Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01425/14
Data do Acordão:02/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:VERBA
TABELA DO IMPOSTO DE SELO
PROPRIEDADE VERTICAL
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.
Nº Convencional:JSTA000P21493
Nº do Documento:SA22017021501425
Data de Entrada:12/02/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A........, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 148/14.4BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A…………., S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrida) anulou a liquidação de Imposto de Selo (IS) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2012 e a dezasseis prédios em regime de “propriedade vertical” (Por simplicidade de exposição, ), com fundamento em vício de violação de lei, porquanto, contrariamente ao que entendeu a Administração tributária (AT), para efeitos da incidência daquele imposto, o valor patrimonial tributário (VPT) a considerar não é o resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente, mas o VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«a) A questão decidenda é a interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10;

b) Com a alteração introduzida pela citada Lei, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00 (vide verba n.º 28 da TGIS);

c) No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. art. 67.º n.º 2 do CIS redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012);

d) O art. 2.º n.º 1 do CIMI define o conceito de prédio;

e) O art. 2.º n.º 4 do CIMI ressalva as fracções autónomas de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, as quais considera, excepcionalmente, como prédios;

f) Ao contrário, sendo um prédio constituído em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, é o prédio no seu todo, e já não cada uma daquelas partes, que integra o conceito de “prédio”, para efeitos de IMI e de IS, por remissão do artigo 1.º, n.º 6 do CIS;

g) É precisamente o que acontece no caso objecto da sentença recorrida, pelo que, o que deve relevar, para efeitos de tributação de IS (verba 28 da TGIS e artigo 1.º do CIS), é o somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente;

h) Excedendo o referido somatório, o montante de € 1.000.000,00, como sucede no caso concreto, estavam reunidos os pressupostos definidos na norma de incidência;

i) E, a tal não obsta o facto de cada andar/divisão constar separadamente na inscrição matricial, e com os respectivos valores patrimoniais tributários, pois tal discriminação apenas releva, para efeitos fiscais, face ao conceito de matrizes prediais constante do artigo 12.º do CIMI e na matéria regulada neste Código para a organização das matrizes;

j) A imposição de organizar desta forma as matrizes deve-se à necessidade de relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, cabe a cada uma das suas partes, as quais podem ser funcional e economicamente independentes,

k) Esta autonomização apenas se justifica porque no mesmo prédio pode ocorrer a utilização para comércio ou habitação, com ou sem arrendamento, o que é determinante nas regras da avaliação fiscal no âmbito do CIMI, face aos diferentes coeficientes de afectação previstos no art. 41.º desse código;

l) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar, para efeitos de tributação da verba 28 da TGIS, como “prédio”, cada um dos andares/divisões susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total;

m) Pois, o que releva é antes o somatório dos valores patrimoniais de tais andares/divisões, atento o disposto nos artigos 1.º, n.º 1 e n.º 6 do CIS e artigo 2.º do CIMI;

n) Assim, o prédio inscrito na matriz predial urbana de Albufeira sob o artigo 5964, antigo 8892, composto por 16 unidades susceptíveis de utilização independente, é subsumível à verba n.º 28 da TGIS, em virtude do seu valor patrimonial tributário total exceder o valor de € 1.000.000,00, previsto naquele normativo legal.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se as liquidações impugnadas, assim se fazendo Justiça».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, nas quais, para além de pugnar pela manutenção do decidido, pediu que, na procedência do recurso, fossem conhecidas as demais questões suscitadas na petição inicial e que a sentença considerou prejudicadas pela solução que deu à causa:

«a) O artigo 12.º, n.º 3 do CIMI, dispõe o seguinte: “Cada andar ou parte susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”, daqui se retirando que a vontade do legislador foi a de autonomizar os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e que, por regra corresponderia cada um deles a um prédio urbano.

b) A questão aqui decidenda é saber qual o valor patrimonial tributário relevante como critério para a incidência do imposto de selo, mormente se a incidência é sobre o somatório do valor patrimonial atribuído às diferentes divisões susceptíveis de utilização independente do prédio constituído em propriedade total, ou se por outro lado é o valor patrimonial atribuído a cada uma das suas 16 divisões de per si que deve ser considerado para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.

c) Por força da remissão operada pela verba n.º 28 da TGIS, o legislador determinou expressamente que o apuramento do valor para efeitos de Imposto de Selo se faz com base no valor patrimonial tributário para efeitos de IMI.

