Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0217/23.0BESNT
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
TAXA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31958
Nº do Documento:SA2202402280217/23
Recorrente:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Recorrido 1:A... (PORTUGAL), SGPS, UNIPESSOAL, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a Impugnação Judicial que “A... (PORTUGAL), SGPS, Unipessoal, Lda.” deduziu contra os actos de liquidação das taxas de inspecção, no montante global de €47.383,97, cobrados à Impugnante no contexto dos procedimentos de devolução dos pagamentos especiais por conta de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), relativos ao período de tributação de 2011 e anulou a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, interpôs o presente recurso jurisdicional.

1.2. Nas alegações de recurso apresentadas formulou a Recorrente as seguintes conclusões:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por A... (PORTUGAL), SGPS, UNIPESSOAL, LDA, e em consequência, anulou a liquidação da taxa de inspeção referente ao exercício de 2011, no montante de € 47.383,97 e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante da liquidação anulada, calculados desde ../../2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, à taxa legal em vigor.

B. Considerando a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, não pode a recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado na mesma, por entender, salvo o devido respeito, que enferma de erro de julgamento resultante da incorreta interpretação e aplicação do Direito, tendo, assim, violado a norma prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 08 de janeiro e a alínea b) do n.º 3 do artigo 93.º do Código do IRC (CIRC).

C. Importa salientar que o pagamento especial por conta, introduzido no Código do IRC pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 3/03, constitui uma forma de antecipação das receitas por conta de uma tributação. As entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamentos por conta do imposto devido a final.

D. Não sendo possível a dedução prevista no art.º 93.º, n.º 1 do CIRC, nasce na esfera jurídica do contribuinte um direito de crédito perante a Administração Fiscal.

E. O pedido de reembolso do pagamento especial por conta (PEC) está sujeito a ação de inspeção tributária. Vindo o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro a regular o sistema de inspeção tributária por iniciativa do sujeito passivo ou de terceiro.

F. A realização da ação inspetiva deve ser requerida pelo interessado, o qual está obrigado a invocar e provar o interesse legítimo na mesma (art.º 2º).

G. Em caso de deferimento do requerimento, será devida uma taxa pela realização da inspeção, encontrando-se os seus montantes, mínimo e máximo, bem como os critérios de graduação, definidos pela Portaria n.º 923/99, de 20/10 (art.º 4.º, do Decreto-Lei). E, refira-se ainda, «Para todos os efeitos legais, a realização da inspecção prevista no presente diploma é considerada como serviço prestado pela Direcção-Geral dos Impostos ao requerente da inspecção» (art.º 7.º).

H. Ora, não oferece dúvida que a obtenção do reembolso de um PEC se afigura como um «interesse legítimo» do sujeito passivo. Traduz-se numa clara «vantagem resultante do conhecimento da exata situação tributária do sujeito passivo» (art.º 2º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 6/99).

I. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, apesar da ausência de uma remissão expressa do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC para o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, não há legitimidade para sustentar que não faria sentido que, ao reembolso do valor do PEC, dependente de ação inspetiva a pedido do sujeito passivo, não fosse aplicado o regime constante do referido Decreto-Lei.

J. Considerando os objetivos associados ao estatuído no n.º 3 do artigo 93.º do CIRC e atendendo ao elemento sistemático e à unidade do sistema jurídico, na determinação do exato sentido e alcance da norma, e levando em conta que à data da criação deste normativo já se encontrava em vigor o Decreto-Lei n.º 6/99.

K. Acresce que, a lei (em vigor à data dos factos) não previa qualquer outra possibilidade de o sujeito passivo reaver o montante em excesso dos pagamentos especiais por conta.

L. Para mais, tendo em conta que, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 6/99, o deferimento do requerimento depende da invocação da prova do interesse legítimo do requerente na realização da inspeção, e que como decorre do termo “nomeadamente” previsto no n.º 6 do mesmo artigo, é meramente exemplificativo o elenco das situações qualificadas como “interesse legítimo”, entende-se, pois, que o pedido de reembolso do pagamento especial por conta, efetuado ao abrigo do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, qualifica-se como “interesse legítimo”, aplicando-se, em consequência, o regime constante do Decreto-Lei n.º 6/99.

