Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0783/11.2BEBRG
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade.
II - À semelhança do que sucede no processo judicial comum conforme o estatuído na al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC, é causa de nulidade da sentença em processo judicial tributário a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
III - Resultando da análise do acórdão reclamado que o STA se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todas as causas de pedir invocadas, ainda que não aluda a sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos pois o que importa é que o tribunal decida, como decidiu, as questões postas, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a pretensão, conclui-se que o acórdão não está, de todo em todo, afectado na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Nº Convencional:JSTA000P29595
Nº do Documento:SA2202206220783/11
Data de Entrada:06/23/2021
Recorrente:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL,S.A.
Recorrido 1:A…………….. CENTRO COMERCIAL, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL,S.A., com os sinais dos autos, e em que é Recorrida, A………………, S.A., também sinalizada nos autos, apresentar arguição de nulidade, nos termos do art. 125º, nº 1, do CPPT e art. 615.º, n.º 1, al. d), e 4, do CPC, do Acórdão, proferido em 09/03/2022, que negou provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:

1. O presente acórdão representa uma gravíssima decisão-surpresa como infra se demonstrará.

2. De facto, ninguém contava com esta decisão, nem a Recorrida nas suas melhores previsões.

3. A gravidade e importância da presente decisão-surpresa é tanto maior quanto a impossibilidade de interposição de recurso ordinária da mesma.

4. Assim, analisado o douto acórdão constata-se que o mesmo padece de manifesta nulidade, em virtude da falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar e a pronúncia sobre questões que não devia conhecer.

5. Considerando que o presente Acórdão não é suscetível de recurso ordinário, a ora Recorrente vem apresentar reclamação para o mesmo tribunal, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e 4, do CPC.

A – Da pronúncia sobre questões que não devia conhecer

6. Como consta do processo, a Recorrida pretendeu, somente, a anulação da liquidação da taxa com fundamento em:
o erro de direito
- Violação do princípio da legalidade;
i) Da alegada aprovação do projeto e não do licenciamento do acesso;
ii) Da alegada construção de acesso entre duas estradas públicas e não de acesso ao centro comercial;
iii) Da alegada inaplicabilidade da alínea g), do n.º 1, do artigo 15.º do DL 13/71 por se tratar de estabelecimento comercial;
- Da violação dos princípios da proporcionalidade e adequação;
- Do erro de facto
- Da área de incidência da taxa;

7. Como se vê, de entre os vários vícios, a Recorrida também alega a construção de acesso entre duas estradas públicas e não de acesso ao centro comercial;

8. Pois bem, a Recorrente na sua contestação invocou factos a demonstrar a existência de acesso direto de uma estrada nacional ao centro comercial.

9. Confrontado com estes factos o tribunal de primeira instância não abordou esta questão, ou seja, pronunciou-se no pressuposto de que o acesso em discussão se fazia de modo direto a uma estrada nacional.

10. Para o efeito, basta atentar no que é dito na sentença:

A Impugnante alega que, no ano de 2008, promoveu junto da Câmara Municipal de Guimarães o licenciamento da expansão do conjunto comercial denominado “A……………..”, com acesso rodoviário à EN 105, tendo acordado com aquela a construção de troços rodoviários a suas expensas, mas realizadas por conta do Município de Guimarães, em vista à satisfação das necessidades providas pelo Município Adjudicante. Defende, por isso, que tratando-se de uma obra que tem natureza pública estava apenas sujeita a aprovação e não a licenciamento, pelo que não estaria sujeita a tributação, nos termos do artigo 11.º, alíneas a) e c) do DL 13/71 de 23 de Janeiro.
Contrapõe a entidade impugnada que o que está em causa não é a construção dos aludidos troços rodoviários, mas sim a possibilidade de uma pessoa colectiva de direito privado poder estabelecer um acesso ao seu prédio urbano através de uma infra-estrutura integrada no domínio público rodoviário do Estado (EN 105 e Variante à EN 206), concluindo que o acto administrativo de licenciamento é a forma legalmente prevista na legislação de protecção às estradas nacionais para permitir a realização da obra (estabelecimento de acessos), tendo observado, na íntegra, o princípio da legalidade.
Apreciando. (sublinhado nosso)

11. Resumindo o que acima se diz, o tribunal de primeira instância põe em confrontação as posições das partes com o seguinte pressuposto:

A Impugnante alega que, no ano de 2008, promoveu junto da Câmara Municipal de Guimarães o licenciamento da expansão do conjunto comercial denominado “A……………….”, com acesso rodoviário à EN 105,

Contrapõe a entidade impugnada que o que está em causa não é a construção dos aludidos troços rodoviários, mas sim a possibilidade de uma pessoa colectiva de direito privado poder estabelecer um acesso ao seu prédio urbano através de uma infra-estrutura integrada no domínio público rodoviário do Estado (EN 105 e Variante à EN 206),

12. Portanto, o TAF de Braga não questiona o acesso rodoviário à EN 105 e à Variante à EN 206 por parte do Centro Comercial, tendo-se debruçado sobre a natureza da obra desta ligação.

