Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0875/12.0BELRA |
Data do Acordão: | 06/22/2022 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO |
Sumário: | Não sendo possível o julgamento em substituição, impõe-se determinar a baixa do processo à primeira instância para conhecimento do outro vício invocado pelo impugnante – (i) erro sobre os pressupostos de facto e de direito, (ii) falta de fundamentação do ato, (iii) falta de requisitos legais da notificação datada de 31/07/2008, e, (iv) prescrição. |
Nº Convencional: | JSTA000P29597 |
Nº do Documento: | SA2202206220875/12 |
Data de Entrada: | 11/12/2021 |
Recorrente: | IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. |
Recorrido 1: | A............, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem A………., S.A., recorrida nos presentes autos, apresentar arguição de nulidade do Acórdão proferido em 02/02/2022, que concedeu provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos: 1º. Na petição Inicial, a Impugnante suscitou as seguintes questões: 1.1) Artigos 10º e seguintes da PI: «II – Questão Prévia - DA FALTA DOS REQUISITOS LEGAIS DA NOTIFICAÇÃO 1106/DAD/UADA/2008, de 31-07-2008 – Nulidade da mesma.», na medida em que a decisão final impugnada, não se pronunciou acerca da invocada nulidade da notificação 1106/DAD/UADA/2008, referindo apenas, na pág. 4, que “Considerando que essa empresa não apresentou qualquer resposta susceptível de impugnar o conteúdo do ofício de audiência prévia supra-referido, determina-se o pagamento da quantia de € 42.538,25, sendo consequentemente nulo todo o processado posterior e, em conformidade, também a decisão final. 1.2) Artigos 19º e seguintes da PI: «III - Falta fundamentação Acto Administrativo - Pressupostos de facto e de direito errados - Errónea qualificação e quantificação das taxas em apreço.», 1.3) Artigos 60º e seguintes da PI: «IV - Cautelarmente A) - Caducidade do Direito de Liquidação. B) Da Prescrição.» 2º. Terminando, com o seguinte pedido: «TERMOS EM QUE: a) Deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente e, em consequência ser declarada a anulabilidade da notificação 1106/DAD/UADA/2008 de 31/07/2008, uma vez que a mesma não identifica as razões de facto e de direito, e quais as condutas imputadas á arguida, numa violação grave do art.º 100º e 101º do CPA e, consequentemente, deverá ser declarado nulo todo o processado posteriormente, ou seja a própria decisão final com a referência 006958/2012 aqui impugnada; OU, CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA, b) Deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente e, em consequência reconhecer-se ( i ) a existência dos invocados vícios, ( ii ) que a A………… não deve as taxas referidas, ( iii ) com a consequente anulação da liquidação do IFAP – Instituto de Financiamento à Agricultura e Pescas – com a referência 006958/2012, notificada à A……….. em 10 de Abril de 2012. c) Devendo em todo o caso reconhecer-se as invocadas excepções da caducidade do direito á liquidação e da prescrição das prestações tributárias em apreço.» 3º. Na Sentença, proferida em 20.07.2021, pelo T.A.F. de Leiria, foi decidido: «Face ao exposto, procede o fundamento da caducidade do direito à liquidação invocado pela Impugnante, com a consequente anulação do ato de liquidação impugnado».o que se decidirá no segmento decisório a final. ** Quanto aos demais fundamentos invocados, fica prejudicado o seu conhecimento face à procedência da impugnação, pelas razões supra expostas, conforme estatui o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.» 4º. No Douto Acórdão, proferida em 02.02.2022, foi decidido: «Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e manter na ordem jurídica os actos impugnados.». 5º. Porquanto: «(…) a jurisprudência desta secção vem entendendo que não será aplicável o regime previsto no arto 45º da Lei Geral Tributária, o que se justifica porque «o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução] fiscal» (…)». Ora, 6º. Tem-se por evidente que o Acórdão proferido, limita-se à análise e decisão da questão relativa à “caducidade do direito à liquidação” pelo decurso do prazo de 4 anos a que alude o nº 1 do arto 45º da L.G.T., 7º. Tal como, aliás, a própria Sentença, proferida em primeira instância, pelo T.A.F. de Leiria, que face à prejudicialidade das demais questões, declarando procedente a caducidade do direito à liquidação, as não apreciou. Ora, 8º. Face à decisão, ínsita no Doutro Acórdão proferido em 02.02.2022, as supra referidas questões, com excepção da “caducidade do direito à liquidação”, ficam por apreciar, 9º. Dado que, tal Acórdão, decide, peremptoriamente, «manter na ordem jurídica os actos impugnados.». 10º. Tal circunstancialismo, consubstancia omissão de pronúncia, na medida em que, nos termos do art.º 665.º, nº2, do CPC, «2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.» (aplicável ex vi art.º 281.º do C.P.P.T. – “Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários, ainda que interlocutórias, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil, salvo o disposto no presente título.”; art.º 677º, nº 3 – “ 3 - O presente recurso [PER SALTUM] é processado como revista, salvo no que respeita aos efeitos, a que se aplica o disposto para a apelação.”; E art.º 679.º, do C.P.C. – “São aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com exceção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes.”). 11º. A omissão de pronúncia está contemplada no preceito do art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte - aplicável aos acórdãos da Relação ex vi do art. 666.º do CPC, segundo o qual é nula a sentença (e o acórdão) quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”; Esta nulidade encontra-se intimamente ligada à regra estabelecida no art. 608.º, n.º 2, 1.ª parte; E verifica-se quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, o que é o caso, na medida em que as mesmas não constituem, manifestamente, meros “argumentos” ou “razões”. Pelo que, 12º. Neste contexto, improcedendo o fundamento da caducidade do direito à liquidação invocado pela Impugnante, impõe-se a devolução do processo ao Tribunal recorrido (atenta a inaplicabilidade, nos termos do art.