Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0164/13
Data do Acordão:03/29/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:IRS
RETENÇÃO NA FONTE
DESPESAS
JUROS
VIOLAÇÃO DE DIREITO COMUNITÁRIO
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
LIBERDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Sumário:I - Quando a legislação nacional não permite que as instituições financeiras não residentes em Portugal, em sede de tributação dos rendimentos de juros aqui obtidos, possam deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, faculdade que reconhece às instituições financeiras residentes, como claramente expresso no acórdão TJUE de 13/07/2016 (processo C 18/15), a tributação efectuada - art.º 80º, nº 2, al. c), do CIRC - apresenta-se desconforme com o princípio da liberdade de prestação de serviços a que se refere o art.º 56º do TFUE (a que correspondia o art.º 49º do TCE), incompatível com o direito primário da União Europeia, na medida em que a diferença de tratamento não tem justificação.
II - Tendo em conta o princípio do primado do direito comunitário sobre a legislação nacional só pode concluir-se pela não aplicação do art.º 80º, nº 2, al. c), do CIRC, por violação do art.º 49º do TCE.
Nº Convencional:JSTA00070095
Nº do Documento:SA2201703290164
Data de Entrada:02/05/2013
Recorrente:A............ E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRC01 ART80 N2 C.
LGT98 ART43 ART100.
Legislação Comunitária:TFUE ART56 ART63.
TCE ART49.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0298/13 DE 2017/03/08.; AC STA PROC0471/14 DE 2017/03/22.
Jurisprudência Internacional:AC TJUE PROCC18/15 DE 2016/07/13.
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
. de 24 de abril de 2012
Julgou a Impugnação totalmente improcedente, mantendo-se consequentemente, os atos tributários de retenção na fonte de IRC impugnados.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, SA e B…………, vêm no processo de impugnação judicial nº 476/08.8BESNT, deduzida contra os atos tributários de retenção na fonte de IRC, relativos os meses de Setembro de 2005, Março e Setembro de 2006, Março e Setembro de 2007, por si instaurado, interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. Em causa nos autos está a desconformidade do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 80.° do IRC em vigor à data dos factos, face ao Direito da União Europeia, mais concretamente a liberdade de prestação de serviços (artigo 56.° do TFUE) e a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.° do TFUE).

B. A sentença recorrida enferma de diversos vícios de raciocínio, dos quais resultou uma decisão manifestamente ilegal, devendo por isso ser anulada na sua totalidade.

C. De acordo com o artigo 90.º do Código do IRC à data, a obrigação de efetuar a retenção na fonte pela A………… não era aplicável relativamente ao pagamento de juros a instituições financeiras residentes em Portugal que pertencem ao sindicato bancário, daí resultando um tratamento desigual e discriminatório quanto a entidades financeiras não residentes.

D. Por conseguinte, o montante total de imposto retido de € 68.607 sobre os juros vencidos a favor do Banco referentes aos meses de Setembro de 2005, Março e Setembro de 2006, Março e Setembro de 2007 devem ser integralmente restituídos, por violação dos artigos 56.º e 63.º do TFUE, da qual decorre o vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

E. O tratamento discriminatório ora em crise foi já sujeito à análise do TJUE, nomeadamente nos casos Gerritse (processo C-234/01), Centro Equestre da Lezíria Grande (processo C-345/04) e Scorpio (processo C-290/04).

F. Em todos os processos acima identificados estava em causa a oposição entre a tributação sobre o valor ilíquido dos rendimentos auferidos por prestadores de serviços não residentes, por oposição à tributação sobre o valor líquido dos prestadores de serviços residentes.

G. Nestes moldes, ficou demonstrado que o TJUE determinou que as liberdades de prestação de serviços e circulação de capitais “opõem-se a uma legislação nacional como a em causa no processo principal que, regra geral, atende, quando da tributação dos não residentes, aos rendimentos brutos, sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas” (cfr. parágrafo 1) do sumário dispositivo do Acórdão Gerritse).

H. Na eventualidade de se considerar que o caso Truck Center coloca em crise a aplicação aos autos da jurisprudência do TJUE nos casos Gerritse, Centro Equestre da Lezíria Grande e Scorpio, então será sempre obrigatório proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE em respeito pelo disposto no terceiro parágrafo do artigo 267.° TFUE.

I. De acordo com a doutrina do ato claro (“acte clair”) tem o TJUE entendido que o reenvio prejudicial previsto no artigo 267.° TFUE só pode ser dispensado quando “a correta aplicação do Direito Comunitário seja tão óbvia que não deixe lugar a qualquer dúvida razoável” (cfr. considerando 16 do Acórdão CILFIT, processo 283/81).

J. Assim, mesmo que se considere que a decisão do caso Truck Center é manifestamente contraditória às decisões nos casos Gerritse, Centro Equestre da Lezíria Grande e Scorpio, nunca se poderá considerar que aquela decisão constitui fundamento para rejeitar a presente Impugnação.

K. Quanto muito, será sempre necessário submeter ao TJUE as questões prejudiciais que permitam o cabal conhecimento do mérito da causa, nomeadamente:

a. Considerando que tanto as instituições financeiras não residentes em território português quanto as instituições financeiras aí residentes são tributadas sobre os rendimentos obtidos em território Português, é compatível com o artigo 56.º do TFUE relativo à livre prestação de serviços e com o artigo 63.º do TFUE relativo à livre circulação de capitais a distinção resultante do Código do IRC, nos termos da qual apenas as instituições financeiras residentes podem deduzir do montante dos rendimentos tributáveis em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, por oposição às instituições financeiras não residentes (como é o caso do Banco) que são tributadas sobre o montante de rendimento ilíquido das despesas diretamente relacionadas com a atividade exercida?

b. Considerando que a EURIBOR (“Euro Interbank Offered Rate”) e a LIBOR (“London Interbank Offered Rate”) representam as taxas de juro médias praticadas nos financiamentos interbancários, nomeadamente os financiamentos interbancários a que o Banco recorre para levar a cabo a sua atividade, constituem essas referências “dados estatísticos ou dados referentes ao nível dos juros pagos em relação aos créditos bancários e às condições de refinanciamento”, conforme definidos no processo C105/08, suficientes para comprovar os custos diretamente suportados pelo Banco para a realização da sua atividade em Portugal e que afetam direta e necessariamente a sua margem de lucro?

L. A sentença recorrida encontra-se estruturada em torno de dois argumentos basilares frágeis, considerando por um lado que, na senda do caso Truck Center, “as instituições financeiras residentes e as instituições financeiras não residentes não se encontram numa situação objetivamente comparável” e, por outro lado, que “As Impugnantes, para obterem a procedência da ação, teriam de ter demonstrado que a base tributável dos residentes é de tal forma reduzida mediante a dedução das despesas suportadas, que o imposto a pagar, não obstante a taxa ser mais elevada, é inferior à retenção na fonte efetuada sobre o montante ilíquido dos juros.”

M. A respeito do primeiro argumento, importa notar que uma leitura atenta do Acórdão Comissão vs. Portugal deita por terra a argumentação do Tribunal a quo porque a conclusão do TJUE baseou-se num argumento formal (falta de prova) e não num argumento material - e aqui reside um dos principais vícios de raciocínio do tribunal a quo - pois decorre inequivocamente da argumentação do TJUE que as entidades residentes e não residentes estão numa situação objetivamente comparável (porquanto, de outro modo, a ausência de termo de comparação tomaria totalmente dispensável a análise da prova efetiva da discriminação).

N. Adicionalmente, a opção do Tribunal a quo de seguir cegamente a jurisprudência do caso Truck Center — no sentido de rejeitar a comparabilidade entre entidades residentes e não residentes — foi também afastada pelo facto de estarmos perante um acórdão singular diretamente contrariado por três acórdãos sobre uma questão exatamente igual e amplamente criticado pela doutrina e nunca reiterado pelo próprio TJUE.

O. A respeito do segundo argumento, ficou demonstrado que o mesmo constitui uma manifesta violação do princípio do inquisitório plasmado no artigo 99.º da LGT, do qual resulta que “se o juiz a quo considerava existir deficit de instrução (...) não estava impedido de realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurassem úteis para conhecer a verdade”, pelo que “Em concretização deste princípio inquisitório sempre se poderia solicitar os elementos em falta” (cfr. acórdão do STA de 30 de Novembro de 2011, no processo n.° 992/11).

P. Caso o tribunal a quo tivesse, ainda que por breves instantes, procurado conhecer a verdade material dos factos, os elementos de prova alegadamente em falta seriam de fácil verificação, nomeadamente através da consulta do site oficial do Banco de Portugal (!!!).

Q. Isto porque segundo o TJUE, a referida prova pode ser efetuada nomeadamente através de “dados estatísticos ou dados referentes ao nível dos juros pagos em relação aos créditos bancários e às condições de refinanciamento” (cfr. considerando 29 do acórdão no caso Comissão vs. Portugal).

R. Sendo públicas as taxas de juro médias praticadas nos financiamentos interbancários — nomeadamente a EURIBOR e a LIBOR — é manifesta e notória a efetiva discriminação que impende sobre as ora Recorrentes, face à impossibilidade de as mesmas deduzirem aos rendimentos obtidos em Portugal (juros) os custos diretamente incorridos para a realização da atividade levada a cabo em Portugal, nomeadamente, os encargos financeiros de financiamento.

S. Basta para o efeito aplicar aquelas taxas de juros médias (de referência) ao capital mutuado para se apurar os custos de refinanciamento da Recorrente e, consequentemente, determinar o resultado líquido da operação (juros recebidos menos os custos de refinanciamento apurados) para verificar o peso que o imposto suportado a título de retenção na fonte representou face ao resultado líquido.

T. Consequentemente, face à taxa de retenção que um residente suporta (25%) concluir-se-á que a instituição financeira não residente in casu, caso lhe fosse aplicado o mesmo regime de tributação que é aplicável a uma instituição financeira residente (tributação sobre os juros líquidos), suportaria um montante inferior de imposto.

U. Resulta provado que a correta aplicação do Direito aos factos implica uma adesão total à argumentação aduzida pelas ora Recorrentes, com a anulação da sentença recorrida, em virtude da notória violação dos artigos 56.º e 63.º do TFUE, da qual decorre o vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e pela ilegalidade por violação do princípio do inquisitório, disposto no artigo 99.º, n.º 1 da LGT.

Requereu que seja dado provimento ao presente recurso e consequentemente anulada a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações

O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso quanto à aplicação do princípio inquisitório no que respeita ao limite previsto no art. 11.º n.º 2 da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido.
Foi suspensa a instância em virtude de haver sido apresentado recurso de reenvio prejudicial para o TJUE num processo em que se mostrava em discussão situação fáctica e jurídica similar às questões objecto do presente recurso.
O reenvio prejudicial obteve decisão já junta aos autos

A Sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
A) O “B…………” é uma entidade bancária não residente, com sede em ………, Edinburg ……….(Doc. fls. 17 a 21 dos autos)

B) Em 30.09.2004, a A………… celebrou um contrato de financiamento externo (denominado Loan, Bond and Guarantee Facilities), no montante de € 262.726.055,00, com vista a garantir o desenvolvimento de todas as atividades que integram o Contrato de Concessão celebrado com o Estado Português. (Doc. nº 2 junto à p.i.)

C) O contrato de financiamento externo foi celebrado com um sindicado de bancos residentes e não residentes em território português. (Doc. fls 133 a 274 do processo administrativo tributário)

D) Em 29.03.2005, foi decidido alargar o sindicado bancário, a outras entidades Financeiras, entre as quais o “B…………”, através da figura jurídica cessão da posição contratual. (Doc. nº 3 junto à p.i.)

E) A A………… reteve na fonte, a título definitivo, e entregou ao Estado Português, o montante total de imposto de € 68.607,00 sobre os juros vencidos a favor do Banco “B…………” referente aos meses de setembro de 2005, março e setembro de 2006, março e setembro de 2007 no valor total de €350.820,23. (Docs. nºs 4 e 5 junto à p.i.)

F) Em 28.09.2007 as ora Impugnantes apresentaram, junto do Serviço de Finanças de Cascais-2, Reclamação Graciosa contra os atos tributários identificados na alínea que antecede, com os mesmos argumentos, de facto e de direito da presente ação. (Doc. nº 1 junto à p.i.)

G) Em 24.04.2008 foi a presente Impugnação Judicial remetida a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por via postal — cfr. comprovativo do registo a fls. 3 dos autos.

O TJUE decidiu que:
«O artigo 49.° CE não se opõe a uma legislação nacional por força da qual a remuneração das instituições financeiras não residentes do Estado-Membro onde os serviços são prestados está sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes desse Estado-Membro não está sujeita a tal retenção, desde que a aplicação da retenção na fonte às instituições financeiras não residentes seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objetivo prosseguido.
O artigo 49.° CE opõe-se a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, regra geral, tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes.
Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, com base no seu direito nacional, quais as despesas profissionais que podem ser diretamente relacionadas com a atividade financeira em questão.

As questões em discussão nestes autos foram já objecto de decisão neste Supremo Tribunal Administrativo em processos similares, após o ac. do TJUE antes mencionado nos processos 298/13, de 08-03-2017 e 471/14 de 22-03-2017, que subscrevemos no primeiro caso, e que aqui reafirmamos.
Como enunciado nas conclusões de recurso, suscitaram as recorrentes a desconformidade do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 80.º do IRC em vigor à data dos factos, com os artigos, 56.º do TFUE - liberdade de prestação de serviços e o artigo 63.º do TFUE - a liberdade de circulação de capitais, geradora da imposição de tributação discriminatória das recorridas, entidades não residentes em Portugal, em face de entidades exercendo o mesmo tipo de actividade mas residentes em território nacional. Tal tratamento discriminatório mostra-se consubstanciado na circunstância de enquanto as instituições financeiras residentes poderem deduzir do montante dos rendimentos tributáveis em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, as instituições financeiras não residentes em território português serem tributadas sobre o montante de rendimento ilíquido das despesas diretamente relacionadas com a atividade exercida.
Como decorre do acórdão TJUE de 13/07/2016 (processo C 18/15), não se opondo o artigo 49.° CE que uma legislação nacional determine que a remuneração das instituições financeiras não residentes do Estado-Membro onde os serviços são prestados esteja sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes desse Estado-Membro não esteja sujeita a tal retenção, quando a aplicação da retenção na fonte às instituições financeiras não residentes seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objetivo prosseguido, tal legislação já será violadora das regras comunitárias se tributando as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, não conceder a estas entidades não residentes a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, faculdade que a mesma legislação nacional reconhece às instituições financeiras residentes.
Ora na situação em análise deparamo-nos exactamente com esta situação em que a legislação nacional não permite que as instituições financeiras não residentes em Portugal, em sede de tributação dos rendimentos de juros aqui obtidos, possam deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, faculdade que reconhece às instituições financeiras residentes. Tal como claramente expresso no acórdão TJUE de 13/07/2016 (processo C 18/15), a tributação efectuada e aqui objecto de impugnação - art.º 80º, nº 2, al. c), do CIRC - apresenta-se desconforme com o princípio da liberdade de prestação de serviços a que se refere o art.º 56º do TFUE (a que correspondia o art.º 49º do TCE), incompatível com o direito primário da União Europeia, na medida em que a diferença de tratamento não tem justificação.
Ora, tendo em conta o princípio do primado do direito comunitário sobre a legislação nacional só pode concluir-se pela não aplicação do art.º 80º, nº 2, al. c), do CIRC, por violação do art.º 49º do TCE.
Da impossibilidade de aplicação do art.º 80º, nº 2, al. c), do CIRC decorre consequentemente que a quantificação da matéria tributável que suporta os actos de retenção de imposto na fonte que, se suportam nessa aplicação agora declarada ilegal se apresente desconforme com o direito, como ilegal também os actos e liquidação que a partir dela foram praticados.
A ilegalidade da quantificação da matéria tributável e dos actos de retenção de imposto na fonte tem ainda como consequência que as recorrentes têm não só direito à anulação total dos actos impugnados, e ao reembolso do imposto indevidamente liquidado e pago, como ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos previstos no art.º 43º da Lei Geral Tributária. Com efeito, da anulação dos actos tributários impugnados, emerge para a administração tributária a obrigação de reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivessem sido praticados esses actos - art.º 100º da Lei Geral Tributária - onde se inscreve quer a restituição da quantia indevidamente paga pelo contribuinte, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no art.º 43º da Lei Geral Tributária.
Por estar em causa uma situação em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte - retenção na fonte - objecto de impugnação administrativa através da reclamação graciosa que veio a ser indeferida, os juros indemnizatórios passam a vencer-se desde esta decisão de indeferimento por ser coincidente com momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos, o não fez.
Haverá, pois que proceder a nova quantificação da matéria tributável em que a retenção na fonte seja compatível com o artigo 49º do TCE, e praticar novo acto tributário, tarefas estas que não competem ao tribunal.
A sentença recorrida que assim não entendeu, enferma, pois de manifesto erro de julgamento, a determinar a sua revogação.

Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e anular a decisão da reclamação graciosa e os actos de retenção de imposto impugnados e, condenar a Administração Tributária a restituir o imposto ilegalmente pago, bem como a pagar os juros indemnizatórios nos termos supra expostos.

Sem custas nesta instância. Custas pela Fazenda Pública 1ª instância.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 29 de Março de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.