Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02386/16.6BEPRT
Data do Acordão:02/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
ILICITUDE
PRAZO RAZOÁVEL
ATRASO NA JUSTIÇA
Sumário:I - É violado o direito a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art. 20º, nº 4, da CRP, em sintonia com o art. 6º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, se num processo cível derivado de acidente de viação, a execução das necessárias perícias médico-legais se prolongou por mais de 4 anos, fazendo com que a duração total do processo se cifrasse em 5 anos e meio, somente numa instância, e num tipo de processo que o TEDH tem entendido dever ser considerado prioritário.
II - A complexidade dos exames realizados e o circunstancialismo do caso concreto atenuam mas não excluem a ilicitude de tal violação.
Nº Convencional:JSTA000P27238
Nº do Documento:SA12021021802386/16
Data de Entrada:10/06/2020
Recorrente:A……………..
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recursos de revista de acórdãos dos TCA


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – RELATÓRIO

1. A…………….. veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista do Acórdão proferido em 14/2/2020 pelo Tribunal Central Administrativo Norte, “TCAN” (cfr. fls. 433 e segs. SITAF), o qual confirmou a sentença, de 2/8/2019, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, “TAF/Porto” (cfr. fls. 341 e segs. SITAF) que julgara improcedente a presente ação administrativa por si intentada contra o “Estado Português”, representado pelo Ministério Público, e, em consequência, absolvera o Réu do pedido indemnizatório formulado com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Estado por alegada violação do direito da Autora a uma decisão em prazo razoável no processo nº 990/08.5TVPRT que correu termos na 1ª Vara Cível do Porto.

2. Inconformada com este julgamento do “TCAN”, a Autora interpôs para este STA o presente recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 497 e segs. SITAF):

«1. O recurso de revista é admissível.

2. O TCAN decidiu à revelia da jurisprudência do Tribunal Europeu e do STA em matéria de prova, não dando como provados factos que se presumem provados e não considerando o Estado-cobrador de impostos responsável pelas delongas dos peritos.

3. As instâncias violaram a jurisprudência do TEDH, nomeadamente a respeitante ao artigo 6º, nº 1, da CEDH, que assim foi violado.

4. A duração excessiva de um processo causa danos morais que se presumem.

5. A autora tem de se defender. A autora tem de se servir de todos os meios legais ao seu alcance.

6. O Estado é responsável pelos serviços das perícias.

7. E se não tem peritos profissionais que os crie, que ponha um IML em cada concelho.

8. A requerente foi submetida a exames periciais a partir de 14/12/2009 até 24/01/2013, por MAIS DE TRÊS ANOS, sendo os exames adiados ou retardados por inércia ou falta dos peritos.

9. O raciocínio do tribunal já foi condenado várias vezes pelo TEDH, nomeadamente tendo Portugal como réu.

10. A duração do processo, inclusive das perícias, é excessivo.

11. O atraso na duração das perícias não tem justificação.

12. O Estado é responsável pela duração das perícias.

13. O tribunal não pode retirar conclusões negativas de factos não escrutinados no processo. Isso é questão nova, portanto são violados artigos 3º e ss. do CPC.

14. A autora em nada concorreu para o atraso do processo.

15. Foi violado o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 3º e seguintes do CPC.

16. Que deveriam ser interpretados no sentido destas conclusões.

17. Deve condenar-se como consta na PI, assim se revogando a sentença:

“Nestes termos e nos demais de direito deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, deve:
1. Declarar-se que o Estado Português violou o artigo 20º, n ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”;
2. Condenar-se o Estado Português a pagar à autora:
a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a doze mil euros, pela duração do processo 990/08.5TVPRT, na 1ª Vara Cível do Porto;
b) Uma indemnização de dois mil euros por cada ano de duração do presente processo sobre a morosidade, agora instaurado, após o decurso de dois anos, até ao seu termo incluindo liquidações, também a título de danos morais.
c) Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre as verbas em a) a b);
3. Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela autora, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos;
4. Condenar-se o Estado Português a pagar os honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos em quantia a fixar equitativamente conforme consta desta petição inicial ou a liquidar, oportunamente, fixados de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados.
5. Deve condenar-se o Estado a pagar uma sanção pecuniária compulsória de cem euros por dia, por cada despacho, decisão do tribunal ou acto dos funcionários que ultrapasse os prazos legais, ou caso o processo dure mais de dois anos, incluindo liquidação de honorários.
6. E a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;
7. Deve ainda ser condenado em custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e outras e quaisquer outras pagas pela autora.
Justiça!”»

3. O Réu/Recorrido, conquanto para tanto notificado (cfr. fls. 534 e segs. SITAF), não apresentou contra-alegações.

4. O presente recurso de revista foi admitido por Acórdão de 10/9/2020 (cfr. fls. 542 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) A autora e aqui recorrente propôs contra o Estado a presente acção de indemnização fundada em atraso na realização da justiça, pois considera inadmissível e ilícito que as perícias médicas a que foi submetida — num processo que instaurou nas Varas Cíveis do Porto contra uma seguradora por causa dos danos que sofrera num acidente de viação — demorassem cerca de quatro anos, circunstância que prolongou a pendência da causa por quase cinco anos e meio.
As instâncias convieram na improcedência da acção porque a multiplicidade e a complexidade dos exames médicos à autora — ademais, dificultados pela necessidade de destrinçar certas patologias anteriores ao acidente de viação das lesões e sequelas por este provocadas — tomariam justificável e lícita aquela demora de («circa») quatro anos.
Na sua revista, a recorrente insurge-se contra esse entendimento, considerando-o desconforme à jurisprudência do TEDH e, até, à deste Supremo.
Ora, a posição das instâncias, desvalorizadora do tempo consumido nos exames médico-legais, não é isenta de controvérsia, sobretudo à luz da jurisprudência internacional. E convém que o Supremo reanalise o assunto para garantir uma correcta aplicação do direito e, ainda, para aportar directrizes na matéria e para eventualmente prevenir um hipotético accionamento do Estado em instâncias europeias.
Justifica-se, portanto, o recebimento do recurso (…)».

