Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02303/11.0BEPRT
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
CONCLUSÕES
Sumário:I - A interposição de Recurso de Revista obsta ao trânsito em julgado do acórdão que a tem por objecto, pelo que, interposto Recurso para Uniformização de Jurisprudência durante a pendência do Recurso de Revista deve ser rejeitado (artigo 689.º, n.º 1 do CPC).
II – O Recurso para Uniformização de Jurisprudência, nas situações em que da decisão recorrida foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, deve (e só pode) ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da decisão (sumária ou acórdão) que, sobre o recurso de constitucionalidade, venha a ser proferida (artigos 281.º, 284.º do CPPT, 689.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1 e 80.º, n.º 4 da LOTC).
III - A omissão total de formulação de conclusões nas alegações do Recurso para Uniformização de Jurisprudência determina a rejeição liminar e imediata do respectivo requerimento de interposição (artigos 282.º, n.º 2 do CPPT e 639.º e 641.º, n.º 2 do CPC).
Nº Convencional:JSTA000P32060
Nº do Documento:SAP2024032102303/11
Recorrente:A... - SGPS, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

Acórdão


1. RELATÓRIO

1.1. “A... - SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A” deduziu Impugnação Judicial contra a liquidação correctiva à matéria tributável de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), do ano de 2008, no valor de € 1 041 913,05.

1.2. Como fundamento do pedido de anulação imputou ao acto de liquidação um conjunto de vícios, a saber: (i) relativamente à correcção à matéria tributável na esfera individual das empresas do grupo, ilegalidades conexas com a desconsideração fiscal dos custos incorridos com os seguros de saúde; com o tratamento fiscal da operação de cessão de créditos futuros para titularização; com a desconsideração dos custos incorridos com a alienação de activos tecnológicos e sistemas de informação; com a determinação das menos-valias e perdas apuradas pela A... em virtude da dissolução da B...; com os ajustamentos aos prejuízos fiscais e, por fim, com a tributação autónoma relativa a encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros e juros ADL e respectivas taxas; (ii) relativamente às correcções efectuadas ao RTGS do grupo, ilegalidades decorrentes da violação dos regimes de dupla tributação internacional, dos benefícios fiscais (SIFIDE) e do pagamento especial por conta.

1.3. Terminou a sua petição inicial nos seguintes termos: «Resulta evidente das considerações que atrás se expuseram que a liquidação subjacente à presente impugnação judicial é, quanto à totalidade das correcções que encerra, manifesta e incomportavelmente ilegal. Motivo pelo qual, ao abrigo dos artigos 103.º e 268.º, n.º 4 da CRP, 9.º, 52.º e 95.º da LGT, 133.º, n.º 2, alínea b) e 134.º do CPA (ex vi artigo 2.º, alínea c) da LGT), 112.º do Código das Sociedades Comerciais e, bem assim, dos artigos 40.º, 48.º, 68.º, 75.º, 81.º, 83.º e 98.º do Código do IRC, deverá ser anulada.».

1.4. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 31 de Março de 2014, a Impugnação Judicial foi julgada parcialmente procedente.

1.5. Inconformada com o julgamento na parte em que ficou vencida - que inclui todas as ilegalidades por si suscitadas com exclusão da ilegalidade da correcção relativa à desconsideração da menos-valia apurada pela anulação da participação social em sociedade participada face à sua dissolução e liquidação - interpôs a Impugnante recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 11 de Março de 2021, o julgou parcialmente procedente.

1.6. De novo inconformada interpôs a Recorrente três recursos jurisdicionais. Um Recurso de Revista, por requerimento entrado em juízo a 23 de Abril de 2021, e dois Recursos para Uniformização de Jurisprudência, por requerimentos entrados em juízo a 21 de Maio de 2021.