d) Ao determinar no artigo 6.º da Lei 55-A/2012 de 29 Outubro que para efeito da verba 28.1 da TGIS o valor patrimonial tributário é o que é utilizado para efeito de IMI o legislador quis autonomizar o valor tributário das divisões susceptíveis de utilização independente de prédios urbanos em propriedade total, atribuindo-lhes individualmente um valor patrimonial tributário para efeitos de IMI.

e) O legislador determinou expressamente, sem margem para dúvidas, que o valor patrimonial a ser considerado é o utilizado para efeitos de IMI e dúvidas não existem nos presentes autos que cada uma das 16 unidades susceptíveis de utilização independente tem um valor patrimonial tributário inferior a € 1.000.000,00, conforme ficou demonstrado pelo doc. 1 junto à Impugnação Judicial e bem assim do ponto 3 do probatório da Douta sentença.

f) Ficou demonstrado que nenhuma das 16 unidades tinha um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, após a avaliação geral do prédio em apreço no dia 12 de Dezembro de 2012, conforme consta do ponto 5 do probatório da Douta sentença.

g) Sobre esta matéria versou a decisão do CAAD, no processo 50/2013-T, disponível em www.caad.org.pt, a qual em suma conclui que: “26. (...) Deste modo é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão. Desde logo, porque essa seria uma nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal. (...) O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente, Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto. Por isso mesmo é que o artigo 12.º, n.º 3 do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.” (...) Não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal”.

h) Assim, entendeu o CAAD que o acto de liquidação deveria ser anulado, levando em linha de conta na sua decisão, não só a letra da lei, mas também o espírito de legislador e a harmonização dos diferentes princípios legais do nosso sistema fiscal.

i) Situação semelhante se passa relativamente ao prédio em apreço, com a agravante de aqui não se estar a falar de andares ou divisões para habitação, mas sim de 16 divisões destinadas única e exclusivamente ao turismo, encontrando-se na realidade afectas a serviços, como se demonstrou na impugnação, pelo que, bem andou o Tribunal “a quo” ao determinar a anulação dos actos de liquidação, porquanto cada uma das 16 divisões/unidades susceptíveis de utilização independente tem um valor patrimonial muito inferior a € 1.000.000,00, pelo que, não poderá ser aplicável ao prédio em apreço a verba 28 da T.G.I.S., discordando-se em absoluto do entendimento e argumentação da Fazenda Pública.

j) Mesmo que assim não se entenda, o que se diz sem conceder e apenas por mera cautela de patrocínio, nos termos do artigo 149.º, n.º 3 do Código de Processo Administrativo, aplicável ex vi artigo 2.º alínea c) do CPPT, deverão V. Exas. proceder à apreciação do pedido relacionado com os restantes argumentos apresentado pela impugnante para fundamentar a ilegalidade do acto tributário, questões essas cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio.

k) Determina a alínea a) do número 1 do artigo 6.º da Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro que “o facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012”, no caso em apreço trata-se de imposto relativo ao ano 2012.

1) No dia 31 de Outubro de 2012, data em que objectivamente, nos termos do artigo 6.º da Lei 55-A/2012 se verificaria o facto tributável, o prédio em apreço de que a impugnante é proprietária não era destinado a habitação, com valor patrimonial tributário, igual, ou superior, ao referido um milhão de euros pelo que estaria fora do âmbito de aplicação do normativo.

m) Da conjugação do disposto no artigo 6.º e da verba 28 da TGIS, ambos do mesmo diploma legal: a Lei 55-A/2012 de 29 Outubro, resulta que, em relação ao ano 2012, o proprietário de prédio destinado a habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, à data de 31 de Outubro de 2012, veria tal imposto liquidado até 20 de Novembro do mesmo ano, devendo proceder ao seu pagamento até 20 de Dezembro de 2012 e no ano de 2013 a liquidação do imposto deve incidir sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

n) Resulta da factualidade provada na Douta sentença do Tribunal “a quo”, ponto 1 do probatório, que a ora Recorrida, é proprietária de um prédio, inscrito na matriz sob o artigo 8890, composto por 16 unidades susceptíveis de utilização independente que receberam a numeração compreendida entre o número 1 e 16.

o) Ou seja, o prédio em preço, apesar de se encontrar em propriedade total, corresponde a 16 unidades autónomas, destinadas a apartamentos turísticos, susceptíveis de utilização independente, e como tal avaliadas.

p) Resulta também da factualidade provada na Douta sentença do Tribunal “a quo”, ponto 2, que o prédio integra-se no empreendimento “Apartamentos Turísticos …………. (fls. 75 dos autos).