M. Deveria o Tribunal a quo ter decidido que a alínea b) do n.º 3 do artigo 93.º do Código do IRC estabelece, a partir da verificação dos requisitos nela constantes, uma remissão implícita para o regime constante do Decreto-Lei n.º 6/99.

N. Os pagamentos especiais por conta poderão desembocar, quando não haja lugar a reembolso, por falta de preenchimento dos requisitos previstos pelo legislador no CIRC, numa verdadeira coleta mínima de imposto.

O. Ora, a ação de inspeção para efeitos de obtenção do reembolso do PEC visa, objetivamente, a confirmação de que os sujeitos passivos não obtiveram durante os cinco exercícios possíveis, coleta que justifique o pagamento efetuado e, concomitantemente, a restituição do imposto pago e não devido a final.

P. Logo, sendo a realização da ação inspetiva condição essencial para o reembolso do PEC em excesso, logo no interesse do contribuinte, será justo que os custos dela decorrentes sejam por ele suportados, o que configura um serviço público prestado ao sujeito passivo, daí resultando o pagamento de uma taxa.

Q. Classificada a natureza da ação inspetiva, a mesma só poderá ser enquadrada no âmbito do regime especial de inspeção por iniciativa do sujeito passivo, previsto no art.º 47 da LGT e regulamentado no Decreto-Lei n.º 6/99 de 8 de janeiro, com as consequências que daí advêm no que se refere ao pagamento da taxa devida pela realização da ação de inspeção.

R. A este propósito referiu-se o Tribunal Constitucional no acórdão proferido no processo n.º 365/03, de 14.07.2003.

S. Conclui-se assim, que se encontra legitimada a previsão da referida taxa e a sua subsequente liquidação impugnada que foi efetuada nos termos da Portaria n.º 923/99 de 20/10, pelo que, a mesma não merece censura, uma vez que foi efetuada conforme a legislação vigente e aplicável ao caso concreto.

T. Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por padecer de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a ilegalidade das taxas em crise.

U. A sentença recorrida fez, assim, incorreta interpretação e consequente aplicação da lei.

V. Temos, pois, que é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade das taxas de inspeção, aqui em causa».

1.3. Contra-alegou a Recorrida tendo concluído:

«A. Na douta sentença recorrida, julgou o Douto Tribunal a quo integralmente procedentes as pretensões da Recorrida, tendo (i) anulado os referidos atos de liquidação das taxas de inspeção e a decisão de indeferimento da revisão oficiosa que sobre os mesmos incidiu e, bem assim, (ii) condenado a Fazenda Pública na restituição dos respetivos montantes (acrescida de juros indemnizatórios);

B. No caso dos autos discute-se a (i)legalidade do ato de liquidação de taxa de inspeção cobrada à Recorrida no âmbito de procedimentos de inspeção tributária destinados ao reembolso de PEC, referentes ao exercício de 2011, bem como a (i)legalidade da decisão de indeferimento da revisão oficiosa apresentada contra aqueles, atenta a pretensa aplicação do regime ínsito no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro;

C. Ora, no entender da Recorrida, bem andou o Douto Tribunal a quo (na esteira do douto

entendimento perfilhado pelo TAF de Sintra no âmbito do Proc. n.º Proc. 035/21.0BESNT, onde intervieram os mesmos sujeitos processuais), quando decidiu que “(…) para ilidir a presunção é obrigação do sujeito passivo de IRC pedir que lhe seja feita uma inspeção (…). No entanto, este pedido de realização de uma inspeção não determina a prestação de um serviço pela AT ao sujeito passivo, do qual o mesmo retirará uma vantagem, mas antes tem por finalidade permitir-lhe provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em questão, ao rendimento legal fixado pelo legislador (…)”;

D. “Trata-se, por isso, do exercício pelo sujeito passivo de um direito previsto na lei”, sentenciando não ser aplicável o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, e, concomitantemente, a Portaria n.º 923/99, de 20 de outubro, à realização de ações inspetivas tendentes ao reembolso de pagamentos especiais por conta;

E. Ao contrário do que parece pretender a Recorrente, o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro foi introduzido na legislação nacional com o objetivo de conceder aos sujeitos passivos a possibilidade de requererem a realização de inspeções tributárias nos casos em que, por alguma razão (legítima), pretendam obter a análise da sua concreta situação tributária e, por via disso, vincular a Autoridade Tributária a essa análise, acautelando eventos futuros;