13. Já todos vimos o que se passou: o TAF de Braga ignorou as alegações das partes e socorreu-se da jurisprudência que melhor se enquadrava ao assunto.

14. Efetivamente, pelo tribunal é dito:

Assim, no caso dos autos, importa aferir se estamos perante uma obra da iniciativa do Município de Guimarães, pois neste caso estaria apenas sujeita a aprovação por parte da Entidade Impugnada, nos termos do artigo 11º, alínea a), supra transcrito, não estando em consequência abrangida no âmbito de incidência da taxa prevista no artigo 15º. (cfr: página 23 da sentença)

15. Ou seja, a questão do acesso direto à estrada nacional é ultrapassada, o mesmo será dizer, aceite, pois caso aquele não existisse e fosse confirmado pelo TAF de Braga, então não fazia sentido sequer estar-se a apreciar a natureza da obra.

16. E tanto é assim, que o tribunal afirma que …não sendo possível invocar, para efeitos de tributação, o benefício que a Impugnante vai retirar da orientação do tráfego das EN 105 para o Centro Comercial, através da via municipal Rua …………. que contorna o ……….… (cfr: página 25 da sentença)

17. Repete-se o que o tribunal de primeira instância disse: o benefício que a Impugnante vai retirar da orientação do tráfego das EN 105 para o Centro Comercial,…

18. Efetivamente qual a vantagem da obra efetuada pela Recorrida se a mesma não fosse orientar o trânsito para o seu estabelecimento?

19. Assim, o acesso direto da EN 105 ao centro comercial existe independentemente da natureza das suas ligações, isto é, sejam de natureza municipal ou particular.

20. O TAF de Braga aceitou aquele acesso direto e respetivo benefício, mas questionou a natureza da obra do acesso para isentar a Recorrida do pagamento de taxa.

21. Esta questão da ligação direta ao centro comercial foi decidida pelo TAF de Braga e transitou em julgado (artigo 628.º do CPC).

22. E foi perante esta posição assumida pelo tribunal de primeira instância - da existência de aceso direito à estrada nacional - que a Recorrente interpôs recurso para o STJ (matéria de direito), já que se a questão fosse a existência do acesso direto (matéria de facto), então teria interposto recurso da matéria de facto para o TCA Norte.

23. Chegados aqui a Recorrente é surpreendida pelo STA que ignora aquela decisão transitada em julgado e vem dizer que, afinal, a EN 105 liga somente a estradas municipais circundantes do centro comercial. (cfr: página 31 e 32 do acórdão)

24. Se fosse como defende o STA, a liquidação da Recorrente, além de não ter fundamento legal, estaria ferida pelo vício da usurpação de poder, ao taxar obras sob jurisdição municipal.

25. Ora, a Recorrente não veio a este tribunal abordar a questão do acesso direto ou não à estrada nacional porque o tribunal de primeira instância não o questionou, deu-o como assente.

26. Por sua vez, a Recorrida não interpôs recurso subordinado quanto a esta questão, pelo que ocorreu trânsito em julgado da mesma (artigo 628.º do CPC).

27. Portanto, o STA está proibido de se pronunciar sobre matéria já transitada em julgado.

28. Efetivamente, o STA não pode fazer tábua rasa do recurso da Recorrente e considerar que não existe qualquer acesso do Centro Comercial à EN 105 mas apenas uma ligação entre a EN 105 e as ruas municipais circundantes do centro comercial. (cfr: página 32 do acórdão)

29. Repete-se: se fosse esse o entendimento do tribunal de primeira instância, a Recorrente teria recorrida daquela decisão para o TCA Norte e não abordaria exclusivamente a matéria de direito - natureza das obras -, como fez neste tribunal.

30. Acresce que nem sequer é permitido ao STA saltar da questão da natureza da obra para outras questões tais como:

▪ a legalidade da liquidação da ampliação de pavimentos de instalações servidas por acessos à estrada, (cfr: página 32 do acórdão);

▪ a qualificação do centro comercial como instalação industrial para efeitos das normas de proteção rodoviária (cfr: página 34 do acórdão)

31. É que o TAF de Braga não se pronunciou sobre estas questões, não tendo, inclusive, afirmado que tais questões ficavam prejudicadas atenta a alegada natureza pública da obra.

32. O que o TAF de Braga decidiu foi que:

a liquidação de taxa devida pelo acesso direto de estrada nacional a centro comercial entretanto ampliado era válida, mas como esse acesso tinha natureza pública ficaria isento de taxa ou porque (i) a obra estava sujeita a aprovação (cfr: alínea a), do artigo 11.º do DL 13/71 de 23 de janeiro e página 25 da sentença) ou porque (ii) teria interesse público (cfr: alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro e página 26 da sentença).

33. Na verdade, para se apreciar da isenção da taxa é pressuposto que a mesma seja válida, e foi isso que fez o TAF de Braga.

34. Portanto, o TAF de Braga entendeu que a liquidação era válida, não pondo em causa a ampliação ou a natureza do centro comercial, sendo que esta decisão transitou em julgado (artigo 628.º do CPC).

35. O que o TAF de Braga decidiu foi que a obra do acesso deveria ser isenta de taxa, pressupondo a sua legalidade, sob pena do vício de usurpação de poder por parte da Recorrente.