5. Colhidos os vistos, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.

*

II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

6. Constitui objeto do presente recurso e revista:

Apreciar se o Acórdão TCAN recorrido julgou com acerto ao confirmar a sentença do TAF/Porto, que julgara improcedente a presente ação administrativa intentada pela Autora/Recorrente e, em consequência, absolvera o Réu “Estado” pedido indemnizatório formulado com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Estado por alegada violação do direito da Autora/Recorrente a uma decisão em prazo razoável no processo nº 990/08.5TVPRT que correu termos na 1ª Vara Cível do Porto.

Cumpre, em suma, apreciar se se encontram reunidos, no caso, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual em causa – como defende a Autora/Recorrente -, ou não, como decidiram as instâncias.

*

III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

7. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«1) Em 24/10/2008 a autora propôs acção contra a “Companhia de Seguros ………………, S. A.”, por causa dum acidente de viação que tinha ocorrido em 8/11/2005, na qual a autora peticionava, a título de ressarcimento de danos o pagamento da quantia de 233.173,77 euros, acção essa que correu na lª Vara Cível com o n° 990/08.5TVPRT – cf. p.i. da acção;

2) Os danos sofridos vêm relatados a folhas 169 e ss; 210 e ss; 226 e ss; 238 e ss; 249 e ss; 258 e ss; 277 e ss; 299 e ss; 345 e ss; 368 e ss; 370 e ss; 375; 377 e ss; 409 e ss;

3) A folhas 278, em 14/07/2011, foi-lhe atribuída uma IPP de 40,6%;

4) Os relatórios médicos mostram, nomeadamente, que a autora por causa do acidente teve agressões ao seu pescoço que deixaram cicatrizes de 4 cm (folhas 411), diminuição da sensibilidade no braço e antebraço e no primeiro e segundo dedo;

5) A “Companhia de Seguros ……………, S. A.” contestou em 05/12/2008 – fls. 54;

6) Em 18/02/2009 foi elaborado despacho saneador – fls.106;

7) Em 02/03/2009 e 06/03/2009 foram apresentados pelas partes requerimentos de prova – fls. 118 e 125;

8) Na sequência de requerimento das partes, em 14/12/2009, foi ordenada a realização de perícia pelo INML – fls. 181;

9) A A. foi submetida a vários exames periciais, de várias especialidades, entre 28/1/2010 e 30/1/2014, com a sequência temporal seguinte:
I. A A. foi convocada para ser submetida a perícia médico-legal cível – avaliação do dano corporal para o dia 28/1/2010;
II. Para realização de perícia médico-legal de psiquiatria para o dia 2/6/2010;
III. Em 28/1/2010 o INML apresentou relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, no qual vem referido, entre o mais, que a autora terá tido no ano de 2004 um acidente de viação de características semelhantes ao acidente ocorrido em 8/11/2005, tendo sido solicitado para uma avaliação mais completa da ora A., o envio de diversos registos clínicos;
IV. Em 1/6/2010 foi apresentado o relatório da perícia médico-legal de psiquiatria;
V. Por ofício de 21/6/2010, o INML voltou a solicitar os elementos clínicos da Autora existentes noutros estabelecimentos de saúde;
VI. Em 24/11/2010 foram remetidos ao INML os relatórios clínicos;
VII. Em 10/3/2011 o Tribunal solicitou ao INML informação sobre o estado do exame pericial feito à A.;
VIII. Com data de 8/4/2011 o INML enviou ao Tribunal o relatório da perícia do qual consta que, para esclarecimento de nexo de causalidade e para uma avaliação mais completa, a examinada, ora A. devia ser submetida a exame da especialidade de neurocirurgia a ter lugar em 2/6/2011;
IX. Em 7/6/2011 o INML apresentou o relatório da perícia médico-legal de neurocirurgia;
X. Em 20 de Junho de 2011 a ora A. requereu a realização de 2ª perícia e em 22 de Junho a R. requereu também a sua realização;
XI. Por despacho de 6/7/2011 foi ordenada a realização de 2ª perícia;
XII. Foi agendada para o dia 17/10/2011 a avaliação médico-legal pelo INML;
XIII. Em 16/1/2012 o Tribunal solicitou informação ao INML sobre o estado do exame efectuado à A. em 17/10/2011;
XIV. Em 8/2/2012 e 26/3/2012 o INML deu conta ao Tribunal da dificuldade de notificação de um dos peritos intervenientes na perícia e solicitou ao Tribunal a sua notificação;
XV. Em 30/4/2012 foi remetido ao Tribunal o relatório pericial do qual consta que não houve consenso entre os peritos relativamente a determinada matéria e foi sugerida a realização de perícia medico legal constituída apenas por médicos da especialidade de neurocirurgia;
XVI. A A. foi convocada para comparecer em 24/1/2013 no INML para ser submetida a perícia médico-legal constituída por médicos de neurocirurgia, tendo sido apresentado o respectivo relatório que solicita o envio de determinados exames médicos realizados pela A.;
XVII. Em 24/4/2013 o Tribunal remeteu o processo ao INML do Porto para conclusão do relatório pericial;
XVIII Em 26/09/2013 a perícia colegial foi concluída;
XIX. Em 26/09/2013 um dos peritos não compareceu.
XX. O exame pericial foi remarcado para 17/10/2013;
XXI. Em 01/10/2013 o Tribunal ordenou a comparência dos peritos sob pena de multa;
XXII. O exame pericial foi adiado para 19/12/2013;
XXIII. O exame foi concluído a 30/01/2014 – cf. fls. 182 a 355 do processo nº 990/08.5TVPRT.

10) Em 06/02/2014 o Tribunal marcou a audiência de julgamento para 20/03/2014;

11) As partes chegaram a acordo, que foi homologado por sentença de 19/05/2014;

12) A autora instaurou no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem uma acção em 2014, que teve o n° 45969/14, que foi arquivada por não terem sido esgotadas as vias de recurso internas – doc. 1 junto com a p.i.;

13) Durante o decurso do processo nº 990/08.5TVPRT a A. sentiu ansiedade, angústia, incerteza, preocupação;

14) . . . mostrando-se incomodada, irritada, ansiosa;

15) A autora depois do acidente deixou de trabalhar;

16) A A. nasceu em 19/05/1948 – cf. doc.2 junto com a p.i.;

17) A autora está reformada e à data da instauração da presente acção auferia uma pensão mensal de 332,97 euros – cf. doc. 3 junto com a p.i.