F. Isso mesmo resulta claro do referido diploma, no qual, quer no Preâmbulo, quer no seu artigo 2.º, n.º 6, se estabelece que o “interesse legítimo” do sujeito passivo, para este efeito, consistirá na obtenção e prossecução de uma “vantagem resultante do conhecimento da exata situação tributária do sujeito passivo, proveniente, nomeadamente, de atos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica ou de acesso a regimes legais a que o requerente pretenda ter direito”;

G. Sucede, porém, que tal interesse não se verifica nas inspeções tributárias requeridas pela Recorrida, as quais tão-somente visaram a confirmação de que, nos exercícios em que era possível a dedução dos PEC pagos em excesso, aquela não obteve coleta que justificasse os pagamentos efetuados e, concomitantemente, determinasse a restituição do imposto pago e não devido a final;

H. Donde se infere que o pedido de instauração de ação de inspeção tributária (como os pedidos na origem dos presentes autos) não é efetuado por interesse do requerente, nem com a finalidade de obter qualquer vantagem, antes se tratando da única forma legalmente admissível de exercício de um direito – in casu, o direito a ser tributado de acordo com o rendimento real, na aceção do artigo 104.º, n.º 2, da CRP;

I. Motivo pelo qual, também decidiu esse Douto Tribunal ad quem no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 072/17, de 31 de maio de 2017, “(…) não se trata[r] aqui da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, mas sim, e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal fixado pelo legislador no supra referido normativo. Ou seja, trata-se do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei. Não tem, por isso, aplicação a esta situação o previsto no D.L. n.º 6/99”;

J. Acórdão este que atualmente espelha a posição fundamentadora de diversos outros arestos, dos quais são bons exemplos: o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0581/17, de 11 de outubro de 2017; os Acórdão do Tribunal Central Norte n.ºs 02372/13.8BEPRT, de 10 de outubro de 2019, 00560/13.6BEPNF, de 24 de outubro de 2019, 02082/14.9BEPRT, de 3 de fevereiro de 2022, e 00549/16.3BEPRT, de 17 de fevereiro de 2022; e o Acórdão do Tribunal Central Sul n.º 799/14.7BELLE, de 16 de novembro de 2017;

K. Mas, mesmo que se considerasse – no que não se concede e apenas se admite por prudente dever de patrocínio –, ser o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, aplicável ao caso dos autos, a fixação de uma coleta mínima de IRC, decorrente da impossibilidade do reembolso dos PEC, sempre buliria frontalmente com o princípio da tributação de acordo com o lucro real previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP;

L. Perante o exposto, pugna-se pela impossibilidade de aplicação à situação em presença do regime ínsito no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, não podendo a recuperação dos PEC ficar dependente do pagamento das taxas de inspeção previstas naquele diploma, sob pena de preterição daquele princípio constitucional;

M. Neste contexto, enfermam os artigos 4.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, 87.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, na redação da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, 93.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, na redação do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, e, bem assim, a Portaria n.º 923/99, de 20 de outubro, de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da tributação das empresas de acordo com o seu rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, quando interpretados aqueles normativos no sentido de ser devido pelo sujeito passivo o pagamento de uma taxa pela abertura de ação de inspeção necessária à recuperação de PEC cuja dedução à coleta não se mostrou possível;

N. Em consequência, impõe-se a manutenção na ordem jurídica do sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida».

1.4. A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu parecer no sentido da tempestividade do presente recurso e de ser negado provimento ao mesmo, com a consequente manutenção da sentença recorrida na ordem jurídica.

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito - e uma vez que não estão postos em causa os pressupostos de natureza substantiva do PEC, ou do seu reembolso – a única questão a decidir é a de saber se assiste razão à Recorrente ao defender que é legal a taxa por si cobrada, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8/01 e da Portaria 923/99, de 20/10, pela inspecção tributária pedida pelo sujeito passivo tendo em vista o reembolso do PEC por estarem verificados os pressupostos para que esse reembolso lhe seja efectuado.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1. A impugnante é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto social consiste na gestão de participações sociais (facto provado por acordo - cfr. artigo 9º da petição inicial e 6º da contestação).

