Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01863/13
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
NOTIFICAÇÃO
CARTA REGISTADA
HERANÇA INDIVISA
Sumário:I - Notificando-se o contribuinte quer do teor do projecto de relatório da inspecção quer para exercer o consequente direito de audição prévia, presume-se a notificação, nos termos previstos no nº 1 do art. 43º do RCPIT, se verificados os demais requisitos ali enunciados.
II - Constituindo a herança indivisa uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens (art. 2119º do CCivil), estamos em presença de um «património autónomo» partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos co-herdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão.
Nº Convencional:JSTA00069764
Nº do Documento:SA22016061501863
Data de Entrada:12/06/2013
Recorrente:Z..............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART60.
CPPTRIB99 ART39.
RCPIT98 ART43.
CCIV66 ART8 N3 ART2031 ART2032 ART2050 ART2119 ART2126.
CRP84 ART49.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01808/13 DE 2015/02/05.; AC STA PROC017/12 DE 2012/01/31.
Referência a Doutrina:PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA - CÓDIGO CIVIL ANOTADO VOLIII 2ED PAG347 VOLVI PAG160 PAG195 PAG203.
CAPELO DE SOUSA - LIÇÕES DE DIREITO DAS SUCESSÕES VOLII 2ED PAG90-92.
REVISTA DOS TRIBUNAIS N84 PAG196 N87 PAG126 N88 PAG95.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Z…………., melhor identificada nos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2007, no valor de € 6.351,69.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Mª Juiz do TAF de AVEIRO que considerou improcedente o pedido de anulação do ato tributário e por via, na condenação dos juros respetivos, pela improcedência dos fundamentos aduzidos:
- vício de forma, por inobservância do dever de audição antes da liquidação, nos termos do artº 60 nº 1, a) e 4 da LGT;
- erro na atribuição do rendimento à herança indivisa e na respetiva imputação à impugnante/recorrente.
AUDIÇÃO PRÉVIA
B- Efetivamente, não foi a contribuinte validamente notificada para o exercício do direito de audição, antes da liquidação, onde constasse o projecto de decisão e seu fundamento, em ordem ao previsto no art. 60 n.º 1, a) e 4 da LGT;
C- A tal propósito, a CRP, no seu art. 267 nº 5, reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito e o art. 45 nº 1 do CPPT reconhece também o direito de participação do contribuinte na formação da decisão, sendo que no n.º 1 do art. 60º da LGT se transpõe esse direito de participação para o procedimento tributário quando aí se refere que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas entre a quais se inclui o direito de audição antes da liquidação.
D- A inobservância desse dever de audição é fundamento de invalidade do acto por vício de forma.
ERRO NA ATRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO À HERANÇA INDIVISA E NA, RESPETIVA IMPUTAÇÃO À IMPUGNANTE/RECORRENTE
E- A factualidade provada não permite concluir que a os herdeiros, onde se inclui a Recorrente, não poderiam vender e por isso não venderam a título individual, ou em nome próprio os imóveis em causa ou alguma parte.
F- A inscrição no Registo com a menção “sem determinação de parte ou direito”, não leva à consideração inequívoca de que os bens são detidos em comunhão, podendo referir-se também à situação, por exemplo, de compropriedade na qual existe ou é manifestado o desejo de os bens serem usufruídos em comum.
G- No caso, como se arguiu, os bens em causa já haviam sido transmitidos aos herdeiros, tendo estes posteriormente procedido, em seu nome à alienação, como consta das escrituras efectuadas e registos constantes da Conservatória respectiva.
H- Por isso, não poderia, nem poderá em caso algum, o produto da alienação de tais bens entrar no apuramento do resultado da actividade da herança indivisa [e venda de bens imobiliários - CAE 068100], pois a ela já não pertenciam, uma vez que haviam sido transmitidos entrando na titularidade dos herdeiros, como se disse.
I- Nessa medida foi liquidado o imposto de selo correspondente, (que no caso, beneficiou de isenção subjetiva, pelo grau de parentalidade).
J- PELO QUE, de todo modo os valores base do cálculo de imposto, a considerar nas posteriores alienações seriam - ao contrario do que entende o Mº Juiz a quo e aduz uma informação vinculativa constante do procedimento — os que foram tidos para efeitos de liquidação do imposto de selo e não os suportados na “longínqua”, aquisição efetuada pelo de cuius,
L- Não pode ser considerado valido o procedimento que, em caso de herança, permite sejam atualizados o valor dos imóveis, nos termos do CIMI, para efeitos de cálculo de imposto de selo e depois se retroceda ao valor primitivo da aquisição nos cálculos de eventuais futuras alienações dos mesmos.
M- Ressalta, assim, nos termos sucessivamente alegados, a ilegalidade do acto tributário praticado, devendo ser anulado, por procedência do presente recurso.
Termos em que deverão Vexas, na razão das considerações evocadas, julgar procedente o presente recurso, revogando a sentença produzida, declarando inválido o acto tributário de liquidação adicional de IRS do ano 2007.
(Tendo, entretanto, a Impugnante pago o imposto em dívida e verificando-se a imputabilidade do erro aos serviços deve a Fazenda Pública ser condenada a devolver o montante pago acrescido de juros indemnizatórios)
Foram violadas as normas:
- Artº 60 n.º 1, a) e 4 da LGT
- Art.s 19.°, 22.° e 32º do CIRS/- Art. 26º do CIRC»