36. Também aqui, o STA está proibido de se pronunciar sobre matéria já transitada em julgado.

37. Sem prejuízo do vindo de expor, sempre se dirá que relativamente à suscetibilidade da liquidação de taxas devidas pela ampliação da área servida pela estrada nacional, a mesma foi admitida pela Ex.ma Conselheira Ana Paula Lobo, que votou vencida naquele acórdão do proc.º n.º 352/18, de 30-05-2018.

38. Cabe referir que aquele processo e este são os únicos relativos a ampliações que chegaram aos tribunais, pois as centenas de liquidações de ampliações promovidas a partir de 2009 foram todas aceites e pagas a pronto ou a prestações.

39. Não se vê razão para se estar a beneficiar um centro comercial face a garagens, stands, oficinas, hortos e fábricas com acesso direto à estrada nacional.

40. Por outro lado, o STA admitiu como válida a liquidação de taxa devida pelo estabelecimento de acesso a estaleiro à margem da estrada nacional, como fez no acórdão 1829/15.0BEALM, de 23-06-2021, disponível in www.dgsi.pt, pelo que por maioria de razão deverá admitir a liquidação de taxa por um acesso a um centro comercial.

41. E diga-se mais, se uma central fotovoltaica integrou o conceito de instalação industrial no âmbito da legislação rodoviária, como sucedeu nos processos

▪ Proc.º n.º 1420/15.1BELRA UO2 – Coruche …………, S.A., sentença manteve a liquidação e transitou em julgado;

▪ Proc.º n.º 1421/15.0BELRA UO4 – Coruche …………, S.A., sentença manteve a liquidação e transitou em julgado;

▪ Proc.º n.º 1422/15.8BELRA UO4 – Coruche …………, S.A., sentença manteve a liquidação e e transitou em julgado;

▪ Proc.º n.º 1537/15.2BELRA – …………, S.A. sentença manteve a liquidação e transitou em julgado;

▪ Proc.º n.º 3074/15.6BESNT – ………… S.A; sentença manteve a liquidação e transitou em julgado;

como seria possível excecionar um centro comercial para onde acedem milhares de carros diariamente?

42. Não podemos esquecer que o dito centro comercial pagou taxa por estabelecer acesso direito à EN 105 quando se instalou em 1994 e não se opôs a tal exigência, e que foi por causa da sua localização naquele local que surgiram os problemas de fluidez do tráfego que, agora, alegadamente sustentaram a reformulação do nó.

B - Da falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar

43. A Recorrente foi muito clara nas suas conclusões:

IX – Portanto, o que agora se discute, não é a obra de reformulação dos acessos, a qual foi objeto de aprovação, mas de uma obra particular, em terreno particular e situada à margem de uma estrada nacional com acesso direto à mesma.
X - Não se está a tributar uma obra do particular, a realizar em nome ou por conta do Município, na zona da estrada, mas sim uma obra do particular a realizar-se dentro do estabelecimento comercial (ampliação da superfície) que é servido pela rede rodoviária nacional.
XI – A Recorrente não discute que a obra submetida a aprovação pelo Município (reformulação do nó rodoviário) não tenha natureza pública, o que discorda é que a obra de ampliação da superfície comercial também tenha natureza pública.
XII – Pelo facto de ambas as obras terem sido contemporâneas e até executadas pelo mesmo empreiteiro, não concede à Recorrida o direito a que esta confusão de facto contagie as normas de proteção às estradas nacionais, isto é, que a natureza pública de uma obra se estenda à obra de ampliação do centro comercial, passando a serem ambas de interesse público.

44. Portanto, o que a Recorrente vem pedir a este tribunal é que responda à questão:

a obra de ampliação da superfície comercial servida por estrada nacional integra o conceito de obra de interesse público previsto na alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro?

45. Tendo este tribunal respondido nos seguintes termos:

Na verdade, o julgador também consignou que a obra em causa sempre estaria abrangida pela isenção de taxas, e não já por exclusão ou delimitação negativa da incidência das mesmas, prevista na parte final da alínea a) do n.º 3, do artigo 15.º daquele Decreto-Lei, pois não parece surtir dúvidas que uma obra de intervenção no nó que constitui “um dos acessos principais à cidade de …………” e que visa “terminar com os problemas actualmente existentes de fluidez do tráfego no local” (cfr. comunicação de serviço referida no ponto 12 dos factos provados), se há-de qualificar como sendo de interesse público, e assim sendo estaria isenta estaria de quaisquer taxas por força daquela disposição legal, que, não exigindo sequer que este seja exclusivo, predominante ou imediato, sempre daria cobertura à situação dos autos, em que o interesse público da obra é manifesto, pois que doutra forma sempre seria estranho às atribuições do Município. (destacado nosso) (cfr: página 35)

46. Pois bem, o STA pronunciou-se sobre a obra de intervenção no nó, e não sobre a obra de ampliação do centro comercial.