Factos dados como não provados:

A) A A. manteve-se numa situação de incerteza durante vários anos;

B) A A. sentiu incerteza na planificação das decisões a tomar;

C) A A. não pôde organizar-se;

D) A A. por causa do processo ficou em estado depressivo;

E) A A. precisava do dinheiro para se restabelecer do acidente sofrido;

F) A autora depois do acidente deixou de ter qualquer rendimento;

G) A A. foi forçada a fazer um acordo com a seguradora para poder viver e saiu prejudicada;

H) Por causa do processo, a autora passou muito tempo a telefonar para o escritório dos advogados para saber o seu resultado.

III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

8. Como decorre do já exposto, a Autora, ora Recorrente, insurge-se contra o julgamento das instâncias de improcedência da presente ação, pelo que veio, agora, interpor recurso jurisdicional de revista do Ac.TCAN de 14/2/2020, confirmativo da sentença, de 2/8/2019, do TAF/Porto, que absolvera o Réu do pedido indemnizatório por si formulado com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Estado por alegada violação do direito a uma decisão em prazo razoável no processo nº 990/08.5TVPRT que correu termos na 1ª Vara Cível do Porto.

9. A Autora/Recorrente, nas 17 conclusões das suas alegações deste recurso de revista por si interposto – alegações que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso (ressalvadas eventuais questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua consideração), nos termos dos arts. 635º nº 4 do CPC, ex vi do art. 1º e 140º nº 3 do CPTA – critica o Acórdão recorrido quer por não ter concluído pela ilicitude consubstanciada na alegada violação do prazo razoável na decisão do processo nº 990/08 da 1ª Vara Cível do Porto, quer por não ter concluído que sofreu danos morais em decorrência dessa violação (cfr. designadamente, conclusões 2 e 4).

Sendo que a violação do prazo razoável para a decisão de um processo judicial pode fazer incorrer o Estado no dever de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual, nos termos previstos no art. 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no art. 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, haverá que ponderar se, no caso, se encontram preenchidos os pressupostos cumulativos de tal responsabilidade (facto ilícito, culpa, dano, nexo de causalidade).

No presente caso, haverá que ponderar, em primeiro lugar, a questão da verificação, ou não, da ilicitude (desde logo: a verificação, ou não, da violação do “prazo razoável” na duração do aludido processo nº 990/08) – que o Ac.TCAN recorrido, e a sentença de 1ª instância, entenderam não verificada, e a Autora/Recorrente alega que sim.

A questão da verificação de danos morais, a que, como se disse, também se reportam as alegações da Autora/Recorrente (bem como a verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade em causa) apenas terá que ser apreciada se se concluir por errado julgamento do Ac.TCAN recorrido quanto à não verificação da alegada “ilicitude”. Sendo certo que, ao contrário do que vem alegado pela Recorrente, não vemos que o Ac.TCAN recorrido tenha expressado que a eventual violação de “prazo razoável” não fizesse presumir a ocorrência de “danos morais” – questão esta que ficou prejudicada (bem como a da verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual invocada) em face do entendimento ali adotado quanto à não verificação da “ilicitude” alegada.

Questão diferente desta, da presunção de “danos morais” em caso de violação de “prazo razoável”, é a da confirmação, pelo TCAN, de não se ter como provados os concretos factos alegados pela Recorrente, a que esta se referia nas alíneas A a H da conclusão 1 das alegações do seu recurso de apelação (cfr. fls. 379 e segs. SITAF) – única matéria a que o Ac.TCAN recorrido se referiu na parte sobre os imputados (à sentença de 1ª instância) “erros de julgamento sobre a matéria de facto” (fls. 9 e 10 do Ac.TCAN).

10. A Autora/Recorrente alega que o Ac.TCAN recorrido errou no seu julgamento de que se não verificou, na decisão daquele processo nº 990/08, a violação de um “prazo razoável”.

Alega, a este respeito, que “a duração do processo, inclusive das perícias, é excessiva” (cfr. conclusão 10), que “foi submetida a exames periciais a partir de 14/12/2009 até 24/1/2013, durante mais de três anos, sendo os exames adiados ou retardados por inércia ou falta dos peritos”, que “o atraso na duração das perícias não tem justificação”, que “o Estado é responsável pelos serviços das perícias”, que “o Estado é responsável pela duração das perícias”, e que “se não tem peritos profissionais, que os crie, que ponha um IML em cada concelho” (cfr., respetivamente, conclusões 8, 11, 6, 12 e 7).

Mais alega, ainda a propósito da alegada ilicitude, e afastando uma eventual responsabilidade ou co-responsabilidade sua, que “a Autora não provocou nenhuma delonga processual”, que “a Autora tem de se defender, a Autora tem de se servir de todos os meios legais ao seu alcance” (cfr. conclusões 2 e 3).

Alega, ainda, em resposta à consideração inserta no Ac.TCAN recorrido de que a Autora/Recorrente só intentou a aludida ação 990/08 (referente a um acidente de viação por si sofrido) três anos após a data do acidente em questão, que “o tribunal não pode retirar conclusões negativas de factos não escrutinados no processo, isso é questão nova, portanto são violados arts. 3º e ss. CPC”, e que “a Autora não encontrou ninguém que aceitasse processar o Estado” (cfr. conclusões 13 e 14).

Alega, pois, que o tribunal viola a jurisprudência do TEDH (cfr. conclusões 7 e 9) e que “foi violado o art. 6º nº 1 da CEDH e o artigo 3º e seguintes do CPC” (cfr. conclusão 15).

