Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0582/17
Data do Acordão:06/06/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IRC
VALOR
CUSTOS
MENOS VALIAS
Sumário:A norma do artigo 45º, n.º 3 do CIRC não é aplicável quando ocorre a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo.
Nº Convencional:JSTA000P23387
Nº do Documento:SA2201806060582
Data de Entrada:05/18/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) datada de 22 de Fevereiro de 2017, que julgou procedente a impugnação deduzida por A…………., SA, contra a decisão proferida em sede de recurso hierárquico deduzido do indeferimento da reclamação graciosa do acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2011. A sentença recorrida procedeu à anulação do acto recorrido anulando parcialmente o acto de autoliquidação de imposto efectuado pelo impetrante.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. A douta sentença a quo defende posição contrária à defendida pela AT, no que concerne à interpretação que permite a aplicação da limitação do artigo 45°, n°3 do CIRC às perdas por justo valor em ativos financeiros.
II. De facto, salvo o devido respeito por posição contrária, entende a Fazenda Pública que relativamente à interpretação preconizada, a douta sentença de que se recorre enferma de vicio de violação de lei.
III. Porquanto, baseou-se, a sentença recorrida no inexato pressuposto, que o artigo 45°, n° 3 do CIRC não acolhe as perdas por relativas a instrumentos financeiros mensurados ao justo valor.
IV. Com efeito, a simples interpretação dos textos normativos permite concluir que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros cabem no âmbito da previsão do artigo 45°, n° 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor.
V. O teor do artigo 45°, n° 3 do CIRC, no sentido da sua aplicação a todas as perdas relativas a partes de capital, nomeadamente, às perdas dos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor, permite um tratamento mais igualitário, não só no que concerne às mais e menos-valias, como também às perdas relativas às participações superiores a 5%.
VI. Sendo que, a admitir-se a interpretação acolhida na sentença a quo, no sentido da aceitação integral das variações negativas por justo valor para efeitos do apuramento do lucro tributável, em ordem ao critério da realização, a nosso ver, impunha, caso fosse essa a intenção do Legislador, a alteração da norma.
VII. Contudo, desde o OE de 2006, passando pelas várias e sucessivas alterações ao CIRC, nomeadamente, à adaptação do IRC ao SNC, a redação do artigo 45°, n° 3, do CIRC permaneceu inalterada.
VIII. Isto é, não foram eliminados os limites à dedutibilidade das perdas ou variações patrimoniais negativas associadas a partes de capital, o que não será alheio à aprovação de medidas de consolidação orçamental justificadas pela crise financeira contemporânea às aludidas alterações legislativas.
IX. A ser acolhida a interpretação, no sentido da exclusão do artigo 45°, n° 3 (anterior artigo 42°, n° 3) do CIRC relativamente às perdas por justo valor “[é] ir na direção contrária da letra da Lei, com mero suporte em imprecisões conceptuais”…
X. E, constituiria uma descriminação positiva no que concerne a estas perdas, não se vislumbrando razões para tal, uma vez que se não encontra prevista na lei.
XI. Assim, e em suma, defendemos a inclusão das perdas por justo valor de ativos financeiros no âmbito de previsão do artigo 45°, n° 3 do CIRC, por ser esse o sentido que resulta da simples interpretação do texto normativo e que permite um tratamento igualitário da generalidade das perdas com partes sociais, independentemente do nível de participação que aquelas partes representem no capital e do critério de mensuração adotado, atenta a própria neutralidade no tratamento fiscal das perdas ou variações patrimoniais associada a partes de capital.
XII. Pelo que, a nosso ver, com o devido respeito, a interpretação acolhida na sentença recorrida configura uma violação do artigo 9° do Código Civil e do artigo 45°, n°3 do CIRC, conjugado com o artigo 5° do Decreto-Lei n° 159/2009, de 13/07 e o artigo 18°, n°9, al a) do CIRC.
XIII. Nesta conformidade, e quanto a esta questão, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que, face às questões de direito suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, se pronuncie sobre o pedido formulado pela FP, nomeadamente no sentido de ser dado provimento ao recurso.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência, deverá a sentença recorrida ser revogada assim se fazendo a costumada Justiça.

Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
I. Em causa nos presentes autos estava a aplicação ou não do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC aos ajustamentos decorrentes da aplicação do método do justo valor a instrumentos financeiros reconhecidos através de resultados, mais concretamente, se aquelas perdas deveriam ser «consideradas pela totalidade» ou em «apenas em metade do seu valor por aplicação do disposto no n°3, do artº 45, do CIRC.»;
II. Após justificar e fundamentar os motivos pelos quais entendeu o Tribunal “a quo” não alinhar pelo mesmo diapasão defendido pela AT - quer no que concerne à invocação das normas internacionais de contabilidade assim como aos alegados vícios de inconstitucionalidade, considerar - E, salvo o devido respeito, no entendimento da Recorrida, BEM - que «os ajustamentos dos gastos reconhecidos pelo justo valor através de resultados, relativos a instrumentos de capital próprio nas condições apostas na alínea a), do n°9, do art° 18.º, do CIRC, devem ser considerados na totalidade, tanto no período transitório para o S.N.C., a que se refere o n.° 1 do artº do Dec lei n°159/2009, de 13.07, como da consideração da perda verificada no exercício de 2011 relativamente à idêntica participação financeira».
III. Ou seja, entendeu então o Tribunal “a quo” que, ao contrário do entendimento da AT (aqui Recorrente) os ajustamentos dos gastos reconhecidos pelo justo valor através de resultados, relativos a instrumentos respeitantes à participação financeira detida pela aqui Recorrida (participações na financeira no “BCP”, inferior a 5%), não estavam sujeitas ao limite constante do nº 3 do artigo 45.º do CIRC, pelo que as respectivas perdas decorrentes do justo valor deveriam ser fiscalmente consideradas na sua totalidade, julgando assim a presente impugnação judicial totalmente procedente, ordenando, conforme peticionado, pela anulação parcial do acto de autoliquidação de imposto, «por vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito do tributo».
IV. Discordando da douta sentença proferida, veio então a AT deduzir o presente Recurso invocando que a sentença proferida «enferma de vício de violação de lei» com o fundamento de que a sentença assentou num «inexacto pressuposto que o artigo 45º nº 3 do CIRC não colhe as perdas por relativas a instrumentos financeiros mensurados ao justo valor» justificando essa sua posição com o argumento de que «a simples interpretação dos textos normativos permite concluir que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros cabem no âmbito da previsão do artigo 45.º n.° 3 do Código do IRC», defendendo assim que apenas deveriam ser consideradas em metade do seu valor (cfr. Pontos III e IV das Conclusões das Alegações);
V. Defende ainda a AT que “a ser acolhida a interpretação, no sentido da exclusão do artigo 45° n°3 (anterior 42°, n.° 3) do CIRC relativamente às perdas por justo valor “[é]” ir na direcção contrária da letra da Lei com o mero suporte em imprecisões conceptuais”, invocando a Decisão do CAAD proferida no Processo 90/2016-T (cfr. Pontos IX das Conclusões das Alegações);
VI. Considerando, então, que «a interpretação acolhida na sentença recorrida configura uma violação do artigo 9.° do Código Civil e do artigo 45.°, n°3 do CIRC, conjugado com o artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 159/2009, de 13/07 e o artigo 18.º, nº 9 al. a) do CIRC» (Ponto XII das Conclusões das Alegações);
VII. Ora, salvo o devido respeito, considera a Recorrida que nenhuma censura merece a sentença aqui em apreço, tendo o Tribunal «a quo» realizado uma correcta interpretação e aplicação do direito, pelo que, ao contrário do que advoga a Recorrente, não padece de qualquer vício.
SENÃO VEJAMOS;
VIII. A Recorrida demonstrou - e o Tribunal assim o considerou - que a aplicação da limitação do n° 3 do artigo 45° do Código do IRC aos gastos apurados com os instrumentos financeiros reconhecido pelo justo valor através de resultados é totalmente desprovida de qualquer base legal e desconforme com os princípios plasmados na Constituição.
IX. Conforme foi demonstrado pela análise da norma considerando os seus elementos histórico e teleológico, à luz do princípio da dependência parcial entre contabilidade e fiscalidade, estamos perante instrumentos financeiros em que se encontra afastada a capacidade de influenciar a cotação de mercado, não havendo possibilidade de controlo e/ou manipulação dos impactos fiscais estando, por isso, afastadas quaisquer preocupações de controlo de abusos do contribuinte.