47. Repete-se mais uma vez:

A Recorrente não discute que a obra submetida a aprovação pelo Município (reformulação do nó rodoviário) não tenha natureza pública e que esteja isenta de taxas face à legislação rodoviária, o que discorda é que a obra de ampliação da superfície comercial também tenha natureza pública.

48. E sobre esta questão o STA nada disse.

49. Por isso, se invoca a inconstitucionalidade da interpretação que se faz da alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro, no sentido de considerar como de interesse público obra de estabelecimento de acesso a estrada nacional por parte de centro comercial ou a ampliação da sua superfície se realizada no âmbito ou em conjunto com obras de interesse público promovidas pela requerente.

50. Será possível que uma obra particular (ampliação do centro comercial) passe a ter natureza pública para efeitos de pagamento de taxas pelo facto do seu promotor realizar obra de interesse público a ela associada?

51. Será possível que um concessionário de serviços do Estado passe a estar isento do pagamento de taxas na sua atividade?

52. É claro que não, e o STA já se pronunciou sobre esta questão em decisão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, por Acórdão de 20-01-2010, publicado in www.dgsi.pt, decidiu que:

“…a concessão não transfere para o concessionário senão os poderes necessários ao desempenho do serviço público por que fica responsável – e é por isto mesmo que lhe é permitido instalar equipamentos no domínio público. Mas não mais do que isso. A concessão não altera a natureza jurídica do concessionário que, no caso, é uma sociedade comercial, e não passou, por obra da concessão, a ser uma pessoa colectiva de direito público.”
“Estamos, de resto, perante aquilo a que na doutrina se denomina uma concessão de uso privativo do domínio público (v. Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, II, p. 917, o qual aponta precisamente como exemplo desta a concessão de via pública para colocação, na sua infra-estrutura, de redes de canalização subterrânea de água e gás) e, como sublinha este autor, “o uso privativo, ao contrário do uso comum, não é, em regra, gratuito: os particulares são obrigados ao pagamento de taxas, calculadas em função da área a ocupar e do valor das utilidades proporcionadas”.».

53. Portanto, a realização do nó não converteu a Recorrida em entidade pública, nem a obra realizada dentro do centro comercial também pública.

54. E como o STA só se pronunciou sobre a isenção de taxa da obra de intervenção no nó, e não sobre a ampliação do centro comercial, estamos perante falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar.
*
55. É importante reforçar este entendimento: se não houvesse ampliação das instalações do centro comercial servida pela estrada nacional não havia lugar à liquidação.

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56. Em conclusão: existe manifesta nulidade do acórdão, em virtude da falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar e da pronúncia sobre questões que não devia conhecer, pelo que deverá o mesmo ser declarado nula nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e 4, do CPC, por violação do previsto no artigo 628.º e artigo 3.º, ambos do CPC.

NESTES TERMOS,
E nos que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento à presente reclamação e julgada procedente, e, em consequência, o douto acórdão ser revogado, decretando-se a sua nulidade com os fundamentos expostos, proferindo-se novo acórdão para apreciação da questão colocada pela Recorrente e que consiste em saber:
a obra de ampliação da superfície comercial servida por estrada nacional integra o conceito de obra de interesse público previsto na alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro?

A recorrida A…………….. – CENTRO COMERCIAL, S.A, no exercício do contraditório, vem responder o seguinte:

1. A Recorrida vem reclamar contra o douto acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo que confirmou a sentença de 1.ª Instância, peticionando a sua revogação com fundamento em nulidade e a prolação de:
«novo acórdão para apreciação da questão colocada pela Recorrida e que consiste em saber:
a obra de ampliação da superfície comercial servida por estrada nacional integra o conceito de obra de interesse público prevista na alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro?»
2. Ora, sendo a função dos tribunais assegurar a defesa de direitos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses (v. art. 202.º da Constituição da República), é evidente que não lhes cabe, muito menos em sede de apelação, responder a perguntas teóricas, abstratas ou académicas que lhes as partes lhes possam dirigir, o que é nitidamente o caso da pergunta que a Recorrente agora pretende ver respondida com a sua reclamação, pretensão esta cuja falta de cabimento legal se afigura ostensiva e que conduz de per si à improcedência da reclamação.
3. No corpo do seu requerimento, a Reclamante aponta ao douto acórdão recorrida duas nulidades: - por um lado, imputa-lhe um «excesso de pronúncia» que associa a «uma gravíssima decisão surpresa» (v. pontos 1 a 42 da reclamação) e, por outro lado, imputa-lhe a «falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar» (v. pontos 43 e segts. da reclamação), num caso e no outro aportando razões de discordância com os fundamentos do douto acórdão.
4. Ora, é patente que o que a Reclamante pretende com o seu requerimento é, tão só, adiar o trânsito em julgado do douto acórdão, cujo sentido decisório não aceita, bem sabendo que não lhe assiste a menor razão nas críticas que apresenta à douta decisão reclamada, a qual resolve todas as questões jurídicas a cujo conhecimento o Tribunal se encontrava obrigado e não cuida senão dessas questões, não se mostrando afetada por qualquer nulidade ou sequer o mínimo vestígio de irregularidade.
5. A Reclamante socorre-se de artifícios linguísticos para construir uma linha argumentativa de suporte ao que vem alegar sem a menor adesão à realidade factual provada, deturpando a verdade dos factos e procurando confundir.
6. O douto acórdão sub judice não merece qualquer juízo de censura ao confirmar em toda a linha o acerto da sentença anulatória de 1.ª Instância, atenta a ilegalidade do ato de liquidação impugnado por falta de norma legal que à data habilitasse a liquidar a taxa em causa, sendo essa a única conclusão a extrair da prova produzida nos autos.
7. No plano dos factos é inequívoco que são vias públicas municipais que asseguram todos os acessos ao centro comercial e que, só de modo indireto ou remoto as estradas nacionais o fazem, sendo que a matéria de facto dada por assente atesta que o acesso do Centro Comercial é feito através de vias do município de Guimarães (v. pontos 3, 8 e 12 dos factos provados), o que, por si só, exclui qualquer hipótese de licenciamento ou de tributação por parte da Estradas de Portugal, S.A., não existindo qualquer habilitação legal para o tributo como muito bem decidiu o Tribunal de 1.ª Instância e o acórdão sob reclamação.
8. Contrariamente ao que a Reclamante pretende incutir, a circunstância de estarem em causa em vias de acesso que são obras de iniciativa municipal em solos do domínio público, está muito longe de ser matéria alheia ao que se discute nos autos, antes sendo essencial pois arreda por completo o pressuposto da existência de uma ligação entre a estrada nacional e o edifício propriedade da aqui recorrida.
NESTES TERMOS, deve a reclamação ser julgada não provada e improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido nos seus exatos termos, com as legais consequências.