Temos, assim, que a Autora/Recorrente defende que a duração daquele processo em questão teve uma duração excessiva, violadora de um “prazo razoável”, em decorrência do tempo excessivo de duração das perícias médicas realizadas (entre 14/12/2009 e 24/1/2013), pelo que imputa erro de julgamento ao Ac.TCAN recorrido por este ter julgado que «ainda que a duração do processo judicial tenha sido directamente afectado pelo tempo em que decorreram os exames periciais (…), julgamos que esse tempo não se revela excessivo, atentos os contornos concretos do caso em apreço» e que «numa ponderação global do caso concreto, concorda-se com o tribunal “a quo” no sentido de que a duração total do processo, de cerca de cinco anos e meio, não foi excessiva e não fez incorrer o Réu em violação dos artigos 6º CEDH, 20º/1 CRP e 3º e seguintes CPC».

Como já vimos (cfr. ponto 4 supra), a questão da duração das perícias também foi posta em causa pelo Acórdão que admitiu o presente recurso de revista, nos seguintes termos: «a posição das instâncias, desvalorizadora do tempo consumido nos exames médico-legais, não é isenta de controvérsia, sobretudo à luz da jurisprudência internacional. E convém que o Supremo reanalise o assunto para garantir uma correcta aplicação do direito (…)».

11. A Autora/Recorrente alega, pois, que a duração do processo em questão violou um “prazo razoável”; e, como vimos, assaca esta consequência ao período consumido pela realização dos exames médico-periciais. E, neste pressuposto, critica o julgamento das instâncias ao terem concluído de modo diferente e, especificamente, critica-o por, ao arrepio da jurisprudência do TEDH, terem entendido que o Réu Estado não era responsável pela alegada demora das perícias, a cargo do Instituto Nacional de Medicina Legal, INML (“o TCAN decidiu à revelia da jurisprudência do Tribunal Europeu e do STA (…) não considerando o Estado-cobrador de impostos responsável pelas delongas dos peritos”, “o Estado é responsável pelos serviços das perícias”, “o Estado é responsável pela duração das perícias”, “se não tem peritos profissionais, que os crie, que ponha um IML em cada concelho” (cfr., respetivamente, conclusões 2, 6, 12 e 7).

Porém, cumpre dizer que nem o Ac.TCAN recorrido nem a sentença do TAF/Porto por aquele confirmada, afirmaram que o Réu Estado não é, nem seria, responsável pela duração das perícias realizadas no INML, ou por eventual excesso de duração das mesmas. E, efetivamente, uma tal afirmação seria errada por flagrantemente contrária à lei e à jurisprudência do TEDH, a qual tem claramente afirmado que, relativamente a responsabilidade por violação do direito a uma decisão judicial em “prazo razoável”, o Estado responde por demoras excessivas não apenas das próprias “autoridades judiciárias” mas, em geral, das que são consequência da atuação das autoridades competentes com reflexo no processo (aqui se incluindo órgãos do poder legislativo ou executivo e autoridades colaborantes com as autoridades judiciárias).

O que, diferentemente, as instâncias disseram é que, no presente caso, a duração das perícias – que determinou a duração do processo -, embora longa em abstrato, é de considerar-se justificada dadas as circunstâncias do caso concreto:

«Estamos, por conseguinte, em presença de exames (duas perícias médico legais) realizados por colaboradores externos ao Tribunal que, tendo em conta, as concretas questões a apurar ao nível do dano causado à A. no acidente de viação, se revelam complexas, exigindo a recolha de elementos vários bem assim como a realização de consultas específicas à A., que apesar do tempo efectivo que decorreu e que teve real influência no decurso da acção e na sua resolução, não se revelam de duração excessiva e injustificada e, por conseguinte, não podemos afirmar que esse tempo de realização de exames consubstancie mau funcionamento do serviço público de justiça entendido em sentido amplo.
Ainda que a duração do processo judicial tenha sido directamente afectada pelo tempo em que decorreram os exames periciais, um dos meios de prova admissíveis no processo e com relevantíssima importância para o apuramento dos factos e, consequentemente, para o Tribunal decidir, certo é que, julgamos que esse tempo não se revela excessivo, atentos os contornos concretos do caso em apreço».
(excerto, a fls. 31 e 32, da sentença do TAF/Porto, transcrito no Ac.TCAN recorrido, a fls. 11 e 12)

12. Neste pressuposto – e dando como certo que o tempo de realização dos exames médico-periciais é de relevar para a consideração do tempo global de duração do processo (o que, como vimos, não é negado pelas instâncias, contrariamente ao alegado pela Autora/Recorrente) -, cumpre, então, apreciar se ocorreu, ou não, no processo nº 990/08 em questão, violação do direito da Autora/recorrente a uma decisão em “prazo razoável”.

Como resulta da matéria dada como provada e do próprio processo apenso, o processo em questão reportou-se a uma ação indemnizatória proposta pela aqui Autora/Recorrente contra uma Companhia de Seguros por causa de um acidente de viação ocorrido em 8/11/2005, de que lhe resultaram danos físicos.

A ação foi proposta em 24/10/2008 e terminou por sentença de 19/5/2014, homologatória de acordo – tendo, pois, durado 5 anos, 6 meses e 25 dias.

Resulta consensual que esta duração global da ação foi determinada pelo período de realização de exames e perícias médico-legais, requeridos pelas partes e ordenados pelo tribunal, no sentido de apurar as consequências físicas que o acidente de viação em questão acarretou para a Autora.

Segundo a Autora/Recorrente, este tempo foi excessivo já que «foi submetida a exames periciais a partir de 14/12/2009 até 24/1/2013, por mais de três anos» (cfr. conclusão 8), isto é, por 3 anos, 1 mês e 10 dias.

Por outro lado, retira-se do ponto 9 da matéria dada como provada que o período de realização dos exames periciais e de elaboração dos respetivos relatórios por parte do INML decorreu entre 28/1/2010 e 30/1/2014, ou seja, 4 anos e 2 dias.

13. Como tem sido jurisprudência do TEDH e deste STA, é de considerar-se que um processo decorreu para além do “prazo razoável” quando o mesmo foi decidido para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da “máquina judicial” (“lato sensu”).