X. Por outro lado, fica demostrado que não foi intenção do legislador fiscal incluir os ajustamentos negativos do justo valor no conceito de “outras perdas relativas a partes de capital” previsto no n° 3 do artigo 45° do Código do IRC,
XI. Autonomizando, assim, o regime dos instrumentos financeiros reconhecidos ao justo valor através de resultados do regime fiscal aplicável a mais e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes de capital, em conformidade com o facto de se tratar de realidades de natureza claramente distinta e não passíveis de qualquer aplicação analógica.
XII. Por outro lado, por via da existência de uma redução de valor que não encontra reflexo na determinação da matéria colectável em sede de IRC, tendo sido apresentadas evidências que comprovam que a orientação proposta pela AT geraria situações de sobre-tributação manifestamente injustas e desprovidas de sentido, existiria uma clara contradição com os Princípios Constitucionais da Tributação pelo Rendimento Real e da Capacidade Contributiva.
XIII. Em face de todo o exposto temos que, quer o gasto decorrente da aplicação do justo valor, quer a aplicação do mesmo método - por via do ajustamento de transição para o SNC -, terão de concorrer na totalidade para a formação do lucro tributável da Impugnante no período de tributação aqui em análise corrigindo-se em conformidade o acto de autoliquidação.
XIV. Entendimento este que tem vindo, de forma sustentada e fundamentada, a constituir a jurisprudência firme sobre o tema no seio do CAAD (vide quadro constante das páginas 9, 10 e 11 das presentes alegações);
XV. Sendo aqui de destacar, a título meramente exemplificativo - e porque manifestamente clarificadores - o Processo 108/2013-T (já que constitui o primeiro e tem vindo a constituir a doutrina dos seguintes) assim como o Processo 599/2016-T (uma vez que, com o devido respeito, julga a Recorrida quer o mesmo afasta a interpretação dada pela decisão, também do CAAD, invocada neste recurso, pela Recorrente;
XVI. No primeiro (Processo 108/2013-T, pode ler-se o seguinte excerto:
«Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.° 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” n.° 3 entende-se ser de interpretar o artigo 45.°/3 do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n°9 da artigo 18.º.».
XVII. Já do segundo e para sedimentar o mencionado entendimento, destacam-se as seguintes passagens:
«Assim, tem de se concluir, na esteira da referida jurisprudência arbitral, que o artigo 42.º nº 3, do CIRC (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.° 159/2009), que não se aplicava originariamente a ajustamentos de justo valor em instrumentos financeiros, não passou a abrangê-los como corolário da inovadora relevância destes ajustamentos que veio a ser reconhecida pela alínea a) do nº 2 do artigo 57.° da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro (para as entidades sujeitas a supervisão do Banco de Portugal), pela alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.° 237/2008, de 15 de Dezembro (para as entidades que se encontrem obrigadas a aplicar o Plano de Contas para as Empresas de Seguros, aprovado pelo Instituto de Seguros de Portugal) e, em geral, pela redacção do CIRC introduzida pela do DL nº 159/2009».
(…)
«Por isso, se a letra do artigo 42.º nº 3, do CIRC pudesse ser interpretada, literalmente, como abrangendo estes ajustamentos, ela teria de ser interpretada restritivamente, pois, teria de se concluir que o legislador teria adoptado um texto que atraiçoava o seu pensamento, na medida em que diria mais do que aquilo que pretendia dizer. Em situações deste tipo «a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)»).
“O método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo”. ( )
Deste modo, e em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil segundo as quais “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.° 1), e “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” (n.º 3), é de interpretar o artigo 42. n.° 3, do CIRC (depois, artigo 45. n° 3), no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável.
Para além deste relevo decisivo da ratio legis para delimitar o campo de aplicação do artigo 42.º n°3, do CIRC (depois, artigo 45.º, n.° 3), nem mesmo nele se encontra suporte textual na redacção do CIRC vigente em 2011 para uma interpretação no sentido de abranger os ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, pois nele alude-se a «perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio» e, na terminologia do mesmo Decreto-Lei n.° 159/2009, relativamente às diminuições de valor em instrumentos financeiros fala-se, na alínea i) do n.° 1 do artigo 23.º do CIRC, em «gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros».
(…)
Para além disso, a interpretação aqui perfilhada é a que manifestamente se afigura como mais acertada (e, consequentemente, se deve presumir ter sido legislativamente adoptada, por força do disposto no n°3 do artigo 9.° do Código Civil), como se refere no citado acórdão do processo n.° 108/2013-T:»
XVIII. Acresce que a prevalecer a interpretação que a AT quer atribuir ao artigo 45.°, n.° 3, do CIRC, violaria o princípio constitucional da tributação pelo lucro real.