Notificado do requerimento de arguição de nulidade, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de não se verificar a referida nulidade, pelo que seria de indeferir o requerido, com os fundamentos que se seguem:

Vem “INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA.” apresentar reclamação relativa ao douto Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em 09.03.2022 no âmbito do processo em epígrafe, invocando excesso e omissão de pronúncia, nos termos do art. 125º, nº 1, do CPPT e art. 615.º, n.º 1, al. d), e 4, do CPC.
Nos termos da Reclamação apresentada, o referido Acórdão deve ser revogado decretando-se a sua nulidade, devendo ser proferido novo Acórdão para apreciação da questão colocada pela Recorrente (ora Requerente).
Alega a Requerente que:
O Supremo Tribunal Administrativo não pode pôr em causa a existência de acesso direto à estrada nacional por parte do Centro Comercial “A………………, SA. uma vez que tal foi já assumido pelo Tribunal de 1ª instância.
Ou seja, o STA não podia ter ignorado tal factualidade assente (em sede da Sentença Recorrida) e vir dizer que a EN105 liga somente a estradas municipais circundantes do centro comercial.
O STA não pode fazer tábua rasa do recurso da aqui Requerente e considerar que não existe qualquer acesso do referido Centro Comercial à EN105, mas apenas uma ligação entre a EN105 e as ruas municipais circundantes do centro comercial.
Portanto, o STA está proibido de se pronunciar sobre matéria já transitada.
Vêm ainda a Requerente dizer que o STA não se pronunciou sobre questões que devia apreciar.
Diz a Requerente que, enquanto Recorrente, colocou a seguinte questão àquele Supremo Tribunal:
“A obra de ampliação da superfície comercial servida por estrada nacional integra o conceito de obra de interesse público previsto na al. a) do nº 3, do art. 15º do DL nº 13/71, de 23.01?”
Contudo, e ainda segundo a Requerente, o STA veio a pronunciar-se sobre a obra de intervenção no nó rodoviário e não sobre a obra de ampliação do centro comercial.
Para a Requerente não está em causa que a obra submetida a aprovação do Município (reformulação do nó rodoviário) não tenha natureza pública e que esteja isenta de taxas, o que discorda é que a obra de ampliação da superfície comercial também tenha natureza pública.
Conclui a Requerente que, como o STA só se pronunciou sobre a isenção de taxa da obra de intervenção no nó e não sobre a ampliação do centro comercial, estamos perante falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar.
Vejamos.
Salvo o devido respeito por diversa posição, afigura-se-nos não caber aqui razão à Requerente.
Com efeito, e no que concerne à referência feita à afirmação constante da pág. 32, é nosso entendimento que este Supremo Tribunal se limitou a expressar a factualidade que emergia do probatório da Sentença então recorrida.
Na verdade, ao referir que as vias que permitem aceder ao centro comercial são estradas municipais, o Acórdão sob escrutínio está a acolher a factualidade dada como provada na Sentença recorrida, aliás com expressa indicação dos pontos do probatório.
Nesse sentido importará referir as referências à mencionada Sentença, nomeadamente ao dizer-se que «a sentença recorrida não é, pois, susceptível de crítica ao alicerçar a sua decisão em que, ao liquidar à impugnante uma taxa pelo estabelecimento de acessos viários que são obras públicas da iniciativa do Município e ao ser liquidada tal taxa com fundamento no estabelecimento de acessos viários a um estabelecimento comercial ou por via da ampliação do pavimento desse estabelecimento comercial, aplicando uma norma de incidência que contempla a tributação do estabelecimento de acessos a “instalações industriais”, o acto impugnado viola o princípio da legalidade fiscal e envolve poderes tributários e/ou lançamento de taxas não previstas na lei (…)».
Por outro lado, a nosso ver e salvo melhor, o Acórdão em causa tomou expressamente em consideração a questão da ampliação da superfície comercial, nomeadamente, quanto à sua relevância para efeitos da liquidação subjacente.
Na verdade, pode ler-se no citado Acórdão que «(…) nem a citada previsão nem qualquer outra, autorizam a liquidação de taxas para a simples ampliação de pavimento de instalações servidas por acessos a estradas, sendo o facto tributário a constituição ou modificação do acesso às instalações e não a ampliação da área de instalações.»
Mais ali se diz que «se o facto tributário é in casu configurado pela emissão de licença para o acesso das instalações industriais às estradas nacionais sob jurisdição da Infraestruturas de Portugal SA, então, na esteira da sentença, a norma ínsita do art. 15º n°3 al. a) DL nº 13/71, de 23 Janeiro, deve ser interpretada com o sentido de excluir da sua incidência objectiva qualquer ampliação do acesso original ou por maioria de razão, qualquer ampliação das instalações industriais com acesso à estrada nacional».
Pelo exposto, não se verificando a invocada nulidade, entendemos ser de indeferir o requerido.