E tal apreciação há-de ser concreta e global. Concreta na medida em que sempre haverá que atender às específicas características do processo, v.g.: a natureza do processo, a sua complexidade, a quantidade de intervenientes, o comportamento das partes, os seus incidentes e ocorrências especiais que possam ter influenciado a marcha do processo. Global porque, regra geral, tem-se em consideração a duração global do processo em causa, e não que sucedeu em cada uma das suas fases – não obstante o TEDH poder ser sensível à duração manifestamente excessiva de uma das suas fases num determinado processo em que, apreciado o mesmo na sua globalidade, não se tenha verificado um atraso desrazoável.

Como se expressou no Acórdão deste STA de 27/11/2013 (0144/13):

«(…) só se pode afirmar que um processo foi decidido para além do «prazo razoável» quando o mesmo foi julgado para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da «máquina judicial». Só assim, isto é, só havendo a certeza de que o processo foi decidido para além do tempo em que seria razoável decidi-lo e que essa anomalia se ficou a dever a culpa dos serviços da administração da justiça é que se poderá afirmar que se verificam as condições determinantes da emergência do direito a uma indemnização ressarcitória por via da responsabilidade civil extra-contratual.
Sendo assim, se se concluir que a decisão final foi proferida para além do «prazo razoável» mas que esse atraso se deve a uma tramitação com incidências extraordinárias, não provocadas pelo funcionamento da «máquina judicial» - designadamente que se ficou a dever à complexidade do processo, à própria natureza deste ou ao censurável comportamento das partes - então haverá que concluir não estarem reunidos os requisitos de que depende o apontado dever indemnizatório. Sendo certo que nessa apreciação o que releva é a análise da tramitação do processo no seu conjunto e não o que aconteceu em cada uma das suas fases o que obriga a que se não dê demasiada atenção ao cumprimento de cada um dos prazos dos actos desse percurso em detrimento de uma visão de conjunto que atenda a todas as suas incidências. Ou seja, e dito de forma diferente, na procura das causas responsáveis pelo atraso na decisão do processo a atenção deve ser concentrada naquelas que decorrem do comportamento das autoridades judiciárias pois que só se concluir que a demora foi irrazoável, foi chocante, foi inaceitável para os critérios e expectativas do homem comum e que tal resulta do andamento da máquina da administração da justiça é que se poderá falar na responsabilidade civil extra contratual do Estado. Juízo esse que terá de ter em conta (1) a complexidade do processo, (2) o comportamento das partes (3) a actuação das autoridades competentes no processo e (4) a importância do litígio para o interessado. - Vd., por todos, Acórdão deste STA de 9/10/2008 (rec. 319/08)».

E no Acórdão, também deste STA, de 21/5/2015 (072/14):

«(…) Sustentou-se ainda no acórdão deste Supremo de 10.09.2009 [Proc. n.º 083/09 consultável no mesmo sítio] que “a definição do que seja um prazo razoável não só não é meramente objetiva como também essa qualificação não pode ser atribuída em abstrato antes havendo de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso, designadamente as relacionadas com natureza e complexidade do processo, a conduta do requerente e o comportamento das autoridades competentes (magistrados, órgãos de polícia e agentes dos serviços de justiça). O que quer dizer que o facto da conclusão do processo ter excedido o prazo legal, pode não ser qualificado como ilícito e culposo - Vd., entre outros, Acórdãos deste STA de 15/10/98 (rec. 36.811) e de 17/03/2005 (rec. 230/03). Ou seja, a violação do direito a uma decisão num prazo razoável só pode gerar a obrigação de indemnizar se as circunstâncias concretas do caso ditarem que ela podia ter sido alcançada num prazo inferior ao que efetivamente foi e que tal só aconteceu por incúria ou negligência dos operadores judiciários”».

Consequentemente, no processo aqui em questão (nº 990/08), há-de partir-se da consideração da sua duração global: no caso, como vimos, 5 anos, 6 meses e 25 dias.

Porém, a ponderação sobre a razoabilidade desta sua duração, não deve fazer-se em abstrato mas sim, como dito, em função das suas concretas características e circunstâncias. É que um mesmo prazo de duração pode ser razoável para um concreto processo e ser excessivo para outro.

Isto leva-nos obrigatoriamente a ponderar, no caso do processo aqui em questão, a concreta complexidade atinente à necessidade da determinação das consequências físicas que resultaram para a Autora do acidente de viação sofrido, de modo a aquilatar se foi justificada a duração da realização dos exames médico-legais – como julgaram as instâncias – ou se, pelo contrário, tal duração foi excessiva, como alega a Autora/Recorrente.

É certo que, como já afirmámos, o que releva, por via de regra, é sempre a duração global do processo e não a de cada uma das suas fases. Porém, é incontroverso – e resulta bem patente das próprias alegações da Autora/Recorrente - que a discussão sobre a eventual duração excessiva do processo só aqui se coloca por via da eventual duração excessiva das perícias médico-legais nele realizadas. Por isso – o que é o mesmo -, a duração global do processo também aqui deve ser ponderada em concreto, isto é, com a consideração da complexidade dos exames médico-legais que nele se impunham realizar para a determinação das sequelas físicas que o acidente provocara à Autora.

14. Tudo se resume, pois, a saber se, no caso, o tempo de realização dos exames médico-legais – com submissão da Autora/Recorrente a tais exames por 3 anos, 1 mês e 10 dias e com realização dos respetivos relatórios periciais até 4 anos e 2 dias – se pode considerar, ou não, razoável, na medida em que determinou que a duração global do processo se cifrasse em 5 anos, 6 meses e 25 dias.

Começando pela natureza do processo – ação indemnizatória contra companhia de seguros fundada em responsabilidade extracontratual decorrente de acidente de viação – haverá que ter em conta que, nos termos da jurisprudência do TEDH e deste STA, se trata de um tipo de processo (por acidente de viação) que demanda uma especial celeridade, ainda que não se trate de processo legalmente catalogado como processo “urgente” que, por isso, tivesse que correr com prioridade relativamente aos demais não urgentes.

