junta com a p.i. sob o documento n.º 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).
2) Em 30/03/2012, reuniram-se em assembleia geral ordinária, os sócios da sociedade referida no ponto anterior do probatório, tendo sido elaborada a “Acta n.º 2”, no qual foi decidido aprovar as contas do exercício económico de 2011 e, quanto ao saldo credor da conta de resultados líquidos, no montante de € 110.832,89, foi deliberado que o mesmo fosse transferido para a conta de “Reservas Legais” – (cfr. “Acta n.º 2” e “Balanço Individual em 28 de maio de 2012”, juntos com a p.i. sob o documento n.º 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3) Pela AP. 54/20120620, “Insc. 2”, provisório por dúvidas, mas convertido pela AP. 12/20120718, “Av. 1”, foi registado o aumento do capital da sociedade referida em 1) do probatório, sendo o montante do aumento de € 180.703,71, na modalidade e forma de subscrição por “incorporação de reservas legais por ambos os sócios na proporção e em reforço das respetivas quotas”, passando o capital, após aumento, a ser de € 227.703,71 - (cfr. “Certidão Permanente” junta com a p.i. sob o documento n.º 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).
4) Após o aumento de capital referido em 3) do probatório, A............ passou a ser detentor da quota de € 159.392,60 – (cfr. “Acta n.º 3” e “Pacto Social Actualizado”, juntos com a p.i. sob o documento n.º 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5) Por escritura pública designada por “Cessão de Quotas, Renúncia e Nomeação de Gerentes, Unificação de Quotas e Alteração Parcial de Contrato”, realizada no Cartório Notarial de “…………”, datada de 31/07/2012, A............ e sua mulher, B…………, cederam à sociedade “E…………, Lda.”, pelo preço de 367.500,00, a quota de valor nominal de € 159.392,60 detida por A............ na sociedade “C............, Lda.”, NIPC ……… - (cfr. escritura junta com a p.i. sob o documento n.º 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).
6) Ao abrigo da ordem de serviço interna n.º OI201500374, os Serviços da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria levaram a cabo uma ação inspetiva, dirigida aos ora Impugnantes, de âmbito parcial em sede de IRS e incidindo sobre o ano de 2012, tendo resultado correções meramente aritméticas ao IRS no montante de € 54.405,59, ali constando, para o que ora interessa, o seguinte:
(…)
III.1.1.1 – IRS – 2012 – Categoria G do IRS – Alienação de quotas
(…) foi constatado através da consulta às obrigações acessórias, nomeadamente às declarações modelo 11 (Atos e contratos sujeitos a imposto sobre o rendimento e sobre o património) e comprovado com o acordo celebrado em 31 de julho de dois mil e doze (anexo 1), que o sujeito passivo A............ (segundo contratante), casado com B…………, no regime da comunhão de adquiridos, procedeu à alienação de uma quota que possuía na sociedade C............, LDA., com NIF ………, pelo valor de trezentos e sessenta e sete mil e quinhentos euros (€ 367.500,00).
(…)
III.1.1.1.1 – Data de aquisição da quota alterada
(…) pela consulta da certidão permanente da referida sociedade (anexo 2) nomeadamente à primeira inscrição AP 33/20091222, é indicada a data de 22 de dezembro, como data da constituição da sociedade, bem como da titularidade do sujeito passivo em relação à quota agora alienada. A alienação onerosa de partes de capitais, mais concretamente quotas, constitui rendimento da categoria G.
(…)
III.1.1.1.2 – Valor de realização e aquisição
(…) O valor de realização está fixado no artigo 44.º, n.º 1 do CIRS.
O preço de € 367.500,00, foi a contraprestação da alienação das quotas e será o seu valor de realização, de resto já indicado na respetiva declaração modelo 3, entregue pelo sujeito passivo. O valor de aquisição, dado estarmos perante quotas, será o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal, conforme indica o artigo 48.º, al. b) do CIRS.
Da já referida consulta à “inscrição n.º 1 – Ap 33/20091222”, da certidão permanente da sociedade em causa, verifica-se que pela sua constituição, o sócio A............ ficou titular da quota ora alienada pelo valor de € 28.000,00, ou seja, 70% do Capital Social inicial (€ 28.000,00/€ 40.000,00 * 100).
Ainda pela consulta da citada certidão permanente, constata-se a existência da “inscrição 2 – AP 54/20120620” – provisória por dúvidas, mas convertida pelo “Av. 1 – AP 12/20120718”, que atesta um aumento de capital, no valor de € 187.703,71, pelo Capital Social, após aumento, passou a perfazer o montante de € 222.703,71. Mais refere que a “Modalidade e forma de subscrição é a incorporação de reservas legais por ambos os sócios na proporção e em reforço das respetivas quotas.
(…)
III.1.1.1.3 – Conclusões
(…) Verificou-se nos pontos anteriores, a inexatidão na declaração da mais-valia referente à alienação da quota efetuada pelo sujeito passivo no ano de 2012, nomeadamente, quanto ao valor de aquisição, ao constatar-se que foi erradamente indicado o valor de € 159.362,60.
(…)” - (cfr. Relatório de inspeção tributária junto com o Processo Administrativo apenso aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; facto não controvertido).
7) No seguimento do relatório de inspeção a que se alude no ponto anterior, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2016 5003292937, no valor a pagar de € 50.139,99, a que correspondeu a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016 00009553184, no valor a pagar de € 14.482,71 – (cfr. “liquidação” e “demonstração de acerto de contas” juntos pelos Impugnantes com o requerimento de 28/03/2017, de fls. 85 a 97 do SITAF, e cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos).
8) Em 5/08/2016 (data do registo dos CTT), os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação referida no ponto anterior, ali tendo sido requerida, para além da prova documental junta, a produção de prova por audição de uma testemunha – (cfr. petição de reclamação graciosa junta com a p.i. sob o documento n.º 4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9) Em 26/09/2016, no âmbito do processo de reclamação a que se alude no ponto anterior do probatório, foi produzida informação pela Direção de Finanças de Leiria, ao abrigo do despacho DI201601803, cujo teor, para o que ora interessa, consta do seguinte:
(…)
1.Petição
Deu entrada nestes Serviços no dia 24-08-2015, a comunicação interna n.º 85 remetida pela Divisão de Justiça Tributária, no qual é solicitada a elaboração de Informação onde sejam apreciadas as alegações apresentadas pelo sujeito passivo supra referido, na sequência do procedimento de reclamação graciosa n° 1309201604001443.
(…)
2.Análise da Petição
Cumpre-nos informar que:
a. Decorreu uma ação inspetiva com base na Ordem de Serviço n.º OI201500374, com um âmbito parcial (IRS) incidindo sobre o ano de 2012.
b. No âmbito de um procedimento inspetivo, foi apurado que o reclamante procedeu à alienação de uma quota que possuía na sociedade C............ LDA, pelo valor de trezentos e sessenta e sete mil e quinhentos euros (€ 367.500,00) c. Nos termos do disposto no artigo 10° n° 1 alínea b) do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, sendo que, nos termos do artigo 9.º, constituem rendimentos da categoria G, incrementos patrimoniais, as mais-valias tal como definidas no artigo 10.º do mesmo Código.
d. E nos termos do disposto no artigo 44° do CIRS, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização, de acordo com a alínea f), o valor da respetiva contraprestação.
e. Na declaração modelo 3 de IRS de 2012, o reclamante indicou no anexo G a alienação onerosa da quota, indicando como valor de aquisição o montante de 159.392,60.
f. Contudo, nos termos do disposto no artigo 48.º alínea b) do CIRS, o valor de aquisição corresponde ao custo documentalmente provado, ou na sua falta, o respetivo valor nominal.
g. A I.T. apurou que pela constituição da sociedade em causa, o reclamante ficou titular da quota agora alienada, pelo valor de € 28.000,00, ou seja, 70% do total do capital social inicial (€28.000,00/640.000,00* 100)
h. Dado que se verificou inexatidão na declaração de mais-valias, anexo G referente à alienação de quotas e de outros valores mobiliários, efetuadas pelo sujeito passivo no ano de 2012, foi elaborada declaração oficiosa com indicação no quadro 8 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS de 2012 do valor de aquisição de 28.000,00.
i. Alega a reclamante que se verificou o aumento de capital social no valor de 187.703,71€, pelo que, após o aumento o capital social passou a ser de 227.703,71 €, sendo que, esse aumento ocorreu por incorporação de reservas legais pelos sócios na proporção e em reforço das respetivas quotas
j. Assim, alega a reclamante que, passou a ser titular de uma quota no valor nominal de 159.392,60, devendo ser este valor de aquisição a considerar para efeito de apuramento de mais valias, sendo que apenas deveriam ter sido considerados dois atos, o aumento de capital por incorporação de reservas legais e a escritura pública de cessão de quotas.
k. Mas não lhe assiste razão. Efetivamente, a lei é clara, no sentido de que tratando-se de quotas, o valor de aquisição é o custo documentalmente provado ou na sua falta, o respetivo valor nominal (alínea b) do artigo 48° do CIRS), sendo que, no aumento de capital por incorporação de reservas, as reservas da empresa provém de anteriores resultados positivos desta, sendo utilizadas para incrementar a conta de capital.
l. Acresce que, o aumento de capital social por incorporação de reservas não constituiu um custo para o reclamante, pelo que não pode ser considerado custo de aquisição.
m. Por outro lado, nos termos do n° 4 alínea a) do artigo 43° do CIRC, a data de aquisição dos valores mobiliários adquiridos por incorporação de reservas nem releva para apuramento do saldo positivo ou negativo de mais-valias ou menos valias, pois a data de aquisição, é a data de aquisição dos valores que lhe deram origem.
n. Assim, a Administração Tributária está vinculada à lei e não há nada na lei que a desobrigue de fazer as correções que não cumprem com os requisitos para serem aceites fiscalmente. Aliás, “A vontade das partes, quer da administração, quer dos contribuintes, não releva juridicamente enquanto tal. Uma vez preenchidos os pressupostos de facto, nasce a obrigação estreitamente vinculada. Mesmo, no âmbito de conceitos indeterminados, está-se perante o seu preenchimento em obediência à lei e não aos interesses das partes” - LGT Comentada e Anotada Diogo Leite de Campos, anotação ao artigo 36°.
o. Face ao exposto, o reclamante auferiu um ganho resultante da alienação onerosa de partes sociais que constitui mais-valias sujeitas a tributação nos termos previstos no artigo 9.º e 10° n° 1 alínea b) do CIRS.
p. O reclamante requer a inquirição de testemunha. Efetivamente, a Administração Pública em geral, dispõe de uma margem de discricionariedade da sua atuação, e reconhece-se a preferência da prova documental.
q. A isso mesmo se refere António Lima Guerreiro in Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, páginas 323 e seguintes, em anotação ao artigo 72° da LGT “O órgão instrutor tem a liberdade de escolha das diligências de prova apropriadas à descoberta da verdade material. É ao órgão instrutor que compete em ultima instância, a opção pelos meios probatórios indispensáveis à descoberta da verdade material, não estando vinculada à iniciativa dos interessados”.
r. Acresce que nos termos do disposto no artigo 69° do CPPT, são regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa a simplicidade de termos e brevidade das resoluções, e a limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham.
s. Todos os factos apreciados são suscetíveis de ser provados por documentos, não fazendo sentido apelar à prova testemunhal, pois que a prova dos factos descritos no relatório de inspeção, só dos documentos escritos, pode resultar. E se aqueles factos estavam contraditados pelos documentos analisados, não eram os depoimentos das testemunhas que afastariam as dúvidas da Administração, tanto mais que a eventual falibilidade da prova testemunhal é considerada no âmbito da livre valoração que lhe é consentida.
t. Face a tudo o exposto, somos do parecer que deverá ser mantida a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2012, porque está conforme à legislação em vigor.