2 – Não foram apresentadas contra alegações pela Fazenda Pública

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer que, na parte relevante, se transcreve:
«A nosso ver o recurso não merece provimento.
Como resulta do probatório a herança indivisa de X…………. herdeiros, NIF ……………., foi sujeita a inspecção tributária interna.
Foi remetido à recorrente projecto de relatório e para exercer o direito de audição prévia, através de carta registada.
Tal carta foi devolvida com menção de que a recorrente não a reclamou apesar de ter sido avisada para o efeito.
A notificação para efeitos de exercício do direito de audição prévia encontra-se especialmente regulada no RCPIT, aprovado pelo DL 413/98, de 31 de Dezembro (artigos 38.°, 43.° e 60.°).
Conforme jurisprudência do STA (acórdão de 13 de Março de 2013-P01394/12, disponível no sitio da internet www.ggsi.pt) a notificação para o exercício do direito de audição prévia, no procedimento de inspecção tributária, pode ser feita por meio de carta registada.
Nos termos do disposto no artigo 43.°/1 do RCPIT presumem-se notificados os sujeitos passivos contactados por meio de carta registada em que tenha havido devolução da carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada.
Ora, uma vez que a recorrente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia por carta registada remetida para o seu domicílio fiscal, que veio devolvida com indicação de não ter sido levantada e não tendo demonstrado que o não recebimento da carta não lhe é imputável devido a justo impedimento tem de se considerar validamente notificada para o exercício de tal direito.
No que concerne ao alegado erro na atribuição do rendimento à herança indivisa e na respectiva imputação à recorrente afigura-se-nos que, também, a recorrente carece de razão,
De facto, como resulta do probatório, os imóveis faziam parte das existências em 31 de Dezembro de 2006 e a sua venda não foi feita por cada um dos herdeiros, a título individual, mas por todos em comum e sem determinação de parte ou de direito, uma vez que só em conjunto dispunham os vendedores de legitimidade para dispor dos bens da herança indivisa, sendo certo que a recorrente não demonstrou que tivesse sido feita partilha dos bens por inventário ou escritura.
No que concerne à determinação do valor de aquisição dos imóveis, como bem decidiu a sentença recorrida nada há a criticar à actuação da AT veiculada pela informação vinculativa solicitada para o caso concreto.
De facto, nos termos do estatuído no artigo 32.° do CIRS, na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, seguir-se-ão as regras estabelecidas no CIRC, com as adaptações necessárias.
Ora, considerando que, no caso em análise está em causa uma actividade empresarial de compra e venda de imóveis, os valores de aquisição que terão de ser considerados na posterior transmissão dos imóveis são os que se encontram registados na contabilidade do autor da herança e que foram transferidos para a contabilidade do autor da herança indivisa, aquando da abertura da respectiva contabilidade, nos termos do estatuído no artigo 26.° do CIRC.
A sentença recorrida, a nosso ver, não merece censura.
Termos em que, ressalvado melhor juízo, deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro fixou a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão:
1. Após o falecimento de X……………, que exercia a actividade de compra e venda de imóveis como empresário em nome individual com contabilidade organizada, essa actividade passou a ser titulada pela herança indivisa identificada pelo número de identificação fiscal …………. designada “X…………… Herdeiros” — acordo e fls. 4 e fls. 6 do PA;
2. Das “existências em 31-12-2006” relativas à herança indivisa “X………….. Herdeiros” faziam parte os seguintes imóveis, entre outros: - fls. 10 do PA;

