Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0633/22.4BEPRT
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
Sumário: Se a recorrente não põe em causa o entendimento das instâncias quando consideraram que a não alegação e demonstração da impossibilidade e inimputabilidade da obtenção do rótulo ecológico da UE ou de um rótulo equivalente determinava, por si só, a exclusão da sua proposta e tudo indica que, perante a letra do n.º 4 do art.º 1.º da Portaria n.º 72/2018, de 9/3, que aquelas decidiram com acerto, não se justifica a admissão da revista.
Nº Convencional:JSTA000P31919
Nº do Documento:SA1202402080633/22
Recorrente:A..., LDA.
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DE AVEIRO (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
1. “B... LDA.” intentou, no TAF, contra a UNIVERSIDADE DE AVEIRO e em que era contra-interessada a “A..., LDA.”, acção administrativa de contencioso pré-contratual, onde pediu a anulação do acto de exclusão da proposta que apresentara ao lote 1 - “serviços de limpeza dos espaços interiores” - do concurso público para “Aquisição dos Serviços de Limpeza dos edifícios da Universidade de Aveiro n.° 183 - NAC/UA - .../21”, bem como da respectiva adjudicação à contra-interessada, condenando-se a entidade demandada a adjudicar-lhe o contrato ou, subsidiariamente, condenando-a a não proceder à adjudicação, anulando-se o contrato que viesse a ser celebrado.
Foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido de anulação do referido acto de exclusão, anulou o despacho de adjudicação de 8/3/2022, do Reitor da Universidade de Aveiro e o contrato que entretanto tivesse sido celebrado e condenou a entidade demandada a proferir acto de não adjudicação do lote 1 do mencionado concurso.
A contra-interessada apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 30/11/2023, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença.
É deste acórdão que a contra-interessada vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.° 150.°, n.° 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.° 150.°, n.° 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
A sentença, para julgar a acção parcialmente procedente, considerou, por um lado, que o acto de exclusão da proposta da A. não padecia da ilegalidade que lhe era imputada, mas, por outro, que a admissão da proposta da contra-interessada enfermava de erro nos pressupostos por, desrespeitando a exigência da cláusula 4.a, n.° 1, al. f), do caderno de encargos, apresentar termos ou condições que violavam aspectos de execução do contrato subtraídos à concorrência, geradores da sua exclusão, nos termos dos art°s. 70.°, n.° 2, al. b) e 146.°, n.° 2, al. o), ambos do CCP. E, uma vez que as demais propostas apresentadas tinham sido excluídas, por força do art.° 79.°, n.° 1, al. b), do CCP, teria de ser proferido acto de não adjudicação, havendo também lugar à anulação do contrato que tivesse sido celebrado por nada se ter alegado quanto ao afastamento desse efeito anulatório ao abrigo do n.° 4 do art.º 283.° do mesmo diploma legal.
Quanto ao aludido vício de erros nos pressupostos, a sentença considerou-o verificado com base nas seguintes considerações:
“(…)
Retornando ao caso dos autos, como emerge do probatório o produto ... exibe o EcoLogo e, como se escreveu no parecer técnico, “sendo este um rótulo ecológico certificado (tipo 1 de acordo com a Norma Internacional EN ISSO 140204) tal como listado na Rede Internacional de rótulos ecológicos - Environmental standards for eco-friendly produts \ Global Ecolabelling Network", o "..., sendo um produto que ostenta o rótulo ecológico (tipo 1) é, por definição um produto que apresenta um impacto ambiental reduzido ao longo de todos o seu ciclo de vida desde a produção dos componentes que integram os produtos até ao seu uso) (como definido no Regulamento (CE) n.° 66/2010)’’.