A recorrente INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. veio responder ao Parecer supra, nos termos seguintes:

1. A Recorrente mantém o teor da sua reclamação.

2. Cremos que o M.º P.º não alcançou a razão de ser da reclamação.

3. Diz o M.º P.º que o STA se pronunciou sobre a questão da ampliação da superfície comercial, e esse facto é indesmentível.

4. Efetivamente diz-se no acórdão:
«(…) nem a citada previsão nem qualquer outra, autorizam a liquidação de taxas para a simples ampliação de pavimento de instalações servidas por acessos a estradas, sendo o facto tributário a constituição ou modificação do acesso às instalações e não a ampliação da área de instalações.»
«se o facto tributário é in casu configurado pela emissão de licença para o acesso das instalações industriais às estradas nacionais sob jurisdição da Infraestruturas de Portugal SA, então, na esteira da sentença, a norma ínsita do art. 15º n°3 al. a) DL nº 13/71, de 23 Janeiro, deve ser interpretada com o sentido de excluir da sua incidência objectiva qualquer ampliação do acesso original ou por maioria de razão, qualquer ampliação das instalações industriais com acesso à estrada nacional».

5. A ser assim estava resolvida a questão sem necessidade de mais argumentos quanto à obra, isto é, a liquidação não era suscetível sequer de ser integrada na previsão da alínea g), do n.º 1, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro.

6. Sucede que a Recorrente não pode permitir que o STA aborde esta questão quando o TAF de Braga já decidiu que:

a liquidação de taxa devida pelo acesso direto de estrada nacional a centro comercial entretanto ampliado era válida, mas como esse acesso tinha natureza pública ficaria isento de taxa ou porque (i) a obra estava sujeita a aprovação (cfr: alínea a), do artigo 11.º do DL 13/71 de 23 de janeiro e página 25 da sentença) ou porque (ii) teria interesse público (cfr: alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro e página 26 da sentença).

7. Ora, quando a Recorrente veio ao STA pedir justiça não abordou aquela questão por estar ultrapassada, sendo agora confrontado com um argumento novo que não pode refutar.

8. Aliás, o STA ignora por completo se a Recorrente se pronunciou ou não sobre aquela questão e, sem mais, adianta aquele argumento para justificar a sentença.

9. A Recorrente pode ser vencida, mas não está convencida.

10. Como é possível que a Recorrida e o TAF de Braga admitam a legalidade da liquidação da ampliação, mas defendam a isenção da taxa (alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro), e venha agora o STA dar a mão àqueles e matar a questão com um argumento prévio: a liquidação da ampliação nem sequer é admissível como se admitiu no acórdão do proc.º n.º 352/18 de 30-05-2018?

11. Repete-se o já dito na reclamação:

▪ o TAF de Braga entendeu que a liquidação era válida, não pondo em causa a ampliação ou a natureza do centro comercial, sendo que esta decisão transitou em julgado (artigo 628.º do CPC).

▪ Também aqui, o STA está proibido de se pronunciar sobre matéria já transitada em julgado.

NESTES TERMOS,
Não deve ser atendido o douto parecer do M.º P.º, concluindo-se como na reclamação.