Por outro lado, e ainda numa abordagem em abstrato, um processo de “acidente de viação”, de complexidade normal, e sem ocorrências especiais, numa só instância, deveria ser decidido em prazo máximo de dois anos (como, aliás, a própria Autora admite – cfr. art. 5º da p.i.).

Voltando, agora, à apreciação do caso concreto, verifica-se que neste processo se impôs a necessidade do apuramento das consequências físicas sofridas pela Autora sinistrada.

E, neste caso, nem se trata de um mero apuramento – mais ou menos complexo, dependendo dos danos sofridos – como sucede na esmagadora maioria dos processos de “acidente de viação”, ou até de outra natureza. Aqui, verificou-se uma circunstância que tornou particularmente complexos os exames e as conclusões médico-legais, e acarretou inevitavelmente, um acréscimo na duração da sua realização: é que deu-se o caso de a aqui Autora/Recorrente ter sofrido, antes deste acidente de viação ocorrido em 8/11/2005, um outro acidente de viação, em 2004 (isto é, cerca de um ano antes), de “características semelhantes” (cfr. ponto 9.III. da matéria de facto dada como provada), também com consequências físicas para si, pelo que se tornou necessário, para devidamente apurar as consequências do acidente dos autos (de 2005), ponderar os dados e registos clínicos do acidente anterior e diferenciar, pericialmente, as consequências de um e doutro – ou seja, estabelecer rigorosamente o nexo de causalidade entre cada um dos acidentes (designadamente, o de 2015) e as correspondentes consequências.

Ademais, o apuramento das consequências médico-legais do acidente em causa no processo aqui em questão, com a necessária destrinça das consequências do acidente de viação antecedentemente sofrido – o que foi realizado através de duas perícias (pois que uma segunda perícia foi efetuada a requerimento das partes) – não se limitou às consequências físicas, já de si complexas (dano corporal e neurocirurgia), uma vez que envolveu, também, perícia psiquiátrica (cfr. ponto 9.II. e 9.IV da matéria dada como provada).

Resulta ainda que a complexidade do caso manifesta-se na circunstância – que ainda que se não possa ter como anormal, certamente contribuiu para uma maior duração das perícias – de que “não houve consenso entre os peritos“, o que levou à necessidade de a 2ª perícia vir a ser repetida, e realizada “apenas por médicos da especialidade de neurocirurgia” (cfr. ponto 9.XV. da matéria de facto dada como provada).

Ora, a própria jurisprudência do TEDH, e a deste STA, para além de referirem que a ponderação da razoabilidade da duração deve ter em conta a “complexidade” do processo, afirmam especificamente que, na avaliação desta “complexidade” haverá que considerar, entre outras circunstâncias, “que tipos de prova foram produzidos”, destacando, em especial, “a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional”.

15. Percorrendo os passos da realização dos exames médico-legais e dos relatórios periciais, discriminados no ponto 9 da matéria de facto dada como provada, temos que:

- Em 28/1/2010, a Autora sinistrada foi submetida a perícia médico-legal (avaliação do dano corporal), e em 2/6/2010 a perícia médico-legal de psiquiatria;
- Tendo sido apurado, na sequência dos exames efetuados, que a Autora havia sofrido um acidente de viação de “características semelhantes” em 2004, ou seja cerca de um ano antes do acidente de viação aqui em causa, tornou-se necessário solicitar, para uma correta avaliação, diversos registos clínicos anteriores, os quais foram recebidos em 24/11/2010;
- Em 8/4/2011 o INML enviou ao tribunal o relatório de perícia, no qual se referia que, para uma devida avaliação, designadamente quanto ao esclarecimento do nexo de causalidade, teria que ser efetuado à Autora um exame da especialidade de neurocirurgia;
- O exame de neurocirurgia foi efetuado em 2/6/2011 e o respetivo relatório foi apresentado em 7/6/2011;
- Em 20/6/2011 e em 22/6/2011, respetivamente, a Autora e a Ré Cª de Seguros requereram a realização de uma 2ª perícia;
- Esta 2ª perícia foi agendada para 17/10/2011, mas em 8/2/2012 e em 26/3/2012 o INML deu conta ao tribunal da dificuldade em notificar um dos peritos intervenientes na sua realização, solicitando ao tribunal a sua notificação;
- Em 30/4/2012 foi remetido ao tribunal o relatório pericial referente a esta 2ª perícia, do qual consta que não houve consenso entre os peritos, e sugerindo, por isso, a realização da perícia exclusivamente por médicos da especialidade de neurocirurgia;
- Em 24/1/2013 a Autora foi submetida a perícia realizada exclusivamente por médicos da especialidade de neurocirurgia, tendo estes solicitado, por necessários, determinados exames médicos anteriormente realizados pela Autora;
- Em 24/4/2013 o tribunal remeteu o processo ao INML para conclusão do relatório pericial;
- A perícia colegial ficou concluída em 26/9/2013, mas, por falta de um dos peritos, a perícia e seu relatório final só ficou terminada 30/1/2014.

Da análise das várias incidências acabadas de descrever, verifica-se que o tempo de duração da realização dos necessários exames médico-legais se ficou em grande parte a dever à sua complexidade, derivada, em concreto, de:

i) coincidência factual de a Autora sinistrada ter sofrido em 2004, cerca de 1 ano antes, um acidente de viação de “características semelhantes” ao acidente de viação em causa nos autos (ocorrido em 8/11/2005), o que determinou a necessidade da difícil, mas necessária, destrinça rigorosa das consequências de ambos os acidentes, ou seja, dos correspondentes nexos de causalidade;

ii) as perícias para tanto realizadas não se terem limitado às consequências físicas, já de si complexas (dano corporal e neurocirurgia), uma vez que envolveram, também, uma perícia psiquiátrica;

iii) realizada a perícia de neurocirurgia, uma segunda perícia ter sido ordenada realizar a requerimento das partes;

iv) nesta segunda perícia, requerida pelas partes, não ter sido possível obter o consenso dos peritos médicos intervenientes – o que revela a complexidade da mesma – pelo que houve que proceder-se à repetição dessa perícia através de um colégio de peritos formado exclusivamente por peritos médicos da especialidade de neurocirurgia.