(…)” - (cfr. “informação” junta pelos Impugnantes com o requerimento de 28/03/2017, de fls. 85 a 97 do SITAF, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).
10) Após notificação do projeto de indeferimento da reclamação graciosa e do exercício do direito de audição por parte dos Impugnantes, foi elaborada a Informação/Decisão Final datada de 21/10/2016, com o seguinte teor:
(…)
DOS FACTOS
1. Veio o sujeito passivo supra identificado, em 05.08.2016 (data do registo dos CTT), deduzir reclamação graciosa contra a liquidação de IRS do ano de 2012, com as alegações que se dão por reproduzidas.
2. O reclamante goza de legitimidade (art.° 65° da Lei Geral Tributária) e verifica-se a tempestividade.
3. Foi solicitada informação dos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária.
4. Acreditando não poder suscitar nenhum quadro factual original nem acrescer qualquer enquadramento legal inovatório em relação àquele que sustenta a informação prestada pelos serviços de inspeção da Direção de Finanças de Leiria (cuja cópia se junta e cujos respetivos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais), entendemos encontrar-se, deste modo, assegurado o ponto de vista da Administração Fiscal quanto à matéria controvertida na presente.
5. Notificado o mandatário do reclamante, veio o mesmo exercer o direito de audição que lhe é conferido pelo disposto no artigo 60° da Lei Geral Tributária, com as alegações que se dão por reproduzidas, não acrescentando, na nossa opinião, algo que possa alterar a fundamentação sustentada no projeto de decisão, suportada na informação prestada aos serviços inspetivos,
CONCLUSÃO
6. Atento o escorado na informação prestada pelos Serviços de Inspeção Tributária, que se junta e corroboramos, considero que a presente reclamação deve ser indeferida.
(…)” - (cfr. “informação” junta pelos Impugnantes com o requerimento de 28/03/2017, de fls. 85 a 97 do SITAF, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).
11) Sobre a informação a que se alude no ponto anterior do probatório, recaiu o despacho datado de 27/10/2016, proferido pelo Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária – Contencioso, da Direção de Finanças de Leiria, com o seguinte teor: “De acordo com os factos descritos e a fundamentação aduzida na informação, indefiro a presente reclamação.” – (cfr. “despacho” junto pelos Impugnantes com o requerimento de 28/03/2017, de fls. 85 a 97 do SITAF).
12) Em 27/10/2016, a Direção de Finanças de Leiria remeteu aos Impugnantes, por carta registada com aviso de receção, o ofício n.º 1163, comunicando o teor da decisão de indeferimento da reclamação graciosa - (cfr. “ofício” junto pelos Impugnantes com o requerimento de 28/03/2017, de fls. 85 a 97 do SITAF, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13) Em 27/01/2017, por correio registado, os Impugnantes remeteram a petição de impugnação aos Serviços da Direção de Finanças de Leiria – (cfr. carimbo dos CTT de fls. 75 do SITAF).