*

Sem vistos, os autos vêm à conferência para decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciados os fundamentos da arguição de nulidade, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida no acórdão que decidiu negar provimento ao recurso, padece de nulidade por excesso e omissão de pronúncia, nos termos do art. 125º, nº 1, do CPPT e art. 615.º, n.º 1, al. d), e 4, do CPC, pois, se por um lado não pode fazer tábua rasa do recurso e considerar que não existe qualquer acesso do Centro Comercial à EN105, mas apenas uma ligação entre a EN105 e as ruas municipais circundantes do centro comercial, por outro só se pronunciou sobre a isenção de taxa da obra de intervenção no nó e não sobre a ampliação do centro comercial.
É pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que uma vez proferido acórdão, imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613º, nº.1, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613º, nº.2, e 616, nº.1, do C.P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A reclamação, passível de interpor face a acórdão emanado de órgão jurisdicional está, como é óbvio, sujeita a prazos processuais, findos os quais aquele se torna imodificável, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Ora, porque a arguição de nulidade do Acórdão é admissível porque dele já não cabe recurso, impõe-se que este tribunal se pronuncie.
Apreciando:
Começa a Recorrente por invocar a nulidade do Acórdão, ao abrigo do artº. 615°, n° 1, al. d) do C.P.C., em virtude de o STA não poder pôr em causa a existência de acesso directo à estrada nacional por parte do Centro Comercial “A………………, SA. uma vez que tal foi já assumido pelo Tribunal de 1ª instância.
Assim, o STA não podia ter ignorado tal factualidade assente (em sede da Sentença Recorrida) e vir dizer que a EN105 liga somente a estradas municipais circundantes do centro comercial, fazendo tábua rasa do recurso da aqui Requerente e considerar que não existe qualquer acesso do referido Centro Comercial à EN105, mas apenas uma ligação entre a EN105 e as ruas municipais circundantes do centro comercial.
Em suma: a recorrente sustenta que o STA estava proibido de se pronunciar sobre matéria já transitada.
Aquilatando.
Um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o artigo 5º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
Lapidar a respeito de tal princípio é a doutrina que dimana do sumário do Acórdão do STJ de 19-01-2017 consultável em www.dgsi.pt:
“I. A realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves-mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República.
II. A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo.
III. Incumbe ao tribunal proceder a qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada.
IV. Não tendo o A. logrado provar os factos que consubstanciam a causa de pedir invocada, provando-se antes uma relação jurídica diversa, firmada entre o autor e um dos réus, de que possa resultar também um efeito prático-jurídico distinto do peticionado, não resta senão julgar a ação improcedente.”
Ao referido princípio também se refere o art. 608º, n.º 2, do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.
A sentença ficará afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
Mas importa precisar o que deve entender-se por «questões» cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por excesso ou falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes [Ver Abílio Neto In “Código do Processo Civil”, Anotado, 14.ª ed., pág. 702 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.07.1969, publicado JR, 15.].
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis, que «são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» [In Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143].
Dentro deste raciocínio do ilustre mestre se poderá acrescentar que quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas partes não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia.
Obviamente sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.
Por último importa não confundir a nulidade por falta ou excesso de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, o tribunal recorrido não conheceu de questão de que não devesse conhecer. Precisamente ao conhecer da questão suscitada pela Recorrente e de que cabia conhecer, (vide pág. 32), este Supremo Tribunal limitou-se a expressar a factualidade que despontava do probatório da Sentença recorrida, ou seja, exarando que as vias que permitem aceder ao centro comercial são estradas municipais, o Acórdão censurado está a basear-se na factualidade dada como provada na Sentença recorrida, assinalando os pontos do probatório.
Tal brota cristalino quando, fazendo referências à aludida Sentença, designadamente ao afirmar-se que «a sentença recorrida não é, pois, susceptível de crítica ao alicerçar a sua decisão em que, ao liquidar à impugnante uma taxa pelo estabelecimento de acessos viários que são obras públicas da iniciativa do Município e ao ser liquidada tal taxa com fundamento no estabelecimento de acessos viários a um estabelecimento comercial ou por via da ampliação do pavimento desse estabelecimento comercial, aplicando uma norma de incidência que contempla a tributação do estabelecimento de acessos a “instalações industriais”, o acto impugnado viola o princípio da legalidade fiscal e envolve poderes tributários e/ou lançamento de taxas não previstas na lei (…)».
Ademais e como salienta a recorrida o escrutinado acórdão confirmou em toda a linha o acerto da sentença anulatória de 1.ª Instância, atenta a ilegalidade do ato de liquidação impugnado por falta de norma legal que à data habilitasse a liquidar a taxa em causa, sendo essa a única conclusão a extrair da prova produzida nos autos.
Ainda na esteira da posição manifestada pela recorrida no exercício do contraditório sobre a arguição de nulidade de que ora se conhece, “7. No plano dos factos é inequívoco que são vias públicas municipais que asseguram todos os acessos ao centro comercial e que, só de modo indireto ou remoto as estradas nacionais o fazem, sendo que a matéria de facto dada por assente atesta que o acesso do Centro Comercial é feito através de vias do município de Guimarães (v. pontos 3, 8 e 12 dos factos provados), o que, por si só, exclui qualquer hipótese de licenciamento ou de tributação por parte da Estradas de Portugal, S.A., não existindo qualquer habilitação legal para o tributo como muito bem decidiu o Tribunal de 1.ª Instância e o acórdão sob reclamação.
8. Contrariamente ao que a Reclamante pretende incutir, a circunstância de estarem em causa em vias de acesso que são obras de iniciativa municipal em solos do domínio público, está muito longe de ser matéria alheia ao que se discute nos autos, antes sendo essencial pois arreda por completo o pressuposto da existência de uma ligação entre a estrada nacional e o edifício propriedade da aqui recorrida.”
Independentemente da maior ou menor validade da argumentação expendida no acórdão, o certo é que não se está em presença de excesso de pronúncia porque não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal não devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia.
*