q) Sendo ainda relevante referir que, constando também da factualidade dada como provada (ponto 6), que as liquidações impugnadas foram efectuadas com referência ao ano de 2012.

r) Após a avaliação geral, efectuada em 12 de Dezembro de 2012, o prédio passou a ter o VPT total de € 1.054.800,00.

s) Resulta da lei que, com referência ao ano de 2012, para efeitos de cobrança de imposto de selo, o facto tributário verificar-se-ia à data de 31/10/2012.

t) Em relação ao prédio em apreço, tal imposto não é devido porquanto à data da verificação do facto tributário (31 de Outubro de 2012) o prédio tinha um VPT total inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), ou seja, inexistia qualquer facto tributário, nos termos da legislação aplicável.

u) Nos termos da Lei 60-A/2011, de 30 de Novembro, que alterou o D.L. 287/2003 de 12 de Novembro, mais concretamente no artigo 15.º-E, está definido o regime de notificação do valor patrimonial tributário apurado na avaliação geral, sendo que no caso dos presentes autos foi por meio de notificação electrónica.

v) O sujeito passivo, após a notificação do resultado da avaliação geral poderá, em 30 dias, caso não concorde com o valor atribuído, promover uma segunda avaliação, nos termos do número 1 do artigo 15.º-F do mesmo diploma.

w) O VPT resultante da avaliação geral apenas se torna definitivo, procedendo os Serviços à actualização da matriz decorridos que se mostrem 30 dias sobre a notificação do valor atribuído, caso não haja sido requerida segunda avaliação, de harmonia com o previsto no artigo 15.º-H do diploma supra referido.

x) Resulta do supra exposto, e da factualidade dada como provada na Douta Sentença do Tribunal “a quo”, que as avaliações gerais datam de 18 de Dezembro de 2012, foram efectuadas por via electrónica e presumem-se recebidas, nos termos do número 2 do artigo 15.º E do mesmo diploma “no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte, quando aquele dia não seja útil”, daqui resultando que a notificação se presume recebida em 20 de Janeiro de 2013.

y) Significa isto que, à data de 31 de Outubro de 2012, a ora Recorrida era proprietária de um prédio urbano, composto por 16 unidades susceptíveis de utilização independente, cujo VPT, nessa mesma data era de € 978.427,32, conforme consta da factualidade provada na Douta sentença.

z) Por outro lado, em relação ao ano 2013, o imposto de selo ainda não podia ser liquidado àquela data de 21.03.2013, porquanto no diploma que criou o imposto o legislador estabeleceu duas realidades distintas, com o objectivo único de antecipar a cobrança deste novo imposto e assim se conseguir cumprir com as metas orçamentais impostas pela Troika com a arrecadação de uma receita extraordinária para o ano de 2012.

aa) Isto porque, se, se aplicassem as regras do CIMI (regime geral) ao imposto criado, o mesmo seria devido pelo titular inscrito em 31 de Dezembro de 2012, e seria liquidado apenas em 2013, tornando, assim, manifestamente inútil, do ponto de vista dos objectivos orçamentais que lograva cumprir, a sua criação no ano de 2012.

bb) É óbvio que o legislador não criou dois impostos iguais para o ano 2012, um que incidia sobre o proprietário em 31 de Outubro de 2012 e sobre o valor que o prédio tinha a tal altura, e um outro que incidia sobre o proprietário em 31 de Dezembro de 2012, devendo ser liquidado nos termos do CIMI em 2013, pois se assim fosse estaríamos a falar de uma o que significaria uma duplicação da colecta, o que não seria legal.

cc) O imposto criado foi apenas um, e pretendeu-se, tão só, antecipar receitas que, nos termos normais, seriam recebidas em 2013, para 2012, daqui resultando que, nem por esta via, seria devido o imposto de selo pela ora Recorrida, ou seja, nem alegando Recorrente que se tratava de imposto a liquidar durante o ano 2012, pois como se provou à data de 31/10/2012 o prédio em apreço nos presentes autos tinha uma valor patrimonial inferior a € 1.000.000,00.

dd) Nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, designadamente no seu artigo 8.º, n.º 1, o imposto é devido pelo proprietário do prédio à data de 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar e nos termos do artigo 113.º, n.º 1 do mesmo código, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.

ee) Ou seja, com referência ao ano 2013, apenas em 31/12/2013 se gera o facto tributário, nos termos dos supra referidos artigos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, significando isto que, apenas após a verificação do facto tributário, ou seja, apenas em 2014 a Autoridade Tributária poderá emitir notas de liquidação deste imposto, referentes a 2013, tendo como sujeito passivo o titular inscrito em tal data e o valor patrimonial que constar na matriz.