3. No ano 2007 a agora Impugnante vendeu, conjuntamente com outros, os imóveis constantes das seguintes escrituras:


4. Das escrituras referidas em 3 consta que os prédios se encontram registados em comum e sem determinação ou direito, a favor dos vendedores — fls. 27, 31, 36, 42, 47, 53, 58 a 72 dos autos;
5. Em 16-12-2008, V……………… apresentou, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa a declaração periódica de rendimentos do ano 2007, relativa à actividade da herança indivisa nif ……….. (anexo C — rendimentos da categoria B com contabilidade organizada), de que resultou um prejuízo fiscal que imputou aos herdeiros contitulares na proporção da quota — acordo (artigo 6 p.i. e fls. 4 do PA);
6. Na declaração inicial foram considerados como valores de venda os preços constantes das escrituras e como valores de aquisição os valores patrimoniais tributários que resultaram das novas regras de avaliação do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis) — acordo (artigos 5 e 6 da p.i e fls 4 do PA);
7. Em 15-8-2009, V…………… apresentou, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa uma nova (2ª) declaração periódica de rendimentos do ano 2007 (1ª de substituição), relativa à actividade da herança indivisa nif …………… onde manteve o prejuízo fiscal anteriormente declarado — acordo (artigos 5 e 6 p.i. e fls. 5-verso do PA);
8. Em 10-11-2009, V……………. apresentou, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa uma nova (3ª) declaração periódica de rendimentos do ano 2007 (2ª de substituição), relativa à actividade da herança indivisa nif ………….. de que resultou a diminuição do prejuízo fiscal declarado para € 60.173,33, sendo a diferença, de € 731.300,00, resultante da diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o preço de venda constante das escrituras — acordo (artigos 5 e 6 p.i. e fls. 5-verso do PA);
9. Em 10-11-2009 a agora Impugnante apresentou declaração periódica de rendimentos do ano 2007, de substituição, mencionando rendimento do trabalho (anexo A) no valor de € 5.841,45, e imputação de prejuízo fiscal da categoria B de herança indivisa n°……………. (anexo D) no valor de € 2.148,40 - fls.51 a 55 do PA;
10. Em acção inspectiva à situação da herança indivisa a AT determinou um lucro fiscal de € 628.380,62, resultante da correcção do valor de aquisição dos prédios em causa, que considerou ser os que constavam como custo na contabilidade, imputando à agora Impugnante o rendimento líquido de € 22.442,17 — Relatório de fls. 1 a 20 do PA;
11. Por despacho de 10-10-2011 foi homologado o projecto de Relatório da inspecção à agora impugnante — fls. 38 a 45 do PA
12. Em ofício n° 8411584, de 10-10-2011, do Serviço e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro e expedido sob registo postal n° RC903434249PT, da mesma data, para Z……………, Rua do ………….., ……, Santa Maria da Feira, consta a notificação do projecto de Relatório e para exercer o direito de audição, tendo a carta sido devolvida ao remetente com as anotações “Não atendeu. Avisado. 11-10-2011” e “2011-10-21.5/a. Mada Feira. Objecto não reclamado” - fls. 37 a 47 do PA;
13. O Relatório final foi homologado por despacho de 26-10-2011 -fls. 1 do PA
14. Em 14-11-2011, a AT emitiu a liquidação n° 2011 5005120542 de IRS de 2007, em nome da agora Impugnante, no valor a pagar de € 6.415,52, incluindo € 764,96 de juros compensatórios, paga em 27-12-2011 - fls. 75 e 76 do PA;
15. Em 18-11-2011, a AT emitiu nota de compensação n° 20117149802, contendo estorno da liquidação 20095004953537, no valor de € 65,52, e regularização de documento anterior, liquidação nula 20092282974, no valor de € 1,69, tendo resultado o valor a pagar de €6.351,69— fls. 52 e 74 do PA
16. Em 4-4-2012 a agora Impugnante apresentou petição de reclamação graciosa, cujo processo n°0094201204000854 — SF Feira 1, foi autuado em 26-4-2012 e objecto de indeferimento por decisão de 3-9-2012 — fls. 58 a 115 do PA;