XIX. Em face de todo o exposto temos que quer o gasto decorrente da aplicação do justo valor quer a aplicação retrospectiva do mesmo método - por via do ajustamento de transição -, terão de concorrer na totalidade para a formação do lucro tributável da Impugnante no período de tributação aqui em análise.
XX. É nessa medida que a sentença proferida não padece de qualquer vício na interpretação e aplicação dos preceitos invocados pela Recorrente, maxime o artigo 45°, n.° 3 do CIRC, muito pelo contrário, ao afastar a limitação constante do mesmo aos ajustamentos em apreço fez, seguramente, a correcta aplicação do referido preceito, na medida em que teve precisamente em consideração a ratio legis que lhe subjaz.
TERMOS EM QUE, SALVO MELHOR OPINIÃO, CONSIDERA A RECORRIDA QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE A SENTENÇA PROFERIDA RECONHECENDO-SE A EXCLUSÃO DO LIMITE CONSTANTE DO N.° 3 DO ARTIGO 45.° DO CIRC AS PERDAS EM CAUSA NOS PRESENTES AUTOS,
MAIS SE REQUER, AO ABRIGO DO N.° 7 DO ARTIGO 6.° DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E ATENTA A SIMPLICIDADE DA ACÇÃO E O COMPORTAMENTO DAS PARTES, A DISPENSA DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA DEVIDA EM VIRTUDE DO VALOR DA CAUSA SER SUPERIOR A € 275.000,00.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso, entendendo não ser de aplicar o limite constante do nº 3 do artigo 45.º do CIRC.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1- A Impte é sociedade dominante de um grupo de empresas sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, tendo apresentado, relativamente ao exercício de 2011, uma declaração individual de rendimentos e uma declaração do grupo, nas quais apurou um prejuízo fiscal de € 20.161.294,68, e um resultado global de prejuízo do grupo no montante de € 19.192.811,20, respectivamente.
2- A Impte detém, desde 2007, uma participação financeira inferior a 5% no “Banco Comercial Português, S.A.”, tendo procedido ao registo daquela participação em capitais próprios, sendo aquela participação mensurada, a partir de 2010, pelo justo valor reconhecida na demonstração de resultados, pelo qual reconheceu uma perda no montante de €54.537.180,20, tendo considerado o montante de €5.453.718,02 de ajustamento da perda de justo valor por aplicação do regime transitório introduzido pelo n° 1, do art.° 5º do Dec-Lei n° 159/2009, de 13.07., correspondente a 1/5 de 50% do total da perda registada na respectiva declaração de rendimentos.
3- A Impte, no exercício de 2011, registou perdas relativas a reduções por justo valor por aquela participação referida supra, em resultado da variação da respectiva cotação, no montante de € 14.300.170,00, tendo procedido ao acréscimo ao lucro tributável declarado naquele ano, de 50% das perdas deduzidas no resultado contabilístico, no valor de € 7 150.085,20.
4- Da autoliquidação do tributo nos termos supra referidos, a Impte apresentou, em 20.05.14, uma reclamação graciosa, a qual veio a ser indeferida por despacho de 31.12.2014 proferida em substituição pela Chefe de Divisão da J.A. da D.F.Lisboa .
5- Da decisão referida supra foi deduzido um recurso hierárquico, o qual mereceu decisão de indeferimento por despacho da Subdirectora-Geral da D.S.I.R.C., de 09.06.15.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar a questão que nos vem colocada e que passa por saber se pode ser aceite que as perdas resultantes da mensuração ao justo valor dos instrumentos de capital previstos na alínea a), n.º 9, do artigo 18º do CIRC concorrem em 50% para determinação do lucro tributável (perdas de valores de activos valorizados ao justo valor e cuja variação de valor deve ser reconhecida em resultados, como acontece no caso concreto) nos termos da norma do n.º 3 do artigo 45º do CIRC, na redacção à data ou devem concorrer pela totalidade.
As instâncias têm decidido a questão de forma divergente, quer aplicando a regra ínsita neste artigo 45º, n.º 3, quer admitindo a concorrência da totalidade das perdas desaplicando tal norma.

Dispunha, à data, o artigo 18º, n.º 9, al. a) do CIRC que, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, quando se trate de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social.