º 679º, do art.º 665.º, nº2, ambos do C.P.C., quanto a este último, na parte em que dispõe “ 2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.”) para apreciação das questões prejudicadas pela solução daquela questão (Cfr., nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-05-2012, Processo nº 0675/11). Termos em que se requer a V. Exas., que se dignem: a) Declarar a nulidade do Acórdão proferido em 02.02.2022, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, atento o não conhecimento das demais questões suscitadas pela Impugnante, na Petição Inicial, cujo conhecimento pelo Tribunal a quo, ficou prejudicado, em consequência da declaração à caducidade do direito à liquidação; b) Reformar o Acórdão ora reclamado, expurgando do respectivo dispositivo a decisão de «manter na ordem jurídica os actos impugnados.» e consequentemente, ordenando a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de proferir decisão quanto às demais questões suscitadas pela Impugnante; Ou em alternativa, conhecendo das mesmas, nos termos do art.º 665.º, nº2, do CPC. b) Ou, revogada a decisão na parte que determinou a imediata procedência da impugnação, o próprio Tribunal ad quem aprecia ou demais fundamentos primitivamente suscitados pela Impugnante. * Sem vistos, os autos vêm à conferência para decidir. * 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1.- Motivação de Direito Em face dos termos em que foram enunciados os fundamentos da arguição de nulidade, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida no acórdão que decidiu conceder provimento ao recurso, padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, porquanto o acórdão limita-se à análise e decisão da questão relativa à “caducidade do direito à liquidação” pelo decurso do prazo de 4 anos a que alude o nº 1 do artº 45º da L.G.T., não tendo tomado conhecimento das demais questões suscitadas pela Impugnante. Estabelece o art. 615°/1, d) do CPC (em consonância com o artº 125º do CPPT), que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no já citado art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal. Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão. Vício relativamente ao qual importa definir o exacto alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade. Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia: «[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.» «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» O mesmo é dizer, o tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam, ou dizer ainda, o juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente. Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida. Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.» Numa que parece ser ainda maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO: «A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.» Todavia, aquele autor logo ressalva que «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”». Vejamos, então, se se verifica a nulidade por Omissão de pronúncia assacada ao acórdão reclamado. A Requerente sustenta ainda que o STA omitiu pronúncia sobre questão que devia apreciar estando o acórdão inquinado quando, no fundamental, tendo a questão da “caducidade do direito à liquidação”, sido apreciada pelo Tribunal a quo, enquanto questão prejudicial, ficando prejudicada a apreciação de todas as demais questões suscitadas pela Impugnante, no Articulado de Impugnação Judicial, uma coisa, é certa: (a) Ou a revogação da decisão relativa à caducidade dá lugar ao reenvio do processo ao Tribunal recorrido, para apreciação das demais questões suscitadas na Impugnação; (b) Ou, revogada a decisão na parte que determinou a imediata procedência da impugnação, o próprio Tribunal ad quem aprecia ou demais fundamentos primitivamente suscitados pela Impugnante. Ora, sucede que na sentença recorrida se consignou que “Em face do exposto, cumpre ao Tribunal apreciar e decidir, pela ordem indicada, as seguintes questões: (i) caducidade do direito à liquidação, (ii) erro sobre os pressupostos de facto e de direito, (iii) falta de fundamentação do ato, (iv) falta de requisitos legais da notificação datada de 31/07/2008, e, (v) prescrição.” E o decidido no acórdão reclamado quanto ao vício substantivo caducidade do direito à liquidação implicava a impossibilidade de conhecimento em substituição. No artigo 665.º do CPC, consagra-se a regra da substituição ao tribunal recorrido determinado o seu nº 2 que “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.” Assim, atento o provimento do recurso da AT e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, das demais questões cuja apreciação foi julgada prejudicada pela questão do erro sobre os pressupostos. Acontece que, como nos encontramos no espaço do recurso de revista, por força do disposto no artº 679º do CPC a aplicação do regime da apelação sofre a excepção nele preconizada, a saber, “são aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com exceção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes.” Por assim ser, não é possível o pretendido julgamento em substituição, impondo-se, por isso, a baixa do processo à primeira instância para conhecimento dos outros vícios invocados pelo impugnante acima identificados. * 3.- DecisãoTermos em que, face ao exposto, Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, declarar a nulidade do acórdão, anteriormente, proferido nestes autos, quanto ao seu segmento decisório, o qual se substitui por decisão com, além do mais, este teor: conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, devendo o processo baixar ao Tribunal “a quo” para conhecimento das outras questões invocadas na p.i. e cuja cognição foi considerada prejudicada, se a tal nada mais obstar. Sem custas, quanto à tramitação deste incidente. * Lisboa, 22 de Junho de 2022. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro. |