Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02063/06.6BEPRT
Data do Acordão:03/09/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
APOIO
INCUMPRIMENTO DE CONTRATO
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA, que manteve decisão de TAF, se o entendimento nele firmado se mostra sustentado em fundamentação credível e plausível, não aparentando ter incorrido em erros lógicos ou jurídicos manifestos, e em que, quanto às questões objeto de discussão nesta sede, não se vislumbra uma especial relevância jurídica ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso concreto.
Nº Convencional:JSTA000P30729
Nº do Documento:SA12023030902063/06
Data de Entrada:02/28/2023
Recorrente:A ADMINISTRADORA DA INSOLVÊNCIA DE A..., SA
Recorrido 1:IAPMEI – AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. MASSA INSOLVENTE DA A..., SA [doravante A.], representada pela respetiva administradora e devidamente identificada nos autos, invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 25.11.2022 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 3599/3626 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso jurisdicional pela mesma deduzido, confirmando a decisão proferida, em 07.01.2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/PRT - cfr. fls. 3416/3445] que havia julgado improcedente a ação administrativa de impugnação por si instaurada contra IAPMEI - AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, IP [doravante R.] e na qual peticionou a anulação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 13.02.2006 de rescisão do contrato de incentivos n.º 99/6273.9862, celebrado entre ambos em 08.11.1999 [ao abrigo do regime de «Apoio a Planos de Modernização Empresarial - Iniciativa para a Modernização da Indústria Têxtil - Programa IMIT»], bem como a condenação do R. a reconhecer o cumprimento pela A. de todas as obrigações do contrato e a conferir a correspondente quitação desse cumprimento bem como a reembolsar o valor de 315.517,10 €, correspondente à garantia bancária n.º ...20 exigida ao ... [cfr. petição inicial, a fls. 01/14].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 3638/3656] na relevância social e jurídica e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», invocando, mormente, os erros no julgamento de facto e de direito em que incorreu o acórdão recorrido ao ter desatendido as nulidades e mantido a decisão daquele TAF, com incorreta aplicação, mormente do disposto nos arts. 195.º, 596.º, n.ºs 1 e 2, 597.º, e 615.º do Código de Processo Civil [CPC/2013] ex vi do art. 01.º do CPTA, 06.º, 07.º-A, 82.º, 86.º, 87.º, 87.º-A, 87.º-B, e 88.º todos do CPTA, 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa [CRP], 03.º a 12.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA/91-96], bem como dos princípios da colaboração com os particulares, da boa-fé, da imparcialidade, da participação e da proporcionalidade.

3. O R. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 3677/3674], nas quais se pugna, desde logo, pela não admissão do mesmo.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PRT julgou totalmente improcedente a pretensão da A., aqui Recorrente, considerando, no seu discurso fundamentador, que não resultavam demonstradas as concretas ilegalidades acometidas ao ato impugnado.

7. O TCA/N confirmou este juízo decisório, perfilhando-o e reiterando-o in toto, negando, ainda, as nulidades acometidas [processuais e de decisão].

8. A A., ora recorrente, insurge-se contra o juízo de improcedência da sua pretensão, acometendo-o incurso em erros de julgamento de facto e de direito por incorreta interpretação e aplicação do quadro normativo e principiológico atrás enunciado.

9. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista.

10. Tal como repetidamente tem sido afirmado por esta Formação da Admissão Preliminar [STA/FAP] a necessidade de admissão do recurso de revista estribada na relevância jurídica fundamental verifica-se quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina, ou de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração/orientação de um padrão de apreciação de outros casos similares a serem julgados.

11. E tem-se considerado de relevância social fundamental uma questão que apresente contornos abstratos e que não se restrinja ao caso concreto e aos particulares interesses das partes, com repercussão na comunidade e no que constituam seus valores fundamentais e como tal suscetíveis de suscitar alarme social ou que possam pôr em causa a eficácia do direito ou a sua credibilidade.

12. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações em que aquela necessidade seja clara, por se surpreenderem na decisão impugnada a rever erros lógicos em pontos cruciais do raciocínio, desvios manifestos aos e dos padrões estabelecidos de hermenêutica jurídica ou indícios de violação de princípios fundamentais, em matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, de tal modo que seja evidente a necessidade de intervenção do órgão de cúpula da jurisdição, com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo, razão pela qual não bastará, nessa medida, a plausibilidade de erro do julgamento ou o carácter pouco convincente da fundamentação da decisão recorrida.

13. E entrando nessa análise refira-se, desde logo, que não se mostra persuasiva a motivação/argumentação expendida pela A., aqui recorrente, não se descortinando uma qualquer relevância jurídica e social fundamental nas questões colocadas, nem quanto ao juízo sobre as mesmas firmado ora em causa se revela uma necessidade de melhor aplicação do direito.

14. Assim, não se vislumbra, por um lado, que as concretas questões a tratar e que contendem ou se prendem com erros no julgamento de facto e de direito, [sendo estes respeitantes, mormente à existência de nulidades (de decisão - v.g., omissão de pronúncia - e processuais - respeitantes, nomeadamente, a formalidades/trâmites processuais, nomeadamente quanto à possibilidade de dispensa da realização da audiência prévia, à emissão ou não de despacho saneador e da delimitação do objeto do litígio/temas da prova); à aplicação de princípios gerais do procedimento administrativo e de regras procedimentais (nomeadamente em matéria de notificação, de fundamentação e de audição/participação); ao exercício do contraditório; à igualdade das partes e ao acesso à tutela jurisdicional], reclamem labor de interpretação, ou que se mostrem de elevada complexidade jurídica em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, já que revelam apenas um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre tais temáticas, não se evidenciando na decisio litis a proferir quanto as tais questões um qualquer carácter paradigmático em termos de a mesma poder servir como padrão orientador para ou em hipotéticos casos futuros.

15. E para além do manifesto interesse que o caso concreto terá para a recorrente não se vislumbra no mesmo uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase aquilo que são os limites do caso e os termos específicos que marcam a sua singularidade.

16. Por outro lado, temos que não se descortina a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito dado não resultar como minimamente convincente e plausível a argumentação produzida pela A. nessa sede, porquanto primo conspectu o juízo firmado pelo TCA/N no acórdão sob censura, ao sufragar a decisão do TAF/PRT, não aparenta ter incorrido nos erros lógicos ou jurídicos manifestos, mostrando-se estribado num discurso cuidado, inteiramente coerente e razoável daquilo que constitui o quadro normativo e principiológico posto em crise, cientes de que, ante o objeto de discussão legalmente admitido para o recurso de revista [art. 150.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA], está afastada qualquer possibilidade de reapreciação do julgamento de facto.

17. Em suma, no presente recurso não se colocam questões de relevância jurídica e social fundamental, nem nos deparamos com uma apreciação pelo tribunal a quo que, claramente, reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, pelo que não se justifica admitir a revista, impondo-se in casu a valia da regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da recorrente.
D.N..
Lisboa, 09 de março de 2023. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.