Ou seja, o ... obedece aos critérios dos sistemas europeus de rótulo ecológico (EN ISO 14024 tipo 1) e, nessa medida, entende-se que, nos termos do n.° 3 do art. 1. ° da Portaria n.° 72/2018 de 9 de março e do art. 43.°, n.° 1 da Diretiva 2014/24/EU, apresenta outro rótulo ecológico que confirma que os produtos obedecem a requisitos de rotulagem equivalentes ao rótulo ecológico da União Europeia.
Como dissemos não se mostra provado que os produtos ... 4 in 1, ... e ... 200 possuam rótulo ecológico da UE para produtos de limpeza de superfícies duras, bem outro rótulo ecológico relativo a produtos para limpeza de superfícies duras. Assim, a sua aceitação para efeito de verificação do cumprimento da exigência prevista na cláusula 4.ª n.° 1 al. f) do CE dependeria de estarmos na hipótese regulada no n.° 4 do artigo 1.° da Portaria 72/2018, de 9 de março, isto é,
“Caso se possa comprovar que um operador económico não tem possibilidade de obter, dentro do prazo estabelecido, o rótulo específico indicado pela entidade adjudicante ou um rótulo equivalente, por razões que lhe não sejam imputáveis, a entidade adjudicante deve aceitar outros meios de prova adequados, como a documentação técnica do fabricante, desde que o operador económico em causa prove que as obras, bens móveis ou serviços a ser por ele prestados cumprem os requisitos do rótulo especifico ou os requisitos específicos indicados pela entidade adjudicante.”
Ora, em primeiro lugar, nada foi alegado ou demonstrado, seja em sede procedimental ou nestes autos, quanto à impossibilidade da Cl obter, dentro do prazo para apresentação das propostas, o rótulo ecológico da UE ou um rótulo equivalente e a inimputabilidade à Cl das razões dessa impossibilidade.
Com efeito, em momento algum, a entidade adjudicante, ora Entidade Demandada, e a Cl, sustentaram porque não teria sido possível à Cl obter, por razões que não lhe seriam imputáveis, o rótulo ecológico para os produtos propostos. Ambas se limitam a entender que, para estes efeitos, bastaria a demonstração de que os produtos ... 4 in 1, ... e ... 200 cumprem os requisitos do rótulo específico ou os requisitos específicos indicados pela entidade adjudicante. Mas não é isso que resulta da lei, seja do n.° 4 do artigo 1.º da Portaria 72/2018, de 9 de março, seja do n.° 1 do art. 43.° da Diretiva 2014/24/UE.
E tanto basta para afastar a aceitabilidade dos produtos ... 4 in 1, ... e ... 200 para a validação do cumprimento da percentagem de 70% a que se reporta a cláusula 4ª n.° 1 al. f) do CE.
Ademais, cumpre notar que o fornecedor da Cl, a C..., comercializa produtos para o Sistema Quattro Select, concretamente o ... 200 Pur-Eco, ... Pur-Eco e ... 100 Pur-Eco, que apresentam rótulo ecológico da União Europeia relativo a produtos para limpeza de superfícies duras, pelo que, naturalmente, nem sequer se vislumbra onde residiria a impossibilidade da Cl propor produtos que exibem rótulo ecológico.
Sem prejuízo, adiante-se que também não ficou provado que os produtos ... 4 in 1, ... e ... 200 "cumprem os requisitos do rótulo específico ou os requisitos específicos indicados pela entidade adjudicante.”
Atenta a leitura que fizemos da cláusula 4.ª n.° 1 al. f) do CE, ou seja, que a sustentabilidade é aferida por referência ao rótulo ecológico da UE, o que se exigia era a demonstração que os produtos ... 4 in 1, ... e ... 200 cumprem os requisitos do rótulo ecológico da UE concretamente os que se encontram no Anexo da Decisão (UE) 2017/1217 da Comissão de 23 de junho de 2017.