Também resultava do artigo 45º, n.º 3 do mesmo CIRC que, a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

Sobre a natureza e razão de ser do disposto no referido artigo 45º, n.º 3 já se pronunciou este Supremo Tribunal nos seguintes termos, cfr. acórdão datado de 17.02.2016, recurso n.º 01401/14:
A determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC faz-se nos termos do n.º 1 do art. 17.º do respectivo Código: «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
De acordo com o disposto no art. 20.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, «[c]onsideram-se rendimentos [antes, proveitos e ganhos] os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente (…) h) Mais-valias realizadas; (…)»
No art. 23.º, n.º 1, do mesmo Código especificam-se quais gastos [antes, custos ou perdas] que a lei releva. Após uma definição ampla do conceito de gastos fiscais – «os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» –, o preceito faz uma enumeração meramente exemplificativa, na qual inclui as «menos-valias realizadas» [cfr. alínea l)].
Quanto às variações patrimoniais positivas, diz o n.º 1 do art. 21.º do CIRC: «Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no período de tributação, excepto (…) b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal».
Paralelamente, quanto às variações patrimoniais negativas, dispõe o art. 24.º, n.º 1, do mesmo Código: «Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto (…) b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade».
O n.º 1 do art. 46.º do CIRC dá-nos a definição de mais e menos-valias: «Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: a) Activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes activos tenha sido reclassificado como activo não corrente detido para venda; b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º».
O n.º 2 do mesmo artigo indica o método para o respectivo cálculo: «As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correcções de valor previstas no artigo 35.º, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, sem prejuízo da parte final do n.º 5 do artigo 30.º». O valor de realização é definido no n.º 3 do mesmo artigo.
Ou seja, em princípio (Desde que respeitem os requisitos do art. 23.º do CIRC.), as menos-valias e as perdas realizadas por uma sociedade com uma determinada operação comercial concorrem, negativamente, para a formação do lucro tributável do respectivo exercício.
Mas existem algumas limitações, entre as quais ora nos interessa considerar a do art. 45.º do CIRC, com a epígrafe «Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», que no seu n.º 3 estabelecia: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
Esta norma restritiva do montante de menos-valia susceptível de dedução não existia na versão original do CIRC (Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro.). Designadamente, no art. 42.º, que correspondia ao referido art. 45.º, nenhuma restrição havia relativamente à dedução das menos-valias. Como deixámos já dito, apenas se afirmava, na alínea l) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que se consideravam gastos «as menos-valias realizadas».
A referida norma foi aditada (sob o n.º 3) ao então art. 42.º do CIRC (depois 45.º) pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003), com a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento do Estado de 2003 (Disponível em http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2003&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.), após referir «[n]o que respeita às receitas, estabelecem-se desde logo duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável» (pág. 34), enquadrou a medida de «exclusão parcial (50%) das menos-valias registadas na alienação de partes sociais pela generalidade das empresas» no âmbito das alterações em sede de IRC em ordem ao «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade» (pág. 53).
Ulteriormente, com a entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o referido n.º 3 do então art. 42.º do CIRC recebeu a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para este Orçamento (Disponível em http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2006&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.) enquadrou esta alteração no âmbito do «combate à fraude e evasão fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental» (pág. 31).
Ou seja, o n.º 3 introduzido no art. 42.º do CIRC (depois, art. 45.º) pelo Orçamento do Estado para 2003 veio impor uma limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias, nos termos da qual a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre em apenas metade do seu valor para a formação do lucro tributável. Sob essa óptica, na realização de uma menos-valia seria determinante apurar se esta resulta da transmissão onerosa de partes de capital. Na afirmativa, haveria de se aplicar a limitação dos 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias.
Com o Orçamento do Estado para o ano de 2006, a referida limitação viu o seu âmbito de aplicação ser alargado: para além das menos-valias resultantes de alienações onerosas, passou também a incluir as transmissões onerosas de «outras componentes do capital próprio».
A norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.
Tenha-se presente que, após a republicação do CIRC, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a norma em questão passou a ser o n.º 3 do art. 45.º, sendo que presentemente este artigo 45º já se encontra revogado.
A existência desta norma visou, portanto, de forma imediata combater a fraude e a evasão fiscal, evitar a manipulação dos resultados fiscais, e de forma mediata obter um alargamento da base tributável resultante da redução significativa daqueles mecanismos usados pelos contribuintes para reduzir ou anular o montante do imposto a pagar.