ff) Se assim não fosse, verificar-se-ia, em relação ao ano de 2012, sem sombra de dúvida, uma duplicação do imposto cobrado o que não é admissível, nem legalmente possível.

gg) Assim, uma vez que o prédio que ora se discute à data da liquidação do imposto devido pelo ano 2012 (31 de Outubro de 2012) não tinha um VPT igual ou superior a €1.000.000,00 (um milhão de euros), não poderá incidir, sobre o mesmo o imposto de selo constante do ponto 28 da Tabela.

hh) Ainda que assim não se entenda, o que não se aceita e se diz por mera cautela de patrocínio, também pela via da afectação do prédio em apreço teria que se proceder à anulação das notas de liquidação em apreço.

ii) No articulado da impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, mais precisamente nos artigos 44.º e seguintes da mesma, vem a ora Recorrida demonstrar que também por outras vias teriam as liquidações de ser anuladas.

jj) A verba 28, que foi aditada à Tabela Geral do Imposto de Selo, é específica, e para o que nos interessa, aplica-se a prédios urbanos com afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI seja igual ou superior a € 1.000.000,00;

kk) Resulta da caderneta predial junta à impugnação judicial apresentada como doc. 3 (e igualmente documento 1, referente à actual descrição do prédio) que o referido artigo urbano 8892 é de um prédio urbano de 4 pisos, destinado a indústria, em regime de propriedade total, constituída por 16 fogos, que são susceptíveis de utilização independente, cada um de per si tem o seu valor patrimonial tributário, e para cada uma das 16 zonas de utilização independente foi emitida uma nota de liquidação.

ll) O prédio - Lote 10 (anterior Bloco 49) encontra-se classificado para efeitos turísticos, e faz parte do Empreendimento denominado “Apartamentos Turísticos ……………” sito na ……………, em ……………., Albufeira, tal como consta do ponto 2 do probatório da douta sentença.

mm) Para o empreendimento Turístico supra, de que faz parte o prédio que ora se analisa, foram emitidas, pela Câmara Municipal de Albufeira, as licenças de utilização números 76 a 81, em 11 de Março de 1988, que destinavam os prédios a habitação.

nn) A Câmara Municipal de Albufeira emitiu a licença normal, para habitação, e, paralelamente, desenvolveu-se o processo de classificação no Turismo, pois a legislação da altura não impunha a emissão de uma licença de utilização turística, como hoje.

oo) Por ofício datado de 20 de Setembro de 1988 a Direcção Geral de Turismo autorizou a abertura do empreendimento como “Apartamentos Turísticos de 2.ª Categoria” – of. DGT/DSEAT/ATRS/ATC-22058 - (conforme doc. 20 junto à impugnação judicial).

pp) Em 17 de Setembro de 1997, por aplicação do Decreto Regulamentar 34/97, o empreendimento foi “classificado, independentemente de quaisquer formalidades, como Apartamentos Turísticos ……….”, e em 28 de Dezembro de 2010, foi deferida a reconversão do empreendimento para Apartamentos Turísticos ……….. - SI-RJET n.º 986 - 22058 (tudo conforme doc. 21 junto à Impugnação Judicial).

qq) Em 21 de Novembro de 2011, foi efectuada a última classificação, que se encontra válida até 21 de Novembro de 2015, tendo atribuído ao empreendimento, onde se localiza o prédio, o registo número 1172 (conforme doc. 22 constante da Impugnação).

rr) Desde a sua edificação (1988) até aos dias de hoje, o prédio, inserido no Empreendimento Turístico em causa, nunca esteve afecto a habitação, estando apenas, e só, afecto à indústria hoteleira.

ss) A Recorrente ao aplicar ao prédio para indústria hoteleira, propriedade da ora Recorrida, o previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro fê-lo erroneamente porquanto o referido prédio urbano não está abrangido pelo âmbito de aplicação objectiva do imposto, pois não se encontra, nem nunca se encontrou, afecto a habitação.

tt) Há que atender ao conceito de “prédio com afectação habitacional”, utilizado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, na sua redacção inicial, e interpretá-lo, sendo que o ponto de partida para tal interpretação terá de ter em consideração não só a letra da lei, mas também a sua integração sistemática com as normas do CIMI, porquanto é este o diploma indicado como de aplicação subsidiária na Lei n.º 55-A/2012 de 29/10, e bem assim o espírito do legislador.