3. Fundamentação de direito
3.1. A questão que se coloca no presente recurso consiste em saber se para efeitos de apuramento das mais-valias mobiliárias com a transmissão da quota social, há ou não que atender, no caso concreto, ao aumento do capital social por incorporação de reservas legais.
O Tribunal recorrido entendeu que não, afirmando que “o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais valias, […] é o valor da quota à data da constituição da sociedade […], uma vez que a data e o valor resultante do ato de aumento de capital social da referida sociedade, por incorporação de reservas, não releva para efeitos de apuramento de mais valias, em conformidade com o disposto nos artigos 10º, nº1, al. b) e nº4, 43º, nºs 1 e 6, al. a) e 48º al. a), todos do CIRS,”, acrescentando que no aumento de capital social por incorporação de reservas não existe um verdadeiro incremento patrimonial, uma vez que não há contrapartida no património de quem detém as participações.
Os Recorrentes discordam do assim decidido, defendendo, em síntese, que o aumento do capital social deu-se por incorporação de reservas legais decorrente de lucros de exercícios que os sócios deliberaram não distribuir e decidiram levar a reservas legais, o que corresponde não só a um custo documentalmente comprovado, mas também a uma efetiva deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade, uma vez que os sócios ficam impedidos de efetuar o seu levantamento, enquanto direito que têm em participar nos lucros, já que estes passam a integrar definitivamente o capital social da empresa. E que, por essa via, há um custo para os Recorrentes.