6. Do objecto do recurso
Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que são as seguintes as questões objecto do presente recurso:
-saber se houve vício de preterição de formalidade legal, nomedamente do direito de audição antes do relatório da inspecção, uma vez que a recorrente considera que não foi devidamente notificada;
- saber se houve erro na quantificação do facto tributário por lhe ter sido indevidamente imputado rendimento da herança indivisa;

A sentença recorrida julgou improcedente impugnação judicial deduzida do despacho de 3 de Setembro de 2012 que indeferiu reclamação graciosa, por sua vez deduzida da liquidação adicional de IRC de 2007, no entendimento de que a recorrente foi validamente notificada antes do relatório de inspecção, por carta registada e que os rendimentos provenientes da venda dos imóveis eram titularidade da herança indivisa de X……………, pois que em 2006.12.31 faziam parte das existências, sendo certo que o valor de aquisição a ter em conta era o constante da contabilidade do autor da herança.
Para assim decidir concluiu a sentença recorrida que não ocorre preterição do direito de audição uma vez que a notificação questionada ocorreu no âmbito de um procedimento de inspecção e, por isso, é aplicável o disposto no art. 43° do RCPIT (e não o disposto no art. 39° do CPPT), ou seja, não é oponível à Administração Tributária a falta de recebimento da notificação para a audiência prévia à concreta decisão do procedimento inspectivo.

Por outro lado, entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, constituindo a herança indivisa uma universalidade (património autónomo) que foi aceite pelos sucessores do de cujus, mas onde não houve ainda partilha de bens (art. 2119° do CCivil), os herdeiros não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão, regime que não se confunde com o de compropriedade em cada um dos prédios que a integram; e, assim, os herdeiros não se tornaram, pela morte do proprietário do estabelecimento, proprietários individuais dos bens que integravam esse estabelecimento ou dos bens que passaram a integrar a herança indivisa, e nem sequer se tomaram individualmente proprietários de qualquer quota-parte desses concretos bens.
Contra o assim decidido se insurge o recorrente, alegando em síntese que o procedimento de liquidação enferma de ilegalidade decorrente de preterição de formalidade legal, por não ter sido validamente notificado para o exercício do direito de audição antes da liquidação, nos termos da al. a) do n.º 1 e do n.º 4, do art. 60º da LGT e de ilegalidade decorrente de erro na quantificação do facto tributário, por lhe ter sido erradamente imputado rendimento da herança indivisa.

Desde já se adiantará que o recurso não merece provimento e que bem andou a sentença recorrida ao concluir que a notificação, contendo o projecto de Relatório e convidando a Impugnante para o exercício do direito de audição, ocorreu no âmbito de um procedimento de inspecção, pelo que se lhe aplica o disposto no artigo 43° do RCPIT, e não o que sobre idêntica matéria consta no artigo 39° do CPPT.
Do mesmo modo não padece de censura o entendimento acolhido na decisão sindicada no sentido de que, com a abertura da sucessão, e após a aceitação da herança, o herdeiro adquire o direito ao seu quinhão hereditário ou quota-parte ideal da herança global, mas não adquire o direito real sobre os concretos bens que dela fazem parte, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles (artigos 2031°, 2032°, 2050° CC).
De facto, como ali bem se sublinhou, qualquer herdeiro pode transmitir o seu direito à herança ou ao quinhão hereditário, como um todo, a título gratuito ou oneroso, mas não pode transmitir individualmente qualquer fracção dos bens que fazem parte da herança (artigo 2126°CC).