uu) No ordenamento jurídico tributário, designadamente no artigo 6.º do CIMI, são identificadas as seguintes “espécies” de prédios urbanos: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção; e outros, como categoria residual; e o n.º 2 do mesmo preceito, que ora se transcreve, diz: “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”. (sublinhado nosso)

vv) Para a interpretação desse conceito temos que conjugar o artigo 6.º, n.º 2 CIMI, com o artigo 41.º CIMI que determina que a afectação depende unicamente do tipo de utilização dos prédios edificados.

ww) A expressão “com afectação habitacional” inculca uma ideia de funcionalidade real e presente, ou seja, um prédio cujo seu destino actualmente seja habitação, ou seja, um prédio com afectação habitacional, não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim, isto é não basta que seja um prédio habitacional, mas sim um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.

xx) O prédio em apreço sempre se destinou (e destina) à indústria hoteleira, como se demonstrou pela descrição de todo o processo competente junto das entidades administrativas competentes e bem assim pela actual classificação atribuída ao empreendimento turístico.

yy) Terá que se interpretar o espírito do legislador, e a teleologia da norma, o intuito foi o de aplicar aos sujeitos passivos proprietários de prédios ditos de “luxo” (com valores patrimoniais tributários iguais ou superiores ao referido um milhão de euros), um imposto especial, destinado, efectivamente, a taxar o “luxo” e a reflectir, em prol da comunidade, o beneficio da existência de uma acrescida capacidade contributiva do titular do imóvel, tendo tido o cuidado, por exemplo, de isentar os prédios destinados a outros fins, por exemplo, comércio, indústria ou serviços, em que o seu valor patrimonial nada espelha a nível da “capacidade contributiva”, mas, eventualmente, apenas nível de “aptidão produtiva”, fazendo incidir o imposto somente sobre prédios destinados a habitação (com VPT acima de determinado valor e todos os prédios detidos por sociedades sedeadas nos chamados paraísos fiscais.

zz) A ora Recorrida não era proprietária de qualquer prédio destinado a habitação, com valor patrimonial tributário, igual, ou superior, ao referido um milhão de euros pelo que estaria fora do âmbito de aplicação do normativo.

aaa) Assim, por falta de preenchimento dos elementos objectivos do imposto deverá ser mantida a decisão recorrida e determinada a anulação das notas de liquidação impugnadas.

Nestes termos, a argumentação da Recorrente não deverá proceder, devendo manter-se a sentença recorrida […]».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto, que enunciou a questão a dirimir como sendo a da «interpretação da norma de incidência objectiva constante da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), na redacção da Lei n.º 55-A/2012, 29 Outubro por forma a determinar se é aplicável aos prédios urbanos constituídos por partes susceptíveis de utilização independente, tendo cada uma valor patrimonial tributário (VPT) inferior a € 1.000.000», emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«O conceito de prédio aplicável no domínio do Código do Imposto do Selo (CIS) é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) (art. 1.º n.º 6 CIS).
As disposições do CIMI aplicam-se, subsidiariamente, às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba n.º 28 da TGIS (art. 67.º n.º 2 CIS redacção do art. 3.º Lei n.º 55-A/2012, 29 Outubro).
A matriz predial é um registo organizado pela administração tributária, constituindo um verdadeiro bilhete de identidade de cada prédio de onde, designadamente, consta o seu VPT (arts. 12.º n.º 1 e 91.º n.º 1 al. e) CIMI).
Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário (art. 12.º n.º 3 CIMI).
A norma interpretanda considera como referência para a incidência do Imposto de Selo o VPT utilizado para efeito de IMI (cf. verba 28 TGIS último segmento).
Para efeitos de IMI cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio (art. 2.º n.º 4 CIMI).
A adesão à tese da Fazenda Pública (o VPT relevante para a incidência do imposto deverá corresponder à soma dos VPT parcelares de cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente) resultaria em violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da coerência do sistema fiscal, conferindo tratamento diferente a realidades substancialmente idênticas: se o mesmo prédio estivesse constituído em propriedade horizontal não estaria sujeito à incidência do novo imposto, porque seriam considerados tantos prédios quantas as fracções autónomas, qualquer delas com valor inferior a € 1.000.000,00 (art. 2.º n.º 4 CIMI; cf. para desenvolvimento decisão arbitral no processo 50/2103-T disponível em www.caad.org.pt)».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A……………, SA, é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana de Albufeira sob o artigo 5.964, antigo 8.892, composto por 16 unidades susceptíveis de utilização independente que receberam a numeração compreendida entre o número 1 e 16 – cfr. fls. 32-43 e 63-69 dos autos.