Há ainda que notar, complementarmente:

- A aludida dificuldade de destrinça das consequências dos dois acidentes de viação sofridos pela Autora/Recorrente (o primeiro em 2014 e o segundo, em questão no processo 990/08, em 8/11/2005), no sentido da necessária determinação do nexo de causalidade do acidente em discussão, foi a causa específica da falta de consenso entre os três peritos médicos que realizaram a 2ª perícia - cfr. ponto 9.XV. da matéria de facto dada como provada e, mais esclarecedoramente, fls. 282vº do processo físico apenso 990/08:
«Não existe consenso entre os peritos deste exame colegial relativamente aos seguintes pontos:
1) determinação de quais as lesões resultantes do acidente de viação sofrido em 08-11-2005 (tendo em conta os antecedentes pessoais da examinanda);
2) determinação de quais as sequelas resultantes do acidente de viação sofrido em 08-11-2005 (tendo em conta os antecedentes pessoais da examinanda);
3) sobre o nexo de causalidade entre a cirurgia a que a examinanda foi submetida em 11/01/2007 e as lesões que se vierem a considerar como resultantes do acidente de viação ocorrido em 08/11/2005;
4) sobre a determinação da data de consolidação médico-legal das lesões que se vierem a considerar como resultantes do acidente de viação ocorrido em 08/11/2005;
5) sobre a determinação do Défice Funcional Permanente das sequelas que se vierem a considerar como resultantes do acidente de viação ocorrido em 08/11/2005;
6) sobre a determinação da Repercussão Permanente na Actividade Profissional das sequelas que se vierem a considerar como resultantes do acidente de viação ocorrido em 08/11/2005».

- Para apurar com rigor tal destrinça, os peritos afirmaram a necessidade de reunir e consultar variada documentação clínica anterior, dispersa por vários estabelecimentos de saúde, públicos e privados (clínicas, consultórios e hospitais), o que determinou uma inevitável demora – cfr. ponto 9.XVI. da matéria de facto dada como provada e relatório preliminar dos 3 peritos neurocirurgiões a fls. 314/317 do processo físico apenso 990/08.
Alguns dos detentores desses exames – designadamente privados (sobre os quais, e respetivo comportamento, o Réu Estado não pode ser responsabilizado) – demoraram a remetê-los e, nalguns casos, só o fizeram após insistências ou condenação em multa – cfr. fls. 147, 159 e 161 do processo físico apenso 990/08); noutros casos, exames referentes às consequências do acidente de viação de 2004 já não puderam ser então obtidos (em 2013) por sua destruição ou extravio - cfr. fls. 323, 326 e 335 do processo físico apenso.

- Relativamente à 2ª perícia, e tal como resulta da matéria de facto dada como provada (cfr. ponto 9.XIII. e 9.XIV.), a mesma foi retardada por dificuldade de contacto com um dos peritos, situação que obrigou o INML a reportar o impasse ao tribunal. Ora, o perito em causa era, precisamente, o perito nomeado pela parte Autora/Recorrente (cfr. fls. 274/275 do processo físico apenso 990/08), pelo que a responsabilidade do Réu Estado, a existir nesta parte, sempre seria compartilhada, e isto na medida em que cabe ao juiz assegurar a celeridade dos processos – sendo certo que, in casu, cumpriu aqui, quanto a este ponto, pelo menos em parte, essa sua função.

16. Mas se é verdade que, como já se disse, o tempo de duração da realização dos necessários exames médico-legais se ficou em grande parte a dever à sua complexidade, e ao concreto circunstancialismo acabado de elencar, não é menos certo que, ainda assim, há que reconhecer que:

a) em termos globais, a duração de 4 anos e 2 dias mostra-se manifestamente excessiva para a execução das perícias médico-legais em causa, mesmo considerando as referidas complexidades e circunstâncias – o que acarretou, só por si, uma delonga processual total de 5 anos, 6 meses e 25 dias, o que também é de considerar como manifestamente excessivo para um processo (prioritário, à luz da jurisprudência do TEDH) tramitado numa só instância; e

b) especificamente, a aludida fase das perícias médico-legais (ainda que complexas), apresenta hiatos e dilações temporais difíceis de harmonizar com uma celeridade minimamente exigível, os quais potenciaram, pela sua soma, a duração total, demasiada, de 4 anos e 2 dias; v.g.:
- as primeiras perícias foram pedidas por ambas as partes em março de 2009 e apenas foi ordenada pelo INML a sua realização em dezembro (factos provados nºs 7 e 8);
- a consulta de psiquiatria apenas foi marcada para junho de 2010 (facto provado nº 9.II);
- foram pedidos relatórios e elementos em janeiro 2010 e só em junho se voltaram a pedir de novo (factos provados nºs 9.III e 9.V);
- tais relatórios e elementos foram remetidos em 24/11/2010 e só em 8/4/2011 o INML respondeu (factos provados nºs 9.VI e 9.VIII);
- a segunda perícia foi requerida em 6/7/2011, tendo sido agendada para 17/10/2011 (factos provados nºs 9.XI e 9.XII);
- o INML só em 8/2 e 26/3/2012 deu conta das dificuldades de notificação de um dos peritos, relativamente ao exame programado para 17/10/2011 (facto provado nº 9.XIV);
- em 30/04/2012 dá-se conta, no relatório pericial, que é necessária nova perícia a realizar apenas por neurocirurgiões, a qual só é marcada para 24/1/2013 (factos provados nºs 9.XV e 9.XVI).

Se é certo que nem todos estes hiatos têm a mesma relevância e que, provavelmente, cada um, por si só, não traria consequências de maior, não se pode deixar de constatar que, todos juntos e somados, contribuíram consideravelmente para a duração total – excessiva - dessa fase.

17. Uma última nota, relativamente ao seguinte passo constante a fls. 32 da sentença do TAF/Porto, transcrita a fls. 12 do Ac.TCAN recorrido:
«(…) temos para nós que a duração do processo, apenas intentado em 24/10/2008 (quando o acidente ocorreu em 8/11/2005, quase três anos decorridos, circunstância que poderá ter tido alguma influência na percepção da A. quanto ao tempo que decorreu entre a data do evento e a data da decisão judicial) (…)».