1.7. O Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Relator no Tribunal Central Administrativo Norte, por despacho de 7 de Setembro de 2021, determinou a notificação da Fazenda Pública nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 282.º n.º 3, do CPPT, relativamente aos três requerimentos de interposição de recurso. E, a 22 de Outubro de 2021, proferiu o seguinte despacho:

«Sem prejuízo do disposto no 6° do artigo 285° do CPPT, cumpre mandar subir os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, para apreciação do recurso de revista apresentado pela Impugnante.

Este recurso subirá imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - artigo 286° do CPPT.

Quanto aos recursos para uniformização de jurisprudência, parece-me que não estão reunidos os pressupostos da sua admissão e apreciação, já que o acórdão recorrendo, porque impugnado pelo recurso (ordinário) de revista, ainda não transitou em julgado (cf artigo 284° n° 1 do CPPT).

Contudo tal não obsta à subida dos autos para admissão e apreciação do recurso de revista, sendo certo que é aquele Supremo Tribunal que detém a competência, quer para o admitir em último termo, quer para apreciar qualquer dos recursos.

Uma vez que já correram os prazos de contra-alegação, subam os Autos.

Notifique.».

1.8. A Recorrente, regularmente notificada do despacho proferido a 22 de Outubro de 2021, nada disse, designadamente não apresentou reclamação.

1.9. Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Maio de 2022 a Revista não foi admitida.

1.10. Por requerimento de 2 de Junho de 2022, interpôs a Recorrente recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de Março de 2021.

1.11. Por requerimento de 7 de Junho de 2022 a Recorrente arguiu a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Maio de 2022 que não admitiu a revista.

1.12. Por acórdão de 26 de Outubro de 2022 este Supremo Tribunal Administrativo indeferiu a arguição de nulidade do acórdão que não admitiu a Revista.

1.13. Por despacho de 9 de Janeiro de 2023 foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

1.14. O Tribunal Constitucional, por decisão sumária proferida a 23 de Fevereiro de 2023, decidiu não conhecer o mérito do recurso que a Recorrente lhe dirigira.

1.15. A 20 de Março de 2023 o Tribunal Constitucional devolveu os autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.16. A 23 de Março de 2023 o Supremo Tribunal Administrativo remeteu os autos ao Tribunal Tributário do Porto.

1.17. A 30 de Maio de 2023 a Recorrente apresentou junto do Tribunal Tributário do Porto um requerimento, no qual, após consignar que interpusera a 21 de Maio de 2021 dois Recursos para Uniformização de Jurisprudência e que até esse momento não tinha sido notificada de qualquer decisão, solicitou que fosse informada do estado dos autos e dada celeridade a essas decisões.

1.18. Por despacho de 1 de Junho de 2023, a Meritíssima Juíza do Tribunal Tributário do Porto remeteu os autos a este Supremo Tribunal Administrativo.

1.19. Por despacho da ora Relatora, proferido a 16 de Setembro de 2023, foi suscitada a questão da extemporaneidade de interposição dos “dois recursos para uniformização de jurisprudência”, determinada a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem e, após, que os autos fossem ao Ministério Público para o mesmo efeito.

1.20. A Recorrente, por requerimento entrado em juízo a 2 de Outubro de 2023, defendeu a tempestividade de apresentação de ambos os Recursos interpostos para Uniformização de Jurisprudência, alegando, em resumo nosso, que o objecto ou questões suscitadas em cada um daqueles são distintos do objecto de Recurso de Revista, pelo que, conclui, todas as decisões relativas às questões que não foram convocadas neste último, transitaram em julgado e podem ser objecto de Recurso para Uniformização de Jurisprudência. Ou seja, para a Recorrente, na data em que os Recursos para Uniformização de Jurisprudência deram entrada em juízo, nada obstava à sua admissão.

1.21. A Excelentíssima Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

«O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, com vista nos autos, vem pronunciar-se do seguinte modo:

A Recorrente entende que os requerimentos para interposição de dois recursos de uniformização de jurisprudência, que deram entrada no dia 21/05/2021, foram atempadamente apresentados.