2. Por referência ao exercício de 2011, a Impugnante efectuou pagamentos especiais por conta no montante global de € 308.919,02 (fls. 78 a 90 dos autos e artigo 10º da petição inicial e 7º da contestação).

3. Em 2017.05.18, a Impugnante solicitou, perante a Direcção de Finanças de Lisboa, a realização de acções de inspecção tributária, relativas ao exercício de 2011, tendo em vista o reembolso dos pagamentos especiais por conta indicados em 2. (fls. 78 a 90 dos autos e artigos 12º da petição inicial e 8º da contestação).

4. Pelo ofício n.º ...48, de 2018.07.11, da Direcção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada do despacho do Director de Finanças de Lisboa, de 2018.07.09, que, além do mais, decidiu fixar a taxa de inspecção a suportar pela Impugnante no valor de € 47.383,97 (quarenta e sete mil trezentos e oitenta e três euros e noventa e sete cêntimos) – v. fls. 78 a 90 dos autos.

5. Em 2018.08.01, a Impugnante procedeu ao pagamento do montante de € 47.383,97, referente à taxa de inspecção indicada em 4. v. fls. 91 a 93 dos autos.

6. Em 2022.03.09, a Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa “do ato de liquidação da taxa de inspeção, no montante global de € 47.383,97, cobrado à Requerente no contexto do procedimento de devolução dos pagamentos especiais por conta do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativo ao exercício de 2011”, peticionando, designadamente, “a anulação do ato de liquidação da taxa de inspeção no montante de € 47.383,97” v. fls. 115 a 126 dos autos.

7. Pelo ofício de 2022.09.06, da Direcção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada do projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa indicado em 6. v. fls. 127 a 135 dos autos.

8. A Impugnante apresentou requerimento através do qual exerceu “o seu direito de AUDIÇÃO PRÉVIA”, pugnando pelo provimento do pedido de revisão oficiosa deduzido – v. fls. 136 a 150 dos autos;

9. Pelo ofício de 2022.11.09, da Direcção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento proferido pelo Director Adjunto de Direcção de Finanças, com os seguintes fundamentos:

“(…)

Nos termos da 2ª parte do nº 1 do art.º 78º da LGT, o pedido de revisão pode ser ainda apresentado no prazo de quatro anos após a liquidação, por iniciativa da Administração Tributária, ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago com fundamento em erro imputável aos serviços.

Mesmo tendo sido o pedido de revisão apresentado dentro do referido prazo, no caso em apreço não se verifica erro dos serviços na medida em que a Administração Fiscal fixou a taxa de inspeção de acordo com os normativos legais previstos, artigoº4 do Dec-Lei nº6/99, de 08/02.

Cumprindo-nos ainda observar que:

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) de Lisboa, em 2022-09-21 e transitada em julgado, em 2022-10-06, no âmbito do processo impugnação judicial nº 3522202103000176 (35/21.0BESNT), instaurado em 2021-06-09, tinha por objeto o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado a 13 de outubro de 2017, dos atos de liquidação das taxas de inspeção, no montante global de EUR 488.345,38, pagos pela requerente no contexto dos procedimentos de devolução dos pagamentos especiais por conta de imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativos aos exercícios de 2005 a 2010.

Pelo que, apesar da matéria em apreço, em ambos procedimentos, ser em tudo semelhante, não é possível aplicar, analogicamente, a mesma decisão a procedimentos diferentes, uma vez que compete à requerente demonstrar que houve erro imputável aos serviços devido à errada aplicação, por parte da AT, dos normativos legais antes aqui em causa.

O que não se verificou, tendo em conta que, sobre esta matéria, para além da exposição da Provedoria de Justiça, pronunciou-se o CEF, em parecer sancionada por Despacho do SEAF, n.º ...13 – XIX, de 2013-08-18, que “(…) há legitimidade para sustentar que não faria sentido que ao reembolso do valor do pagamento especial por conta, previsto no n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, dependente de ação de inspeção a pedido do sujeito passivo, se não fosse aplicado o regime constante do referido Decreto-Lei (DL n.º6/99)”, conforme já referido em sede de projeto de decisão do presente pedido de revisão oficiosa.