A Autora/Recorrente insurge-se contra este passo do Acórdão recorrido afirmando que «o tribunal não pode retirar conclusões negativas de factos não escrutinados no processo. Isso é questão nova, portanto violados artigos 3º e ss. do CPC. A autora não encontrou ninguém que quisesse processar o Estado, só tendo encontrado o signatário».

Porém, contrariamente ao pressuposto pela Autora/Recorrente, o expressado no citado passo do Acórdão recorrido não lhe imputa qualquer eventual negligência ou responsabilidade por apenas ter intentado a ação três anos após os factos em causa (acidente de viação) - o que, na verdade, apenas consubstancia o exercício de um seu legítimo direito, no momento em que quis, ou pôde, exercê-lo. Limitou-se o Acórdão a ponderar que tal circunstância terá certamente tido alguma repercussão na perceção da Autora/Recorrente quanto ao tempo decorrido desde a data do evento e a data da decisão judicial.

Ora, esta consideração não é sequer “questão” (“nova” ou não): questão aqui relevante é a de saber se o tempo de duração da ação até à sua decisão foi “razoável” ou se foi “excessivo”. Tratou-se apenas de uma consideração argumentativa – pertinente, na medida em que tal circunstância fez acrescer de três anos o tempo que mediou entre o acidente de viação em causa e a decisão da ação (com a inerente perceção psicológica da Autora/Recorrente sobre esse período de tempo); pertinente, por outro lado, porque certamente contribuiu também, objetivamente, para a maior dificuldade na avaliação das consequências do acidente em causa e da sua destrinça das consequências do acidente sofrido um ano antes pela Autora/recorrente (veja-se a dificuldade, plasmada nos autos, como acima se notou, de aceder à anterior documentação médica esclarecedora, em virtude do tempo entretanto passado).

18. Considerando que, na análise global do processo nº 990/08, a sua particular demora (5 anos, 6 meses e 25 dias) se ficou exclusivamente a dever à duração da realização dos exames médicos à Autora sinistrada e aos seus relatórios periciais (4 anos e 2 dias), e ainda que considerando, como acima se viu, a particular complexidade destes exames e relatórios, não podemos, em rigor, concluir como foi concluído pelas instâncias e, nomeadamente, pelo Ac.TCAN recorrido, de que «numa ponderação equitativa global do caso concreto, concorda-se com o tribunal “a quo” no sentido de que a duração total do processo, de cerca de cinco anos e meio, não foi excessiva e não fez incorrer o Réu em violação dos artigos 6º CEDH, 20º/1 CRP e 3º e seguintes CPC».

Diversamente, entendemos que, não obstante a concreta complexidade daquele processo nº 990/08, nomeadamente no que toca à necessidade do apuramento pericial das consequências médico-legais do acidente, especialmente dificultado em consequência dos antecedentes da Autora/Recorrente acima explanados, a duração total de 4 anos e 2 dias mostra-se manifestamente excessiva para a execução das perícias médico-legais em causa, mesmo considerando as referidas complexidades e circunstâncias – o que acarretou, só por si, uma delonga processual total de 5 anos, 6 meses e 25 dias, o que também é de considerar como manifestamente excessivo para um processo (prioritário, à luz da jurisprudência do TEDH) tramitado numa só instância. Sendo certo que, especificamente, a aludida fase das perícias médico-legais (ainda que complexas), apresentou hiatos e dilações temporais difíceis de harmonizar com uma celeridade minimamente exigível, os quais potenciaram, pela sua soma, a duração global, demasiada, de 4 anos e 2 dias.

Nestes termos, ainda que sem a gravidade ou dimensão subjacente às alegações da Recorrente, não podemos deixar de considerar que o Réu Estado incorreu, no processamento daqueles autos nº 990/08, em violação do direito da aqui Recorrente a uma decisão judicial em “prazo razoável” – ilicitude cuja gravidade se admite atenuada pela complexidade e circunstancialismo já supra explanados.

Em consequência, não poderá subsistir o Ac.TCAN recorrido, que deve ser revogado, e terão que baixar os autos ao TCAN para conhecimento dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu, o qual ficou prejudicado pela decisão tomada naquele Acórdão.

19. Finalmente, quanto à questão da eventual demora na decisão na presente ação indemnizatória, em que a Autora/Recorrente peticiona, como se viu, uma indemnização suplementar de 2.000€ por cada ano que exceda em 2 anos a sua duração, haveria também que previamente ponderar – como requisito da atribuição de qualquer indemnização a este título – se aqui se verifica “ilicitude” consubstanciada na violação do direito a uma decisão nesta ação indemnizatória em “prazo razoável”.

Sucede que, tendo os autos que baixar ao TCAN, nos termos e para os efeitos aludidos, o processo não tocou ainda ao seu fim, pelo que se considera prematuro e inoportuno apreciar, neste momento, tal pedido.

Aliás, a verdade é que – não se pondo em causa o dever de conhecimento oficioso neste campo – a Autora/Recorrente formulou o pedido de indemnização relativo à eventual violação do seu direito a uma decisão em “prazo razoável” nesta ação indemnizatória logo na petição inicial, sendo certo que, nessa altura, como é óbvio, não poderia saber se tal direito haveria, ou não, de ser violado, isto é, se ocorreria a “ilicitude” inerente ao pedido indemnizatório que formulava – em termos então meramente eventuais e hipotéticos, portanto.


*


IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional de revista deduzido pela Autora/Recorrente A…………., revogando o Acórdão recorrido e determinando a baixa ao TCAN para conhecimento dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu, que ficou prejudicado pela decisão tomada no Acórdão ora revogado.

Custas a cargo do Réu.

D.N.

Lisboa, 18 de fevereiro de 2021 – Adriano Cunha (relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art. 3º do DL nº 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Carlos Luís Medeiros de Carvalho e Conselheira Maria Benedita Malaquias Pires Urbano).