Vejamos agora em que medida a mensuração dos activos -instrumentos financeiros cotados em mercados regulamentados- ao Justo Valor pode ser compatibilizada com esta norma do CIRC (não se fará agora um estudo exaustivo sobre as normas contabilísticas e o Justo Valor, nomeadamente a sua contraposição ao custo histórico, nem a distinção entre instrumentos financeiros e activos fixos tangíveis, apenas os primeiros nos interessam e, por isso, apenas se abordará a matéria naquilo que seja estritamente indispensável para a resolução do litigio).
O conceito de Justo Valor resultante das regras contabilísticas, quer nacionais (Sistema de Normalização Contabilística – SNC, Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho), quer internacionais (NIC), quando incorporado no sistema fiscal, consubstancia-se, no essencial, na “quantia pela qual um ativo pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transação em que não existe relacionamento entre as partes”.
Refere José de Campos Amorim que, “As IAS/IFRS e o SNC, com as alterações das normas de relato financeiro, introduziram uma maior justiça na valorização dos bens da sociedade com vista aos utentes da situação económica, financeira e patrimonial da sociedade. Esta abertura da contabilidade ao justo valor vai ao encontro dos investidores que desejam obter uma informação real e fidedigna antes de decidir investir na empresa.
Não é uma informação que pode condicionar determinadas operações económicas ou financeiras, como, por exemplo, o aumento ou a diminuição de capital, mas que é de uma grande relevância para o investidor que pretende ter uma noção real e atual dos ativos da empresa. É por esse motivo que a contabilidade está orientada não para o custo histórico mas para o valor atual dos ativos.”, cfr. O Justo valor e as suas implicações fiscais, IV Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pág. 168.
Portanto, a consideração do Justo Valor, no que aqui nos interessa (a introdução do modelo do Justo Valor no âmbito do IRC quando estejam em causa instrumentos financeiros, operou-se pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho) e para efeitos fiscais (que, nos termos do artigo 17º, n.º 1, do CIRC se encontra directamente ligado com a própria contabilidade da empresa), tem uma ligação imediata à cotação oficial dos títulos, no caso dos autos encontra-se sujeita a um mercado regulado por entidades oficiais, deixando o facto tributário de se associar à venda dos títulos -realização das mais ou menos valias- passando a estar associada à oscilação da cotação oficial entre o início e o fim do período de tributação, cfr. Tomás Castro Tavares, Justo valor e tributação de mais valias de acções de sociedades cotadas, Estudos em Memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. IV, págs. 1137 e 1138.
Estas “mais valias ou menos valias” assim determinadas pelo Justo Valor são meramente potenciais ou provisórias -o valor dos activos consubstancia-se numa posição financeira-, porque não há uma efectiva entrada de capital ou perda de capital face ao custo histórico, tal como é reconhecido pelo próprio legislador nacional no artigo 32º, n.º 2 do CSC.
Não há, assim, qualquer dúvida que o Justo Valor negativo, à posição financeira negativa resultante do Justo Valor, não lhe …subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente, da vontade fiscal do contribuinte… A vontade do contribuinte nunca molda o facto tributário assente no fair value: desaparece o óbice económico do lock-in (o facto tributário dissocia-se da decisão de venda); se os proveitos do justo valor são totalmente tributados (nunca se lhes aplica o regime das mais e menos valias), os gastos também devem ser aceites na totalidade; e não há, por fim uma assimétrica inclinação para a realização do custo de justo valor, por comparação com o ganho - pela razão simples de que o facto tributário do justo valor (positivo e negativo) dissocia-se, totalmente, da vontade do sujeito passivo…cfr. Tomás Castro Tavares, ibidem, págs. 1143 e 1144.
Portanto, o legislador com a norma do artigo 18º, n.º 9, al. a), para casos como o dos autos, afastou o princípio da realização e aproximou, ainda mais, a regra fiscal à regra contabilística, atribuindo relevância fiscal à variação anual do valor dos instrumentos financeiros, com preço formado em mercado regulamentado, quando aplicadas as regras do Justo Valor, cfr. artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC.

Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9º do CC, que a norma do artigo 45º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação –ao Justo Valor- do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos activos –a posição financeira- acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo.
Temos, assim, que concluir que o recurso não merece provimento.

Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da t.j.
D.n.
Lisboa, 6 de Junho de 2018. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Francisco Rothes.