Da análise aos documentos antes identificados, apresentados pela requerente, verifica-se que não foi apresentado qualquer dado novo ou diferente dos já anteriormente analisados, uma vez que as decisões judiciais aqui referidas, referem-se a atos de liquidação diferentes, que por si só, não provocam a anulação da liquidação aqui em crise.

Face a tudo antes exposto, os documentos entregues não se mostram suficientes para demonstrar o alegado, cabendo-lhe o ónus da prova sobre factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT, afigura-se-nos ser de manter a liquidação reclamada.

Também não se encontram verificados os pressupostos previstos no art.º 43º da LGT, pelo que, não assiste direito a juros indemnizatórios.

Refere-se ainda, que consultado nesta data o sistema SICJUT, não se verifica a interposição de qualquer impugnação judicial.

III – Conclusão

Face ao exposto, propõe-se a convolação do projeto de decisão em definitivo, no sentido do INDEFERIMENTO do pedido de revisão oficiosa” - v. fls. 151 a 158 dos autos.

3.2. Fundamentação de Direito

3.2.1. A Administração Tributária não se conforma com a sentença que, concluindo pela ilegalidade das liquidações impugnadas, relativas às taxas de inspecção cobradas no contexto dos procedimentos inspectivos de devolução dos pagamentos especiais por conta (PEC) de IRC relativos ao período de tributação de 2011, anulou, em conformidade, as referidas liquidações e as decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as tiveram por objecto.

3.2.2. Alega, em resumo nosso, que apesar de não constar do artigo 93.º, n.º 3 do CIRC uma remissão expressa para o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, não há legitimidade para sustentar que não faria sentido que ao reembolso do valor do pagamento especial por conta (PEC), dependente de acção inspectiva a pedido do sujeito passivo, não seja de aplicar esse mesmo regime; que, sendo a realização da acção inspectiva condição essencial para o reembolso do PEC em excesso, logo no interesse do contribuinte, será justo que os custos decorrentes da mesma sejam por ele suportados, uma vez que se traduz num serviço público prestado ao sujeito passivo que justifica o pagamento de uma taxa e que a acção inspectiva em apreço, atenta a sua natureza, deve ser enquadrada no âmbito do regime especial de inspecção por iniciativa do sujeito passivo, previsto no artigo 47.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e regulamentado no já citado Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, com as consequências daí decorrentes quanto à exigibilidade de pagamento da taxa.

3.2.3. Como a Recorrente certamente saberá, a questão que nos submeteu para apreciação neste recurso foi já objecto de múltiplos julgamentos neste Supremo Tribunal Administrativo - designadamente nos acórdãos de 10 de Maio de 2017; de 31 de Maio de 2017 (processo n.º 72/17); de 11 de Outubro de 2017 (processo n.º 581/17); de 6 de Novembro de 2019 (processo n.º 3265/11.9BEPRT); de 13 de Julho de 2022 (processo n.º 3261/11.6BEPRT); de 21 de Setembro de 2022 (processo n.º 35/21.0BESNT), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.

3.2.4. Em todos os arestos identificados, julgados uniformemente, se concluiu que ao reembolso do PEC de IRC não é, nas circunstâncias apuradas, aplicável o regime constante do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro nem, concomitantemente, aplicável a Tabela de taxas prevista na Portaria nº 923/99, de 20/10, explicitando-se, em síntese, que «o Decreto – Lei n.º 6/99, de 8/01, regulamenta um serviço prestado pela administração ao sujeito passivo quando este pretende realizar uma operação ou procurar uma qualquer vantagem, alheia a uma relação tributária preexistente. Já quanto à inspeção feita a "pedido do sujeito passivo" para efeitos de reembolso de PEC de I.R.C., não estão em causa as mesmas finalidades. Não se trata de uma inspecção necessária à obtenção pelo particular de uma qualquer vantagem, mas antes de um procedimento necessário ao exercício de um direito que lhe assiste por lei.».

3.2.5. Sendo este o nosso entendimento, que aqui se reitera, há que concluir que a sentença recorrida, que assim julgou, não merece a censura que lhe vem dirigida, razão pela qual será confirmada.

3.3. As custas do presente recurso serão suportadas pela Recorrente, integralmente vencida na presente acção, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Gustavo André Simões Lopes Courinha - José Gomes Correia.