3.2. Da matéria de facto fixada na sentença recorrida resulta que aquando da constituição da sociedade, o Recorrente marido ficou detentor de uma quota social no valor de €28.000,00, correspondente a 70% do valor do capital social. Posteriormente, no decurso do ano de 2012, a sociedade procedeu ao aumento do capital social através da “incorporação de reservas legais por ambos os sócios na proporção e em reforço das respetivas quotas”, ficando o Recorrente marido a deter uma quota no valor de €159.392,60. No mesmo ano de 2012 a quota do Recorrente marido foi alienada pelo valor de €367.500,00.
No apuramento das mais-valias mobiliárias que deram origem ao ato de liquidação adicional, a Administração Tributária considerou o valor diferencial entre o valor da quota à data da constituição da sociedade – €28.000,00 – e o valor da sua transmissão - €367.500,00 -, desconsiderando o valor da quota decorrente do aumento do capital social.

3.3. Não se discute no presente recurso a existência de mais-valias resultantes da alienação da quota do Recorrente marido, mas apenas o seu montante. A divergência resulta da diferente valoração do aumento do capital social por incorporação de reservas legais.

Estabelece o artigo 1.º do Código do IRS que o imposto incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias ali elencadas, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos constantes do Código.
Ficam sujeitos a imposto (incidência subjetiva) as pessoas singulares que residam em território nacional e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos (n.º 1 do artigo 13.º do Código do IRS), sendo que o imposto incide sobre a totalidade dos rendimentos auferidos, incluindo os que sejam obtidos fora do território nacional (n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS).

Relativamente à incidência objetiva (ou real) do imposto, para o que releva para o caso dos autos, estatui o artigo 9.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias tal como definidas no artigo 10.º.

Por sua vez, o artigo 10.º do Código do IRS, para o que releva, estatui que:
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
(…)
b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;
(…)
3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 (…).
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1; (…).”

Relativamente à determinação do rendimento coletável em sede de mais-valias, o artigo 43.º do Código do IRS estabelece:
1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
(…)
5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita no país, território ou região de domicílio a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
6 - Para efeitos do número anterior, considera-se que:
a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem; (…).”
Relativamente ao valor de realização, a alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS, estabelece que “para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se como valor de realização, o valor da respetiva contraprestação.

No que respeita ao valor de aquisição a título oneroso de partes sociais, a alínea b) do artigo 48.º do Código do IRS, dispõe que:
Tratando-se de quotas ou de outros valores mobiliários não cotados em bolsa de valores, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal.

O IRS constitui um imposto que assenta na conceção do acréscimo patrimonial. Pode ler-se no texto do respetivo preâmbulo, no seu ponto 5:
Na construção do conceito de rendimento tributável, contrapõe-se a concepção da fonte, que leva a tributar o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional (rendimento-produto) à concepção de acréscimo patrimonial, que alarga a base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento-acréscimo).

Em termos práticos, a principal diferença entre as duas concepções reside precisamente no tratamento fiscal das mais-valias, que, não sendo ganhos decorrentes da participação na actividade produtiva, são pela primeira excluídas da incidência do imposto. Ora, razões de justiça recomendam a tributação das mais-valias, que constituem acréscimos de poderes aquisitivos obtidos sem esforço ou por acaso da sorte e que, aliás, tendem a concentrar-se nos escalões elevados de rendimento.

E no que respeita à tributação das mais-valias resultantes da alienação de quotas sociais, como é referido na sentença recorrida, “o Legislador foi coerente com o princípio do rendimento acréscimo que caracteriza o IRS, bem como com o princípio da capacidade contributiva que caracteriza todo o sistema fiscal: se a sociedade distribui lucros, o sócio é sujeito passivo de IRS, é tributado em sede de categoria E, rendimentos de capitais; se a sociedade opta por reforçar o capital, retendo os lucros, o sócio será apenas tributado aquando da alienação da sua quota”.