A este respeito na decisão impugnada, depois de se fazer referência aos termos em que ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 66/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de novembro de 2009 são determinados os critérios de atribuição do rótulo ecológico da EU constantes com o elativo a um sistema de rótulo ecológico da UE, apenas se refere que na proposta da Cl
“constam menções a que os superconcentrados, embalados num sistema de bolsas ecológicas, asseguram que não ficam vestígios de produto nas embalagens, reduzindo o desperdício de embalagens e otimizando os custos com armazenamento e transporte, reduzindo assim o impacto ambiental.
Evidenciam, também, os benefícios em termos de sustentabilidade anual das bolsas ecológicas, mostrando a preocupação ambiental no ciclo de vida dos produtos;
constam menções que este sistema apresenta produtos com os seguintes benefícios em termos de sustentabilidade anual;
Redução na produção, no transporte, na armazenagem e na utilização de químicos em 441 L (redução de 98,0%);
Redução na produção, no transporte, na armazenagem e na eliminação de embalagens de plástico em 125,6 kg (redução de 99,6%);
Redução na produção, no transporte, na armazenagem e na eliminação de embalagens de cartão em 26,6 kg (redução de 98,9%);
Redução nas emissões de gases de efeito estufa, equivalentes a CO2, só derivado da embalagem, em 165,3 kg (redução de 99,4%).”
E de forma conclusiva entende-se que “é inegável que os mesmos são produtos equivalentes, na medida em que produzem os mesmos efeitos e apresentam igual virtude aos previstos no Rótulo Ambiental”.
O exposto revela que para se alcançar a conclusão da - equivalência não foi feita qualquer análise comparativa entre os produtos da Cl, considerando os elementos de prova remetidos pela Cl - e que se bastaram com as fichas técnicas e as fichas de dados de segurança, e os requisitos de atribuição do rótulo ecológico da UE que se encontram no Anexo da Decisão (UE) 2017/1217 da Comissão de 23 de junho de 2017.
Considere-se também que as menções que a entidade adjudicante extraiu da proposta da Cl e enunciadas como fundamento para o juízo de equivalência, não patentemente insuficientes para a demonstração do preenchimento, por aqueles três produtos, dos requisitos específicos de cada um dos 8 critérios do rótulo ecológico da EU relativos a produtos para limpeza de superfícies duras, e correspondentes termos de avaliação e verificação, limiares de medição e especificidades.
A ausência dessa análise comparativa e a insuficiência das considerações tecidas em sede de relatório final evidencia o erro manifesto em que se traduziu o entendimento da entidade adjudicante quanto à aceitação daqueles produtos para preenchimento da percentagem mínima fixada na cláusula 4.ª n.° 1 al. f) do CE.
Recordando-se que, como emerge de forma expressa do n.° 4 do artigo 1.° da Portaria 72/2018, de 9 de março, o ónus da prova de que os produtos cumprem os requisitos do rótulo é da Cl, recaindo sobre a ED o ónus da prova do preenchimento dos pressupostos da sua atuação, constata-se, ainda, que não ficou provado nestes autos que o sistema de diluição para produtos concentrados Quattro Select e os produtos ... 4 in 1, ... e ... 200 cumprem os requisitos do rótulo ecológico da União Europeia relativo a produtos para limpeza de superfícies duras.
Pelo que, naturalmente, para verificação da vinculação da Cl a - afetar à execução do contrato produtos de limpeza, sendo que pelo menos 70% dos mesmos são sustentáveis e exibem o rótulo ecológico da União Europeia relativo a produtos de limpeza de superfícies duras; ”, apenas se poderia considerar o ... como sendo sustentável o que se mostra atestado pela exibição de rótulo ecológico equivalente.
Nestes termos, porque dos 4 produtos propostos pela Cl, apenas 1 se enquadra na exigência da cláusula 4.ª n.° 1 al. f) do CE, tal significa que a Cl apenas propõe 25% de produtos “sustentáveis e exibem o rótulo ecológico da União Europeia relativo a produtos de limpeza de superfícies duras”.
(…).”
O acórdão recorrido, após julgar improcedente a impugnação da matéria de facto, remeteu para a sentença a matéria respeitante ao erro nos pressupostos de que padecia o acto de admissão da proposta da contra-interessada e entendeu ser inaplicável no caso o princípio do aproveitamento do acto administrativo, nos termos do art.° 163.°, n.° 5, al. c), do CPA.
As instâncias entenderam, assim, que a exigência da al. f) do n.° 1 da cláusula 4.ª do caderno de encargos só se poderia considerar cumprida, quanto aos produtos para limpeza de superfícies duras propostos pela contra-interessada, se ocorresse a hipótese prevista no n.° 4 do art.° 1.° da Portaria n.° 72/2018, de 9/3, de acordo com a qual tinha de se comprovar que ela não tivera a possibilidade de obter, dentro do prazo de apresentação da proposta, o rótulo específico ou um rótulo equivalente por razões que não lhe eram imputáveis, caso em que a entidade adjudicante devia aceitar outros meios de prova, como a documentação técnica do fabricante, através dos quais ela provasse que os produtos cumpriam os requisitos do rótulo específico. E uma vez que nada foi alegado nem demonstrado, em sede procedimental ou nestes autos, quanto às referidas impossibilidade e inimputabilidade, era o que bastava para afastar a aceitabilidade dos produtos “... 4 in 1”, “...” e “... 200” para a validação do cumprimento da percentagem de 70% a que se reportava a aludida cláusula do caderno de encargos, sendo certo que, de qualquer modo, não ficara provado que tais produtos cumprissem os requisitos do rótulo específico.
A contra-interessada justifica a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão da interpretação do n.° 4 do art.° 1.° da Portaria n.° 72/2018, conjugado com o art.° 342,°, n.° 1, do C. Civil, cuja importância extravasa os presentes autos e que ainda não foi objecto de apreciação pelo STA e com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, por recair sobre a A. - como facto constitutivo do seu direito - o ónus da prova da não equivalência das características dos produtos que apresentou com os requisitos dos rótulos exigidos pelas peças do concurso e do erro grosseiro em que incorreu o júri e o despacho de adjudicação ao considerarem verificada tal equivalência, pelo que, face aos factos que foram dados por provados, não há base legal para a exclusão da sua proposta, tendo sido também violado o princípio da separação de poderes e a reserva da actividade administrativa e cometida a nulidade prevista na al. c) do n.° 1 do art.° 615.° do CPC. Alega ainda que o acto de adjudicação sempre deveria ser aproveitado nos termos do art.° 163.°, n.° 5, al. c), do CPA, porque “o vício de que o ato aparentemente padece - a falta de notificação da ata n.° 2 a todos os concorrentes - não implicaria uma alteração do seu conteúdo essencial”.
Na revista, a recorrente não põe em causa o entendimento das instâncias quando consideraram que a não alegação e demonstração da impossibilidade e inimputabilidade da obtenção do rótulo ecológico da EU ou de um rótulo equivalente determinava, por si só, o incumprimento do disposto na cláusula 4.ª, n.° 1, al. f), do caderno de encargos, e, em consequência, a exclusão da sua proposta.
Para além desta ausência de impugnação ser aparentemente geradora da inviabilidade da revista, de a nulidade invocada se traduzir num erro de julgamento e de o aproveitamento do acto administrativo ser inaplicável por não estar aqui em causa a não notificação de uma acta, tudo indica que, perante a letra do n.° 4 do art.° 1.° da Portaria n.° 72/2018, as instâncias, de forma amplamente fundamentada, decidiram com acerto.
Assim, mostrando-se aparentemente correcta a solução jurídica adoptada e tudo apontando para a inviabilidade do recurso, não há uma clara necessidade de reapreciação do aresto recorrido, devendo, por isso, prevalecer a regra da excepcionalidade da admissão das revistas.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista. Custas pela recorrente

Lisboa, 8 Fevereiro de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.