A impugnação foi deduzida pela A... – SGPS, S.A. contra a liquidação de IRC, relativa às correcções da matéria tributável de IRC do exercício de 2008, em consequência das inspecções tributárias realizadas individualmente a diversas empresas do grupo A... – SGPS, S.A.

Conforme resulta dos autos, correm seus termos processos de impugnação judicial de empresas do grupo que se encontram ou encontravam a aguardar o desfecho dos presentes autos.

Não se pode concordar com o entendimento da tempestividade dos recursos bem como com o entendimento de caso julgado parcial, por impossibilidade de autonomizar parte da sentença proferida em 1ª instância, a qual apenas transitou em julgado em 09/03/2023.

O douto despacho que antecede, proferido pela Exmª Senhora Conselheira, faz uma resenha completa do processado dos presentes autos.

Concorda-se integralmente com a análise ali efectuada relativamente à intempestividade dos recursos de uniformização de jurisprudência apresentados em 21/05/2021.

Efetivamente, parece-nos correto o despacho proferido em 22/09/2021, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, na parte em que determinou “Quanto ao recurso para uniformização de jurisprudência, parece-me que não estão reunidos os pressupostos da sua admissão e apreciação, já que o acórdão recorrendo, porque impugnado pelo recurso (ordinário) de revista, ainda não transitou em julgado (cf. artigo 284° n° 1 do CPPT).”

E também nos parece que deve ser conjugado com o teor do despacho anteriormente proferido a 07/09/2021, “Cumpra-se, antes de mais, o disposto no artigo 282º nº3 do CPPT relativamente a todos os três requerimentos de recurso apresentados pela Impugnante A....”, de que resulta que se tem como referência a apresentação de três requerimentos de recurso apresentados pela Recorrente.

Do mesmo modo se entende que inexiste qualquer outra interposição posterior de recurso para uniformização de jurisprudência que haja que apreciar.

Pelo exposto, somos de parecer que deverá ser proferida decisão no sentido da não admissão dos recursos para uniformização de jurisprudência, interpostos em 21/05/2021.»

1.22. Nas alegações juntas com os requerimentos de interposição de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, apresentadas a 21 de Março de 2021, não foram formuladas conclusões.

2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

2.1. Fundamentação de facto

As circunstâncias factuais relevante para efeito de apreciação e decisão da questão de tempestividade dos Recursos para Uniformização de Jurisprudência são as que constam do ponto 1. do presente acórdão que, para todos os efeitos, aqui se dão por integralmente reproduzidas.

2.2. Fundamentação de Direito

2.2.1. Da admissibilidade do Recurso para Uniformização de Jurisprudência: os pressupostos formais.

2.2.2. Conforme resulta dos autos, por despacho da ora Relatora de 14 de Setembro de 2023, foi suscitada a questão da extemporaneidade de interposição de qualquer um dos Recursos para Uniformização de Jurisprudência interpostos pela Recorrente.

2.2.3. Consta desse despacho, para o que releva, o seguinte:

«- Por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, a 11 de Março de 2021, foi julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente;

- Por requerimento da Fazenda Pública, de 19 de Março de 2021, foi requerida a rectificação de lapsos materiais do referido acórdão, indeferida por acórdão do mesmo Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de Maio de 2021;

- Por requerimento de 23 de Abril de 2021, a Recorrente interpôs recurso de revista do acórdão de 11 de Março de 2021;

- Por requerimentos de 21 de Maio de 2021, a Recorrente interpôs dois recursos para uniformização de jurisprudência;

- Por despacho de 7 de Setembro de 2021 do Excelentíssimo Senhor Juiz Relator dos autos no Tribunal Central Administrativo Norte determinou a notificação da Fazenda Pública nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 282.º n.º 3, do CPPT, relativamente aos três requerimentos de interposição de recurso;

- Por despacho de 22 de Outubro de 2021 o Excelentíssimo Senhor Juiz Relator, no mesmo Tribunal Central, proferiu o seguinte despacho:

«Sem prejuízo do disposto no 6° do artigo 285° do CPPT, cumpre mandar subir os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, para apreciação do recurso de revista apresentado pela Impugnante.