2. Este prédio integra-se no empreendimento «Apartamentos Turísticos ……………» – cfr. fls. 97-99 dos autos.

3. Em 5 de Janeiro de 2010, a Caderneta Predial Urbana do prédio referido em 1., que aqui se dá por integralmente reproduzida, tinha, no que ora interessa, o seguinte teor:
“(…)
DESCRIÇÃO DO PRÉDIO
Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total com Andares ou Div. Susc. de Utiliz. Independente
Descrição: Prédio urbano de 4 pisos destinados a indústria, em regime de propriedade total constituída por 16 fogos
N.º de andares ou divisões com utiliz. Independente: 16
Valor patrimonial total: € 978.427,32
(...)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 1
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 59.043,03
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 2
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 59.043,03
Determinado no ano: 2009
(...)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 3
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 60.576,62
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 4
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 60.576,62
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 5
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 62.210,19
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 6
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 62.110,19
Determinado no ano: 2009
(...)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 7
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 63.643,79
Determinado no ano: 2009
(...)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 8
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 63.643,79
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 9
(…) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(…) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 59.043,03
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 10
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 59.043,03
Determinado no ano: 2009
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 11
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 60.576,62
Determinado no ano: 2009
(...)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 12
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(…) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 60.576,62
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 13
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 62.110,19
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 14
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 62.110,19
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 15
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 62.110,19
Determinado no ano: 2009
(…)
ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE: 16
(...) ELEMENTOS DO ANDAR OU DIVISÃO COM UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE
Afectação: Habitação
(...) DADOS DE AVALIAÇÃO
Valor patrimonial actual: € 62.110,19
Determinado no ano: 2009 (…)”.
– cfr. fls. 63-69 dos autos.

4. Em 10 de Fevereiro de 1988 foi apresentada a declaração Modelo 129 de Contribuição Predial relativa ao artigo 8.892 e às suas 16 divisões independentes – cfr. fls. 32 não numerada do apenso.

5. No dia 18 de Dezembro de 2012, foi promovida a avaliação geral do prédio inscrito na matriz sob o artigo 8.892 que determinou os seguintes valores patrimoniais tributários:

Artigo 8.892Valor Patrimonial Tributário
Divisão Independente n.º 1€ 65.050,00
Divisão Independente n.º 2€ 66.800,00
Divisão Independente n.º 3€ 65.050,00
Divisão Independente n.º 4€ 66.800,00
Divisão Independente n.º 5€ 65.050,00
Divisão Independente n.º 6€ 66.800,00
Divisão Independente n.º 7€ 65.050,00
Divisão Independente n.º 8€ 66.800,00
Divisão Independente n.º 9€ 65.050,00
Divisão Independente n.º 10€ 66.800,00
Divisão Independente n.º 11€ 65.050,00
Divisão Independente n.º 12€ 66.800,00
Divisão Independente n.º 13€ 65.050,00
Divisão Independente n.º 14€ 66.800,00
Divisão Independente n.º 15€ 65.050,00
Divisão Independente n.º 16€ 66.800,00
Total€ 1.054.800,00
– cfr. fls. 70-85 dos autos.

6. Consequentemente, em 21 de Março de 2013 foram emitidas as liquidações de Imposto de Selo números 2013.000287337, 2013.000287361, 2013.000287364, 2013.000287367, 2013.000287370, 2013.00027373, 2013.000287376, 2013.000287379, 2013.000287382, 2013.000287340, 2013.000287343, 2013.000287346, 2013.000287349, 2013.000287352, 2013.000287355 e 2013.000287358, relativas ao ano de 2012 e a cada uma das referidas divisões independentes, com atinência ao valor patrimonial respectivo referido no ponto anterior – actos impugnados –, no valor global de € 3.515,92, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas e que, no que ora interessa, tem a seguinte menção: “Valor patrimonial do prédio - total sujeito a imposto: 1.054.800,00” – cfr. fls. 46-61 dos autos

7. A………….., SA, efectuou o pagamento das liquidações identificadas no ponto anterior – cfr. fls. 46-61 dos autos».


*

2.2 DE DIREITO

2.1.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Na presente impugnação judicial está em causa a legalidade de acto de liquidação de Imposto de Selo efectuado relativamente ao ano de 2012 e a um prédio de que a Impugnante é proprietária. Na petição inicial, foi pedido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que anulasse aquele acto com fundamento em vício de violação de lei, porquanto, na óptica da Impugnante, para efeitos de incidência em IS pela verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral (verba que foi aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a AT não pode considerar, como considerou, o VPT resultante da soma dos VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização autónoma e que têm afectação habitacional, mas apenas o VPT de cada um deles, que foi determinado separadamente.
A Impugnante invocou ainda outros fundamentos de impugnação judicial (Alguns dos quais susceptíveis, por si só, de determinarem a procedência da impugnação judicial. ), mas a sentença recorrida julgou procedente a impugnação estribada naquele primeiro fundamento, anulando a liquidação de IS. O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé considerou que nenhuma das diferentes divisões independentes tinha VPT superior a € 1.000.000,00 (variando entre os € 65.050,00 e os € 66.800,00), motivo por que nenhuma delas pode subsumir-se à previsão da norma de incidência, que exige, não só a afectação habitacional (requisito cuja verificação, aliás, a ora Recorrida também pôs em causa), mas também que o VPT exceda o milhão de euros. Isto, em síntese, porque o VPT a utilizar deve ser o utilizado para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), como resulta do disposto no art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto de Selo (CIS).
A Fazenda Pública discorda do assim decidido e mantém que as liquidações impugnadas respeitam a lei, uma vez que «sendo um prédio constituído em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, é o prédio no seu todo, e já não cada uma daquelas partes, que integra o conceito de “prédio”, para efeitos de IMI e de IS, por remissão do artigo 1.º, n.º 6 do CIS», motivo por que o que deve relevar, para efeitos de tributação de IS (verba 28 da TGIS e artigo 1.º do CIS), é o somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente.
Assim, a questão a dirimir no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por considerar que as liquidações impugnadas, efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, padecem de ilegalidade por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de ser aplicável a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, valor que não é atingido por nenhum dos ditos andares ou partes considerado isoladamente.
Dito de outro modo, a questão é a de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afectação habitacional” para definir a incidência objectiva do (novo) imposto sobre a propriedade criado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

2.2.2 DA INCIDÊNCIA OBJECTIVA PREVISTA NA VERBA 28.1 DA TABELA GERAL DO IMPOSTO DE SELO (NA REDACÇÃO DA LEI N.º 55-A/2012)

A questão tem vindo a ser decidida de modo uniforme por este Supremo Tribunal Administrativo (Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 9 de Setembro de 2015, proferido no recurso n.º 47/15, publicado no Apêndice ao Diário da República de 28 de Setembro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2015/32230.pdf), págs. 2736 a 2748, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/40d21892478214c080257ec000461c65;
- de 2 de Março de 2016, proferido no processo n.º 1354/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fe44d24c606ad5a080257f72005646dc;
- de 29 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 560/16, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3d4461135bceb53c802580420049e0cf.), em consonância com a vasta jurisprudência arbitral sobre a mesma (Que pode ser consultada em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/.). Porque concordamos com essa jurisprudência, e atendendo ao disposto no n.º 3 do art. 8º do Código Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – e não se vendo que a Recorrente invoque em juízo novas razões que infirmem a fundamentação em que assentou essa jurisprudência ou que levem a inflectir ou a divergir do entendimento aí afirmado, impõe-se remeter para a mesma.
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio alterar o art. 1.º do CIS, e aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo, a Verba 28, criando uma nova realidade sujeita a imposto, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
Como tem vindo a dizer este Supremo Tribunal Administrativo, «O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades» (Cfr. o acórdão de 9 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1870/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1504 a 1509, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f6fd29ac6d6ebaf380257cc30030891a.).
Como ficou dito na decisão do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD de 29 de Abril de 2015, proferida no processo n.º 724/2014-T (Decisão disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=724%2F2014&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=654 ), que passamos a citar, apenas nos permitindo retirar os n.ºs a que foi sujeita a respectiva fundamentação:
«Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6.º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (…)
Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
(…)
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o Código do IMI».
Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do IMI, segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não parece, ao presente tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.
Neste contexto, se a lei exige, relativamente ao IMI, a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, exigirá, nos mesmos termos, relativamente à regra de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.
Pelo que, o IS, no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, só poderia incidir em determinada fracção se esta, eventualmente, tivesse um VPT superior a € 1.000.000,00.
E, mais se diga, que foi esse inclusive o entendimento adoptado pela ATA.
Com efeito, esta (ATA) também emitiu notas de liquidação individualizadas, referentes a cada uma das fracções susceptíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas fracções, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si.
Todavia, olvidou a ATA que não poderia, em virtude do enquadramento previamente vertido, proceder ao somatório dos VPTs individuais das fracções previamente mencionadas, almejando um valor que já caísse na base de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.
Isto quando o próprio legislador estabeleceu uma regra diferente no âmbito do Código do IMI que, tal como previamente referido, é o Código aplicável às matérias não reguladas no Código do IS, no que se refere à Verba n.º 28 da TGIS.
Resumindo, o critério estabelecido pela ATA, de considerar o valor do somatório dos VPT individuais atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, servindo-se do facto de que o prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra, aos olhos do presente tribunal, sustentação legal, sendo, nomeadamente, contrário ao critério aplicável em sede de IMI e, por remissão (nos termos mencionados supra), em sede de IS.
Neste contexto, considera o presente tribunal que o critério defendido pela ATA viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, e, bem assim, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
Paralelamente, note-se que o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI não efectua qualquer distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical.
Como tal, e uma vez que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, a ATA não pode tratar situações materialmente iguais de forma diferente.
A este respeito, veja-se aquilo que foi dito a propósito deste tema na Decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 132/2013-T, de 16 de Dezembro, cujo entendimento o presente tribunal acolhe.
“Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).
Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma «inovação» sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação.
Note-se, exemplarmente, o que diz o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.
O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a € 1.000.000,00.
Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS.
(…)
Acresce, ainda, que admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis do ponto de vista jurídico e atentatórios dos objectivos que o legislador dizia ter para aditar a verba n.º 28. A título exemplificativo, suponha-se a seguinte hipótese, que parece plausível à luz da interpretação que foi feita pela ora requerida: um cidadão que é proprietário de um prédio constituído em propriedade total destinado a habitação, sendo o valor global das unidades autónomas igual ou superior a € 1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a € 1.000.000,00, sujeita-se a uma tributação anual de 1% desse valor (como sucedeu na situação em análise); já um outro cidadão que detenha um prédio com as mesmas exactas características do anterior mas que tenha sido constituído em propriedade horizontal, sendo, igualmente, o valor global das fracções autónomas igual ou superior a € 1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a € 1.000.000,00, não será sujeito a tributação nos termos da mencionada verba n.º 28.
Por outro lado, poder-se-ia perguntar: se tais fracções têm o mesmo proprietário, por que é que não faz sentido agregar, para efeitos de tributação, os respectivos VPTs? A resposta pode ser ilustrada através de uma outra hipótese: um cidadão que é proprietário de um prédio em propriedade horizontal, em que cada uma das suas 20 fracções possui um VPT inferior a €1.000.000,00, seria sujeito a tributação se – caso se admitisse tal agregação – o VPT global ultrapassasse aquele valor; já um outro cidadão com idênticas 20 fracções distribuídas por 5, 10 ou 20 prédios não estaria sujeito a qualquer tributação nos termos da referida verba n.º 28.
Se esta linha de raciocínio faz sentido – justificando-se, portanto, a não agregação dos VPTs das fracções de prédios em propriedade horizontal –, não se vê razão plausível para que a mesma não seja aplicada às unidades autónomas de prédios em propriedade total.
Observando, agora, o caso em análise, constata-se que os VPTs dos andares (unidades autónomas) do prédio com afectação habitacional variam entre (…), pelo que qualquer um deles é inferior a € 1.000.000,00.
Daqui se conclui, em resultado do que foi referido, que sobre os mesmos não pode incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, portanto, ilegais os actos de liquidação impugnados pelo requerente”.
Um último ponto que interessa destacar (não obstante o prévio enquadramento ser bastante para reconhecer a ilegalidade dos actos de liquidação praticados pela ATA), assenta no entendimento preconizado, quer pelo legislador quer pelo próprio governo, aquando do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS.
A este respeito, foquemo-nos agora na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 48/2013-T, de 9 de Outubro, que analisa, de forma extensiva, os objectivos subjacentes ao aditamento da aludida verba.
“A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.
Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, «estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa».
Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.
Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:
«O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.
No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos – os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas –, a suportar os encargos fiscais.
Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.
Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.
Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.
Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa.
Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.
Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013»”.
De seguida, cumpre reunir as conclusões que permitam, sem margem para dúvidas, decidir sobre o tema em discussão (ou seja se, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, nos casos em que um prédio com várias fracções autónomas, susceptíveis de utilização independente, não se encontre constituído em propriedade horizontal, o VPT relevante é apurado mediante o somatório dos VPTs individuais, ou, alternativamente, é individualmente considerado).
Neste sentido, refira-se, em primeiro lugar, que a presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.
Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.
Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.
Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.
Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.
Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).
Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.
De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
No caso em apreço, o prédio em causa encontrava-se, à data relevante dos factos, constituído em propriedade total e tinha […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].
Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência».
Foi também neste sentido que decidiu a sentença recorrida que, assim, nenhuma censura merece.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.