A Requerente sustenta ainda que o STA omitiu pronúncia sobre questões que devia apreciar estando o acórdão inquinado quando, no fundamental, tendo colocado a questão de saber se “A obra de ampliação da superfície comercial servida por estrada nacional integra o conceito de obra de interesse público previsto na al. a) do nº 3, do art. 15º do DL nº 13/71, de 23.01?”, o STA veio a pronunciar-se sobre a obra de intervenção no nó rodoviário e não sobre a obra de ampliação do centro comercial.
Ora, para a Requerente não está em causa que a obra submetida a aprovação do Município (reformulação do nó rodoviário) não tenha natureza pública e que esteja isenta de taxas, o que discorda é que a obra de ampliação da superfície comercial também tenha natureza pública.
Por assim ser, porque o STA apenas se pronunciou sobre a isenção de taxa da obra de intervenção no nó e não sobre a ampliação do centro comercial, estamos perante omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar.
Estabelece o art. 615°/1, d) do CPC (em consonância com o artº 125º do CPPT), que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no já citado art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão.
Vício relativamente ao qual importa definir o exacto alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia:
«[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»
O mesmo é dizer, o tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam, ou dizer ainda, o juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»
Numa que parece ser ainda maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO:
«A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Todavia, aquele autor logo ressalva que «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».
Omissão de pronúncia que se não verifica no caso em apreço, pois, contrariamente ao que diz a Recorrente e ora requerente de que o Tribunal tomou expressamente em consideração a questão da ampliação da superfície comercial, nomeadamente, quanto à sua relevância para efeitos da liquidação subjacente, vê-se do seu discurso fundamentador que também considerou que «(…) nem a citada previsão nem qualquer outra, autorizam a liquidação de taxas para a simples ampliação de pavimento de instalações servidas por acessos a estradas, sendo o facto tributário a constituição ou modificação do acesso às instalações e não a ampliação da área de instalações.»
Nele também se aditando que «se o facto tributário é in casu configurado pela emissão de licença para o acesso das instalações industriais às estradas nacionais sob jurisdição da Infraestruturas de Portugal SA, então, na esteira da sentença, a norma ínsita do art. 15º n°3 al. a) DL nº 13/71, de 23 Janeiro, deve ser interpretada com o sentido de excluir da sua incidência objectiva qualquer ampliação do acesso original ou por maioria de razão, qualquer ampliação das instalações industriais com acesso à estrada nacional».
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes.
Por último importa não confundir a nulidade por falta de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, o tribunal não conheceu de questão de que não devesse conhecer. Precisamente ao conhecer da questão da legalidade do acto impugnado, questão suscitada pela Recorrente nos sobreditos termos e de que cabia conhecer, aduziu a argumentação de que a mesma deveria ser aferida segundo a doutrina que dimana da decisão
Assim, independentemente da maior ou menor validade desta argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia porque se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devia conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente ao regime legal aplicável que, a nosso ver, abrangia a questão que agora o recorrente diz ter o tribunal deixado de conhecer.
Assim e como bem refere a EPGA, analisando os autos, concluímos não assistir razão à requerente por este Tribunal ter mantido a decisão recorrida.
Todas as questões colocadas em sede do recurso foram devidamente analisadas, pelo que se não mostram patentes os invocados vícios.
Deve, pois, improceder a reforma do douto Acórdão pretendida, por carecer de base legal, desde logo o disposto nos artigos 614º e 679º, do CPC.
É que, resultando da análise do acórdão reclamado que o STA se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todas as causas de pedir invocadas, ainda que não aluda a sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos pois o que importa é que o tribunal decida, como decidiu, as questões postas, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a pretensão, conclui-se que o acórdão não está, de todo em todo, afectado na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Todas as questões pertinentes, quer de facto quer de direito, foram objecto de apreciação, estando em causa a legalidade da decisão administrativa que foi objecto de apreciação jurisdicional, em que o Tribunal valorou a patente contraditoriedade com decisões tomadas anteriormente.
Em vista da situação concreta, Fernando Amâncio Ferreira adverte para uma confusão muito amiudada e que dá origem a que a omissão de pronúncia seja frequente e indevidamente invocada nos tribunais nos seguintes termos:
«Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda» e «não enferma de nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio» (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9.ª edição, pág. 57).
Razões por que se indefere o pedido de reforma do Acórdão mais não sendo o ora peticionado, em bom rigor, a manifestação de uma mera divergência interpretativa, o que por si, não constitui fundamento para a pretendida reforma do Acórdão.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia sendo a decisão, pois, de manter.
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3. Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar inverificada a nulidade processual suscitada pela Recorrente, e, em consequência, manter o Acórdão reclamado.
Custas pela recorrente pelo pedido de reforma e, atendendo aos princípios da causalidade e do proveito, fixa-se em 2 Ucs a taxa de justiça.

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Lisboa, 22 de Junho de 2022. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.