Este recurso subirá imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - artigo 286° do CPPT.

Quanto aos recursos para uniformização de jurisprudência, parece-me que não estão reunidos os pressupostos da sua admissão e apreciação, já que o acórdão recorrendo, porque impugnado pelo recurso (ordinário) de revista, ainda não transitou em julgado (cf artigo 284° n° 1 do CPPT).

Contudo tal não obsta à subida dos autos para admissão e apreciação do recurso de revista, sendo certo que é aquele Supremo Tribunal que detém a competência, quer para o admitir em último termo, quer para apreciar qualquer dos recursos.

Uma vez que já correram os prazos de contra-alegação, subam os Autos.

Notifique.»;

- A Recorrente foi notificada do referido despacho;

- Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Maio de 2022 a Revista não foi admitida;

- Por requerimento de 2 de Junho de 2022, a Recorrente interpôs recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de Março de 2023 para o Tribunal Constitucional

- Por requerimento de 7 de Junho de 2022 a Recorrente arguiu a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Maio de 2022 que não admitiu a revista;

- Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Outubro de 2022 foi indeferida a arguição de nulidade do acórdão que não admitiu a Revista;

- Por despacho de 9 de Janeiro de 2023 foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional;

- Por decisão sumária de 23 de Fevereiro de 2023, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do recurso que lhe fora dirigido pela Recorrente;

- A 20 de Março de 2023 o Tribunal Constitucional devolveu os autos ao Supremo Tribunal Administrativo;

- A 23 de Março de 2023, os autos foram remetidos pelo Supremo Tribunal Administrativo ao Tribunal Tributário do Porto;

- A 30 de Maio de 2023 a Recorrente apresentou um requerimento no Tribunal Tributário do Porto, no qual, após consignar que interpusera a 21 de Maio de 2021 dois recursos para uniformização de jurisprudência e que até esse momento não tinha sido notificada de qualquer decisão, solicita que seja informada do estado dos autos e celeridade na sua decisão;

- Por despacho de 1 de Junho de 2023, a Meritíssima Juíza do Tribunal Tributário do Porto remeteu os autos a este Supremo Tribunal Administrativo, atento o teor dos despachos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte de 7 de Setembro de 2021 e de 22 de Outubro de 2021.

II - Considerando o que ficou exposto, afigura-se-nos que, distintamente do que parece entender a Requerente, não existem nos autos quaisquer recursos para uniformização de jurisprudência para decidir, sendo que os requerimentos de interposição apresentados no Tribunal Central não foram, então, bem, admitidos, nem nesta data o podem ser.

Desde logo, porque na data em que os recursos para uniformização de jurisprudência foram interpostos ainda não transitara em julgado o acórdão recorrido, atenta a interposição do recurso de revista. Ou seja, não se mostrava, nessa data, preenchido o requisito previsto no artigo 284.°, n.° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Como, de resto, o Excelentíssimo Senhor Juiz Relator do Tribunal Central Administrativo Norte, a quem compete proferir o despacho de admissão (sem prejuízo de não vincular este Supremo Tribunal) deixou exarado no seu despacho de 22 de Outubro de 2021.

Por outro lado, tendo a parte sido notificada desse despacho e tendo-se conformado com a subida dos autos exclusivamente para apreciação do recurso de revista, do qual, após não ser admitido, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, tinha, necessariamente, que interpor recurso para uniformização de jurisprudência no prazo de 30 dias após o trânsito deste último acórdão, o que não fez.

Acresce, por fim, que nem por recurso aos princípios pro actione a solução alcançada pode ser distinta, uma vez que à convolação do requerimento apresentado a 30 de Maio de 2023 em requerimento para interposição de recurso para uniformização de jurisprudência obsta a ultrapassagem do prazo para esse efeito, uma vez que, tendo o acórdão do Tribunal Constitucional transitado em julgado a 9 de Março de 2023, na data de apresentação do referido requerimento - 30 de Maio de 2023 - há muito havia decorrido o prazo consagrado no já citado artigo 284.° do CPPT.

Donde, e em conclusão, afigura-se-nos que, contrariamente ao que resulta do requerimento ora junto aos autos, não existe qualquer recurso para uniformização para apreciar, quer porque os requerimentos recursos interpostos para uniformização de jurisprudência foram intempestivamente apresentados quer porque a Recorrente não apresentou requerimento de interposição de recurso para uniformização no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do Tribunal Constitucional.».

2.2.4. A Recorrente, como resulta do requerimento em que exerceu o direito do contraditório, não questiona que na data em que interpôs os Recursos para Uniformização de Jurisprudência, estava pendente Recurso de Revista que tinha por objecto o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21 de Março de 2021; que foi notificada da não admissão dos Recursos para Uniformização de Jurisprudência com fundamento em que o mesmo acórdão, por força da interposição do Recurso de Revista, não transitara em julgado; que do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte recorreu para o Tribunal Constitucional nem que, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão sumária deste último Tribunal não interpôs qualquer Recurso para Uniformização de Jurisprudência.

2.2.5. O dissentimento da Recorrente quanto ao despacho da ora Relatora cinge-se, tão só, ao entendimento por nós adiantado de que, a 21 de Maio de 2021, aquando da interposição dos dois Recursos para Uniformização de Jurisprudência, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de Março de 2021, por via da interposição do Recurso de Revista, ainda não transitara em julgado, razão pela qual não era digno de censura o despacho do Relator dos autos no Tribunal Central, a quem compete admitir ou não admitir o recurso (sem prejuízo de não vincular este Supremo Tribunal) em os não admitir e determinar a subida dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo para apreciação do recurso de Revista.

2.2.6. Para a Recorrente esse juízo não é correcto, por se dever entender que o acórdão, na parte em que apreciou as ilegalidades ou questões que não foram objecto do Recurso de Revista, transitou em julgado. E, consequentemente, que nada obstava, legalmente, a que interpusesse, nessa parte, Recurso para Uniformização, o que fez dentro do prazo de 30 dias contados desse trânsito, impondo-se, assim, concluir, como faz, que são tempestivos os dois Recursos para Uniformização de Jurisprudência interpostos a 21 de Maio de 2021.

2.2.7. Salvo o devido respeito, sem razão. Desde logo, porque o trânsito em julgado é um predicado da sentença (despacho ou acórdão) enquanto acto processual e não de cada um dos segmentos decisórios que nela possam ser isoladas. É o que resulta da noção de trânsito em julgado que nos é dada pelo artigo 628.º do CPC. E embora seja certo que, por força do preceituado no artigo 635.º do CPC, os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, nem pela anulação do processo, essa é uma questão que respeita à delimitação do recurso e não ao conceito do trânsito em julgado. Daí que, como já decidiu este Supremo Tribunal Administrativo, a restrição do objecto do recurso pode conduzir à preclusão do conhecimento das questões não submetidas a revisão pelo tribunal superior e que não sejam de conhecimento oficioso nessa fase, mas não ao trânsito em julgado parcial da sentença.

Em suma, a questão não é, como invoca a Recorrente, a de saber se hoje (ou há muito tempo), legal, doutrinal ou jurisprudencialmente se admite a existência ou não de trânsito em julgado parcial de decisões ou acórdãos. A questão é a própria noção de trânsito em julgado, sendo que, de todo o modo, sempre se adianta, em processo judicial tributário, no caso em sede de Impugnação Judicial, esse trânsito em julgado parcial não se verifica uma vez que qualquer um dos vícios invocados e dirigidos ao acto de liquidação pode, per se, determinar a anulação total da liquidação. É exactamente por isso que a Recorrente, na petição inicial, após ter invocado vários vícios, conclui pela “anulação da liquidação”. E é exactamente essa mesma anulação da liquidação que a Recorrente prosseguiu e pretende prosseguir com a interposição do Recurso de Revista, com o Recurso para o Tribunal Constitucional e com os Recursos para Uniformização de Jurisprudência que apresentou.

2.2.8. Diga-se, aliás, em reforço do nosso julgamento, que em situação paralela, isto é, quanto à possibilidade de existir trânsito em julgado parcial de acórdão para efeitos de tempestividade de interposição e admissão de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, ainda que, no caso em referência, relativa a acórdão fundamento, já este Supremo Tribunal Administrativo adoptou idêntico entendimento, conforme resulta do julgamento proferido a 22 de Setembro de 2021, no processo n.º 55/21.4BLSB, posteriormente confirmado no Acórdão n.º 515/2022, do Tribunal Constitucional, de 14 de Julho de 2022, proferido no processo n.º 905/21 (ambos os acórdãos integralmente disponíveis nos sites oficiais dos respectivos tribunais).

2.2.9. Em conclusão: nas situações em que é interposto Recurso de Revista, que constitui um recurso ordinário e que pressupõe, contrariamente ao Recurso para Uniformização de Jurisprudência, o não trânsito da decisão recorrida, e independentemente desse Recurso de Revista ter por objecto apenas um dos vícios imputados ao acto ou o julgamento relativo a todos os vícios imputados ao acto, a decisão ou sentença em que o(s) mesmo(s) foi apreciado(s) não transita em julgado. No caso, esse trânsito do acórdão só ocorreu com o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional interposto do acórdão do Tribunal Central de 11 de Março de 2021, conforme resulta, linearmente, do artigo 80.º n.º 4 da LOFPTC: “Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário.”.

2.2.10. Acresce que, revisitados os autos constatamos que existe um outro fundamento que impediria em absoluto, independentemente do julgamento de extemporaneidade que expendemos, que os Recursos para Uniformização de Jurisprudência apresentados a 21 de Maio de 2021 fossem admitidos e que é a circunstância de em nenhum deles a Recorrente ter formulado conclusões, o que sempre determinaria a sua liminar rejeição.

2.2.11. Efectivamente, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 281.º do CPPT, preceito que tem por epígrafe “Interposição, processamento e julgamento dos recursos”, os recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários, ainda que interlocutórias, regem-se pelo disposto no CPC, salvo o disposto no capítulo em que este normativo se insere. Extrai-se, assim, deste normativo, que, em matéria de recursos, relativamente a tudo quanto não esteja especialmente disciplinado nos artigos 282.º a 289.º do CPPT, deve observar-se o regime consagrado no ordenamento processual civil geral.

2.2.12. Quanto ao particular regime do Recurso para Uniformização de Jurisprudência em processo judicial tributário, estabelece o n.º 1 do artigo 284.º do CPPT [na redacção que passou a deter após a reforma operada pela Lei n.º 118/2019, aplicável por força do preceituado nos artigos 13.º, n.º 1, alínea c), ii), na redacção emergente do artigo 14.º da Lei 7/2021, de 26-2, uma vez que a decisão jurisdicional objecto do recurso interposto para Uniformização de Jurisprudência data de 11 de Março de 2021, ou seja, é posterior à data de produção de efeitos da Lei n.º 118/2019, ocorrida no dia 16 de Novembro de 2019, conforme artigo 14.º da citada Lei], que a petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e a infracção imputada ao acórdão recorrido. Regime que, sem prejuízo da terminologia utilizada, é similar ao contemplado nos artigos 688.º e 690.º do CPC, salvaguardada a restrição que neste é feita no que respeita à oposição incidir apenas sobre acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

2.2.13. Ora, no artigo 284.º do CPPT o legislador processual tributário limitou-se a regular as particularidades do requerimento de interposição do Recurso para Uniformização de Jurisprudência no processo judicial tributário tendo por referência o especial fundamento substancial que o informa. Daí que, enquanto normas de natureza especial, o seu valor e aplicabilidade se esgote na regulamentação daquelas particularidades, valendo, no mais, em tudo que com elas não conflitue, as regras gerais atinentes aos recursos, que, em processo judicial tributário, por força do já citado n.º 1 do artigo 280.º do CPPT, são as previstas no CPC.

2.2.14. Dentro dessas normas gerais avultam, para o que ora importa, as emergentes dos artigos 641.º, n.º 2 e 639.º do CPC (por remissão do artigo 692.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º, n.º 1 do CPPT), de cuja conjugação resulta que o relator deve indeferir liminarmente o recurso quando o requerimento não contenha ou não venha acompanhado de alegações ou quando as alegações não contenham quaisquer conclusões, conforme igualmente exigido pelo n.º 2 do artigo 282.º do CPPT. É, pois, indiscutível, que também no âmbito do Recurso para Uniformização de Jurisprudência previsto no CPPT (tal como no CPC), independentemente de qual seja o concreto fundamento invocado, «os argumentos devem terminar por proposições conclusivas, atenta a sujeição do recurso extraordinário à norma geral do artigo 639.º»(António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, 6ª Edição Actualizada, 2020, Almedina, anotação 2., ao artigo 690.º, página 543. No mesmo sentido já o Pleno desta Secção se pronunciou, no acórdão de 23-3-2022, proferido no processo n.º 1972/11.5BELRS).

2.2.15. A razão de ser desta exigência e da sanção imposta pelo ordenamento jurídico para a sua omissão, há muito legalmente consagrada, é evidente: são as conclusões que delimitam o objecto do recurso e fixam com precisão as questões a decidir. Apenas perante estas conclusões a apreciação se realiza com segurança e fica garantido que o tribunal de recurso apreende e aprecia todos os fundamentos passiveis de sustentar a almejada revogação. A sua formulação é, pois, sobremaneira importante para a pronúncia do Supremo Tribunal, atenta a natureza do tipo de recurso em apreço e o facto de se destinar a dirimir uma controvérsia jurisprudencial sobre a qual já existiu, em regra, uma pronúncia anterior de Supremo Tribunal Administrativo ou de um dos Tribunais Centrais (sem prejuízo de, no ordenamento processual jurídico-tributário, este tipo de recurso ainda ser admissível nas situações previstas no artigo 25.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto- Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

2.2.16. Donde, não constando de qualquer uma das motivações dos Recursos para Uniformização de Jurisprudência apresentadas a 21 de Março de 2021 a formulação de conclusões, mesmo que nenhum outro motivo existisse, e como vimos a todos os títulos a sua interposição foi extemporânea, sempre este Supremo Tribunal Administrativo está impedido de os admitir por falta de pressuposto formal determinante da sua rejeição liminar.

2.2.17. Formulando as nossas conclusões:

- Obstando a interposição de Recurso de Revista ao trânsito em julgado do acórdão que a tem por objecto é de rejeitar o Recurso para Uniformização de Jurisprudência que seja interposto durante a pendência do recurso de Revista (artigo 689.º, n.º 1 do CPC);

- Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem que ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da decisão (sumária ou acórdão) que aquele Tribunal Constitucional venha a proferir (artigos 281.º, 284.º do CPPT, 689.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1 e 80.º, n.º 4 da LOTC);

- A omissão total de formulação conclusões na motivação do Recurso para Uniformização de Jurisprudência determina a rejeição liminar e imediata do respectivo requerimento de interposição (artigos 282.º, n.º 2 do CPPT e 639.º e 641.º, n.º 2 do CPC, estas últimas aplicáveis aos Recursos para Uniformização de Jurisprudência por força do disposto no artigo 692.º do mesmo diploma legal em último citado).

3. DECISÃO

Por tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que integram o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em rejeitar os Recursos para Uniformização de Jurisprudência apresentados em Juízo pela Recorrente a 21 de Maio de 2021.

Custas pela Recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida.

Registe e notifique.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Fernanda de Fátima Esteves – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.