Acresce dizer que este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou, no Acórdão de 05.02.2015, proferido no recurso 1808/13, sobre as questões ora suscitadas no recurso interposto por outro dos herdeiros de X……………., sendo a argumentação, e até as alegações ali produzidas pelo recorrente, idênticas às dos presentes autos.
Trata-se de jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem, por isso, plena aplicação também no caso vertente e que subscrevemos por inteiro.
Por isso, considerando também o disposto no artº 8º, nº 3 do CC, tendo em vista promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito, limitar-nos-emos a reproduzir o que sobre tal matéria se disse no referido aresto (Acórdão de 05.02.2015, recurso 1808/13):

«(….) no que respeita à invocada preterição do direito de audição, bem decidiu a sentença recorrida ao considerar que, no caso, não é oponível à AT a falta de recebimento da notificação para a audiência prévia à concreta decisão do procedimento inspectivo.
É que, vindo provado que os SIT da DF de Aveiro expediram, sob registo postal de 10/10/2011, para a recorrente e morada da Rua da …………………., nº ……….., ………, o ofício para notificação do projecto de relatório e para exercer o direito de audição, tendo a carta sido devolvida ao remetente com as anotações «Não atendeu. Avisado. 11-10-2011» e «2011-10-21. Sta. Maria Feira. Objecto não reclamado», então, ao invés do sustentado pela recorrente, não pode concluir-se que tenha havido qualquer o invocado vício de forma decorrente da alegada notificação inválida para exercício do direito de audição.
Com efeito, como bem se explana na decisão recorrida, com apoio na jurisprudência do acórdão do STA de 31/12/2012, no proc. n.º 017/12, o facto de a correspondência dirigida à recorrente ter sido devolvida pelos Serviços Postais não pode ser oposto à AT dado que, tratando-se de notificação do projecto de relatório da inspecção e para exercer o consequente direito de audição prévia é aplicável o nº 1 do art. 43º do RCPIT (onde, desde que verificados os demais requisitos ali previstos, se estabelece uma presunção de notificação através de carta registada remetida para o domicílio fiscal) pelo que, no caso, tendo a correspondência sido devolvida com a menção «não atendeu» e «não reclamado», se verifica tal presunção de notificação, que não foi ilidida (diversamente, no âmbito da presunção de notificação estabelecida nos nºs. 1 e 2 do art. 39º do CPPT «as notificações efectuadas (por carta registada) nos termos do n.º 3 do seu art. 38º presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil» e tal presunção «só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção». Ou seja, como se refere no citado aresto do STA, «Embora ambas as normas tenham que ser interpretadas como estabelecendo presunções iuris tantum, o significado da devolução da carta registada é diferente num caso e noutro.»
Em suma, no caso vertente, face à factualidade provada, teria que concluir-se pela validade e relevância da notificação do relatório da inspecção e para exercício do direito de audição, pelo que a sentença decidiu, quanto a esta matéria, de acordo com a lei aplicável. Improcedendo, assim, as Conclusões A a D das alegações do recurso.
3.2.2. E no que respeita à invocada ilegalidade decorrente de erro na quantificação do facto tributário, por lhe ter sido erradamente imputado rendimento da herança indivisa, também a recorrente carece de razão legal.
Alega ela que os imóveis em questão não pertenciam ao estabelecimento comercial da herança indivisa mas aos herdeiros, que os alienaram em nome individual (ou seja, por morte de B…………. ocorreu uma transmissão directa dos imóveis para o património particular de cada um dos herdeiros na proporção das suas quotas e, por isso, tais bens não se integraram na “herança indivisa”, tanto que os imóveis acabaram por ser alienados pelos herdeiros “em seu nome”, e não em nome da herança indivisa).
Em suma, no entendimento da recorrente, a factualidade provada não permite concluir que os herdeiros, onde ela se inclui, não poderiam vender e por isso não venderam a título individual, ou em nome próprio os imóveis em causa ou alguma parte, sendo que a inscrição no Registo com a menção “sem determinação de parte ou direito”, não leva à consideração inequívoca de que os bens são detidos em comunhão, podendo referir-se também à situação, por exemplo, de compropriedade na qual existe ou é manifestado o desejo de os bens serem usufruídos em comum.
Sendo que, no caso, os bens em causa já haviam sido transmitidos aos herdeiros, tendo estes posteriormente procedido, em seu nome, à alienação, como consta das escrituras efectuadas e registos constantes da Conservatória respectiva e, por isso, não poderia o produto da alienação de tais bens entrar no apuramento do resultado da actividade da herança indivisa [compra e venda de bens imobiliários - CAE 068100], pois a ela já não pertenciam, uma vez que haviam sido transmitidos, entrando na titularidade dos herdeiros.
Vejamos. Conforme especificado no nº 1 do Probatório, o autor da herança era empresário em nome individual e exercia a actividade comercial de compra e venda de imóveis (CAE 068100). E no momento da sucessão o “de cuius” era titular de um estabelecimento cuja mercadoria (cfr. nº 2 do Probatório) era constituída por imóveis (destinados a venda: como diz a sentença, os bens destinados a venda, e comprados com esse fim, designam-se “mercadorias”), dos quais vinte e um foram alienados em 2007 pelos herdeiros (cfr. nºs. 3 e 4 do Probatório), fazendo-se, aliás, constar das respectivas escrituras que os prédios se encontram registados em comum e sem determinação ou direito, a favor dos vendedores.
Ora, constituindo a herança indivisa uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens (art. 2119° do CCivil), estamos em presença de um «património autónomo» partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos co-herdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão. Na expressão do acórdão do STJ, de 21/4/2009, proc. n.º 635/09 «… até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 347-348, e Vol. VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pág. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, pág. 196, nº 87, pág. 126 e nº 88, pág. 95)". Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. (…) A partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195 -196 e 203).»
Ou seja, como se diz na sentença recorrida, com a abertura da sucessão, e após a aceitação da herança, o herdeiro adquire o direito ao seu quinhão hereditário ou quota-parte ideal da herança global, mas não adquire o direito real sobre os concretos bens que dela fazem parte, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles (arts. 2031°, 2032° e 2050º do CCivil), pelo que qualquer herdeiro pode transmitir o seu direito à herança ou ao quinhão hereditário, como um todo, a título gratuito ou oneroso, mas não pode transmitir individualmente qualquer fracção dos bens que fazem parte da herança (art. 2126° do mesmo código: antes da partilha os bens da herança (indivisa) podem ser alienados em comum por todos os herdeiros.
Por isso, no caso, o conjunto de bens que pertenciam ao estabelecimento do autor da herança continuou a integrar esse estabelecimento que, por sua vez, também integrava o acervo patrimonial que constituía a herança indivisa, tendo sido esta que, «em comum e sem determinação ou direito» individual (como consta das escrituras de venda), foi transmitida para os respectivos herdeiros com efeitos reportados ao momento da morte [e não tendo os bens sido partilhados, o facto de terem sido inscritos em nome de todos os herdeiros “sem determinação de parte ou direito” apenas significa que foi feita habilitação de herdeiros (art. 49º do C. R. Predial).
Ao invés do alegado pela recorrente, os herdeiros não se tornaram, portanto, por morte do proprietário do estabelecimento, proprietários individuais dos bens que integravam tal estabelecimento ou dos bens individualizados que passaram a integrar a herança indivisa, nem sequer se tornaram individualmente proprietários de qualquer quota-parte desses concretos bens, carecendo, assim, de fundamento legal a alegação de que os bens passaram a ser titulados em regime de compropriedade e que, por isso, a liquidação enferma de ilegalidade por erro na imputação do rendimento para efeitos do IRS de 2007.
O que tanto basta para evidenciar que o recurso também improcede quanto a esta alegação de erro de julgamento na apreciação da quantificação do facto tributário (por errada imputação à recorrente de rendimento da herança indivisa), bem como quanto à pretendida condenação da AT a devolver o montante do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.» (fim de citação).

É esta a jurisprudência que também aqui se acolhe e se reitera, já que se entende que a respectiva fundamentação é inteiramente transponível para o caso dos autos, pelo que, com base nessa mesma fundamentação jurídica, se conclui que improcedem todos os fundamentos do recurso.

7. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 15 de Junho de 2016. - Pedro Delgado (relator) - Isabel Marques da Silva - Dulce Neto.