Assim, e como também é dito pelo Tribunal a quo, perante o quadro legal acima enunciado, “as mais valias (mobiliárias) estão sujeitas ao princípio da realização, e apuram-se pela diferença entre o valor de realização [no caso dos autos, o valor da respetiva contraprestação – cfr. artigo 44.º, n.º 1, al. f)], e o valor de aquisição [no caso, tratando-se de quota não cotada em bolsa de valores, vale o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal – al. b) do artigo 48.º], sendo relevante convocar a norma do artigo 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS, que refere que para a determinação do saldo positivo ou negativo das mais valias, “a data da aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas, é a data da aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.” // Da conjugação das normas vindas de referir, conclui-se que quando um determinado sujeito passivo de IRS, procede à alienação de partes sociais (quotas) cujas sociedades não estejam cotadas em bolsa de valores, o valor de aquisição é aquele que resulta do custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal, e, nos casos em que tenha havido aumento de capital por incorporação de reservas, o valor de aquisição é aquele que se reporta à data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.”

Ora, no apuramento das mais-valias mobiliárias em discussão, a Administração Tributária, teve em conta aquele quadro normativo e considerou o diferencial entre o valor da quota à data da constituição da sociedade e o valor da sua transmissão, desconsiderando o valor da quota decorrente do aumento do capital social por incorporação de reservas legais.

Contrapõem os Recorrentes que o aumento de capital social por incorporação de reservas legais corresponde “a uma efectiva deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade”, por estarmos perante lucros que poderiam ter sido distribuídos pelos sócios, e que assim o valor diferencial a considerar deveria ter por referência não o valor da quota à data da constituição da sociedade, mas aquele que resultou do aumento de capital.

Mas carecem de razão. Como pugna o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, não há qualquer deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade, uma vez que tendo o resultado líquido obtido no exercício de 2011 sido convertido em reservas legais nunca chegou a sair do património da sociedade (vg. por distribuição de dividendos) e este não sofreu qualquer alteração.

As reservas legais estão previstas no artigo 295.º do Código das Sociedades Comerciais, que, na parte que releva dispõe no n.º 1:
1 - Uma percentagem não inferior à 20.ª parte dos lucros da sociedade é destinada à constituição da reserva legal e, sendo caso disso, à sua reintegração, até que aquela represente a 5.ª parte do capital social.

Por seu turno, o artigo 33.º do mesmo Código, no n.º 1 estipula:
1 - Não podem ser distribuídos aos sócios os lucros do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas pela lei ou pelo contrato de sociedade.
Em face do disposto no artigo 33.º do Código das Sociedades Comerciais há lucros (e reservas) não distribuíveis. Mesmo que seja apurado lucro do exercício, isso não significa que possa haver distribuição de dividendos. Há, assim, um lucro não distribuível por imposição legal.
Havendo incumprimento da obrigação de constituição da reserva legal mediante a distribuição aos sócios dos montantes que deveriam ser aí afetos, esses valores devem ser restituídos à sociedade, nos termos do artigo 34.º do mesmo Código.
A reserva legal de lucros não pode ser distribuída aos sócios e só pode ter as aplicações previstas na lei: em primeiro lugar, incorporação no capital social e subsidiariamente cobertura de prejuízo.

A reserva legal não é, assim, constituída com entradas dos sócios, mas com proveitos gerados pela própria atividade da sociedade, o que faz cair por terra a argumentação dos Recorrentes de que se verificou uma “efectiva deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade” (conclusão M), não merecendo o recurso provimento.

Em síntese, diremos:
1- No aumento de capital por incorporação de reservas legais não há uma efetiva deslocação do património do sócio para o da sociedade.
2- No apuramento das mais-valias mobiliárias por alienação de quotas sociais é considerado o diferencial entre o valor da quota à data da constituição da sociedade e o valor da sua transmissão, desconsiderando-se o valor da quota decorrente do aumento do capital social entretanto ocorrido por incorporação de reservas legais.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 4 de maio de 2022. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso.