Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0214/23.5BEPRT
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTERESSE EM AGIR
FALTA
AUTOTUTELA EXECUTIVA
Sumário:Não é de admitir a revista se o acórdão recorrido se mostra coerente e fundamentado quanto à decisão de julgar procedente a excepção de falta de interesse em agir, face aos mecanismos previstos no art. 28º, nºs 1 e 2 na Lei nº 81/2014, de 19/12.
Nº Convencional:JSTA000P32017
Nº do Documento:SA1202403140214/23
Recorrente:IHRU - INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, I.P.
Recorrido 1:AA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP interpõe recurso nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Norte, proferido em 17.11.2023, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo mesmo Recorrente, Autor na acção administrativa que intentou contra BB e AA, confirmando o decidido no TAF do Porto.
O Recorrente pela presente revista visará uma melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Nos presentes autos o aqui Recorrente demandou os Recorridos formulando os seguintes pedidos:
“(i) seja decretada a cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens e, bem assim, que, (ii) estes sejam condenados a pagar ao Autor a quantia de EUR 1.792,48 (…) a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e entrega do imóvel e (iii) subsidiariamente, a condenação dos Réus no pagamento das rendas em atraso, mas, de igual forma, de 20% do correspondente valor em dívida”.

O TAF do Porto proferiu decisão liminar, em 20.02.2023, no qual julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir, pelo que absolveu os Réus da instância.

O Autor interpôs recurso desta sentença para o TCA Norte, imputando àquela decisão erro de julgamento por errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, tendo a decisão, segundo alega, violado o disposto na Lei nº 81/2014, de 19/12, com as alterações dadas pela Lei nº 32/2016, de 24/8, os arts. 179º e 180º do CPA, os arts. 1083º e 1084º, ambos do Código Civil, tendo ainda preterido os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito e à justiça – arts. 13º e 20º da CRP.
Pelo acórdão recorrido, e, acima referido, foi negado provimento ao recurso, e mantida a decisão de 1ª instância.
Para tanto, e, em síntese, o acórdão recorrido entendeu que a sentença de 1ª instância julgou que, tendo em atenção a causa de pedir e o pedido deduzido na petição inicial, dispondo o Autor de meios de auto-tutela, declarativa e executiva, carecia de interesse em agir para efeitos do pedido formulado nos autos. E que aquela decisão se sustentou em acórdãos dos TCA’s, sendo que, nomeadamente, o acórdão do TCA Norte, de 23.06.2022, Proc. nº 02143/21.8BEPRT (em que se discutiu questão similar à dos presentes autos), foi confirmado pelo acórdão do STA de 19.10.2023 (cujos fundamentos o acórdão recorrido transcreveu parcialmente).
Concluiu que: “Encerrando o âmbito da pretensão recursiva do Recorrente IHRU uma base que é comum aqueles referidos Acórdãos, quer do TCA Sul, quer deste TCA Norte, e sendo de salientar ainda aquele recente Acórdão proferido pelo STA no Processo n.º 02143/21.8BEPRT, não pode proceder a pretensão recursiva do Recorrente, por tampouco julgarmos saírem violados, ainda que indiciariamente, os invocados princípios constitucionais, a que se reportam os artigos 13.º e 20.º da CRP, pois que o regime legal estabelecido pelo legislador não se reveste de uma mera faculdade a que o Autor ora Recorrente pode ou não recorrer, pois que atento o princípio da juridicidade, está vinculado por um especial dever de prosseguir na estrita observância da legalidade procedimental disposta pelo legislador, em ordem ao cabal exercício das suas competências, para o que não podem relevar razões de oportunidade ou meramente discricionárias.
Aqui renovando a linha jurisprudencial acima enunciada, julgamos que por dispor o Autor de meios legais de autotutela, declarativa e executiva para a necessária e devida actuação visando os contratos de arrendamento por si outorgados [Cfr. artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela lei n.º 32/2016, de 24 de agosto], e deles [meios] não tendo deitado mão, ocorre assim a sua falta de interesse em agir, por não ser indispensável o recurso à acção judicial para a salvaguarda dos seus direitos e interesses [do Autor], ou seja, por não carecer o Autor de tutela jurisdicional efectiva [Cfr. artigo 2.º do CPTA].

Na presente revista o Recorrente reafirma a sua alegação de que não dispõe de meios de autotutela – declarativa e executiva – para satisfazer os pedidos que pretende fazer valer na acção, defendendo que o acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação da Lei nº 81/2014, na redacção dada pela Lei nº 32/2016, bem como do art. 1048º do Código Civil. E que ao assim não se entender se estará perante uma errada aplicação do pressuposto inominado do interesse em agir, com preterição dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça e da igualdade, constantes dos arts. 20º, 268º, nº 4 e 13º, todos da CRP.
No entanto, o Recorrente não é convincente.
Com efeito, nada contrapõe em concreto quanto à interpretação que as instâncias fizeram, de forma convergente, do mecanismo previsto no art. 28º, nºs 1 e 2 da Lei nº 81/2014 de atribuição da competência da decisão de despejo, bem como dos procedimentos subsequentes por via administrativa.
Ora, no juízo sumário que aqui cabe fazer, o acórdão recorrido mostra-se coerente e fundamentado quanto à decisão de julgar procedente a excepção de falta de interesse em agir, face a tal mecanismo previsto na Lei nº 81/2014, tendo seguido jurisprudência do TCA Sul (ac. de 18.06.2020, proc. nº 644/18.4BESNT em matéria em tudo semelhante à dos presentes autos) e do TCA Norte (referido ac. de 23.06.2022, proc. nº 02143/21.8BEPRT, confirmado pelo ac. deste STA de 19.10.2023) bem como do STJ (ac. de 09.05.2018, proc. nº 673/13.4TTLSB.L1.S1) e na doutrina quanto ao entendimento sobre a figura do “interesse em agir”, afigurando-se acertado quanto ao decidido, sendo que os concretos fundamentos da solução a que chegou não são postos em causa na presente revista [tendo esta Formação vindo a não admitir revistas em situações semelhantes, v.g., nos acs. de 09.02.2023, proc. nº 018/22.2BEBRG, de 01.06.2023, proc nº 886/22.8BEBRG e de 25.05.2023, proc. nº 1222/22.9BEPRT].
Quanto a uma eventual inconstitucionalidade da interpretação do art. 28º da Lei nº 81/2014, por parte do acórdão recorrido [cfr. alíneas U) e V) das conclusões da revista], por violação dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e da igualdade, previstos nos arts. 20º e 13º da CRP, tal como é jurisprudência firme desta Formação de Apreciação Preliminar, não justifica a admissão do recurso de revista por poder ser colocada directamente ao Tribunal Constitucional.
Assim, não se justifica a admissão da revista, por não estar em causa questão com especial relevância jurídica (não excedendo o interesse do Recorrente), nem se vendo que haja necessidade de uma melhor aplicação do direito, não sendo, pois, de postergar a regra da excepcionalidade deste recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 14 de Março de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) - Maria do Céu Neves – Fonseca da Paz.